Chuva

This is the mystery of the quotient - Upon us all a little rain must fall.

"-Teme, pare de me olhar desse jeito!" – Naruto apontou de maneira acusadora para o garoto de cabelos escuros recostado na parede do quarto do hospital. – "Não teve como evitar!"

"-Você prefere quase se matar a atropelar uma raposa?" – girou os olhos. – "Por favor..."

Sasuke não era exatamente o tipo de pessoa que se podia chamar de sociável e muito menos tentava sê-lo. Solidão era algo ao qual ele estava acostumado, e se sentia completamente confortável sobre isso... O poupava de problemas estúpidos que apenas fariam aumentar seu já tão péssimo humor.

Mas às vezes perguntava-se porque ainda suportava pessoas como Naruto e Kakashi ao seu redor... E quando chegava à conclusão de que se não os tivesse seria completamente sozinho desistia de pensar muito sobre o assunto para evitar a dor de cabeça que certamente o atingiria mais tarde.

"-Sabe, você está falando igualzinho a minha médica."

"-Estou falando como qualquer pessoa normal." – suspirou, desencostando-se da parede e caminhando um pouco pelo quarto. Já estava ficando irritado com tanta demora, porque não podia simplesmente levar aquele idiota para casa? Até onde sabia ele já havia sido diagnosticado e liberado, então porque a tal médica ainda queria falar com ele?

Então no fundo de sua mente uma esperança surgiu quando a idéia de que ela poderia querer internar Naruto em um hospício começou a brilhar como um letreiro de Las Vegas, e subitamente a espera toda não pareceu assim tão ruim. Quem sabe finalmente uma pessoa sã o suficiente havia percebido as mesmas coisas que ele insistia em apontar para todos?

"-De todas as pessoas no mundo porque justo você tinha que vir me buscar?" – arqueou a sobrancelha diante daquela nova indagação criada por aquele mundo paralelo que era a mente de Naruto. Fora o próprio que tinha mandado chamá-lo, então porque a pergunta ridícula? Só podiam mesmo estar testando sua paciência.

"-Da próxima mande ligar para outra pessoa e quem sabe alguém diferente apareça."

"-Teme, eu-"

"-Naruto, me faça um enorme favor calando a boca, sim?"

O loiro estava prestes a responder quando alguém bateu na porta e desviou a atenção de ambos. Sem esperar por resposta ela se abriu, dando passagem a uma garota de cabelos cor-de-rosa nada satisfeita e bem conhecida...

Quando Sasuke deu por si já estava contemplando a tal médica. Até então em toda sua vida havia visto apenas uma pessoa com aquela cor estranha de cabelo, e esta seria a garota maluca que se atirara na frente do seu carro uns dias atrás. Na verdade, agora que parara para pensar, lembrava-se vagamente de ter lido aquele dia no crachá dela qualquer coisa sobre hospital, o que fazia a situação toda ter algum sentido.

"-Naru..." – observou-a hesitar por um instante quando o viu, levando alguns segundos até finalmente reconhecê-lo e então arriscar um sorriso. E, novamente, havia visto apenas uma pessoa lançar um sorriso sincero daqueles para ele, e esta pessoa era a garota doida do pneu furado. – "Sasuke!"

Então ela se lembrava do nome dele... Interessante. Não costumava guardar informações ou lembranças de muitas pessoas, mas aquela garota lunática com certeza tinha uma personalidade péssima e traços marcantes. Não que aquilo fosse bom, porque obviamente estava bem longe disso.

"-Vocês se conhecem?" – Naruto arqueou a sobrancelha, parecendo um tanto incomodado com aquilo. – "Como você a conhece, teme?"

"-Ela é a garota do pneu furado."

"-Nome interessante que você arrumou pra mim." – ela riu, aproximando-se do leito onde o loiro estava deitado e deixando a prancheta sobre o colchão enquanto adiantava-se para examiná-lo.

Para falar a verdade, não havia muitas coisas passando pela cabeça de Sakura naquele momento a não ser diferentes maneiras de fazer Naruto sofrer... Mas uma coisa era certa: não esperava que fosse vir a rever Sasuke de novo. Se Ino soubesse que havia reencontrado o estranho daquele dia teria um ataque histérico e daria um milhão de dicas pervertidas para ela.

"-Não acredito que é ela! Sakura-chan, como você suportou ser resgatada pelo Sasuke-teme?"

"-Não tive muita opção..." – brincou, empurrando-o contra a maca para que ele ficasse parado por um instante. Naruto era um bom amigo, mas com toda certeza do mundo era um péssimo paciente. Tinha plena convicção de que ele sofria de hiperatividade e de que ficar calado para ele era um desafio impossível de ser realizado.

Olhou para o garoto de cabelos escuros com o canto dos olhos, subitamente interessada.

É, ali estava ele, com a mesma cara antipática e com os mesmos olhos misteriosos. E era inegável que ele era uma graça, mas ela não tinha tempo para aquele tipo de coisa nem interesse o suficiente para investir nele... Além é claro da paciência que supostamente seria necessária para lidar com aquele humor terrível que parecia exalar dele.

Suspirou, terminando o que fazia e dando um leve tapinha no ombro do garoto deitado na maca. O que estava pensando? Só podia mesmo estar começando a ficar maluca. Tinha cogitado flertar com o amigo do seu paciente – e seu salvador de alguns dias atrás – ou era só sua mente lhe pregando peças? Por favor...

"-Prontinho, já pode ir."

"-Está chovendo." – ele murmurou, olhando pela janela e ignorando totalmente a nova feição assumida pelo Uchiha que ainda estava perto da porta. – "Não podemos esperar?" – perguntou, piscando algumas vezes sem tirar os olhos da chuva.

"-Óbvio que não."

"-Claro que sim." – as respostas adversas fizeram com que Sasuke e Sakura trocassem um olhar rápido.

"-Não posso ficar aqui perdendo tempo, Naruto." – bufou o outro, abrindo a porta do quarto. – "É o tempo de eu ir tomar um café e voltar e nós vamos embora, chovendo ou não."

A médica fez uma careta enquanto tentava entender se havia realmente algum motivo plausível para uma pessoa estar de tão mau humor tão cedo.

"-Ele é sempre assim?"

"-Pior!" – observou Naruto torcer o nariz e teve vontade de rir. Mas não o fez quando se lembrou de algo.

"-Droga, esqueci de deixar o atestado e as instruções pra ele..." – respirou fundo. – "Naruto, fique aqui."

O loiro arqueou uma sobrancelha enquanto a observava deixar o cômodo.

E depois ele que era o louco... Como diabos poderia ir a algum lugar com sua perna engessada e presa no ar?

ooooo

Elementar que ela foi procurar o emburradinho no restaurante do hospital... E ainda mais elementar que ele não estava lá. Perguntava-se o que levava um idiota – um belo idiota, se lhe era permitida a observação – a atravessar a rua no meio da chuva só pra comprar um café no Starbucks quando se tinha uma cafeteria ao lado do restaurante no último andar do hospital.

Quando chegou debaixo da marquise suspirou, fitando as próprias roupas ensopadas enquanto tentava ajeitar os cabelos. Olhou ao redor rapidamente, encontrando sem muito esforço a figura do Uchiha – sequíssima e impassível, diga-se de passagem – sentada um pouco mais ao canto quase como se fosse alérgico à proximidade de outros seres humanos.

Um pequeno flashback do dia fatídico em que seu pneu furou passou por sua mente: ela estava novamente pingando e ele intocado.

"-Sasuke?" – ele ergueu os olhos para ela, e não precisou perguntar para que soubesse que ele queria saber por que ela havia aparentemente o seguido até ali. – "Esqueci de conversar com você sobre Naruto."

"-Não sou a mãe dele."

"-Mas é a pessoa que ele confiou para vir buscá-lo."

"-Até onde me foi informado ele não acabou de sair da ala de pacientes terminais."

"-Poderia ter um pouco de consideração com seu amigo?" – perguntou, cruzando os braços um tanto indignada.

"-Difícil quando a recíproca não é verdadeira."

Quando deu por si, Sakura já tinha sentado em frente a ele e estava com os dentes cerrados. Céus! Nunca antes havia conhecido alguém tão teimoso e estúpido como aquele tal Uchiha Sasuke. Qual era o problema com ele?

"-Quem você pensa que é? "

"-Com licença?" – o garoto arqueou uma sobrancelha e controlou a vontade de rir que se apoderou dele. O que aquela tal Sakura queria dele agora? Só podia ser brincadeira de mau gosto... Uma coisa era ter que vir buscar Naruto por falta de opção – e talvez por peso na consciência – e outra completamente diferente era ser confundido com alguém da família ou com a babá dele.

Além do mais ela já havia passado de todo e qualquer limite e ele não estava com a mínima vontade de manter uma conversa ou se explicar e muito menos de permanecer por mais muito tempo ali olhando para aquele cabelo ridiculamente rosa.

"-Você se acha muito, não?"

"-E quem exatamente você pensa que é?" – devolveu a pergunta, se levantando lentamente e ignorando completamente a feição indignada que ela assumiu novamente.

Sakura respirou fundo e passou a mão pelos cabelos. Certo... Se pretendia falar com aquele idiota teria que ter paciência.

"-Espera!" – esticou o braço para pará-lo, quase se arrependendo quando ele voltou-se para ela com uma cara de pouquíssimos amigos. – "Já vi coisas muito piores que você, Uchiha. E se me deixar falar prometo que vai poder ir embora tão rápido quanto gostaria."

E pela segunda vez no dia a mesma mulher petulante o fez ter vontade de rir.

"-Você tem dois minutos."

Ela respirou fundo mais uma vez.

"-É importante que Naruto não faça esforços desnecessários nesse período de recuperação e tome cuidado redobrado. É recomendado que ele mantenha o pé elevado quando possível pra evitar edemas..." – ela fez uma pequena pausa. – "Você sabe o que é um edema?"

"-Óbvio que sim." – ela estava o chamando de burro ou simplesmente o subestimando? As duas opções lhe soavam igualmente estúpidas e irritantes.

"-Se ele sentir muita dor estou receitando um remédio pra aliviar... E preciso que o traga de volta para tirar o gesso. Se bem conheço ele vai querer tirar antes da hora..." – estendeu um papel escrito que ele pegou prontamente.

"-É só isso?"

"-Sim." – ele estreitou os olhos para ela por mais um instante antes de dar-lhe as costas e caminhar até a saída do lugar.

Sakura observou-o fazer aquilo e girou os olhos. Quem aquele cara pensava que era? O dono do mundo?

"-Idiota."

"-Eu ouvi isso." – murmurou Sasuke, não evitando sorrir de lado.

Em toda sua vida mulher alguma havia o chamado de idiota.

Estava tão acostumado a tê-las o tratando com respeito e um ridículo cuidado que não notou o quão satisfeito tinha ficado com o temperamento explosivo, sincero e forte daquela garota.

Quem era ela afinal?

Especularia sobre isso mais tarde, caso se lembrasse.