Com afinco e concentração, Anna rabiscava no papel com seu lápis, inclinando-se para os lados, agitada, colocando a língua para fora, invariavelmente olhando para a frente, e voltando a riscar. Como Peach estava junto com os outros Shugo Charas, fazendo sabe-se lá o que eles faziam quando estavam juntos, ela não tinha nada que pudesse distraí-la agora, então rendeu-se à vontade que já a assolava há bastante tempo.

O professor sorriu, enquanto explicava a matéria, feliz pela estrangeira finalmente ter parado de olhar para o nada e estar interessada no assunto, mas sequer podia imaginar que o interesse dela era outro, e nada tinha a ver com suas aulas de literatura. Ela estava desenhando, desde o início do período, e mal sentia a passagem do tempo enquanto se ocupava com os desenhos. Seus dedos doíam um pouco, mas isso também era irrelevante. Ela havia começado rabiscando personagens aleatórios em um canto, mas depois de alguns minutos, o seu objeto de inspiração tornara-se outro, e agora a página do caderno estava repleto de representações de certo loiro, em diferentes estilos e ângulos.

—Lewis-san – Tadase disse, virando-se para trás para entregar a ela o impresso que o professor distribuía. Anna deixou escapar uma interjeição de surpresa, debruçando-se sobre seu caderno imediatamente.

— T-thank you. – ela murmurou, sorrindo sem graça, e pegando o papel com uma das mãos, sem levantar-se da mesa.

— O que está fazendo, Lewis-san? – ele indagou, preocupado, olhando discretamente para ela.

— N-nothing… I just… eu só estou…

A fala de Anna foi interrompida por um agudo e familiar grito, que tanto ela quanto Tadase e Rima, que parecia estar dormindo na classe ao lado, reconheceram, enquanto o resto da turma não esboçou reação alguma.

— Nuri nuri nuri nuri nuri nuri~

— A X-egg! Look! – Anna exclamou, assombrada, acordando de vez Rima.

Tadase girou o pescoço para frente, vendo o pequeno ovo negro voando logo acima do quadro-negro, cantando seu lamento ritmicamente. Aproveitando do momento de distração do rei, Anna se preparou para fechar o caderno rapidamente, mas se atrapalhou com a capa e deixou o caderno cair. Ela se curvou para recuperá-lo, mas o viu levantar-se no ar, circundado por uma energia negra e espessa vinda do ovo. Apressou-se em tentar recuperá-lo, e a impressão de que as pessoas que não enxergava o batsu-tama era de que ela estava segurando o caderno no alto.

Naquele momento, todos os alunos, e até mesmo o professor estavam com a atenção focada no estranho comportamento da inglesa, que tentava a todo o custo recuperar o caderno, que estava aberto justo na parte mais embaraçosa.

— Anna-san, o que está fazendo? – Rima sibilou, incrédula, vendo a garota se esticando toda para tentar recuperar o caderno.

— This is mine! Devolva! Ninguém pode ver!!! – ela dizia levantando-se e ficando nas pontas dos pés, segurando a outra ponta do caderno e tentando puxá-lo para baixo.

— Nuri, nuri nuuuuri! – o ovo respondeu, fazendo mais força e o erguendo. Os dedos de Anna escaparam, e o caderno voou na direção do teto. Ela não pensou muito tempo no que acontecia, e pulou em cima da classe mais próxima, derrubando tudo o que havia nela, para tentar alcançar o caderno. A classe em questão era de Tadase, e ele cerrou com força os olhos, baixando os olhos para não ver nada que não devesse.

Anna esticou-se ainda mais para tentar recuperar o caderno, e então começou a dar pequenos pulinhos sobre a mesa, querendo alcançá-lo o quanto antes. Todos os alunos a observavam atônitos, fazendo mais e mais comentários. As páginas do caderno estavam abertas, e qualquer um que olhasse com atenção poderia ver os seus desenhos, o que só aumentava o desespero da garota.

— No! Give me back! – ela choramingou, balançando os braços no alto para tentar recuperá-lo.

— Isso é perigoso, Lewis-san! – Tadase chamou, ao lado da classe – Desça daí, você vai se machucar!

— B-but… o meu caderno, ele… – ela olhou para baixo, na direção do garoto, e exatamente nesse momento, o ovo desativou a energia, deixando o caderno cair bem em cima da cabeça da garota e rolando até o chão. Por sorte, ele caiu fechado.

— Está fugindo. – Rima anunciou, e imediatamente levantou-se e colocou-se para fora, perseguindo o batsu-tama.

— Kite, Lewis-san! – Tadase chamou, erguendo no ar a mão para ajuda-la a descer. Consciente do fato de todos estarem olhando para ela, Anna corou furiosamente e timidamente aceitou a ajuda, segurando a mão de Tadase firme entre a sua e dando um pequeno pulo, nada gracioso, no chão. Chegou a perder o equilíbrio ao pousar, mas como Tadase ainda a segurava, não caiu. Ajeitou os óculos que pendiam, escorregando pelo nariz, e antes que pudesse firmar os pés direito, Tadase a puxou na direção da saída – Sumimassen – pronunciou rapidamente ao passar pelo professor, e assim, ele e Anna avançaram pelo corredor, vendo apenas os cabelos de Rima sumirem ao descer as escadas.

— Wait, Miss Mashiro! – Anna gritou, tropeçando e quase caindo enquanto era rebocada por Tadase.

— Mashiro-san! – Tadase ordenou, virando e descendo as escadas, quando finalmente alcançou Rima. – Chame os outros, e deixe o batsu-tama comigo e com a Lewis-san!

Ela assentiu, voltando a subir as escadas e indo em direção à sala de Amu e os outros, enquanto Tadase conduzia a inglesa, que agora quase se arrastava no chão, depois de muito atrapalhar-se nos próprios pés. Eles viram o ovo voar pelo primeiro andar na direção da outra escada, e o seguiram até o térreo descendo correndo os degraus.

Tadase ainda segurava Anna inabalavelmente, e ela ia aos tropeços o seguindo, curiosamente muito atenta ao fato de estar de mãos dadas com o garoto. O batsu-tama precipitou-se para a saída, acelerando e berrando audivelmente, e Tadase apressou-se em sua corrida, levando Anna de arrasto e ela, como já era de se esperar, perdeu o equilíbrio e foi direto com a cara no chão, derrapando de barriga como um pinguim no gelo.

— Ah, Lewis-san! – ele voltou, ajudando a garota a levantar – Daijoubu?

— Yes…I… I’m sorry… – ela disse, baixando o rosto e ajeitando os óculos – Eu estou sempre te atrapalhando, e você perdeu o X-egg de vista, por minha culpa… I’m so… so wrong… Faço tudo errado… – soluçou, engolindo um soluço.

— Não fale assim, Lewis-san! – Tadase se apressou em dizer – Você não me atrapalha!

— But… but… Desde que eu cheguei aqui, tudo o que fiz foi quebrar coisas, tropeçar, cair… e fazer escândalo no meu Character Change… Eu vim para ajudar, e mesmo assim… mesmo assim… eu só causo problemas ao Prince Charming… - os olhos de Anna marejaram, e seu queixo tremeu. Tadase desesperou-se, agitando os braços no ar procurando alguma maneira de evitar que ela chorasse.

— Lewis-san… O que você está falando… bem, é verdade. Mas eu não penso que você seja um incômodo! Realmente… esses são os traços da sua natureza. São o que fazem você ser quem é. E eu não acho, de maneira alguma, que você deva mudar. Eu… penso que o jeito que você é… é muito… kawaii… – ele encerrou, com o rosto colorindo-se. Anna, sentindo seu rosto formigar, levantou os olhos verdes, brilhando por trás dos óculos, e Tadase afagou sua cabeça, sorrindo constrangido para ela.

— Iiieeee!!! Nuri Nuuurii!!! NUUUURII!!!! – o grito agudo sobressaltou os dois, que se afastaram como se tivessem levado um choque. O ovo negro estava bem na entrada da escola, encarando os dois com fúria. Repentinamente, ele se rachou, e abriu-se, revelando a pequena figura negra, com um X bem no meio da testa – Chigaaaauuu!!! - uma voz feminina ecoou, de dentro do Batsu Chara – Parem com isso!!! Parem de fazer isso na minha frenteee! Eu não queeero ver issooo!!!!

Exatamente nesse momento, Rima e os outros desceram as escadas, correndo, e chegaram até o hall de entrada. Os Shugo Chara deles, vindos da direção oposta, também apareceram. O Batsu Chara, ao ver tantas pessoas se aproximando, saiu em disparada, e sem pensar duas vezes, todos foram atrás dele.

— Eu devo chamar a Yaya e o Kairi também? – Rima perguntou, enquanto corriam, quase sem fôlego depois de tanto subir e descer escadas.

— Não há tempo! – Tadase disse, correndo na frente – Vamos apenas nós, ou o perderemos. Kiseki, Chara Change!

— Certo! - o pequeno reizinho assentiu, e uma coroa surgiu na cabeça de Tadase, assim como um cetro de ouro na sua mão. Assim que isso aconteceu, Tadase aumentou a velocidade e apontou o cetro para o alto – Holy Crow! – ele gritou, tentando acertar o Chara com a luz dourada, mas ele desviou e seguiu voando para frente – Não o deixem escapar! – Tadase gritou, tentando novamente atingir o alvo.

Amu fez Chara Change com Ran, e asas cor-de-rosa surgiram em seus pés, ao mesmo tempo em que sua presilha de cabelo se transformava em um coração. Ela tomou impulso, e foi voando na direção do ovo, tentando barrá-lo. Rima fez o mesmo com Kusu-kusu, com desenhos de uma estrela e uma gota verdes em cada bochecha. Materializando uma corda, ela tentou capturar o pequeno Chara negro, mas ele desviou. Kukai também mudou, e com um skate, e uma estrela aparecendo nos cabelos, ele começou a voar na direção dele, tentando pegá-lo com a mão.

— Nuri! Inútil! Tudo o que eu faço é inútil! Não adianta nada… ! - o Chara chorou, voando ainda mais alto, para desviar de outro ataque do rei.

— Minna-san! – Tadase apontou para quem estava mais perto, que no caso, eram Anna, Stéffanie, Miguel e Nagihiko – Não deixem que ele saia da escola, por favor! Cerquem os muros! Temos que dar um jeito de mantê-lo aqui dentro!

Os quatro começaram a correr na direção da entrada, que agora não estavam tão longe considerando a distância que já tinham percorrido. O Chara olhou de um para outro, e atacou-os com a energia negra, mirando especificadamente na direção de Stéffanie. A espanhola fechou os olhos com força, protegendo-se com os braços e esperando pelo baque. Tarde demais, ela percebeu que ainda não havia sentido nada. Abriu os olhos devagar, receosamente, e então viu uma silhueta a sua frente, levando todo o ataque no seu lugar.

— Nagihiko! – ela gritou, desesperada, vendo a figura do garoto cair inerte no chão, assim que o efeito do ataque se dispersou. Ajoelhou ao lado do corpo dele, virando-o para apoiá-lo em suas pernas – Despierta, ahora! Por favor… levántate! – ela chacoalhou o garoto, gritando assustada, enquanto via a face desacordada dele.

— IIEEEEEE!!!!! Eu não quero ver isso! Inútil! Inútil! O amor é inútil!! Parem com isso, jáa!!! ! NUUUUUUUUUURIIIIIIIIIIIIIIIIII!!!!!!!!! – o chara gritou, exaltado, espalhando sua energia negra para todos os lados, em uma explosão – Não importa o quanto eu tente!! Eu nunca vou ser recompensada!! Nunca vou ter uma chance!! Ele nunca vai me amar!!!! KOI WA NURI DESUU!!!!! – Os raios de energia negativa que desprenderam dele acertaram em cheio Rima, Kukai e Amu, que caíram de joelhos sobre o solo, desfazendo o Chara Change. Anna, que estava mais perto, correu para ajuda-los, e foi atingida também. Tadase tentou captura-lo com o Holy Crown, agora visivelmente mais ofensivo e irritado, mas não teve sucesso. – Eu odeio isso!!! Odeio, odeio, odeio, odeio, odeio!!! – O Chara gritou mais algumas vezes, aproveitando que todos ainda tentavam se recuperar dos seus ataques para fugir correndo por sobre a grade que rodeava a escola.

— Está a fugir! – Miguel gritou, enquanto ajudava Anna a se levantar. Todos viram o Batsu Chara se afastar, e não havia nada a ser feito.

Tadase olhou para todos os seus colegas, que agora se levantavam, atordoados, depois de receberem o ataque de raiva do Chara. Fechou os olhos, pensando. A culpa era dele afinal, ele era o líder. Seus amigos estavam agora machucados, e tudo por que ele falhou ao liderá-los. Talvez não servisse mesmo para isso, afinal. Quem sabe devesse delegar a função à Ikuto, que era mais velho e mais experiente. Andou até o lugar onde Stéffanie ainda segurava Nagihiko nos braços, tentando reanimá-lo.

—O que devemos fazer agora…? – ele murmurou, desolado, sem saber para que lado seguir. Viu o semblante desacordado de Nagihiko, e ainda mais culpa ao vê-lo assim.

Antes de qualquer coisa ser dita, uma explosão foi ouvida ao longe. Todos se alarmaram, olhando para a direção de onde havia vindo o estampido.

— O Batsu Chara! – Amu gritou, ainda sentada no chão, sentindo sua perna latejar.

— Eu vou atrás dele! – Tadase bradou, decidido, vendo todos os seus amigos caídos no chão, visivelmente impossibilitados depois da luta.

— M-me too! – Anna gritou, correndo até ele – Eu também vou com você, Prince Charming!

— Não! É melhor… – ele ia replicar, mas foi interrompido por outra explosão, mais ao longe. Sem hesitar mais, ele saiu correndo pelo portão da escola, e Anna se apressou em acompanha-lo, meio sem jeito, querendo manter a mesma velocidade dele.

Minutos depois, quando eles já iam virando a esquina a procura do Batsu chara, Amu, Rima, Kukai e Miguel os seguiram, um pouco mais lentamente. Tadase seguiu o rastro do Batsu-chara até um lugar que parecia um prédio abandonado, quase em ruínas. Havia algumas maquinas espalhadas que poderiam significar que ele seria demolido, ou estava em reforma. Tadase se apressou, vendo o Batsu Chara se elevando. Ele faria um estrago naquele lugar, se fosse permitido. Anna o acompanhava de perto, amedrontada, olhado para todos os lados apreensiva, ao mesmo tempo em que se esforçava para não tropeçar em nada.

— Aaaah, meus queridos amigos guardiões. Finalmente terei a honra de me apresentar. Estão faltando algumas pessoas mas… bem, isso não importa. Nós temos o querido rei Hotori Tadase aqui, então está tudo bem. E também a desajeitada inglesinha, que fofo, os dois juntos…

Tadase e Anna ergueram a cabeça na direção da voz grave que ecoava, e viram o Batsu Chara voando até repousar no ombro de alguém. A figura se afastou da sombra que o encobria, e então os dois puderam vê-lo. Ele era alto e loiro, com faiscantes olhos verdes que pareciam enxergar dentro da alma das pessoas. Suas roupas eram simples, mas lembravam ligeiramente fardas de exército, e ele tinha um óculos grande de proteção pendurado no pescoço, displicentemente. Nesse exato momento, os outros se aproximaram.

— Eu cheguei a tempo? Encontrei todo mundo no caminho, agora! – Yaya ia dizendo logo que chegou, muito agitada. – A Onee-chan disse que ia cuidar do Nagi, Tadase, e você não precisa se preo… ué, quem é esse? –

— Minha querida Ás de Seiyo, Yaya… Kukai, o valete vagal… – ele acenou amplamente – Miguel… o lindo português – ele piscou um olho para Miguel, que ofegou, incomodado – Amu, a coringa purpurinada… Rima, a Rainha mal-humorada… Estão faltando alguns, não é? Não importa… Que bom que vocês chegaram! Agora poderemos finalmente brincar juntos – ele disse, e sorriu maldosamente. Deu um pulo, do segundo nível onde estava, pousando perfeitamente no chão, encarou cada um dos guardiões, e alargou seu provocante sorriso – Well, well… devemos começar?