A Lenda De Thommy escrita por NimoChan


Capítulo 12
Espadachim em treinamento, dia 2 e final


Notas iniciais do capítulo

Yoooi ;D
Bem, não deu pra postar o capítulo terça (ontem) porque faltava um trecho pra escrever e tal, mas AGORA FOI! xDD E antes de desejar uma boa leitura, quero deixar bem claro aqui que ESSE NÃO É O FINAL DA FANFIC, porque vai que né... Particularmente, se eu visse a palavra "final" em algum capítulo de alguma fanfic, ficaria desconfiada no mesmo instante xP
Agoora sim, boa leitura! ;D



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No capítulo anterior:

“[...]

— Seja bem vindo a Payon! Vai me dizer agora que esta é sua cidade favorita?

— Bem, se minha memória não falha, você pretende seguir como Cavaleiro, e não como Templário. Nesse caso, mesmo não sendo a pessoa mais qualificada para treinar alguém — “Ainda mais o representante de Odin”, pensei —, me esforçarei em pelo menos desenvolver seu espírito e mente, além das técnicas… básicas da espada. Pretende levar isso adiante?

Com os olhos quase corroendo os meus, ele afastou os lábios como se fosse dizer algo, mas ouviu um barulho que qualquer Espadachim reconheceria de longe: uma espada.

— V-VOCÊ TÁ DOIDA?! EU PODIA TER MORRIDO!

— Acabou — anunciei enquanto abaixava a espada. — Amanhã cedo continuaremos o treinamento, quero você de pé às sete horas da manhã”.



* * *


Thommy ainda dormia quando retornei de Payon com alguns alvos. Eu os espalhei pelas árvores da floresta, imaginando como meu pupilo se sairia naquele exercício e chegando à conclusão de que não era muito sensato esperar um resultado magnífico vindo de Thommy. Suspirei ao concluir isso e encostei-me na árvore onde eu colocara outro alvo, sentando no chão para acalmar os nervos. O dia anterior não havia sido nada fácil… Ou talvez tenha sido fácil demais. Afinal, Thommy perdera a batalha depois de duas tentativas de ataque. Duas. Tentativas. Mas o que eu esperava de uma criança de onze anos segurando uma espada? E o que eu deveria esperar de uma criança de onze anos caso ela tivesse derrotado um bafomé?

Suspirei mais uma vez e fechei os olhos. “Vamos, dor de cabeça”, sussurrei a mim mesma, “vá embora”. Os sons da floresta eram relaxantes, e foi neles que procurei afastar qualquer tensão, abrindo os olhos e sendo presenteada também com a bela paisagem na qual eu me encontrava. Como era bem cedo, o sol ainda estava fraco, mas a floresta mantinha seu fervor. As sombras das folhas espalhavam-se por tudo; era impossível não apreciar o movimento delas no chão, nas outras árvores ou na minha armadura. Esta reluzia com o mínimo toque de luz solar, chegando a cegar-me um pouco.

Foi olhando para a dança das sombras nas minhas botas que uma ideia veio-me à mente. E se o bafomé estivesse muito ferido, a ponto de realmente ser morto por um golpe fulminante qualquer? E se Thommy estivesse apenas empunhando a Balmung, sendo que esta ainda esteja à espera do verdadeiro Representante de Odin? Claro que eu já havia pensado naquelas possibilidades, mas o grupo insistia em confiar nos sentidos quase divinos de Joe: se ele sentiu uma aura incomum em Thommy, então não havia mais o que discutir. Eu não tinha o direito de culpá-los porque depois de toda minha experiência ao lado de Joe, era impossível considerar um descuido vindo deste. Mesmo não entendendo a forma como a maldição lançada em seus olhos funcionava, era certo que o Mestre desenvolvera precisas habilidades psíquicas.

De repente, um som irritante de algo pulando como uma mola tirou-me daqueles devaneios que já me enchiam a paciência há dias. Era uma espécie de cogumelo com bracinhos e perninhas, além de olhos e boca; uma criatura gordinha e fofa, ou ao menos seria se não fosse pelos dentes marrons que brotavam de seu “chapéu” vermelho. E como se não bastasse, o “chapéu” abria-se em uma segunda boca, também infestada de dentes afiados.

Vendo que o monstro se aproximava, levantei com a mão próxima ao cabo da espada, mas hesitei em pegá-la. Observei o Esporo indo e vindo até sumir pela mata.

— Ah, então você tá aqui... Foi sorte te encontrar, porque você não tá nem um pouquinho perto da clareira e… — Thommy, com os olhos ainda inchados de sono, deu uma pausa ao notar que eu estava prestes a pegar a espada. Abaixei a mão, afinal o Esporo havia ido embora, mas ele não parecia convencido de que estava tudo bem. — O… O que houve?

O Espadachim fitava-me atento, talvez se preparando mentalmente para outro ataque surpresa.

— Nada. Era só um Esporo — disse, andando até ele.

— Ah, é?! Pois eu duvido! — retrucou ele, assumindo uma posição de ataque com os punhos.

— Thommy, isso é ridículo. Vem logo, você precisa começar a meditar.

Passei pelo menino, mas ele insistia em ficar naquela pose estúpida, olhando-me com uma valentia sem vigor, seja lá o que isso queira dizer.

— Vai ficar parado aí mesmo? — indaguei-o por detrás do ombro.

— Boa tentativa, Jenny-ma… AI, AI, AI, AI! SOLTA, TÁ DOENDO! — implorou como uma criança, o que de fato não era problema, tentando afastar minha mão de sua orelha. E bang, puxei com mais força!

Continuei andando de volta à clareira, desta vez acompanhada por Thommy e sendo forçada a ignorar todos os protestos e berros dele, só por causa de um puxão de orelha. Depois disso, foi bem complicado mantê-lo na posição de meditação sem que ele achasse que eu estava tramando algo às escondidas.

Meditar tornava-se um desafio. Thommy parecia mais descomprometido que no dia anterior, pelo menos naquela primeira atividade matinal, e eu deveria aprimorar suas técnicas em apenas dois dias. Não era uma tarefa simples e o Espadachim não fazia questão em facilitar. Durante a meditação ele fora interrompido por Salgueiros — monstros que mais parecem um pedaço de tronco —, e pela temperatura quente da floresta, que frequentemente era acusada de dificultar na respiração que ele tentava regularizar.

Eu, já farta de tanta complicação em uma prática que consistia em não mover músculo algum, apanhei Thommy pela orelha em uma de suas distrações, que dessa vez levava em conta a grama que o pinicava ao sentar-se.

— Sabe uma boa forma de meditar?! Ficando PARADO! — Larguei a orelha do Espadachim, esmurrando-o em seguida.

— AI! POR QUE VOCÊ FAZ ISSO, JENNY-MACHÃO?! — Ele levou as mãos até a cabeça imediatamente, fazendo uma expressão chorosa. Antes de responder, tive de batê-lo mais uma vez pelo “machão”. — MAS O QUE EU FIZ AGORA?!

— Seu sonso, ainda ousa perguntar?! Você não pode me chamar pelo nome sem que me desrespeite!

— Isso é porque você me bate toda hora, hunf! — revidou ele.

Eu já preparara o punho para mais um soco quando me toquei de que ele talvez estivesse certo. De fato, treinar Thommy estava ficando complicado sendo que eu me estressava a cada cinco minutos.

— Ok — falei depois de alguns minutos de silêncio —, talvez eu também não esteja ajudando em nada te batendo o tempo todo.

— Talvez? Isso é fato! — exclamou com as mãos ainda na cabeça, surpreso por eu não admitir totalmente a culpa de algo que estava na cara.

— Eu… não terminei — fuzilei-o com os olhos. — Continuando… Sim, parte do problema sou eu. Porém — acrescentei antes que Thommy concordasse de uma forma inusitada, e não fazendo a mínima questão de deduzir o que seria o “inusitado” —, você é a outra parte do problema. Vou direto ao ponto: você para de me xingar e eu paro de te bater. Fim, poderemos continuar o seu treino sem perder não sei quantos minutos nessa ladainha.

Ele abaixou as mãos e pensou um pouco. Movia as sobrancelhas de lá para cá e fazia um pequeno bico de lado, processando minhas palavras.

— Xingar? — disse por fim.

— Sim, xingar. Sabe… “Jenny”. É só “Jenny”.

— Não entendo.

Ele não piscava, apenas encarava-me. Parecia mesmo não entender onde a palavra “xingar” encaixava-se no contexto.

— Não me obrigue a te bater mais uma vez, Thommy... — rosnei-lhe.

— Mas…

— Sem o “machão”, é só “Jenny”, entendeu?! — inclinei-me sobre ele com as mãos na cintura e com um enorme esforço em manter um tom de voz menos agressivo que o habitual, até porque não era nada conveniente fazer um pedido de paz balançando uma espada ensanguentada.

— Aaah, por que não disse antes, Jenny-ma… “Jenny”? — Ele deu uma piscadela e forçou um sorriso como se dissesse “ei, veja, estou fazendo direito!”. Só ergui a sobrancelha e perguntei-me até quando aquela trégua daria certo.

Embora preciosos minutos tenham sido perdidos com as distrações fúteis de Thommy, ainda foi possível recuperar parte do tempo com uma meditação bem sucedida. Pude notar o êxito na prática quando Thommy, ainda sentado em baixo de uma árvore, focou sua visão em mim, tirou as mãos do colo devagar e sorriu de orelha a orelha, dizendo:

— Então… Quando começa a próxima atividade?



— Antes de começarmos o treino com a espada — iniciei andando de um lado para o outro e sendo observada por Thommy, que estava sentado no toco da árvore de joelhos dobrados —, preciso te explicar sobre espadas bastardas.

O nome soava familiar ao menino. Ele franziu a testa e olhou para cima tentando restaurar o pouco que devia saber sobre aquele tipo de espada.

— Ah, já sei! É a espada de uma mão e meia.

— Exato. Esse tipo de espada não é tão longa quanto a de duas mãos e nem tão curta quanto a de uma mão. Tem tamanho intermediário e peso balanceado para ser usada tanto com uma mão, segurando um escudo na outra, quanto com duas mãos. O que você pretende fazer com sua espada, futuramente? Vender?

Ao ouvir a pergunta, Thommy quase deu um pulo.

— Vender?! Por que eu faria isso? De jeito nenhum!

— “Por quê”? — suspeitei.

— É! Eu nunca vou achar uma espada como essa na vida, tenho certeza. Acho que mesmo sem saber eu meio que já sabia que ela era bastarda, porque aí eu vou poder usar de qualquer jeito.

Encostei de braços cruzados na árvore de frente ao tronco onde Thommy estava, e o observei nos olhos. Como eu suspeitava: existia algum tipo de “ligação” entre ele e a espada. Parecia óbvio, mas à quem quer se convencer de que Thommy é uma criança como todas as outras, aquele detalhe poderia ser decisivo.

— Thommy, existem muitas espadas por aí. Um dia essa ficará gasta e você deverá trocar por uma mais útil — ele apenas balançou a cabeça negativamente, sem demonstrar reações com o que eu havia dito.

— Ela é diferente — disse, olhando a Balmung.

Pensei em perguntá-lo qual seria a diferença, mas por algum motivo achei melhor não o fazer. Quando me dei conta de que eu o estava encarando, resolvi dar continuidade à explicação.

— Nesse caso, você deverá aprender o uso das espadas de uma e duas mãos. Só assim conseguirá um bom resultado com essa sua espada bastarda.

Ele assentiu, sinal de que estava pronto para começar. O final da manhã se aproximava, e aproveitaríamos o tempo que restava até o almoço para golpear o boneco de madeira, desta vez usando as espadas. O exercício era quase o mesmo que do dia anterior. Primeiro, ensinei-o a segurar a espada com firmeza, porém dando abertura à agilidade que seria essencial no manejo e precisão dos golpes.

— Saber medir a força do golpe é importantíssimo aos Espadachins, principalmente quando se quer alcançar o cargo de Cavaleiro. No entanto, a leveza com a qual você segurará e moverá sua espada é a base de tudo, entende? — Joguei a espada de madeira à Thommy, mas seu reflexo não respondeu devidamente e ele cambaleou ao ser acertado com a arma. — Ah, não, sério? Quanta lerdeza, Thommy!

— Eu… Calma… — grunhiu o menino, sentado no chão com a mão na cabeça e esperando a tontura passar.

— Não temos tempo para isso, levante-se! Isso, agora segure a espada com as duas mãos, a esquerda em baixo da direita. Muito bem… Relaxe esses ombros, Thommy! Tensão é o contrário de leveza!

O Espadachim parecia confuso com todas aquelas ordens, achava-as desnecessárias. Se havia algo que conseguira aprender enquanto esteve na Guilda dos Espadachins, era como segurar uma espada e manter a postura de ataque. Aquela fora sua primeira lição na Guilda, e a única que julgava importante. O resto, ele afirmava ser capaz de lidar sozinho.

— Você é ágil com os pés, mas só isso não basta. Precisa manejar a espada da mesma forma que suas pernas: firme, porém leve — minha voz soava pela floresta, não dando chances para que Thommy emitisse sequer um grunhido. — Dobre um pouco os joelhos e mantenha as pernas levemente afastadas, afinal você não quer ser derrubado numa batalha com um mero chute no joelho, certo?

Ele assentiu com certa relutância.

— Ótimo. Essa é a postura que você deve manter durante uma luta, e é a partir dela que vou te ensinar algumas posições de ataque. Pronto?

Thommy, encarando a espada de madeira que tinha nas mãos e com os pés quase pregados na grama, assentiu mais uma vez, porém com mais confiança. Foi o sinal que eu precisava para saber que ele estava disposto a lidar com o treino.

Partimos então para as posições básicas de ataque, sempre alternando entre segurar a espada com uma mão e depois com as duas mãos. Ele brincou com o boneco de madeira até conseguir um bom resultado que provinha da facilidade do exercício, e também, para não desmerecer o esforço do garoto, de seu foco. Encerramos aquela etapa do treino com uma refeição saudável.

À tarde, lá estávamos nós, frente a frente, à alguns metros de distância um do outro. Thommy tinha presa nas mãos uma espada de madeira bastarda, e eu empunhava uma réplica da dele.

— Você se saiu bem no exercício com o boneco de madeira — confessei. — Treinamos bastante a sua força, e agora é o momento de juntá-la à agilidade para me vencer em uma batalha. Está pronto?

— Sim! — exclamou ele, segurando a espada perto do quadril, como se ela estivesse guardada na bainha.

— Então que comece a luta — sussurrei a mim mesma, abrindo um sorriso.

Avancei primeiro. Corri até o Espadachim enquanto mantinha a espada perto do quadril, virada para baixo. Arrisquei um ataque na diagonal ao alcançá-lo, mas Thommy defendeu-se com a espada e tentou me acertar no pescoço. Foi um grande erro, até porque sua baixa estatura não permitia algo desse tipo, mas também porque me deu abertura para golpear seu peito. No entanto, Thommy foi mais rápido e recuou no mesmo instante.

— Não mire em pontos incorretos, Thommy! Você deve raciocinar rápido em uma luta, procure uma brecha na posição do oponente!

Ele ameaçou um golpe na horizontal, à minha esquerda. Posicionei minha espada para defender-me, mas Thommy rapidamente moveu sua arma para o outro lado assim que nossas espadas se chocaram, de forma que eu quase fosse acertada no pescoço à minha direita se não fosse novamente pelo fato de Thommy ser mais baixo. Assim que o menino percebeu a falha, ele saltou para trás, evitando ser acertado no peito.

A luta alongou-se por mais alguns minutos, seguindo quase o mesmo ritmo. Thommy, por um momento, ficou na defensiva para planejar seus ataques, mas percebeu que meus avanços começavam a dar trabalho. Para livrar-se daquela pressão, ele passou a atacar também, mirando nas minhas pernas e braços e sempre abusando das suas rápidas e imprevisíveis pernas de Gatuno para desviar-se de um ataque ou aventurar-se a revidar.

Sua força aumentara, mas a resistência física ainda era um problema. A luta só não durou mais porque Thommy logo cansou e machucou-se com alguns empurrões. E foi num desses vacilos que ele foi parar contra uma árvore; minha espada de madeira na horizontal, encostando de leve em seu pescoço e impedindo-o que se movesse.

— Acho que por hoje chega — recuei, livrando-o do sufoco de ser pressionado contra a árvore com uma arma pousando na garganta. Ele caiu de joelhos com as mãos no chão, fadigado.

— Como… Como eu fui?

— Você durou mais do que eu imaginei que duraria. Mas não se anime, Thommy. Para chegar ao nível do Darius, você vai precisar aguentar alguns socos.

Ele levantou a cabeça a mim e pousou os olhos nos meus. Pude até ler no seu olhar a mensagem de “não tire proveito da situação”.

— Só estou dizendo a verdade. Lordes devem aguentar de tudo — Joguei uma garrafa d’água ao Espadachim.

— Mas então como eu faço?

— Fica calmo, esses são 2 dias de uma vida toda de treinamento, entende? — Ele estremeceu. Pelo visto, Thommy não havia se tocado de que começar um treino era o mesmo de se comprometer a uma vida inteira de aprendizagem. Uma vida inteira com Jenny. Até eu estremeci depois dessa.

O dia se passou bem mais rápido do que eu pude acompanhar. Em um segundo, eu esgotava a tarde informando Thommy de seus erros na luta, e no outro, eu entregava uma adaga nas mãos do menino.

— Agora que o dia está alcançando o seu fim, é hora do último exercício — Eu afiava a lâmina da adaga antes de tê-la entregado à Thommy.

— Tá, tá, vamos começar logo! — disse ele.

— Não sem uma breve introdução. Tiro ao alvo é um dos melhores exercícios para treinar a mente, a precisão — pude ver que os lábios de Thommy faziam menção de emitir algo. — Pode ser que você desmereça essa atividade, diga que é coisa para Caçadores ou Mercenários — ele fechou a boca —, mas não é. Quanto mais aguçadas forem a mente e os sentidos de um Espadachim, mais habilidoso ele será. E, acredite, treinar precisão não é apenas um atributo extra aos Espadachins! É essencial!

— Jenny-ma… “Jenny”, eu já entendi que isso é importante, até porque se não fosse não faria sentido…

— Tivemos dois dias — Eu o interrompi. — Dois dias, teoricamente, não são nada se comparados com tantos outros que você usava para “treinar”. Thommy, esses dois dias precisam surtir algum efeito, você entende? E se tirarmos o tempo em que você fingiu que treinava, não sei nem se dá um dia e meio de suor e sangue.

Envergonhado, o garoto sentou no toco da árvore e observou o contraste do aço da adaga com o brilho do pôr do sol.

— Sentou por quê? Acha que vou começar um sermão de duas horas, Thommy? De jeito nenhum! Já perdemos tempo demais com coisa desnecessária — Eu o pus de pé com um único puxão. — Só quero que você esteja ciente de que o ritmo amanhã será diferente. Sendo o último dia, você deverá me mostrar tudo o que aprendeu, e eu só aceito um bom rendimento.

À essa altura, meu nariz estava tão próximo do garoto que quase roçava-lhe o rosto amedrontado. Pelo visto, ele havia entendido a mensagem.

— Agora me responda, Thommy. Podemos começar?

A pergunta soou mais ameaçadora do que eu previa, mas conseguiu arrancar um “sim” esganiçado vindo do Espadachim.

Não havia mistério algum na atividade. Consistia em lançar as adagas ao alvo, quanto mais próximo do círculo vermelho, melhor. Thommy, inicialmente, mostrou o mesmo comportamento descomprometido de sempre, mas ao alertá-lo de que aquela atividade também seria cobrada e avaliada no dia seguinte, ele logo pôs-se a aceitar e até mesmo a exigir meus ensinamentos.

Depois de muito atingir Esporos e Salgueiros, as adagas passaram a acertar as extremidades do alvo. E, quando cravadas finalmente no círculo vermelho, passamos para outra série de alvos, desta vez com o círculo um pouco menor e a localização ou disposição dos alvos servindo como empecilho.

Logo a floresta cobriu-se em imensidão de sombras. Fogueira acessa, sacos de dormir postos em seus lugares, estrelas decorando o céu quase inacessível ao olhar.

A comida já se digeria no estômago quando deitamo-nos para dormir.

— Boa noite — disse eu, encolhendo-me para o outro lado.

— Boa noite — respondeu Thommy.

Passaram-se alguns minutos de silêncio até eu me virar novamente e checar se Thommy estaria acordado. Ele não só estava acordado, mas parecia não ter a intenção de dormir.

Com os braços servindo de apoio à cabeça, o garoto contemplava o pouco que as altas árvores deixavam à mostra do céu.

— Sem querer ser chata, mas…

— Eu sei, tenho que acordar cedo amanhã — disse ele, os olhos ainda pregados no céu. O silêncio alongou-se por mais alguns segundos. — Você falava sério, né?

— Não lembro de ter brincado hoje. Mas do que você está…

— Sobre aquele negócio de só aceitar “um bom rendimento”.

— Parou de me interromper? Obrigada. E, sim, eu estava falando sério — Coloquei os braços atrás da cabeça também, procurando por alguma brecha entre as copas das árvores. — Droga, aqui não dá pra ver nada do céu. Aí dá?

— Sim. Bastante, até — respondeu ele, sorrindo com deleite.

Olhei-o de soslaio e voltei a procurar pelo céu.

— Pelo que pude notar até aqui, você não progrediu muito enquanto treinava sozinho no orfanato. Achei que três dias do meu treinamento seriam um avanço maior nessa grande etapa de Espadachim.

— Você ainda acha isso — notei em sua voz que ele sorria, e confirmei ao olhá-lo outra vez. — E não estava errada. Eu sei que dois dias passam rápido, mas esses duraram bastante. Agora percebi que perdi muito tempo com treino inútil…

— Treino nunca é inútil. O que você fazia no orfanato devia ser apenas… insuficiente — ele desviou o olhar para mim. — Lembra do que eu te disse hoje sobre habilidades extras? Eu não me referia apenas às técnicas de batalha. Todo mundo tem experiências diferentes que, juntas, amadurecem a pessoa. Você pode achar agora que perdeu anos preciosos no orfanato, mas o que você viveu lá forma a pessoa que você é hoje. E agora eu posso afirmar que dentro desse gurizinho amedrontado tem um Espadachim determinado à alcançar o cargo de Cavaleiro. E tenho certeza de que se você não tivesse crescido lá, não haveria de almejar esse cargo como hoje.

Thommy fora pego de surpresa. Olhava-me com um brilho nos olhos que, por um instante, pensei serem lágrimas.

— Você está brincando… — afirmou, incrédulo e sorridente.

— Se você não tivesse crescido no orfanato, não haveria de ser tão ágil. Você precisou dessa agilidade para se livrar dos Cavaleiros enquanto fugia, certo?

— Se eu tivesse pai e mãe, eu podia ser forte e ágil. Se meu pai fosse um Cavaleiro, ele me treinaria — sua voz soava distante. Ao mesmo tempo em que falava comigo, parecia falar com ninguém.

— E do que adianta pensar em possibilidades? Choramingar só te faz perder mais tempo. O melhor a se fazer agora é correr atrás do tempo que você perdeu, e começamos isso ontem.

Virei-me e fechei os olhos para dormir, mas a voz de Thommy soou mais uma vez.

— Edgar e Vini cresceram sozinhos, nessa floresta, e são incríveis. Você diria que é porque a situação exigiu isso deles, né?

Antes de responder, precisei analisar as palavras que usaria para não machucar Thommy, já que a sensação de incapacidade já o fazia. No entanto, aquela não era mais a questão. O garoto colocara o orgulho acima do fato de ter perdido tempo no Orfanato de Prontera.

— Sim, é exatamente o que eu diria — Abri os olhos e observei uma pequena formiga traçando sua trajetória pela grama. — Agora você deve estar se perguntando o que a situação exige de você, certo? Pois bem, ela não exige nada. Se exigisse, você não teria as duas opções que tem: levar o treino a sério ou ver o tempo passar enquanto alimenta seu orgulho — senti os olhos de Thommy em minha nuca. — Você não sabe a dificuldade que aqueles dois meninos tiveram em crescer sozinhos e em perigo. Desejar passar pelo que eles passaram, nem que por um mero segundo, foi a pior coisa que você fez hoje — minha voz soava grave, e o clima pesou entre nós depois da última frase.

A história de Edgar e Vini podia ser facilmente transformada em um livro de contos infantis para se ler às crianças antes de dormir, e por isso Thommy refletia o quão forte seria se estivesse no lugar de um deles. Mesmo assim, as aventuras dos meninos, quando vistas através da realidade, soavam mais como contos de horror. E isso Thommy não conseguia enxergar.

— Você não precisa viver longe da humanidade, sem qualquer assistência, para ser forte e ter uma boa história para contar. Difícil mesmo é escolher treinar duro sendo que pode optar por choramingar e idolatrar a vida dos outros para sempre. Isso sim daria uma boa história — ironizei, olhando Thommy por trás dos ombros. — Seu orgulho está satisfeito agora?



* * *


Acordei cedo com dois pensamentos orbitando na mente: aquele haveria de ser o último dia na floresta, e eu precisava acordar Thommy. A ansiedade de pular o dia até o momento em que peço uma bebida em um bar qualquer de Payon era gritante, mas acordar Thommy continuava sendo prioridade. Sendo assim, levantei-me para cumprir aquele primeiro dever — de fato, acordá-lo era um desafio e tanto — e deparei-me com um saco de dormir vazio.

O dia começara a clarear, as copas das árvores ainda escondiam os tímidos e escassos raios de luz solar. Imediatamente corri para procurar Thommy, e logo encontrei-o sentado sobre as raízes de uma árvore bastante familiar.

Thommy meditava tão intensamente que mal moveu um músculo quanto aproximei-me em passos lentos, os barulho de galhos se quebrando e de grama roçando anunciavam minha presença.

Conti o susto em vê-lo tão cedo, afinal Thommy tinha de entender que estava fazendo mais que sua obrigação. Mesmo assim, eu ainda coçava os olhos para afastar qualquer possibilidade de estar sonhando… Acreditar no que via era, no momento, impossível.

— Já comeu? — perguntou o garoto, os olhos ainda fechados.

Thommy, mesmo não tendo consciência disso, tinha uma péssima mania de fazer perguntas logo no espaço de tempo em que minha mente não estava apta para respondê-las, de forma que eu sempre fosse pega de surpresa.

— Ainda… Ainda não — respondi naturalmente. Ou quase isso.

— Então vai logo, porque vou começar a me alongar daqui a pouco.

Continuei a observá-lo por mais um tempo antes de fazer a primeira refeição do dia, dessa vez sozinha, já que Thommy estava… meditando. Por Odin, como isso soava estranho.

Ao retornar, topei com a cena que eu esperava ver, mesmo escondendo uma pitada de fascínio. O Espadachim alongava-se como havia dito que faria, e pude notar pelos seus punhos descascados que ele socara o casco de alguma árvore para manter-se aquecido e pronto para a “prova” que viria a seguir.

— Você acordou bem cedo. Vai conseguir ficar de pé o dia todo?

— Não vou precisar. Vamos acabar com isso bem rápido — disse ele numa voz dificultosa, fazendo uma última flexão com bastante dificuldade. Vendo-o apoiar-se nos gravetinhos que eram seus braços, tive a sensação de que fossem quebrar antes de completar a flexão.

— Isso eu não duvido, já que você acordou… bem cedo. Bem cedo — enfatizei. — Mas as coisas têm de serem feitas corretamente. Poupar horas de sono e gastar toda a energia nos primeiros minutos do dia não me parecem uma boa forma de se preparar para o treino.

— Ei! Pra sua informação, eu fiz as contas. Dormi o suficiente, e as freiras costumavam dizer que eu tenho muita energia guardada — garantiu ele, passando as costas da mão ferida na testa molhada de suor.

— Se você diz…

— É, eu conheço o meu corpo, tá legal?

— Eu acredito. Agora vamos treinar, começando pelo boneco de madeira… Quero ver se você domina as posições de batalha — Fui em busca das espadas de madeira, com Thommy logo atrás.

— Espera aí… Como assim? Não ia ser uma prova?!

— Mais ou menos. Thommy, temos o dia inteiro vago… Dá tempo de aprender algumas outras técnicas e…

— Então eu quero treinar tiro ao alvo — virei-me, a espada de madeira entre as mãos.

Os punhos semicerrados e as sobrancelhas arqueadas de Thommy comprovavam que ele falava sério, e novamente fui pega de surpresa com aquela reação.

— É, pode ser, já que foi o que deu menos tempo de exercitar… Bem, as adagas estão à disposição. Vou até Payon devolver os bonecos de madeira, espero que nenhum Esporo te coma vivo.

Ele sentiu o corpo estremecer.

— Não vai… Espero — murmurou ele, contraindo os ombros e movendo os olhos pela floresta desconhecida. “Espero não ter mais que Salgueiros e Esporos por aqui”, pensou.



O tempo não estava dividido entre diversas atividades, como nos dois dias anteriores, e isso fez o dia render mais que o necessário. De início, eu esperava que Thommy refizesse todos os exercícios, e eu o avaliaria. Entretanto, o tempo que ele adiantou na meditação e no alongamento deram foco no tiro ao alvo, que logo ganhou o título de “atividade mais chata, inútil e além dos meus limites”, de acordo com Thommy. Ele acabou por desistir de acertar o círculo vermelho que media o tamanho da palma de sua mão e aceitou brincar de desviar. Ele só não sabia que desviaria das adagas.

— SÉRIO… VOCÊ QUER ME MATAR, NÉ?!

— Você pensou mesmo que eu iria tacar filhotes de lunáticos? — brinquei, mesmo que Thommy não tivesse compartilhado do meu humor.

— …Filhotes?! — repetiu ele, achando minha colocação um tanto quanto bisonha.

— Tsc, tenha a santa paciência, Thommy! Em uma batalha…

— Eu sei, eu sei! Mas precisava mesmo tacar uma adaga na minha cara?! — incrédulo, ele ainda tinha a impressão de estar entre o céu e a Terra, navegando com outros mortos num barco que cheirava a mofo e procurando seu reflexo nas águas opacas e misteriosas de um mar desconhecido que, por algum motivo, ele pensava esconder corpos.

— Estamos simulando uma situação de real desespero aqui, entende?

— “Simulando real desespero”... Tem certeza de que é uma simulação?! Porque pra mim pareceu bem real! Tão real que deixou de ser simulação!

— Eu já entendi que você viu sua vida passar pelos seus olhos, tá? Mas eu confiei nos seus sentidos, e acertei. Confiança entre tutora e aluno é tudo — Cruzei os braços e fingi estar citando uma frase sábia.

— Ah… Como você joga sujo… — disse ele, fitando-me com os olhos semicerrados.

— O importante é que você está vivo! Depois fazemos uma comemoração, agora podemos continuar?!

Hesitante, Thommy acabou por concordar. Ele ainda desviava das adagas com certo receio, mesmo que fossem lançadas uma de cada vez. Depois, quando o número de adagas aumentou, Thommy passou a mover-se superficialmente, quebrando todos os meus ensinamentos sobre leveza e estabilidade nas pernas. Sabendo que Thommy corria um grande risco de perder o controle do próprio corpo, parei de lançar as armas antes que ele se movesse em direção às adagas. Isso seria bem desagradável.

Nessa brincadeira de atirar adagas em alvos ou em Thommy, acabei por notar que a tarde chegara. Depois da refeição, reforcei o treino com explicações teóricas e algumas práticas. Fiz questão de socar o ombro de Thommy no meio de alguma explicação sempre que possível, já que seu maior problema era lidar com ferimentos. Quando eu menos esperava, esmurrar o ombro de Thommy tornara-se um novo exercício.

— Aaah, eu vou desmontar! Para! — implorou ele com os olhos bem fechados e os músculos do braço direito contraídos.

O menino apertava a mão esquerda em seu punho direito, tentando manter o braço contraído. Eu o acertava sucessivamente, e só tinha a intenção de parar quando Thommy jurasse sentir os músculos se desfalecendo por trás da pele. Por fim, quando ele jurou sentir o osso se partindo, interrompi os golpes.

— N-não sinto… N-não sinto meu braço… Socorro… — disse ele, massageando o braço.

— Não se preocupe, os socos não foram fortes o suficiente para partir seu bracinho de moça.

— “Bracinho de moça”?! Tem certeza de que essa é a questão aqui?! Tô começando a achar que sua mamãe esqueceu de reparar nas bolas entre suas pernas!

Foi a gota d’água. Thommy recebeu um soco que alojava fúria, impulso, ira, desolação e tudo o que fez transparecer as veias do meu pescoço. Ele precisou de um bom tempo para se recuperar do ocorrido.


* * *


— Quem diria que a tarde já está chegando ao fim. Acho que brincar com os alvos e com a parte teórica do treino no final das contas tomou bastante tempo — Sentei na grama, ao lado de onde Thommy estava deitado. — Já descansou?

— Qual é, não se passou nem uma hora desde que você tentou partir meu “bracinho de moça” — disse ele com uma careta, e em seguida cobrindo o rosto com o braço.

— E desde que você quebrou a trégua.

— Trégua? — Ele me encarou pela brecha.

— Sim. A ideia era não me chamar de… homem…

— … se você não me batesse! Quantos murros eu levei desde então?! Meu braço quase caiu! — indignado, Thommy sentou na grama.

— Fazia parte do treinamento. Agora que você já tem um bracinho de homenzinho, só falta lidar com essa sua vitalidade horrível…

— Aí você usa isso como motivo pra me bater?! — eu me levantei e caminhei até uma árvore.

— Pelo visto não vamos durar nem mais uma hora aqui, e a qualquer momento vai chover — Apanhei a Balmung e lancei-na à Thommy. — A partir de agora não vou mais te dar dicas, você já deve ter aprendido o suficiente.

Mal virei para anunciar o começo da luta e já fui presenteada com o primeiro ataque de Thommy, que foi defendido às pressas. Vendo que o susto não permitia um contra-ataque, ele aproveitou para golpear mais uma vez, recuando logo em seguida. “Aproveitou a distração do inimigo para arriscar um ataque duplo… Muito bom”, pensei.

Era minha vez de avançar. Fui até Thommy preparando meu primeiro ataque, que foi defendido instantaneamente. Ele desviou de alguns e defendeu mais outros, sempre tomando cuidado com as árvores e pedras do ambiente ao redor, que serviam como obstáculos. As armas chocaram-se três, cinco, dez vezes, até que o menino não teve chance de evitar topar com a árvore atrás de si. Vendo-se sem escapatória, ele afastou minha espada com a sua e avançou com a Balmung em direção a minha barriga. Por estarmos próximos, ele quase conseguira desferir o golpe se não fosse pelo grande salto que dei para trás.

Os avanços não terminaram por aí. Thommy, aproveitando novamente minha distração, levantou a Balmung contra mim e novamente nos vimos chocando as espadas, o barulho estridente do aço cortava o canto dos pássaros. “Então você está mesmo jogando duro, Thommy… Sendo assim, vamos brincar!”.

Mudei o ritmo da batalha quando passei a rodear Thommy, lançando-lhe uma chuvarada de golpes. Suas pernas movimentavam-se harmoniosamente para todos os lados, de forma que Thommy estivesse sempre preparado em defender meus ataques e saltar para os lados. No entanto, como no dia anterior, aquela estratégia começava a ser um problema para Thommy, e ele viu-se no dever de virar aquela luta. Esse objetivo tornou-se mais claro quando a ponta de minha espada rasgou-lhe a maça do rosto, deixando-o mais vulnerável que nunca.

Ele paralisou por um segundo, o tempo que precisei para preparar o golpe decisivo. Foi então que ele se lembrou da nossa primeira luta.

“Thommy, acorde! Nunca tenha medo da morte em uma batalha, essa é a primeira coisa com a qual você deve aprender a lidar!”

Mais rápido do que pude prever, ele saltou para o lado e correu para a floresta. Eu o segui até certo ponto, mas aprofundar-se na mata parecia afastar-me de Thommy. Quando me dei conta, estava sozinha.

Outras duas lições que clarearam a mente do garoto foram que não se deve sentir medo no meio de uma batalha e que deve-se usar seu corpo e o ambiente de forma favorável. Thommy estufou o peito com toda a coragem que lhe foi possível sugar para ignorar os Salgueiros que surgiam de trás das árvores, e escondeu-se estrategicamente. Ouviu o barulho de meus passos cessando e soube que era o momento certo para atacar.

Sorrateiramente, Thommy surgiu de trás de uma das árvores e ameaçou golpear-me, e quando fui defender, ele desviou o rumo da Balmung para meu braço. Fui mais rápida e pude afastá-lo de mim, embora isso possa ter sido um erro.

Ele escondia-se na floresta e movia-se em silêncio, algo que era mais fácil para uma criança que um adulto. Quando resolveu finalmente parar de brincar de esconde-esconde, Thommy tinha com um objetivo em mente: acertar meus braços e pernas. A luta prosseguiu no meio da mata, e a locomoção tornou-se a mim mais um empecilho que uma vantagem. Já o Espadachim lidava com o ambiente estreito com demasiada facilidade.

“Agora você deve estar se perguntando o que a situação exige de você, certo? Pois bem, ela não exige nada. Se exigisse, você não teria as duas opções que tem: levar o treino a sério ou ver o tempo passar enquanto alimenta seu orgulho”.

A lâmina da Balmung cortou o ar e foi ao encontro da minha espada. O impacto das armas afastaram-nas um pouco, e Thommy planejou o próximo golpe.

“Difícil mesmo é escolher treinar duro sendo que pode optar por choramingar e idolatrar a vida dos outros para sempre. Isso sim daria uma boa história”.

Era fácil defender e prever os movimentos de Thommy, mas a brusca mudança do garoto desengonçado para o garoto que avaliava seu alvo foi uma surpresa e tanto. Pela primeira vez, talvez em muito tempo, Thommy lutava a sério. Sério demais.

Tentei recuar o máximo possível, mas um inesperado ocorreu, seja por um vacilo ou por mera coincidência: ao pisar sobre a grama, senti uma dor aguda no meu pé direito. Eu o havia torcido.

“Seu orgulho está satisfeito agora?”

Thommy, favorecido pelo ocorrido, deixou que a ira o guiasse naquele último ato. De fato, esse sim havia sido o seu pior erro. A raiva o cegou, e Thommy não deu continuidade ao seu plano, como vinha fazendo antes de meu pé torcer. Ao invés de finalizar com um golpe lateral, ele urrou no mesmo instante em que levantava a Balmung, quebrando a posição de ataque que eu o ensinara. Defender um golpe à minha direita seria um problema, mas aquela não era a situação. Forcei meu pé para permanecer na postura, defendi o ataque que deveria ser o decisivo e chutei o joelho de Thommy. Ele desequilibrou, mas não caiu. Era uma pena que minha espada já estivesse mirando em seu pescoço.

Thommy caiu de joelhos. Esperou que eu anunciasse sua derrota.

— Nunca deixe a ira subir-lhe à cabeça. É um grande erro.

— Como… Como você soube? — sussurrou ele, sem olhar-me nos olhos.

— Foi como ver meu reflexo no espelho. Reconheço aqueles olhos de longe, Thommy.

Ele nada falou. Não sabia o que falar. Ouviu o som das primeiras gotas de chuva beijando a grama e fechou os olhos. Lembrou-se da história de Abra e sentiu-se no lugar dele… Ali, ajoelhado nas terras de Payon, sentindo a chuva lavar-lhe a alma amargurada como acontecera uma vez com Abra, que havia desenvolvido ciúmes e inveja de seu irmão, Vini. Thommy encontrava-se na mesma situação, odiando-se por ter me odiado, nem que por alguns segundos.

— Ainda não escureceu. Dá tempo de voltar à Payon, portanto levante-se — Estendi a mão à Thommy.

— Desculpe… — emitiu ele num tom de voz sem forças. Continuava cabisbaixo perante àquilo que julgava humilhação.

— Por que pedir desculpas? Você é humano, deixou-se levar pela raiva… Isso acontece. Não há maneira melhor de aprender senão com os próprios erros, portanto considero nosso treino oficialmente encerrado.

— Mas…

— Comece perdoando a si mesmo — eu sorri e gesticulei para que Thommy segurasse minha mão.

Ele levantou a cabeça, sentiu a chuva pingar e escorrer por sua face, e pôs-se de pé com minha ajuda.

— Posso te chamar de Jenny-machão agora? — indagou-me com um sorriso.

— Espero ter escutado errado por causa da chuva. Se eu estiver ouvindo direito, a resposta é sim aos masoquistas.

Thommy gargalhou e acompanhou-me de volta à cidade. “Finalmente”, pensei, “Thommy está pronto”.


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Notas finais do capítulo

Eenfim, é isso! Espero que tenham gostado, começarei o capítulo 13 assim que possível! Deem sugestões, comentários e afins xD



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