Band Of Brothers escrita por Lekkerding


Capítulo 1
Ruina




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Uma noite escura, como qualquer outra. Para os nativos, nada demais; os estrangeiros, contudo, ficavam tensos ao cair da noite. Compreensível. Nada ali era como a terra deles. Nevareth e a Terra eram substancialmente diferentes.

Os terráqueos estavam acostumados com uma Lua, e as noites em breu. O céu deles tinha tons de azul para cada parte do dia. Eles também falavam muito em “24 horas”. Nevareth tinha noites vermelhas. O carmim do céu indicava o repouso, e a brancura do firmamento, o trabalho. Para entender o passar do tempo, basta observar o movimento das luas. Elas dizem se fará frio, calor, se nada virá...

Assim é a vida em Nevareth. Sem as tais horas terráqueas... Eles parecem perdidos com a ausência desse elemento, às vezes.

Talvez por isso, tantos terráqueos estejam apinhados nas terras de Ruina. O céu não muda aqui. Está sempre negro como breu.

Não que isso fosse relevante para ela. Gostava de Ruina pela constância. Era um dos poucos locais na dimensão de Mercúrio livre das chagas dos fantasmas.

Seus olhos perdiam-se no brilho opaco de Anun, a lua do Oeste. Anun era a única lua coexistente nas dimensões; a face que Mercúrio via era compartilhada por Marte. E ela achava interessante a premissa de Sirius: contemplar Anun era a certeza dos guerreiros errantes de não estarem sozinhos nos mundos.

Sirius... A armadura brilhante do sábio, exposta na central de Porto Lux, era mais um lembrete de um passado longínquo, com suas glórias e valores perdidos. Ela tinha nascido e crescido assim. Mas hoje, tudo era diferente. Ela era diferente. Uma marginal, prisioneira de sua herança.

- Tammy.

A mão firme em seu ombro direito tinha um toque gentil, hábil. Típico dos que estavam habituados a manipular objetos frágeis o tempo todo.

- Ei, Crow. Muitos viajantes hoje?

- Ah, não. Os tempos são outros. Agora todos acham melhor partir em expedições levando o mundo em seus alforjes.

- Por isso Ruina anda tão vazia. Eles não costumam voltar, não é?

Gargalhadas ruidosas e sinceras seguiram o breve diálogo. Apesar de tudo, rir era tudo que lhes restava. Os aventureiros achavam as taxas de armazenagem muito caras, e preferiam viajar para suas caçadas carregando tudo que pudessem consigo.

Mas nem os guerreiros mais hábeis conseguiam lutar contra as feras de Ruina com tanta carga nas costas. Não era raro observar Aniark, Opaeng e Ibank arrastando gente ferida ou morta pelos portões do Forte. A grande ironia é que os pertences destes guerreiros voltavam intactos, diretamente para o erário da Nação a que pertenciam.

- Como dizem os terráqueos, a respeito dos preços...

- O barato sai caro. Realmente.

- E o mundo, Tammy, como anda?

- Podre, Crow. Bom é que não estaria.

- Você é muito pessimista, Tam... As coisas vão melhorar, eu sei. Um dia...

- Os mortos não voltam, Crow, por mais grandiosos que sejam.

Crowpar franziu o cenho, encarando as tábuas enegrecidas de seu armazém. A esperança dos antigos sempre morria na realidade crua que assolava Nevareth.

A cisão das fronteiras trouxe os terráqueos. Vinham de seu mundo, trazendo seus valores e o completo desprezo pelos nevaranos. Os terráqueos extraíram dos mundos toda a tecnologia possível, e fizeram ressurgir a magia proibida encerrada na Torre dos Mortos. Com ela, conquistaram glórias incontáveis. O preço, porém, era altíssimo para os nevaranos.

Enquanto Crowpar pensava na vida, Tammy perdia seu olhar em Anun. Pensava nas atividades do dia de hoje. Ou seria noite? Por alguma razão, Ruina estava eternamente condenada à escuridão.

“Os antigos nunca revelaram este mistério”, pensava, enquanto comia uma maçã. Sabia que precisava de alimentos, pois sentia que esta seria uma longa jornada. O cheiro de almíscar do Forte estava mais fraco, dando lugar ao aroma metálico das bestas que assolavam os campos de Ruina.

Ninguém sabia como, quando ou por que a cidade foi construída no meio do nada. Ninguém tinha idéia das origens de sua fauna e flora – e apesar disso, aventureiros adoravam culpar os Procyons, pela semelhança de suas armaduras com as couraças das feras do lugar. Nada era certo sobre Ruina. E por isso, era a colônia mais perigosa de Nevareth.

Não era raro para Tammy ser chamada como apoio por Aniark, quando o cheiro do metal ficava forte. A fortaleza vivia sob ameaça dos Escavadores, criaturas cruéis dos campos que só faziam matar. O sadismo dos monstros só era comparável à sede de lucro dos terráqueos. Quem caía nas garras dos Escavadores sofria muito antes de morrer, pois as feras adoravam testar os limites da dor. Eles gostavam disso. Às vezes, parecia que se alimentavam da agonia.

Apesar de gostar da constância de Ruina, Tammy nunca entenderia a brilhante idéia dos antigos, de construir uma colônia num ambiente tão inóspito, com as ruínas de outra colônia que não sobreviveu. Talvez fosse um teste. Talvez eles quisessem testar os limites da perseverança, como Escavadores testam os limites da dor e as Moscortadoras testam os limites da paciência dos habitantes da Floresta do Desespero. A simples lembrança dos zumbidos das moscas deixou Tammy cansada.

Mas não havia tempo para dormir. O alarme soava em Ruina. E o olhar desesperado de Ibank chamava.

- É minha deixa, Crow. – Tammy abriu seu armazém, e dele retirou suas armas e alguns medicamentos. Tirou ainda uma tiara negra, que tinha reflexos esverdeados contra a luz. Ao colocar a tiara negra em sua cabeça, suas vestes negras brilharam, como que saudando a tiara.

As armaduras de Nevareth eram forças misteriosas. Heranças da Era Venerável. Organismos vivos, que se associavam ao corpo de quem as carregava. Os trajes negros de Tammy se fechavam numa couraça justa e apropriada para suas habilidades quando colocava sua tiara, que ainda confeccionava um visor, caindo sobre seu olho direito.

Crowpar olhava a preparação da guerreira atentamente, enquanto entregava as chaves de armazém para outros guerreiros, ansiosos pela luta. Eles estavam ali pelo status; os clãs ofereciam riquezas infinitas a quem derrotasse Escavadores em Ruina, e trouxesse núcleos de energia e outros espólios das entranhas dos monstros.

Tammy era diferente. Era uma Capella, mas não tinha interesse em guerrear com Procyons. E também não tinha nenhuma afeição por clãs. Não gostava de terráqueos, e a união em clãs era invenção deles.

Tammy fechou o armazém, e entregou suas chaves a Crowpar. Com algumas palavras em nevarano, levou a mão esquerda para o alto, e abaixou, confeccionando um belíssimo arco dourado no ar. Conjurou magias próprias de sua carreira, para proteger a si mesma na luta. As magias deixavam uma aura avermelhada à sua volta.

De soslaio, viu o medo no olhar de um dos guerreiros. O rapaz tremia, enquanto vestia sua armadura pesada, cheia de lanças e espinhos. O escudo gigantesco em suas costas denunciava: este não era feito para a batalha. Ele deveria proteger os companheiros, não ser enviado à morte. Um rapaz novo, e sem experiência. Viu o brasão de clã em sua mão direita, e entendeu tudo.

Ofereceu-lhe algumas magias de proteção, e chegando perto, disse em seu ouvido:

- Você não precisa lutar. O que deve fazer é viver, treinar muito e não se render aos outros.

Os olhos do rapaz cruzaram com os dela. Olhos dourados, íris triangular. Um nevarano. Num sinal rápido, Tammy e Crowpar se entenderam.

Crowpar dominou o rapaz assustado em segundos. Não era um mero gerente de armazém; o passado dele era obscuro. O pouco que se sabia era que iniciou sua estalagem após retirar-se da nação Procyon. Mas suas cicatrizes e o corpanzil denunciavam um grande guerreiro caído.

Sempre que encontrava nevaranos jovens, Crowpar os impedia de lutar. Fosse por força, ou diálogo. Nisso, ele e Tammy se entendiam. Enquanto os terráqueos se multiplicavam feito capim-aurora, os nevaranos minguavam.

- Veja, Aniark já está pedindo água contra os Sentinelas. É melhor ir.

Tammy desceu as escadas como um raio, rumo ao portão sul de Ruina. Era dali que vinha o cheiro de metal, e de carne queimada. E o vulto colossal formado à frente não deixava dúvidas: era hora de matar um Escavador. Ou morrer tentando. 


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