O Suficiente escrita por Dark_Hina


Capítulo 1
Capítulo Único




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Eu tinha vontade, mas não tinha uma razão
Foi quando eu te encontrei, sem ar, sem chão

–Já vai?

A voz soou baixo, tão frágil, tão cálida, tão intensamente desolada. Apenas a indagação de um barulho seco que não perscrutava uma resposta. Olhei involuntariamente para seus olhos, afogados nas tempestuosas lembranças de mais cedo.

Assenti com a cabeça e pareceu-me que o gesto lhe chamou atenção, lhe tirando daquela centrífuga da qual sua mente girava.

–Já, você deveria ir também.

Ele engoliu a seco encarando os papéis a sua frente, quase previ que sua mente voltaria à tormenta, mas o azul não vacilou e ergueu-se para mim, ficou me encarando enquanto conversávamos no silêncio daquela troca de olhares, e com tal eloquência, que ele assentiu e por fim cedeu.

–Eu já estou indo.

Ele inclinou cabeça para baixo, suspirando pesado diante dos papéis espalhados pela superfície da mesa, ele começou a recolher um por um cada livro e cada folha nas partes livres inexistentes da madeira, como se alguém fosse entrar lá e mexer – como se qualquer pessoa em juízo perfeito fosse capaz de profanar o imaculado lar do feto de porco radioativo – toda vez que entro na sala de Grissom sinto um frio gelar minha espinha, poderia apostar uma boa quantia que o pessoal da limpeza escolhia a sorte do infeliz que fosse limpar lá na semana com o jogo de quem tira o menor palitinho.

Dei dois longos passos ao encontro da mesa, ajudando-o a arrumar aquilo.

Sinceramente desde que a noite começara eu vinha querendo correr de lá, louca e desesperadamente, estabanadamente, correr sem olhar para trás, sentindo apenas a distância crescer daquelas paredes e do ar frio de fatalidade que estava assombrando todo o ambiente. Mas me via incapaz de deixá-lo lá, me via sem possibilidade de seguir em frente sem ele. Suspirei fundo pegando os livros e colocando em pilhas nas cadeiras.

Do outro lado o sol tingia o céu de um amanhecer pálido, um dia nascia isolado do esconderijo de Grissom pelas persianas baixas, e eu apenas podia sentir a sensação de cansaço anunciá-lo, me sussurrando indiscretamente que eu precisava de repouso, para manter minha sanidade e desistir da vontade de abandoná-la.

Por um instante parei de fazer o que fazia e olhei para Grissom, não sei por que o fiz, mas o encarei com tanta fé, com tanta esperança que ele me ajudasse a perceber que toda aquela noite dos infernos havia acabo, que um novo dia chegava, que novas esperanças vinham, mas ele estava tão ou até mais perdido que eu, a tormenta no azul nublado de seus olhos apenas mudava de direção, inquieta, vacilante, displicente para com a tarefa impossível que sua mente desajustada o mandara fazer.

E você me quis assim (sem nada)

Pra ti oferecer (sem nada)

Pra te pagar, pra fortalecer (sem nada)

Mas com o suficiente pra fazer tudo por você

–Está bom Grissom, vamos. – minha voz saiu como um fio fino, quase inaudível, rouco, uma súplica humilde e pétrea de alguém que não tinha condições de se humilhar mais que um mero pedido de compaixão.

Eu esperei uma réplica, um pedido respondido com outro. Algo do costume Grissom. Esperei pacientemente por ele, mas não veio. Em troca, senti o calor de sua mão cair em meu ombro e me aninhar no conforto de seu aceno de cabeça positivo.

Senti minha respiração ficar mais leve, o ar tinha ficado mais puro.

Ele me guiou até a porta, abriu-a para mim, e fechou-a atrás de nós quando caminhamos pelos corredores até a garagem, procurei em meu bolso a chave do carro, foi quando percebi que ele estava ao meu lado segurando minha mão.

–Você não está bem.

–Acho que ninguém por aqui está.

Ele engoliu a seco.

–Eu te levo pra casa.

–Você não precisa, na verdade, você precisa ir para casa.

–E eu vou. – A convicção da voz de dele fez meus joelhos balançarem, não, ele não ia, se me deixa-se em casa voltaria correndo para o laboratório, para se enfornar novamente naquela sala.

Às vezes eu penso que podia ter algo entre mim e Grissom, sinto remotamente que seriamos um bom casal, com uma boa sintonia, mas não sei se conseguiria dividi-lo com sua amante preferida. Eu seria sua mulher, mas ele teria sua paixão incontrolável e voraz sempre a disposição, sempre sendo seu refúgio, ele iria correndo para os braços de sua amante todas as noites, viraria dias com ela e me esqueceria até sentir a exaustão que ela lhe causa, a fadiga tanto emocional como física que provoca no final de seu desempenho, e ironicamente, seu descanso seria na cama, boas e longas horas de sono, recuperando-se lentamente de toda a experiência excitante que tivera, livrando-se lentamente da adrenalina em sua corrente sanguínea, preparando-se para revê-la e me abandonar na madrugada seguinte.

Eu poderia competir com muitas mulheres e poderia ganhar de boa parte delas, mas jamais chegaria aos pés de sua amante. Seu tão idolatrado trabalho era uma diva que havia emplacado todos os seus esforços na calçada da fama, que havia sido esculpida em prêmios e troféus, o trabalho era a mais deliciosa e sedutora coisa que podia lhe tirar o sono e fazê-lo suar frio com seu jogo de xadrez mental que sempre lhe surpreendia e lhe dava novas vivências, já que ele era incapaz de encontrá-las por si próprio.


Ele tomou a chave da minha mão e me olhou fundo nos olhos, disse impassível que tudo estava bem e concordei relutantemente frágil. Não me importava se mais tarde seria trocada por papéis e aperreios, pelo menos por aqueles instantes ele se concentraria em mim, eu seria o único foco de sua preocupação.

Eu tinha aprendido a não colocar esperanças em nada e ninguém, mas não conseguia controlar meu nível de expectativa quando o assunto era Grissom, era quase impossível olhar para ele, admirar toda a sua vasta sabedoria e sofrer na pele por seu desleixo social e pessoal, era quase impossível acreditar que um homem com tal potencial mental fosse um babaca sentimental. Não me sinto confortável em constatar isso, mas eu me apeguei demais a suposições, ao pensamento agradável e confortante à noite quando o via que ele se preocupava comigo, que ele era capaz de me dar um pouco da sua infindável razão, que quando eu olhasse em seus olhos azuis e sentisse a suavidade do seu tom de voz reverberar em meus ouvidos ele me transmitiria um pouco de sua serenidade e compreensão. Era difícil não ver isso acontecer e mais ainda perceber que não conseguiria largar o desejo e a doce ilusão.

Ele não me perguntou o caminho.

Imaginei indo até meu apartamento no meio da noite, sem ter coragem de entrar, encarando a janela como se esperando minha parição mágica para convidá-lo para subir e, em consideração por estar lá, não o cobrisse de perguntas. Coisa que jamais aconteceria – afinal a primeira coisa que eu faria era pergunta-lhe o motivo da visita inesperada e repentinamente assustadora.

Ele estacionou o carro em frente o apartamento me puxando dos devaneios.

–Eu posso estacionar dentro?

Eu me movi para responder, foi então que percebi minha posição quase fetal em cima do banco, apartada apenas pelo cinto que me impedia de abraçar os joelhos. Respirei fundo tentando encontrar o chão do carro com os pés dormentes antes de responder.

–Não precisa, você já fez muito. – Meu olhar caiu em sua direção contradizendo tudo que eu havia dito. -Sério. – Insisti forçadamente falso.


Que o mundo exploda se seu coração for meu abrigo


–Mas seria bom?

Eu dei de ombros, não sei porque estava me esquivando tanto da boa vontade de Grissom, me sentia apenas fraca e me incomodava a ideia dele me ver dessa forma, se bem que se eu estava fragilizada por tudo que tinha acontecido na última noite, ele não podia estar em melhor estado que eu.

Encarei um pouco o azul pálido do céu da manhã, uma sensação de alívio momentâneo me possuiu, aquela vozinha irritante que sempre me dizia à verdade que eu negava acreditar ou aceitar voltando a sussurrar em minha consciência que todo o dia, não importa quão ruim fosse, sempre chegava ao fim.

Ele subiu com o carro para a minha garagem no prédio e me levou até o apartamento.

A chave pesou em meu bolso quando relutante saímos do elevador e me vi diante da porta com ele ao meu lado, pegue-a involuntariamente, não queria me desfazer da companhia inocula de Grissom.

–Quer entrar?

Ele balançou a cabeça.

–Você vai ficar bem?

Claro, vou ficar longe de você.

–Todos nós vamos, você também.

Ele assentiu com a cabeça, e o vi relutante a me dar as costar e seguir seu caminho. Por um momento pensei que ele não quisesse me deixar, que ele não quisesse me trocar pela amante, que ele tivesse ido até lá comigo para se abrigar, para se proteger de tudo que talvez viesse a acontecer.

Eu me senti tão iludida tão incrivelmente capaz de lhe proporcionar a paz que ele procurava e eu não possuía, mas estava tãp disposta a construí-la para ele que não me importei se aquilo era apenas um desvairo da minha mente, nem sequer cheguei a cogitar que eu estivesse errada.

A vida quis que assim acontecesse
Me deu a opção pra que eu me resolvesse


Apenas segurei sua mão, impedindo-o de sair.

Ele me olhou nos olhos, fingindo desentendimento por meu ato, foi aí que eu o peguei foi naquele momento, em que suas sobrancelhas arquearam e sua testa franziu, que tive certeza que eu não estava louca – ou que a insanidade havia enfim me consumido por completo, eram linhas muito tênues para eu ter certeza qual delas era a que eu seguia.

–Tem certeza que não quer ficar? – Não, não Sara, aquela não era a pergunta, não, isso não era uma pergunta, você tem que mostrar-lhe escolha. – Por favor, fique.

Ele engoliu a seco e forçou um sorriso, cansado demais para continuar por muito tempo em sua face.

–Obrigado. – Ele soltou baixo em um sussurro.

Grissom me acompanhava para a sala e eu repassava na mente o que exatamente estava acontecendo. Virei-me inesperadamente para ele, minhas mãos estavam geladas, o ligeiro e impertinente pensamento passeou por minha cabeça.

Aquela era minha chance, minha mais certa chance, eu era adulta e podia tomar conta dos meus próprios atos.

Virei-me bruscamente impedindo a passagem dele, ficáramos perigosamente próximos, era uma questão de centímetros que distanciavam nossas bocas, nossas respirações banhavam com um bafo quente o rosto do outro, ficamos naquilo por alguns segundo, se ele quisesse realmente evitar o que estaria por vim ele teve sua chance, inclinei-me lentamente e senti sua palma acolher meu rosto levando-a ao dele.

Nossos lábios se tocaram lentamente, com uma suavidade que pensei só ser encontrada em fofos travesseiros de pena, sua mão envolveu minha nuca, intensificando o contato, eu precisava demais, não iria me satisfazer ter chegado aquele ponto e não provar de seu sabor. Ousadamente minha língua tocou em seus lábios e logo ele acolheu-a ao lado da sua, um beijo molhado, cheio de sabor e emoção, temperando com necessidade de sua existência.

Meus braços envolviam seu pescoço, enquanto suas mãos estavam muito bem enroscadas uma em minha nuca e outra em minha cintura. Tão colados que eu desafiava qualquer formiga tentar passar entre nós.

Paramos pelo detalhe irrelevante da respiração. Meu coração batia tão rápido que chegava a doer entro do peito.


Fica tranquila que a missão de te fazer feliz é minha!

Nos olhamos pelo que pareceu séculos, calados no nossos silêncio fúnebre, que ao contrário das outras vezes não significava nada além de uma breu de pensamentos, estávamos tentando entender lentamente o que havia acontecido, saber se o que tínhamos feito era certo ou errado ou simplesmente um mero acaso. Eu não conseguia colocá-lo em nenhuma dessas categorias, podia apenas me lembrar da sensação gozosa da boca de Grissom contra a minha, me tirando de qualquer pensamento lógico ou racional, me jogando em um estado de êxtase que eu só podia chamar de paz.

Ele engoliu a seco, tendo certeza que com aquilo levava os resquícios do meu sabor para dentro dele, sem mais chance de senti-lo de novo.

Aquele silêncio tão intenso e incomodo, que não revelava nada além de um vazio surpreendente de entendimento... Afinal o que havia acontecido?

Ele fechou a porta atrás dele, foi quando percebi ter retroadido alguns longos passos, assustada com o que eu acabara de fazer, com a ousadia que me tomou e se aproveitou do resto de adrenalina que a correria da noite injetara em minha circulação.

–Você está bem? – Ele perguntou com a voz quebrada.

O problema era que ele não queria falar, não havia nada a ser dito, não havia o que se argumentar ou discorrer.

Ele tocou em minha mão sentido o súbito frio que lhe tomara.

–Querida, o que houve?

Eu balancei a cabeça, e soltei um fraco “Nada” no ar.

Eu pensei que ele diria um “Tudo bem” e iria embora, eu até pude ver suas costas viradas, uma brisa ainda mais fria que viria pelo pergolado vertical no alto de cada andar do prédio substituindo os grandes janelões pela infiltração do ano anterior. Sempre que eu abria aquelas portas o frio da madrugada tornava-se mais intenso e a única vontade que eu tinha era de voltar para o conforto das minhas cobertas.

A imagem havia acontecido perfeitamente em minha mente, mas para minha sorte, aquilo só havia acontecido lá. Grissom tinha me passado o braço por meu ombro me levando ao sofá, onde nos sentamos e eu comodamente usei seu peitoral como escora.

Voltamos aquela troca de olhares, o simples gesto que conduziu os momentos mais brilhantes de nossa vida, me permiti tocar em seu rosto a barba rala arranhado suavemente minha mão e me deixei abusar da sorte de mais um beijo, e para contemplá-la correspondido com a mesma veemência de desejo.

–Grissom... eu preciso te perguntar... o que tá acontecendo entre a gente?

Aqueles olhos azuis nunca me encararam tão profundamente, ele engoliu a seco, e eu senti que procurava as palavras certas, as palavras que não existiam, mas por fim, depois de um longo suspirou, ele disse o certo.

–Por hora, vamos chamar de amor... Depois você chama do que quiser.


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