Recém-nascida escrita por Cambs


Capítulo 21
Vinte




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Com os primeiros raios do Sol aparecendo no que deveria ser um belo amanhecer, qualquer partida fora adiada e o resultado era meio que catastrófico. Catastrófico ao menos para mim, já que dormir não era uma opção graças à reunião acontecendo no quarto em que eu usava. Carlo, Erin, Demetri, Elliot, Rodric, Yulio, Sierra — que felizmente já havia acordado e deixado Yulio infinitamente mais calmo —, Alec e Louis estavam de portas fechadas no quarto que eu estava utilizava e, por consequência, eu estava sentada no chão e encostada na parede contrária à porta do cômodo em que eles estavam, com os olhos pesados e as costas doloridas pelo corte ali presente.

— Kyara me disse que existiam mais quarto disponíveis se você quisesse usar, mas sua curiosidade certamente vai te manter acordada — olhei para cima e avistei Ryan, vendo-o encostar uma das mãos na parede e então se abaixar até estar sentado ao meu lado. Cutucou meu joelho e suspirou. Havia algo estranho ali, escuro. Segurei a mão que ele havia usado para me cutucar e a analisei, vendo as queimaduras no dorso da palma e nos dois últimos dedos. — Novato.

— Deveria ter avisado sobre isso — mordi o lábio inferior.

— E eu deveria ter me lembrado de todos os filmes de vampiros que assisti — resfolegou.

— Você realmente está sendo tão novato a ponto de acreditar nos filmes? — perguntei. — Sinceramente, Ryan.

— Cale a boca — ele me empurrou, mas me segurou antes que eu caísse no chão. Rindo, Ryan ignorou meu tapa e encostou a cabeça na parede, encerrando o riso com um suspiro. — Preciso de mais alguma informação?

— Bem, sobre queimar no Sol você já sabe — comecei. — Sua dieta agora é a base de sangue, mas ainda pode comer e beber coisas humanas. E evite ficar mais de uma semana sem se alimentar, mais informações sobre isso você pega depois com Kyara ou outra pessoa. Suas células são regenerativas — apontei para a mão queimada, que já apresentava sinais de recuperação — para qualquer coisa que não atravesse seu coração, que não o queime por completo e que não lhe arranque a cabeça. E, ah, madeira de qualquer tipo deixa cicatrizes.

— Por quê?

— Não sei. Depois você pega um dos livros históricos na biblioteca, lá deve ter toda a Lenda Liliana — peguei uma das mechas de meu cabelo e comecei a trançá-lo. — Lenda Liliana é a história de como surgiu os primeiros vampiros e sub-raças, antes que pergunte.

— Assim não tem graça — ele riu.

— Claro que tem — foi a minha vez de empurrá-lo.

Carlo saiu do quarto e suspirou antes de nos cumprimentar com a cabeça e seguir para o começo do corredor, perto das escadas, onde ficava o quarto que dividia com a esposa. Esta, por sua vez, saiu logo depois e lançou um sorriso doce e cansado para nós antes de ir para o mesmo lugar que Carlo. Rodric, Alec e Louis apareceram depois de minutos e apenas Rodric mostrara-se educado para cumprimentar a mim e a Ryan antes de seguir pelo corredor e passar por um das portas, assim como os dois outros Amattris.

— Ryan — chamei, mas me interrompi quando Yulio e Elliot apareceram e foram em passos rápidos até as escadarias.

— Não precisa — ele suspirou. — Não foi sua culpa.

— Claro que foi — passei a mão pelos cabelos. — Pelos céus, Ryan! Se não fosse por minha culpa você não teria sido sequestrado. E não teria virado vampiro — bufei. — Poderia muito bem ter continuado com sua vida normal, sem precisar se esconder do Sol e... morder pessoas.

— A menos que você tenha mandado aqueles caras até onde eu estava, você continua sendo aquela garota simpática e inocente — Ryan fez uma pausa e então colocou a mão na testa. — Ah não, desculpa. Eu errei de pessoa.

— Ora, cale a boca — o empurrei e sorri enquanto ele usava meu braço como apoio para voltar a se sentar. Yulio e Elliot voltaram, com cada um trazendo uma das poltronas que ficavam na sala de jantar e continuaram a nos ignorar, batendo a porta do quarto assim que entraram. Duas poltronas e uma cama de casal dentro do quarto. Eles vão, realmente, dormir lá dentro? Os quatro?

Depois de meia hora e sem mais ninguém ter saído do quarto, eu assumi que dormir no aposento da frente seria impossível. Sem saber o que mais pesava em meu corpo, eu deixei que Ryan, que estava tão sonolento quanto eu, me arrastasse pelo corredor e me colocasse na cama. Todos os outros problemas que, por favor, esperem até eu acordar.

Eles o haviam colocado no andar de cima, em um dos quartos abarrotados de um luxo que ele mesmo havia ajudado a colocar, como se a ilusão de que possuía alguma chance fosse divertido. E, naquela altura, provavelmente era. Deitado na cama desde que estava naquele quarto, Marco sentia cada agulhada que a falta de alimentação e os machucados das torturas provocavam em seu corpo. A cicatrização demorava demais para ter algum efeito e isso apenas piorava a sua situação.

— É uma pena que você não possa dividir esta bela taça comigo — os lábios de Levin repuxaram-se em um sorriso, evidenciando o sangue que havia escapado de sua boca e sujado a barba ligeiramente grande e escura.

— Nunca fomos de dividir muita coisa — Marco tentou dar de ombros, mas os machucados repuxaram nas pontas e o fez se encolher.

— De fato. Você sempre foi muito egoísta.

— Apenas eu? Sua memória está falhando.

— A minha memória está ótima — Levin descruzou as pernas, batendo as solas dos pés no chão apenas para dar mais dramaticidade à cena. Sentado na poltrona ao lado da cama em que Marco estava, inclinou-se para frente, com a taça cheia de sangue e vinho balançando em frente ao outro. — A sua, eu já não tenho tanta certeza.

“Memória pode ser a ruína de uma pessoa”.

— Mégara — Levin revirou os olhos antes de recostar-se na poltrona. — Só é uma ruína para quem merece.

— Então estamos neste grupo.

— Nós dois? — sorriu. — Ah não, Marco. Você está sozinho nessa. Você mesmo cavou sua cova.

— É mesmo? — Marco fez questão de encarar os olhos de safira do outro. — Então o que você está fazendo aqui?

— Não recuse a generosa plateia — ele deu de ombros.

— Não preciso de plateia, Paolo.

— Paolo — o outro gargalhou. — Lembra pelo menos do meu nome.

— Eu me lembro de muitas coisas.

— Lembra mesmo?

— Lembro-me perfeitamente — foi sua vez de sorrir, mas fora tão rápido que mais parecera um lampejo de sorriso do que um de verdade. — Você parado, totalmente surpreso e estupefato com minha chegada, então seus olhos mudaram para um misto de dor e raiva. Sua cabeça moveu-se para levar a visão até os lados e então suas pernas o conduziram até o andar de cima, para o quarto de Mellyane...

— Não diga... o nome... dela — rosnou quando seus dedos foram parar na garganta de Marco.

— Você passou por mim na escadaria e não parou até chegar à porta do aposento impregnado com o cheiro de lavanda. — pausou para respirar, ignorando a pontada de dor que o aperto lhe provocava. — Não chegou a abrir a porta. Já sabia o que encontraria lá dentro, então, com um suspiro, girou seus calcanhares enquanto sua mão direita ia até o cabo cravejado de rubis da espada presa na bainha em sua cintura — balançou a cabeça para indicar a arma, que permanecera ali mesmo depois de todos os anos. — Você a levantou e a apontou para mim, conseguia ver o meu reflexo nela. Eu então sorri e peguei minha adaga favorita, aquela com esmeraldas na base que Mégara havia me dado de presente, e a posicionei contra você.

— Chega — rosnou mais uma vez, mas decidiu soltar o pescoço de Marco, observando-o tossir enquanto seu sangue fervia por dentro. Lutara constantemente para manter as imagens daquele dia no canto mais escuro e afastado de sua mente. E Marco Amattris era a última pessoa que ele gostaria que as trouxessem de volta.

— Não demorou muito, segundos apenas, para o primeiro tilintar das lâminas. — Marco parou de tossir, suspirando no final para afastar as agulhas invisíveis que cutucavam seu corpo. — Eu disse “ela também tentou lutar” e assim que a dor do entendimento transpassou por seus olhos e feições eu lhe ataquei. — fez mais uma pausa. — Senti o peso de seu corpo tomar meus braços e tornar-se uma constante memória em minha mente. — o silêncio que se seguiu era pesado, palpável. Marco respirou fundo antes de continuar. — E esta é a sua resposta. Sim, Paolo Pattris, eu me lembro.

Paolo apenas ficou em silêncio, encarando o outro vampiro com seu costumeiro ódio. O sangue pulsando em suas veias parecia lava, tamanha sua raiva. Levantou-se devagar e inclinou-se para Marco, voltando a cravar as unhas na pele avermelhada do pescoço.

— Uma pena que sua mira não tenha sido tão boa — sussurrou-lhe perto dos lábios, abertos a procura do ar que o aperto não deixava chegar até o pulmão. — Arrependeu-se, meu caro?

Arrependia-se. No âmago de sua alma, por mais que seu orgulho desenfreado gritasse por cima da vozinha que anunciava isso. Sempre fora assim e, aparentemente, sempre seria.

— Arrependo-me apenas de ver você tentando liderar uma rebelião, sendo que não assume nem sei próprio nome. É patético.

Rindo, Paolo o soltou, deixando-o livre para tossir e ofegar para respirar. Pegou novamente sua taça de vinho e sangue e virou-a de uma vez, suspirando ao final do último gole.

— A coisa mais patética desse lugar é você.

Aquele ditado sobre “aqui se faz, aqui se paga” é realmente irritante. Irritante pelo simples fato de acontecer. E, ah, como acontecia. Eu, por exemplo, estava pagando pelo meu descuido. Assim que me revirei na cama, um dos curativos em minhas costas soltou-se e deixou que a pressão no machucado fizesse um filete de sangue escorrer por ali. Era uma coisa minúscula, que obteve um resultado catastrófico quando Ryan sentiu o cheiro.

E agora ali eu estava, exercendo o “aqui se faz, aqui se paga”, sendo perfeita nisso enquanto tentava manter as presas de Ryan longe do meu pescoço. Ele tinha uma força excessiva e minhas mãos escorregavam de seu rosto sempre que a boca dele chegava mais perto. Eu não queria machucá-lo e, mesmo se quisesse, a maneira com que Ryan subira em cima de mim travava minha pernas, deixando que apenas minhas mãos ficassem livre para qualquer coisa. Até que estas mesmas mãos escaparam e deixaram o caminho livre para que as presas de Ryan fossem direto para meu pescoço.


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