Recém-nascida escrita por Cambs


Capítulo 16
Quinze




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Não sabia dizer se minha apreensão era pelo fato de Innya e Seth terem sido assassinados ou se era pela pessoa que me aguardava no andar de cima, exatamente para onde um Carlo completamente exausto me conduzia. Os degraus pareciam exigir uma força quase que descomunal para ele, assim como manter a postura reta parecia ser impossível. Em total silêncio Carlo, Kyara e eu subimos para o térreo e seguimos o vampiro até uma das salas de parede circular, enfeitadas com grandes janelas que cobriam a parede quase que inteira, onde o tempo também mostrava sua presença, tanto nas colunas e tijolos quanto nos vidros das janelas, deixando toda a paisagem embaçada.

— Ele é todo seu — Carlo pigarreou. O homem parado perto de uma das grandes janelas e virou-se e, por ironia do destino, encarou primeiramente a minha pessoa.

— Sophie.

— Alec — evitei suspirar ou revirar os olhos. Enquanto eu cruzava os braços, Carlo murmurava algo para Kyara. Minutos depois ele saiu do cômodo, livrando-se da camisa ensanguentada antes mesmo de chegar perto da escadaria que levava de volta ao subterrâneo. — Você tem cinco segundos para me explicar o que está fazendo aqui e o que aconteceu no hall de entrada.

— Não é o que está pensando — Alec ergueu as mãos em modo de defesa, antes de desistir de tal posição e levar ambas as mãos para os cabelos escuros. Havia manchas de sangue na roupa dele também, embora parecessem mais com respingos do que com uma mancha propriamente dita. — Não foi nossa culpa — disse enquanto sentava-se no chão, deixando as costas encostarem-se à parede. — Mégara nos mandou vigiar e acompanhar você e Carlo no caminho de volta até Hunyad. Íamos esperar até a semana ter oficialmente terminado, que seria no dia de amanhã, para só então entrar no castelo e levá-los de modo oficial.

— Vá logo para a parte que interessa — Kyara disse, fazendo com que Alec a olhasse por uma mera fração de segundo.

— Nós três ficamos olhando até ter certeza de que você estava aqui dentro — Alec continuou, voltando agora a olhar para mim. — Vimos você sair e voltar, vimos alguns dos Mottris saírem também.

— Nós três, quem? — perguntei.

— Eu, Anitta e Louis.

— Ah, o trio maravilha — sorri sem humor. Com tanta gente no clã e Mégara manda logo os três. Só podia ser brincadeira, de mau gosto, da parte dela. — Vocês ficaram espiando e comentando os acontecimentos iguais a três velhas tricoteiras, e depois?

— Nós nos dividimos — Alec continuou e eu ignorei o fuzilar de olhos que ele me lançou —, eu estava indo atrás de você enquanto Louis e Anitta entrariam no castelo. Não teve tempo de acontecer muita coisa. Você voltou pouco depois e nós três nos reunimos novamente, prontos para esperar o dia começar a raiar para voltar até o abrigo. Em menos de uma hora os rebeldes apareceram e entraram. Nós fomos atrás e tentamos ajudar.

— Por que ajudar? — Kyara perguntou, trocando os braços cruzados por uma mão no quadril.

— Porque nós tínhamos que levar todos vivos até Hunyad.

— E porque só você está aqui? — perguntei.

— Porque Louis e Anitta foram atrás de um rebelde que fugiu e eu fiquei para trás — Alec fechou os olhos e bateu a cabeça, talvez não intencionalmente, contra a parede. — Não foi culpa nossa.

Eu e Kyara nos entreolhamos, ambas caladas e sem muitas reações para oferecer. Com passos podendo ser ouvidos atrás de nós, virei meu corpo para conseguir ver Yulio aproximar-se devagar.

— Ryan me pediu para chamá-la — ele disse, parando não muito longe. Coçou a barba rala que contornava o queixo delineado e depois levou a ponta dos dedos pálidos até os cabelos castanhos e cheios, não exatamente cacheados, mas certamente não lisos. Yulio percebeu, então, Alec sentado no chão e praticamente parou de respirar, passando a encará-lo com raiva.

Era pegar um passe de ida para entrar no clã Amattris”. Rodric havia dito. E então as segundas intenções vão aparecendo.

— Eu já estou indo — respondi esperando que ele olhasse para mim, mas de nada adiantou. Yulio continuou encarando Alec até que o vampiro se sentisse incomodado e levantasse o olhar para o outro. — Yulio — desta vez ele me olhou, ainda com raiva, e demorou a acenar com a cabeça e girar os calcanhares para sair dali. Assim que os passos pesados e ecoantes que as botas de Yulio provocavam desapareceram, voltei-me para Alec, que encarava o lugar onde o outro vampiro estava pouco antes. — Adoro essa capacidade mágica que vocês Amattris possuem de fazer amigos. De verdade.

— É uma capacidade única — Alec suspirou e voltou a encostar a cabeça na parede.

— O que mais nós temos que saber? — Kyara murmurou, mantendo o olhar no lugar em que Yulio estava.

— Mégara não falou com a Mensageira.

— O que aconteceu com Karissa? — perguntei ao descruzar os braços. Alec apenas me olhou e utilizou a antiga comunicação com os dedos. Primeiro, moveu o indicador para cima e para baixo, depois, junto o indicador ao dedo do meio e moveu os dois para a direita. Se eu ainda me lembrava da comunicação através dos dedos de Alec, coisa que eu ajudei a criar, aquilo significava que Karissa estava morta. — É o sinal errado.

— Infelizmente, não é — ele me encarou por dois segundos. — Karissa está morta.

— E Demetri e Elliot?

— Voltaram com queimaduras e sem a garota. Pelo que soube, sofreram um acidente. Ataque de rebeldes. Mégara está quase arrancando os cabelos.

— Duvido que ela faça algum dano real nos próprios cabelos — Kyara disse, atraindo a atenção de Alec novamente. Ele a observou de cima a baixo, analisando cada parte que seus olhos conseguiam alcançar. Revirei os olhos e evitei olhar a cena até que a mesma estivesse terminado. — É, a irmã da sua chefe. Surpreso?

— Um pouco — Alec deu de ombros e então voltou a olhar para mim, fazendo o mesmo que fez com Kyara. — Você mudou o cabelo.

— Pare de me analisar — reclamei. Não era uma surpresa, na verdade. Ele costumava analisar as pessoas, apenas as vampiras, desde quando eu o conheço. O que já fazia certo tempo.

— Tanto tempo e ainda não gosta que eu faça isso — ele sorriu de canto.

— Eu tenho mais o que fazer do que ficar vendo você desnudar pessoas com o olhar, então levante logo daí. Ficará no meu quarto até Carlo conseguir ter mente suficiente para decidir o que fazer com você — revirei os olhos, mais uma vez, e voltei a cruzar os braços. Alec ainda me tirava do sério em poucos minutos.

Ele levantou sem fazer qualquer ruído e arrumou a roupas, suspirando para indicar que estava pronto para ir. Eu e Kyara viramos e começamos o caminho de volta ao subterrâneo, deixando que as palavras saíssem apenas depois que Alec estivesse dentro do quarto e com a porta trancada.

— Seu histórico com ele — Kyara parou em minha frente, impedindo que eu continuasse a andar. — Agora.

— Ex-namorado — murmurei contrariada, cruzando os braços novamente. Se eu não respondesse agora, Kyara usaria seu “poder de persuasão” até que tivesse a resposta. Um sofrimento que poderia ser evitado. Ela me encarou com as sobrancelhas arqueadas e eu tive a impressão de que uma gargalhada sairia de sua boca dentro de poucos segundos. Porém, qualquer reação foi interrompida por um grito estridente que vinha de um dos quartos. Instintivamente, corri até onde achei que era a origem do som, apenas encontrando quartos vazios até que Kyara puxou-me para dentro de um dos quartos, onde a cena não era das melhores.

— Você sabia! — a voz de Eliah saiu falha e em berros, ecoando pelo espaço. Ele tinha as mãos ao redor do pescoço de Dannika e a mantinha longe do chão, ignorando os chutes que recebia com as tentativas de liberdade da garota. — E não fez nada!

— Meu trabalho... é... avisar — Dannika puxava o ar com força, cravando as unhas nos braços de Eliah, esperando causar dor suficiente para que as mãos dele afrouxassem o aperto. Aparentemente sem sucesso.

— Você sabia — Eliah trocou os berros pelo sibilo e eu vi seus olhos serem tomados por dor, raiva e ódio. Estampados tão fortemente ali que meu olhar foi até Riese, prensada contra uma das paredes, observando o pai totalmente assustada.

O rosto de Dannika já estava indo do rubro ao roxo e eu me perguntei onde estava Carlo para puxar Eliah e fazê-lo soltar a garota. A surpresa, porém, foi que no lugar de Carlo, quem puxou Eliah para trás fora Riese. Saindo de perto da parede tão rápido e agarrando a cintura do pai com tanta força que o vampiro foi para trás, fazendo Dannika ir parar no chão quando a soltou com o baque. Riese manteve-se agarrada ao pai até que ele estivesse sentado na cama, ficando de frente para ele e tentando trazê-lo de volta à consciência. O que não demorou muito, Riese conseguira acalmá-lo com rapidez e excelência.

— Venha — ajudei Dannika a levantar, segurando firme em seus braços finos enquanto seu corpo tremia, tanto pelas tosses quanto pelo seu estado emocional. Dando tapas para se livrar de minhas mãos, ela saiu em disparada do quarto, tossindo e dizendo palavrões.







— E é isso o que eles todos são? — Ryan perguntou, apontando o mais discretamente possível para Sierra, Yulio e Rodric, mas a pergunta fora tão óbvia que nem apontar precisava.



— Em partes, sim — Rodric respondeu, evitando enfeitar a resposta como tinha feito anteriormente. Talvez esteja com medo de um segundo soco.

— Mas o governo dos Quatro é assim tão ruim? — uma das sobrancelhas escuras de Ryan arqueou-se. Acredito que ele estava pensando em Carlo e tentando associar um governo ruim a ele. Uma imagem difícil até para mim.

— Governo algum é bom o suficiente para o povo — murmurei antes de limpar a garganta. — Quem realmente governa alguma coisa é Marco. Anthony e Carlo estão mais para enfeite e chamada de emergência. E, bem, eu não sou exatamente uma vítima das ações governamentais de Marco, então esta pergunta eu passo.

— Na maioria das vezes, Marco parece com D. Maria Louca — Yulio murmurou. — Ou uma combinação estranha d’A Louca com Hitler.

— D. Maria, uma ótima pessoa — Kyara ironizou. — Hitler eu já não posso dizer, não tive o prazer de conhecê-lo. Mas essa sua combinação é bizarra. Talvez se você trocasse Hitler pela sua parenta distante, a Báthory, fizesse mais sentido.

— Marco é parente de Erzsébet Báthory¹? — questionei, virando a cabeça para encarar Kyara sentada em uma poltrona trazida do quarto ao lado.

— O grau de parentesco deles é extremamente distante, basicamente nem chega a existir realmente. Mas eles fazem aniversário na mesma data — Kyara franziu a testa. — Você não conhece os próprios parentes, que vergonha.

— Vá ver se Dannika continua viva — mostrei-lhe o dedo do meio antes de me jogar para trás, ficando deitada na cama ao lado de Ryan, que permanecia sentado.

— A Mensageira pode se cuidar sozinha.

— O que é uma Mensageira? — Ryan sussurrou, inclinando-se em minha direção.

— É uma escrava das Encantadas, que tem “visões” devido ao sangue compartilhado com Zolya. Existe uma Mensageira destinada a informar cada um dos líderes, só sendo substituída quando uma morre — respondi. Lembrei-me de Karissa e fechei os olhos, tentando afastar os pensamentos. Engraçado como todos os momentos que você viveu com a pessoa passam pela sua mente depois que essa pessoa morre.

— E quem são as Encantadas?

— Três grandes vadias — murmurei e ouvi Kyara pigarrear. — Quero dizer, três grandes bruxas. Cada uma controla uma dimensão do ser e outras coisinhas mais. — suspirei. — E, antes que pergunte, as três dimensões do ser são: corpo, mente e espírito. E, sim, bruxas existem, Abracadabra.

Ryan me encarou com o canto esquerdo da boca levantado, tentando fazer uma expressão de desgosto. Ele sempre fazia isso quando eu falava uma piadinha ou qualquer palavra irônica. Tentava me repreender e parecer sério, quando na verdade queria rir.

— E pensar que eu acreditava que Sistemas Reticulados e Laminares com o Cioff era a coisa mais inacreditável da minha vida — Ryan disse e logo me seguida jogou-se na cama, ficando deitado ao meu lado enquanto eu explodia em risadas. — Certo e aqueles outros rebeldes, os ele... alguma coisa?

Ellenséges — Sierra corrigiu. — Uma seita vil e sem honra alguma com quem entra nela. Um caminho sem volta de pessoas sendo treinadas para matar e marcadas a fogo. Mercenários que se acham demais — terminou de falar com um suspiro pesado, como se estivesse cansada, e então olhou para Rodric e em seguida para Yulio. Tive a leve impressão de que Sierra já tinha tido um encontro com um ellenség e não fora muito agradável. Ou então, quem sabe, algum parente ou amigo dela era um deles. Tudo que sei é que havia pesar demais na voz dela para ser uma simples aversão.


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Notas finais do capítulo

¹Erzsébet Báthory = Mais conhecida como A Condessa Sangrenta/A Condessa Drácula, foi uma condessa húngara conhecida por uma suposta série de crimes hediondos e cruéis que teria cometido, vinculados com sua obsessão pela beleza. Existem lendas e histórias das mais diversas sobre a Condessa, chegando a dizer até que ela era uma vampira.



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