1866

Felicidade. Amor. Era isso que a garota que brincava com as amigas sentia. E ele sentia as mesmas coisas. Se quisesse, poderia fazer a garota ficar triste ou brava em um passe de magica, mas não o fez. Não acreditava que Maria o havia obrigado a fazer aquilo. As sete garotas não tinham nem o que? Quinze? E mesmo assim pareciam se adaptar aquela vida perfeitamente. Seria uma pena ter que mata-las depois.

Essa garota em especial havia lhe chamado a atenção. O cabelo castanho descia sob suas costas, movimentando-se junto com a dona. Ela dançava com graça, como se tivesse treinado anos a mesma dança. Mas ele sabia que não. A outra garota, a mais nova, acabara de lhes ensinar aqueles passos.

Vampiras que dançam . Ele pensou. O que mais viria por aí? 

Ele achava graça naquilo tudo. As garotas destinadas a matar e depois morrer quando passassem da data de validade agiam como criancinhas de cinco anos. Maria não acharia graça. Se soubesse que suas discípulas favoritas não seriam capazes de assassinar nem uma mosca, mandaria Jasper cuidar delas naquele instante. Tinha que para-las.

- Garotas. - disse, em tom firme.

Elas pararam de dançar.

- Sim, comandante Jasper? - Aquela, que lhe chamara tanta atenção falou.

Seus olhos eram de um tom rubi berrante. O jeito educado que ela se proferia a ele dava arrepios em sua nuca. Ninguem nunca o tratara assim, com tanto respeito e admiração. Nem mesmo Maria.

Tentou se lembrar de seu nome. Marine? Kathleen? Não, Katherine. Sim. Encontrara todas elas juntas, tomando chá da tarde. Quando as convidou para dar um passeio, Kath parecia ser a única relutante. A única que não se deixou levar por sua beleza inebriante.

- Nós não vamos. - ela dissera, batendo o pé, teimosa.

- Ah, vaaai Kath. E só uma volta. - A mais nova, Larissa talvez, choramingou.

- Aliás... - Carla sorriu. - Somos sete. E ele é apenas um. O que poderia fazer?

Elas nem sabiam que ele podia escutar tudo o que falavam. Por fim Kath cedeu.

- Só uma volta.

Andaram pela praça da cidade. Vários soldados passavam por ali e olhavam curiosos para Jasper, mas ele desviava suas emoções e pensamentos para outros lugares. Alem disso, ele sentia cada emoção que se passava pelas garotas. Mas Kath era um misterio para ele. Ela permanecia quieta, fechada para o mundo. A única emoção que ela sentia no momento era desconfiança.

Quando a tarde caiu ele já sabia bastante da vida de cada uma. Quézia queria escrever um livro, mas seus pais insistiam para que ela se casasse e virasse uma mulher de família, que livros eram coisas de gente louca. Carla, a mais velha, estava prometida a um homem da região mas não queria se casar de jeito nenhum. Andressa nunca havia encontrado o amor, sua familia não se interessava muito com isso, mas era o que ela mais queria. Patricia e Manuela gostavam de pintar, mas naquela epoca os pintores eram considerados mais loucos que os escritores. E Larissa, a mais nova, seria uma grande estrela da dança. Mas não era isso que queria, na verdade ela queria sair para viajar, ver o mundo.

Todas tinham uma única coisa em comum: Não podiam seguir seus sonhos. E se as transformasse em vampiras, estaria fazendo um favor a elas. 

A tarde chegou e Jasper perguntou se podia leva-las para conhecer uma amiga. O que o surpreendeu mais foi a expressão no rosto de Kath. E ela estava sentindo uma especie de... Decepção. Se afastou um pouco para deixar as amigas decidirem, e entreouviu uma conversa.

- Vocês viram? Eu disse que não iria dar certo. - Kath choramingou.

- Quem disse que não vai dar certo?

- Dessy, você ouviu. Ele vai encontrar uma 'amiga'.

- Amigas não são namoradas, Kath. - Manu riu. - Você ainda pode ser a tal.

- Você acha?

- É claro que sim! Vocês foram feitos um para o outro, eu sei disso. 

- Feche a boca. Nós nos conhecemos a menos de vinte e quatro horas, como pode saber que fomos feitos um para o outro?

Manu piscou.

- Eu simplesmente sei.

Então Katherine realmente gostara dele, só queria esconder o máximo possível para não parecer apressada demais. Isso era compreensível, mas deixou Jasper em duvida. Ele devia transformar a garota? E se depois, olhando dentro dos olhos castanhos (Que apos a transformação estariam vermelhos, claro) ele não conseguisse mata-la? Seria um problema.

- Jasper? -Dessy veio timidamente. - Vamos?

- É claro.

Levou-as para um celeiro onde Maria aguardava. Felizmente, Maria conseguiu não perder nenhuma. Apenas quando chegou na vez de Kath, Jasper interferiu. Ele sentia o que a garota sentia. Ela estava horrorizada, com medo. Ele mesmo a transformou. Sua primeira.

E agora ela estava ali, usando o mesmo vestido rodado daquela tarde. Seus olhos não mais castanhos e sim vermelhos. Ele achava que ela não ia perdoa-lo depois daquilo, que não ia querer mais saber dele. Mas depois de tanto tempo seus sentimentos foram ficando cada vez maiores.

- Comandante Jasper? - Kath chamou de novo.

- Sim?

- Estava divagando.

Ele balançou a cabeça. Atrás deles, as amigas da garota deram risadinhas. Não haviam deixado sua personalidade para trás depois da transformação.

- É claro. Hora de vocês treinarem.

As garotas se animaram. Se tinha uma coisa que gostavam mais do que dançar e se divertir, era treinar. Ficaram treinando por duas horas. Jasper percebeu que começavam a ficar mais lentas, apesar de tudo. Mas eram as melhores 'soldadas' que podiam ter. Obedeciam as ordens, na maioria das vezes pelo menos, e eram ágeis e espertas quando a coisa ficava séria. Mas na maioria das vezes eram as vampiras mais desastradas que ele já havia visto.

De tarde ele foi se encontrar com Maria. Ela não olhou para ele, mas ele sabia. A qualquer momento Maria poderia decidir que ele não era mais util. Tinha que agir o quanto antes para mata-la e salvar os que restavam.

- Jasper, querido. - Maria sussurrou. - Estive vendo você treinar as pequeninas.

- Esteve?

- Mas é claro. Nunca perco um treino dos meus favoritos. 

Jasper assentiu. Esperava Maria chegar logo ao ponto. Era sempre assim. Ela começava com elogios e comentarios amigaveis, para depois dizer quem ele devia matar dessa vez.

- É ela. A do vestido lilás.

Ele ficou tenso. Não esperava... Não queria que fosse tão rápido assim.

- K-Katherine, senhora?

Maria admirou suas unhas recém feitas, como quem não quer nada. Mas seus sentimentos a denunciava. Raiva, Fúria.

- Diga-me, Jasper. - Ela perguntou, em tom perigosamente baixo. - Você sente alguma coisa pela recem criada?

- ... Senhora?

- Mais que uma simples afeição. Eu sei por que você quis transforma-la. Acha que é o unico que gosta de ouvir conversinhas alheias?

- E se a resposta for sim? E se eu a amar? - Jasper perguntou em voz baixa. 

Maria ainda parecia calma, mas ele sabia a verdade.

- Volte aqui mais tarde. Se ainda não tiver matado a garota, temos um assunto para conversar.

Era a hora. Provavelmente, quando voltasse mais tarde, ela o mataria. Tinha que fazer alguma coisa. Saiu as pressas do quarto, pensando. A noite começava a cair. Ele não se preocupava muito consigo mesmo, mas sim com ela. Não podia deixar Kath a merce de Maria.

O quarto das sete garotas era o maior de todos. Elas não admitiam 'dormir' em quartos separados. Quando entrou encontrou todas elas de pijama rindo e jogando travesseiros. Quando elas o viram, gritaram.

- Ei! Ninguem mais tem privacidade não?

- Custa bater na porta?

A única que não falava era Kath. Ela estava vermelha como um pimentão. Jasper teria sorrido se o momento não fosse tão perigoso.

- Vocês tem que se arrumar. Rápido

- Mas por que? - Larissa perguntou, desconfiada.

- É melhor fazerem o que eu digo se não quiserem morrer.

As garotas arregalaram os olhos. Jasper saiu do quarto para deixar elas se arrumarem. A primeira a terminar foi Kath. E quando ela saiu do quarto, Jasper não se conteve. A abraçou.

- O que esta acontecendo? - ela sussurrou, encostando levemente a cabeça em seu peito.

- É... Perigoso ficar aqui.

- Por que está nos ajudando, Jasper? 

Ele ficou em silêncio. Depois levantou a cabeça dela, para que seus olhos se encontrassem.

- Eu gosto mesmo de você, Kath. 

Ela baixou os olhos.

- Eu também gosto de você, Jasper.

Aquele foi o primeiro beijo que trocaram. Ambos estavam assustados, temendo por suas vidas, mas aquele beijo... Apagou tudo de suas memorias. 

- Ei gente, já acabei... Ah. - A voz de Larissa sumiu enquanto ela ficava vermelha. - Desculpe.

Kath também ficou vermelha, mas Jasper podia sentir uma súbita explosão de alegria. As duas trocaram olhares cúmplices. 

Logo as outras garotas ficaram prontas também. Eles correram até a porta dos fundos, onde Maria não poderia ve-los. Jasper e Kath andavam de mãos dadas. As outras tomaram cuidado para não comentar, mas era impossível conter os sorrisos.

Assim que chegaram a porta, ela foi aberta. Pensando que fosse Maria, Jasper se afastou. Mas não, era seu antigo amigo e recruta, Peter e sua namorada Charlotte. Eles ficaram surpresos em ve-lo ali, com sete garotas de no minimo quinze anos a tiracolo.

- O que faz aqui? - perguntaram juntos.

- Viemos buscar você. - Charlotte respondeu, olhando curiosa para as garotas. - A vida de vampiro livre tem sido incrível, Jas...

- Não temos tempo. - Carla alertou, olhando em volta. - Maria pode aparecer a qualquer momento.

- É claro. Charlotte, Peter, vocês podem leva-las até um lugar seguro e depois voltar?

Eles se entreolharam.

- Sim, podemos.

Larissa, Quézia, Manuela, Patricia, Carla e Andressa seguiram-nos. Mas Kath foi relutante.

- Vamos nos ver de novo? - ela sussurrou.

- Eu bem que queria. - Jasper suspirou. - Mas acho que não será possível.

Ela assentiu, como se já soubesse a resposta. Trocaram um último beijo apaixonado e depois ela seguiu o rastro das amigas.

Logo Peter e Charlotte estavam de volta. Eles escaparam das garras de Maria junto com Jasper. Ele não queria mais saber daquela vida. Iria recomeçar.

Mas uma coisa era certa, nunca se esqueceria de seu primeiro amor.