Sora acordou bem mais cedo que o normal. Tinha prometido à Sarah que limparia o corredor do seu dormitório, já que ela a havia ajudado com um treinamento mais pesado nas últimas vezes, sem que Kalos soubesse. Também tinha que limpar o tanque da Jonathan e dar comida a ela. Enfim, terminou tudo meia hora antes do combinado com Layla. “Acho que já vou para a sala treinar. Assim, não tenho problemas de horário com a Srta. Layla”, pensou Sora.

Quando chegou à sala de treinamento, ouviu o barulho dos trapézios em movimento. Ao olhar pela fresta da porta aberta, notou uma Layla ligeiramente cansada, como se estivesse treinando há um bom tempo. “Nossa, a Srta. Layla já está aqui...”, pensou. Entrou na sala, dizendo:

- Bom dia, Srta. Layla! – disse Sora, mais alto que o normal.

Layla se desconcentrou tanto com aquele alto “bom dia” que quase caiu do trapézio.

- M-me desculpe Srta. Layla, não foi minha intenção, eu...

- Bom dia, Sora – interrompeu calmamente, indo para a base dos trapézios. – Que bom que chegou antes do horário, assim podemos conversar.

- Conversar? Sobre o quê? Não vamos treinar? – disse Sora, confusa.

- Claro que vamos, Sora, mas primeiro quero falar com você – disse Layla, descendo dos trapézios e indo em direção aos galões de água.

As duas se sentaram em duas cadeiras na sala de treinamento. Estava tudo quieto. Apenas Kalos estava no Kaleido Star, além delas.

- Sora...? – começou Layla, após algum tempo.

- Sim, Srta. Layla?

- Está tudo bem com você, Sora?

- Como assim, Srta. Layla?

- Você não tem se concentrado nos seus treinos, Sora. Se eu lhe pedir para dobrar seu esforço em virtude da Técnica Fantástica, você não vai agüentar se continuar com essas atitudes. Sabe o quão duro é o treinamento e nós vamos ter que nos virar aqui, já que não temos um penhasco como o Grand Canyon.

“A Srta. Layla se importa comigo...”, pensou Sora.

- Por isso – continuou Layla – quero saber se está realmente pronta para esse desafio, se irá mudar de atitude, se fará melhor que da última vez, a cada noite que nos apresentarmos.

- Claro que sim, Srta. Layla! Vou fazer o possível e...

- Não, Sora, não irá fazer o possível. Você terá que fazer, ou não irá sobreviver à Técnica Fantástica. Ou será que se esqueceu da dificuldade da mesma?

- Mas...

- O quê?

- É que eu... Tenho tido sonhos muito estranhos desde que você voltou para cá, Srta. Layla... – disse Sora, em um tom mais baixo.

- Sonhos? Que tipo de sonhos?

- Bom, eu... Na verdade, não me lembro direito – diz meio sem-graça – Mas coisa boa não é! Sinto um pressentimento horrível quanto a tudo isso, Srta. Layla! Eu... – Sora deixou uma lágrima cair de seu olho -... Não quero que nada de mal lhe aconteça!

- Mas... Sora... – Layla ficou um pouco espantada com a atitude da parceira, mas não demonstrou. Pelo contrário, agiu de uma forma mais séria e autoritária – Sora me escute...

- Eu não quero fazer a Técnica Fantástica se, para isso, você tiver que se machucar...! – continuou Sora, em tom de desespero.

- Sora, nada de mal vai acontecer comigo. O que quer que seja esse pressentimento, pouco me importa – fez uma pausa – Lembre-se que nós podemos mudar o destino, por pior que ele seja.

- Sim, eu sei... – disse Sora, enxugando a lágrima.

- E se ainda não estiver convencida, lembre-se disso – Layla pegou a mão de Sora e colocou-a sobre o seu braço antes machucado pelo treinamento duro da Técnica Fantástica. Sora se assustou um pouco e ficou sem reação de início. Em seguida, retomou a sanidade e respondeu:

- Não se preocupe Srta. Layla! Darei tudo de mim! Juntas, iremos aperfeiçoar a Técnica Fantástica mais uma vez!

- Muito bem então – disse Layla com um leve sorriso. Estava contente, pois, mais uma vez, Sora não a havia deixado na mão. Olhou para o relógio. Eram quase 8 horas – Vamos treinar, então?

- Sim! – disse, se levantando. Sora estava decidida a não falhar. Faria o possível para a felicidade de Layla e seu contentamento.

As duas treinaram o dia inteiro, parando somente para um lanche rápido. Isso se repetiu todos os dias, e nenhuma das duas parecia querer desistir.

Passada uma semana, Mia conseguiu entregar a história da peça a tempo para Kalos e para os roteiristas, que trataram de detalhá-la e montá-la com cuidado para a peça. Levou um mês e meio para que o roteiro e outros papéis de autorização ficassem prontos. Nesse meio termo, Layla e Sora treinaram intensamente, todos os dias.

Sora acabou ganhando um dia de descanso, graças à uma reunião de última hora que Layla tinha de ir, em virtude de seu sucesso na carreira de atriz e de novos projetos que seu pai a estava propondo. Na hora do almoço, portanto, Sora pôde juntar-se a Mia e Anna.

- E então Mia, como ficou a peça? – disse Sora, se sentando com uma bandeja cheia de comida.

- Ficou bem legal – Mia respondeu.

- Mia, não seja tão modesta! – disse Anna – Vamos, conte à Sora! Ficou maravilhosa!

- Ai, ai, tudo bem, tudo bem, eu conto! – disse Mia, toda envergonhada – Bem resumido, é a história de um reino que foi invadido pelas trevas, as quais raptam o rei e a rainha. Ao longo da história, o príncipe deste reino tem que resolver várias charadas e lutar contra muitos problemas, até descobrir a solução desse impasse. Essa solução nada mais é do que a Técnica Fantástica, que seria libertada por ele ao vencer o último desafio proposto pelas trevas. Quando você e a Srta. Layla realizarem a técnica, as trevas irão sumir e o reino voltará a ser o que era antes. É como se a técnica devolvesse a luz ao reino – disse ela, sorrindo.

- Ah, Mia... – disse Sora, de cabeça baixa.

- Que foi? Não gostou não é, sabia... – disse Mia, desapontada.

- Não, isso é... – Sora levantou a cabeça rapidamente. Seus olhos brilhavam de emoção – LINDO!

Mia se assustou com a reação de Sora, mas ficou muito feliz. Sora não parou de elogiar o trabalho de Mia nem por um segundo. Até Anna, que havia gostado muito, estava entediada com os comentários repetitivos, que só cessaram quando Sora resolveu ir dormir.

Foram mais dois meses de treinamento até a temporada do espetáculo começar. Todos treinavam tanto que quase não se viam pelos corredores do Kaleido Star. Sora só se atrasara uma vez para o seu treinamento especial. O motivo havia sido Kalos, que pedira a ela para entregar um recado a Layla sobre seus projetos.

- E então, Sora, está preparada para amanhã? – disse Layla, no intervalo para a água.

- Claro que estou Srta. Layla, melhor do que nunca!

- Que bom. Fico feliz em saber que não desistiu.

- Nunca, nunquinha! Eu prometi a Srta. e vou cumprir! Não vou decepcioná-la-la-la!

As duas trocaram sorrisos e voltaram aos trapézios. Certa hora, porém, ao esticar o braço direito para agarrar o trapézio, Layla sentiu uma dor um tanto forte, quase que instantânea. “Não... Não posso desapontar ninguém”, pensou. “Especialmente Sora”.