Always Attract escrita por Lena Portela


Capítulo 7
Capítulo 5 - E se me abraçasse... eu me perderia.


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas!

Primeiramente estou delirantemente feliz porque minha diva-mor-rainha-badass-vocês-deveriam-ler-um-livro-dela J.R Ward anunciou que o próximo livro da IAN vai ser sobre a realeza e chamará The King. Estou morrendo.
E, sim, eu sei que vocês não entenderam nada, mas eu tinha que falar.
Segundo, escrevi esse capitulo ontem sob os efeitos de cólica e vestígios da tpm, então, me desculpem antecipadamente por qualquer coisa.

O capítulo de hoje ficou bem grandinho. Eu quis dividi-lo, mas achei, sei lá, melhor deixar vocês com esse capitulo grandão mesmo. A coisa é, obrigada a todo mundo que comenta e faz recomendação e são fofas comigo. Mas realmente gente, sei que tem mais pessoas acompanhando a história e que simplesmente não dá um sinal de vida. Não estou fazendo pressão nem nada... não, estou sim. É só que isso é chato. Levo algum tempo para escrever e sei que quase sempre demoro, mas sempre faço um esforço para escrever o capitulo e postar. A única coisa que ganho com isso é o comentário de vocês. Então, façam um esforcinho também. Eu gosto muito de saber a opinião de vocês. Bem, o capitulo está intenso hoje e há um Interlúdio mais intenso ainda depois do capitulo. Quero MUITO saber o que vocês acharam de tudo.



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Capitulo V

E se ele me abraçasse... eu me perderia.

Beije-me / sob a Via Láctea / leve-me / para fora, no solo enluarado / levante sua mão aberta / e chame a banda e faça / os vagalumes dançarem / a lua prateada está cintilante / então, beije-me.”

Kiss Me, Sixpence None The Richer.



– Não seja tão tímida. – Kaio sussurrou na altura do meu pescoço enquanto eu esperava minha vez de comprar lanche na cantina. Lancei meu cotovelo nele e o ouvi reclamar de dor pelo golpe, mas não se afastou. Deus, ele nunca o fazia. Acompanhava-me onde quer que eu estivesse. Vigiava meu silêncio e se alimentava da minha irritação. Eu sentia vontade de matá-lo por isso com a mesma frequência com que ele me fazia rir. Pelo visto não tinha esse efeito só sob mim porque ouvi quando a risadinha de Lilian escapou de seu controle apenas criado para me satisfazer. Ela me lançou um olhar de desculpas quando notei seu riso. A mão de Kaio disparou para virar meu corpo em direção a fila a qual eu estava abandonando por me sentir sufocada.

Acontecia com frequência agora.

Eu encarei Kaio pairando alguns ameaçadores centímetros acima de mim. – Eu não precisaria ser se você não estivesse me jogando para cima dos seus amigos descolados. Quantas vezes eu vou ter de repetir, Kaio? Eu não quero fazer parte do seu mundinho de glória.

Ele franziu as sobrancelhas castanhas e uma covinha se formou no canto esquerdo de sua boca quando ele prendeu o riso. – Isso é uma coisa absolutamente normal, sabe? Amigos que te apresentam amigos. Não é verdade, Lilian? – ele desviou seus olhos de mel em direção á ela.

Não demorou nem dois segundos para que a traíra concordasse com ele. – Absolutamente normal como beber água.

– Vê? – voltou a me encarar, comecei a sentir as paredes invisíveis se moverem para mais perto de mim. Mais perto. Mais perto. Sempre mais perto de me sufocar. – Junior quer conhecer você e Jack quer rir de você.

– Me deixe em paz, Kaio. – Disse virando-me para fazer meu pedido para a moça da cantina; um misto e um refrigerante guaraná. Ela sorriu para Kaio, como era de costume. Olhou para mim como se dissesse seja razoável, menina. Queria mandá-la ir à merda. Queria mandar todo mundo ir à merda. Porque é que estavam me empurrando para ele? Será que não conseguiam ver meu desconforto? Desarmada dentro da minha própria pele, eu acho que nunca me senti tão perdida. Queria tirá-lo de mim, coçar seu perfume para fora da minha pele. Arrancar tudo para longe com minhas unhas escuras. Escuras como os sentimentos que eu estava criando dentro de mim. Aquilo que ditava o que eu sentia não queria que ele fosse para longe. É contraditório, acha que eu não sei? Essa bagunça que vinha junto com a droga de uma disfunção emocional, mental, pessoal ou qualquer uma dessas coisas que fazia a gente funcionar. Eu estava mudando e o tempo estava passando. Tinha medo de terminar do modo que eu nunca planejei.

Paguei por meu pedido, ignorando a atmosfera pesada e paciente que vinha da forma parada as minhas costas, e abri caminho pelo lado de Lilian. Eu percebi bem quando apenas um par de passos me seguiu, contorci-me por curiosidade de saber quem era o dono deles. Só que apenas continuei a caminhar, a presença silenciosa me acompanhando. Segundos depois eu senti a pele suave e morna tocar a minha mão, ela enrolou os dedos nos meus e segurou-me com um aperto forte. Soltei o ar que estava prendendo e não precisei olhar para ela para saber que estava ao meu lado.

E isto estava certo.

Isto estava bom.

...

No fim das contas acabei ficando com a minha mãe.

Eu não acho que tenha sido minha primeira opção. Também não acho que tenha sido minha última. Era como se eu estivesse dando de ombros para vida. Desde que minha mãe era quem iria ficar no país, ela foi a escolha mais plausível. Eu tinha uma melhor amiga, uma escola, uma vida aqui e não tinha nenhum desejo de mudança eminente.

Meus pais tiveram uma separação amigável, sem escândalos ou maiores preocupações. É verdade que eu ainda ouço minha mãe chorando – todas as terças e sextas enquanto a sessão de filmes da madrugada está passando. – e que o único motivo pelo qual meu pai foi embora para tão longe se devia basicamente a estar em um caminho tão longe que ele não conseguiria percorrê-lo com os pés. Ás vezes eu sinto que eles se chamam como imãs. É assustador notar a energia dele na casa quando ela chora. Sinto sua caminhada por uma rua á milhares de quilômetros longe, caminhando diretamente para ela. É e como se ela estivesse chorando tristemente assim para ele, por ele.

E o mais notável ainda é o comportamento do meu irmão. Nós nem mais nos esforçamos para chamá-lo de volta a realidade. Cada um está tão perdido em seu próprio mundo de dor que eu me surpreenderia se alguém notasse algo além da facada de todo dia. Eu sei que ele não dorme em casa muitas vezes, eu sei que ele tem uma namorada morena e bonita, sei que Douglas falta muito a faculdade e sei que ele tem alguma coisa a ver com a loura de gelo que estuda no mesmo colégio que eu, Dafne.

Eu os vi uma vez.

Tinha acabado de sair da aula e, como eu fazia algumas vezes, fui até a sorveteria ali perto porque sentia uma vontade insana de comer um daqueles sorvetes enormes de chocolate meio amargo. O intruso, Kaio, estava comigo, segurando minha mochila porque gostava de fazê-lo e eu sinceramente não me importava nem um pouco se ele queria dar uma de escravo. Lembro que acabei me sujando, como de costume, com o sorvete que tomava e me recusei aceitar qualquer ajuda para me limpar a qual Kaio oferecia. Só quando terminei o grande sorvete maravilhoso que deixei que o intruso se ocupasse de minhas mãos grudentas. Ele sorriu, mostrando suas covinhas que eram duas marcas de beijos divinos deixados como lembrança em seu rosto. Comprou uma garrafa de água mineral e decidiu que minhas mãos estavam muito grudentas para a segurança mundial, mas não para a segurança das palmas dele. Porque as esfregou nas minhas até que minha pele voltou a maciez normal. Depois de secá-las com os guardanapos limpos que sobraram, olhou para mim colorido de âmbar e luz amarela e fez aquelas coisas com os cílios longos sonolentos novamente. Pisca. Pisca. Pisca. Sorriu profundamente, e “olá” beijinhos divinos. – Você está toda suja aí, morena.

– Onde? – Pergunto. Os gêmeos, beijinhos divinos, se tornam mais salientes enquanto seu sorriso aumenta.

– Sua boca. – ele diz somente. Eu passo minha língua pelos lábios sentindo o gosto doce do sorvete. Sinto saudades. Mas lá está Kaio franzindo as sobrancelhas, não há mais um sorriso nos seus lábios, mas eu sei, eu sei, que ele ainda está lá. Inclina-se para mim e passa o guardanapo por meus lábios. Minha boca ainda está grudenta, mas eu não posso dizer isso a ele porque não sou uma criança e eu não sei o porquê ele está fazendo aquilo. Perco a linha de pensamento quando ele segura meu queixo e passa a gema de seu polegar por meu lábio inferior, esfregando pontinhos de fogo e formigamento. – Grudenta. – ele diz quando deixa de me acariciar, dizendo assim que sabe qual é o meu segredo.

Nós temos um segredo agora.

Estou olhando para o lado quando reconheço a cabeleira platinada de Dafne, está jogada sobre o ombro como marca de frustração. Ela está perto de alguém. Um alto e moreno homem que permanece a sua frente e é como uma montanha acima dela. Reconheço meu irmão através de seus cachinhos e o perfil duro da mandíbula que, de alguma forma, parece ser uma demonstração de sua nova irritação eterna com o mundo. Eles não estão se tocando. Não estão nem próximo demais. Só estão se encarando. Só isso. Mas a intimidade está correndo pelo ar para qualquer um sentir. E, repentinamente, sei que eles têm uma história, uma vida passada juntos. E, repentinamente, sei que esse é o modo como se tocam. O olhar. É o que os mantêm juntos quando as peles não podem mais fazê-lo, quando orgulho impede, quando o coração repudia, quando até mesmo a respiração afasta. A conexão de olhares. O alimento dos poetas. Lá estão os dois no meio da rua, sozinhos, separados por metros, mas juntos de alguma forma molecular impossível. Não consigo desviar os olhos. Não consigo nem respirar.

É tão triste. É tão lindo.

Olho para Kaio, ele está olhando para eles também. Sei que ele também sabe quem são aqueles dois. Sabe o que se passa ali. Eu sei que ele também pode sentir. Prendo meus olhos nos dele, ele prende seus olhos nos meus.

Nós temos mais um segredo agora.

...

Alexandro Phestor é a nova atração do Lemoine.

Como irmão mais novo de Dafne, herdou a popularidade da irmã sem nenhum problema. Embora novato, era bonito, – um protótipo de modelo louro de sorriso discreto e olhos límpidos - educado e charmoso. E tinha aqueles olhos de oceano. Estava claro que ele entrou para a lista de mais desejados do Lemoine. Seu nome agora era rabiscado nos cadernos de meninas sonhadoras apaixonadas durante as aulas, nos intervalos delas, na saída e Deus sabe mais onde. Príncipe encantado sem nenhuma outra opção, astro de rock sem prévia consulta e super-herói moderno desmerecedor, Alexandro havia feito o último mês de aulas pré-férias do Lemoine mais movimentado do que qualquer um que já sonhamos em ter.

E o mais perturbador nisso tudo é que o cara não tirava os olhos de mim.

Não sei qual era o problema dele.

Quero dizer, talvez fossem minhas novas mechas vermelhas. Minhas calças jeans com rasgos, as camisas com estampas diversas que eu usava. Ou talvez fosse o lápis no meu olho. Mas o mais provável mesmo é que fosse a sombra que me acompanhava onde que eu fosse. Eu sei o que parecia. Mesmo que não soubesse o que estava me tornando. Deus, eu realmente sabia o que parecia.

Parecia uma grande garota oscilando, perdida entre o que era e o que deveria ser. E eu acho que isso o atraiu. Atraiu os olhos de oceano do outro lado da minha turma de matemática enquanto Verônica explanava sobre coisas que eram fáceis de entender agora. Senti que ele me observava curioso, hesitante. Eu sei que o encarei de volta. Eu sei que ele inclinou a cabeça para o lado e passeou com seus olhos por meu rosto, percustando, perguntando, peregrinando por segredos. E eu sei que ele me roubou alguns.

Nunca falei com ele. Nunca quis me aproximar mais do que a nossa troca de olhares permitia. Nunca quis conhecê-lo, mas também não me opunha a ideia de encará-lo. Pode parecer estranho, eu sei. Mas ainda assim era como as coisas aconteciam.

Todos perceberam: Lilian, Kaio, Dafne, algumas garotinhas desprezadas. No entanto não era como se pudessem fazer algo com isso. E o que diriam? Olhem aqui vocês dois, mocinhos, parem de se encarar como se já se conhecessem? Eu acho que não.

Foi ele quem começou com a parte verbal de nosso contato. No último dia de aula antes das férias eu estava arrumando minha mochila para ir embora de uma vez. A metade dos alunos do Instituto já estava em suas casas, quentes e confortáveis. Chovia muito. Uma maldita chuva de verão que acabava com meu bom humor por ser inesperada. O tempo em St. Louis era bipolar e eu sempre me frustrei por não poder antecipá-lo. Frustrei-me mais ainda por Kaio não ter me perturbado hoje – os alunos da universidade tiveram suas férias antecipadas dois dias. Quando terminei de arrumar minhas coisas, corri para fora como o diabo corre da cruz. Sabia que não tinha trago o guarda-chuva e que iria me molhar, mas quando coloquei os pés fora dali, me peguei perguntando-me quem diabos se importava com isso.

Aparentemente o garoto de olhos oceânicos se importava o bastante.

A chuva parou repentinamente quando ele colocou o guarda-chuva dele acima da minha cabeça, andando ao meu lado com naturalidade. Ele era um pouco mais alto do que eu, mas não tão alto quanto Kaio. Cheirava a sabonete e derivados de morango, eu franzi a testa para isso. Levantei a cabeça para olhá-lo, as gotas de chuva deslizando por minhas bochechas; restos da exposição ao tempo imprevisível da minha cidade. Ele estava me encarando. – Porque você me encara, garota de olhos tristes?

Senti meus lábios se retorcerem em metade de um sorriso. – Porque você me encara.

– Não. – ele me desviou de uma poça d’água. – Eu sou o que olho. Você é a que encara. – ele diz com naturalidade. Francamente, tudo nele é muito natural. Puro e simples. Pergunto-me se ele conhece a perda.

Suspiro. – Você sabe meu nome, olhos de oceano?

Sua risada é simples também. Sem pretensão ou sedução. Só a reprodução dos toques da felicidade e ocasionalmente pingos de diversão. – Sim, eu sei.

– Eu também sei o seu. – Digo antes que ele o faça.

Lança seus olhos oceânicos na minha direção e me olha por alguns momentos. – Porque você parece tão triste, Suzanna?

– Eu não sei.

Nós paramos porque ele para. Alexandro segura minha mão e coloca o gancho do guarda-chuva dentro do meu punho, saindo da proteção em seguida. Imediatamente a chuva começa a se agarrar a ele, abraçá-lo, beijá-lo. Ele ainda está parado no mesmo lugar segundos depois da minha resposta. – Eu acho que você sabe, Suzanna. Você só não quer me dizer.

Dou de ombros porque não tenho nenhuma palavra para ele. – Posso te dar um conselho? – pergunta.

Franzo as sobrancelhas, mas confirmo com a cabeça.

– Seu garoto sorridente, – ele diz. – eu o observo muito. Assim como você. Eu gosto muito de observar as pessoas e sei fazê-lo de modo que possa tirar algum proveito. – pausa. – E se há uma coisa que peguei pelo ar assim que eu observei mais afundo é que você está se metendo na toca do lobo, minha querida. Ele não é a solução para os seus problemas. – Ele só estava terminando sua frase quando um carro preto buzina para ele. – Eu espero que você tenha ótimas férias, Suzanna. E eu espero que você siga meu conselho. Vejo você. – ele me lança um sorriso aberto de nuvens no céu ensolarado e depois parte até que está dentro do carro.

Estou segurando o guarda-chuva dele e a chuva está caindo ao redor de mim. Meu coração está acelerado e minha respiração está difícil.

E eu acho que se amor a primeira vista realmente existe...

Bem, eu achei meu melhor amigo no momento em que encarei aqueles olhos oceânicos pela primeira vez.

...

As férias de verão começam com uma briga entre Douglas e eu.

– Olha, eu acho que você está exagerando. Não é como se você fosse perder muita coisa. – ele diz enquanto joga as chaves do carro em cima da mesa. Mamãe está no trabalho a uma hora dessas, por isso ele parece tão a vontade dentro de casa.

Estou parada próxima ao arco do portal da sala, meus braços estão cruzados sobre os seios e se ele tivesse prestado um pouquinho de atenção teria percebido meus olhos inchados. Mas ele ainda está vestindo o “eu não me importo” da Calvin Klein. Ainda é certo que passei a manhã inteira esperando por ele para me levar até Índigo, uma parte da enorme área litorânea em St. Louis. Eu havia falado com ele sobre isso ontem e ele concordou em me levar, pois seria difícil para eu ir a pé e não havia nenhuma linha de ônibus até lá. Além do que falar com a mamãe era como falar com uma droga de estátua.

Mas então agora parecia que tínhamos duas estátuas dentro de casa, apesar de que só uma delas ignorou propositalmente meu pedido. Eu estava irritada por ter esperado a manhã inteira enquanto ele não se importava com isso, com raiva por ter chorado e absolutamente inconsolável porque eu queria estar naquela praia. Mesmo que metade da escola fosse ao mesmo lugar, mesmo que fosse um local nada original. As pouquíssimas pessoas que importavam para mim estavam lá. E, honestamente, estar sozinha naquela casa foi o pior dos motivos entre todos os que eu já tinha.


Onde você está?

Isso não é engraçado, Suzanna.

Juro que vou me manter a um metro longe de você. Diga-me.

Falei com Lilian ainda pouco e ela não sabe onde você está também. Onde você está?

Você não veio, não é?


As mensagens de Kaio que recebi essa manhã tiveram o poder de inflamar ainda mais meu humor raivoso. Olhei para as palmas de minhas mãos e depois ergui o olhar para o meu irmão que agora tinha se sentado no sofá e ligando a televisão na MTV.

– Eu queria ir. – Disse apenas.

Ele fez um som de desdém, seus olhos ainda estavam presos a TV. – Só babacas vão àquele lugar, Suzy.

Babacas como você? Minha mente rebelde sussurrou viciosamente. Sentia toda a revolta presa dentro de mim escorrer por meu corpo como um cachoeira negra e poluída. Meus olhos começaram a esquentar e, mais uma vez, lembrei que estava presa a essa casa vazia pelo resto das férias agora. Tudo por culpa dele que provavelmente esteve agarrando alguma coisa imprestável durante a noite toda pelo modo como suas roupas estavam amassadas e os arranhões expostos. Ele tinha cheiro de cigarro, perfume feminino e mais alguma coisa igualmente tóxica.

– São as minhas férias e eu queria ter ido. – Disse forçando as palavras por meus lábios trêmulos por pura força de vontade ao segurar o choro.

Douglas franziu as sobrancelhas certamente incomodo pelo papo chato que estávamos tendo. Ele agia como se eu fosse uma criança insistindo por uma coisa que todos sabiam que não valia a pena. Uma criança mimada e chorona. E ele era o adulto paciente. O fodido pai solteiro que criava uma menina. Oh, como é difícil lidar com garotas. – Se você quer tanto viajar nas suas férias, você pode ir para França visitar o papai e a vovó.

– Eu não quero ir para a porra da França! – eu gritei. Gritei porque estava cansada daquela casa, daqueles familiares, daquela situação. Gritei por estar triste, por estar com raiva, porque meu pai foi embora. Porque ele sem duvida alguma teria me levado para a praia se estivesse aqui. Porque eu estava com saudades, porque eu queria voltar ao normal e não conseguia mais.

Douglas olhava para mim perplexo e até um pouco temeroso. Meu momento de explosão tinha sido pontuado por uma arremessada de objeto na parede. Este sendo o controle remoto que meu irmão antes segurava em suas mãos. O maldito teve a decência de vomitar sua tampa de proteção e as pilhas alcalinas para fora. Agora eu tinha toda a atenção daquele homem que tinha meu sangue. – Vá se foder, caralho! Você tem 19 anos. Pare de agir como um pirralho e tome vergonha na sua cara! A mamãe está depressiva e você está transando com vadias quando deveria estar ajudando-a também. E não é como se você não estivesse traindo a sua miserável namorada. Porque você arruma uma se vai acabar com a vida da coitada?! – Joguei as mãos para cima. – O que eu te pedi, hein? Uma hora da sua vida! Será que isso é demais? Se você não podia ir, custava ter dito isso? Você ainda consegue falar, hã? Porque, sinceramente, eu acho que você deve ter gasto todos os seus neurônios fumando a droga dos teus cigarros. Eu estou cansada dessa sua atitude. Você não acha que está muito velho para essa pose de “fuck the world”? Chegando tarde em casa, bebendo e fumando como um perdedor, faltando a faculdade, você acha que isso é legal, que é bonito? Deixa-me dizer uma coisa: eu tenho 16 anos, quase 17, mas eu realmente acho que devo ter envelhecido uns dez anos desde que a separação, então eu posso agir como a adulta em questão. – Respirei fundo, limpando as lágrimas que desciam por meus olhos com as costas das mãos. Eu estava derramando minha raiva com tudo que podia. – Você. Não. É. Mais. Criança! Você sabe, todo mundo ficou triste. Deus, você tem o direito de ficar também. Mas começar a agir como um imbecil, meu irmão, isso não é uma desculpa. Pensa que isso vai afetar alguém mais que não você? É a sua vida. E, honestamente, nesse momento, eu não tenho nenhum orgulho de fazer parte dela.

Nós deixamos a explosão ir embora, no entanto ainda mantivemos os olhos um no outro. Quando tudo terminou e o silêncio dominou o ambiente vazio de vida e de calor, me senti cansada. Minhas lágrimas se extinguiram e minha cabeça começou a doer. Douglas continuou me encarando. E eu sei que ele estava vendo a mudança, afinal. A garotinha tinha ido como a promessa de uma união estável e eterna foram embora também. Eu acho que ele pôde assistir a luta que se passava dentro de mim. O esforço para continuar sendo quem eu era, e a briga que eu travava mesmo sabendo que isso era inútil. Eu acho que ele viu todas as coisas por trás do lápis e do rímel em meus olhos, do cabelo em tons vermelho falsos, da roupa preta e branca sem revolta. Eu não era mais a sua irmãzinha e ele soube disso naquela hora. Viu como eu estava perdida antes mesmo de me dar conta disso. E ele enxergou como eu não era mais inocente.

Eu conhecia a perda agora, afinal.

Acho que no fim das contas ele não aguentou. Ele fugiu como sempre fazia. Eu nunca soube quem o ensinou a fazer isso, fugir, mas eu já a odiava mesmo assim. Douglas apanhou as chaves de cima da mesa e passou por mim como um furacão. Ouvi quando a porta bateu. Ouvi bem o momento em que fiquei sozinha.

Novamente.


Fiquei exatamente uma hora – eu contei - sentada olhando sem olhar para a tela da TV a minha frente. Esperando e desejando que alguém aparecesse por ali. Odiava ficar sozinha em casa. Era como se cada pequeno barulho e sombra me trouxessem de volta os medos de infância e acentuasse meu medo recém-adquirido de adolescência: a solidão. Comecei a tamborilar os dedos nas coxas descobertas e tentar pensar em algo para fazer porque já sentia claustrofóbica. E não era do jeito bom.

Quando a campainha tocou, eu já estava além do termo “falta de ar”. Corri para atender a porta e a luz serena das quatro da tarde entrou rapidamente em minha casa espantando as sombras e sons sinistros assim como a solidão.

Havia um garoto de cabelos castanhos parado bem a minha frente, de mão para cima como se estivesse preparando-se para tocar a campainha novamente. Um 4x4 se reversava com sua sombra bem no limite da calçada. Podia-se pensar que a coisa tremenda sairia correndo sozinha por ai a qualquer momento, mas passados alguns instantes ainda esperava pacientemente por seu dono.

Olhei para o garoto com os olhos da cor de tesouros velhos, mas tão valiosos quanto. O sentimento quente borbulhou em meu peito, subindo e subindo e subindo até que meu rosto estava aquecido por não mais do que só a força da emoção. – Eu vim aqui para buscar você. – Disse se explicando. Como se precisasse de uma explicação. Como se precisasse de um motivo. Eu só olhei para ele. Sei que devo ter parecido meio estranha e um pouco louca. Mas eu não sabia explicar o que sentia. Talvez fosse uma mistura de sentimentos bons e euforia. Talvez fosse assim que o sol se sentia toda fez que saia para brilhar.

Não sei o que se passava na mente de Kaio, mas ele inclinou a cabeça para o lado e me olhou com tal doçura que senti vontade de chorar. Sorriu para mim cheio de covinhas. Dentro de mim o gosto de seu sorriso fez um eco demorado e só havia mel e sol e sentimentos bons. Eu acho que é exatamente assim como parece o gosto da felicidade. Senti os músculos de meu rosto trabalharem e eu sorri. Abri para ele um sorriso tão grande que acho que todos no bairro viram. Ri e parece que a cidade inteira ouviu. Eu me lancei em seus braços e o abracei tão forte que tenho certeza que o mundo inteiro sentiu o eco da força do agarre em seus ossos.

Eu sei que eu senti.

– Obrigado. – Disse baixo em seu ouvido.

– Mas o que foi que eu fiz? – Ele perguntou confuso me segurando tão apertado quanto eu o abraçava. Não me importava tampouco com o aperto. Ri mais um pouquinho e o movimento foi espelhado por ele.

– Você me salvou. – eu disse mais baixo ainda. Fechei meus olhos e permaneci no mesmo lugar que queria ficar para sempre. O calor dele espantou a frieza em mim. Senti-me mais eu mesma enquanto me perdia nele.

Deus, agora eu sabia exatamente como era ganhar na loteria.

...

Ainda estávamos seguros na Interestadual quando Kaio teve a brilhante ideia de pegarmos um atalho.

Sim, eu sei. Porque é que os garotos sempre têm de pegar o caminho mais curto? Será que os inúmeros filmes de terror nunca lhe deram uma dica do quanto atalhos são perigosos? Disse isso pra ele, mas o cara só revirou os olhos e disse que conhecia aqueles trechos como a palma da sua mão.

Até que ele realmente conhecia. Mas parecia que o quê esqueceu de conhecer mesmo foi o carro que dirigia.

– Nós vamos morrer. – eu disse sentada em frente a roda – furada - gigante do 4x4, minhas mãos amassavam meus cabelos em desespero. Maldita hora em que eu sai de casa. – Eu sou tão jovem. Ainda nem ouvi o novo CD do John Mayer.

– Ele nem lançou um. – Disse Kaio despreocupadamente enquanto fazia uma bola de chiclete e a estourava em seguida. A coisa ficou toda grudada no nariz dele, e o nojento riu da minha cara de desgosto.

– Vou morrer antes que ele lance. – Olhei para o céu que escurecia lentamente. A luz começava a ganhar um tom azulado da noite que em breve cairia. Estávamos parados em uma curva em um “c” perfeito. Acima de nós as rochas se erguiam arrogantes e ameaçadoras, abaixo de nós o mar se jogava sem reservas nas pedras pontudas e perigosas. Nós estávamos no caminho da morte, isso era certo. Mas pelo menos a vista era bonita. O sol estava se ponto bem ao fundo de tudo, o céu exibia tons de laranja, rosa e amarelo, tocado por uma leve borrifada de azul claro. Era impressionante. – Vamos morrer de fome. Não, pior, vamos morrer comidos por algum animal selvagem.

– Animais selvagens do mar? Que possam comer a gente? – Desdenhou colocando as mãos atrás da cabeça como se estivesse muito seguro desfrutando da vista em um passeio supernormal. Ainda mascava aquele maldito chiclete. – A gente pode tirar foto do tubarão quando ele escalar as pedras até aqui e publicar no Instagram. “#Partiu. #Tubarão. #Selvagem”. – Tirou as mãos da cabeça para pressionar os dedos um sobre os outros no símbolo típico de uma hashtag.

Meus lábios se contorceram involuntariamente por conta da piadinha sem graça, mas logo uma ideia se acendeu em minha mente. Pulei sobre meus Allstar e corri até a porta do passageiro do 4x4, apanhei minha mochila e logo comecei a procurar pelo meu celular. Estava no bolso interno e...

– Sem sinal. – disse Kaio suspirando, esse era o primeiro vestígio de impaciência desde que percebemos no que tínhamos nos metido. – Eu já chequei.

Derrotada, caminhei até o capô do carro e me arrastei para cima dele. Agora o espaço acima de nós já estava quase totalmente escuro e a imensidão era coberta por pequenos brilhos. As estrelas eram infinitas naquele ponto. Só agora eu conseguia entender a frase alguns infinitos são maiores que outros. De onde eu estava, com os olhos abertos para não perder nada, o céu parecia do tamanho exato do universo inteiro. Aquele lugar no meio do céu e do oceano parecia uma parte separada do mundo, um ponto de visão privilegiado dos astros, uma terra inabitada pela civilização. Sugando o ar com cheiro de maresia e sal, eu agradeci por isso. De dentro do carro começou a soar uma música suave e melodiosa. Senti quando Kaio se acomodou ao meu lado, arrastando-me para perto dele. Eu pousei minha cabeça em seu peito; o som de seu coração era equivalente ao movimento das asas de um beija-flor. – Kaio?

– Hun? – O som de seu murmúrio retumbou por todo o lugar onde minha cabeça estava ancorada. Os dedos dele faziam carinhos aprazíveis na raiz do meu cabelo. Se você já recebeu um cafuné de alguém que gosta, pode entender a paz perturbadora que isso causa.

– Eu pensei que você tinha medo de carros. – eu disse cerrando meus olhos para as estrelas. Estava começando a ficar sonolenta, e não sabia se era por isso que comecei a localizar desenhos de pontos brilhantes no tapete azul marinho do céu. Um passarinho ali. Oh, aquilo parece com um morango. Flores e beija-flores. Olhos do garoto-sol.

Os dedos continuavam a trilhar ritmicamente, tão suave quanto às batidas de coração como asas de um beija-flor. – Eu tive medo por muito tempo. Acho que tinha algo a ver com o fato de que eu estava no banco de trás do carro quando a mamãe morreu. Você sabe, eu vi a porra toda, e tive esses pesadelos sobre pessoas mortas em carros por minha infância inteira. Comecei a fazer terapia por insistência da minha madrasta, Ronnie. Eu acho que eu seria perturbado pelo resto da vida se não fosse por ela.

– E o seu pai? – Perguntei suspirando para fora o meu sono. Estava interessada no que ele tinha para dizer. Tinha a sensação de que não era uma coisa que ele dizia para todo mundo.

Kaio enrijeceu perceptivelmente e seus dedos pararam um pouco os carinhos em meu cabelo, me empurrei por puro instinto para a sua mão até que seus dedos recomeçaram com a dança preguiçosa. – Honestamente, eu acho que ele não a merece por mais que a ame. Ele é um bastardo egoísta.

Arrastei meu rosto pelo peito de Kaio, levantando os amassos de sua camisa com o movimento. O cheiro dele encheu meu nariz fazendo-me sentir os toques de madeira e pós-barba que o compunham. Os olhos de Kaio encontraram os meus sucessivamente ao meu movimento, tinham a cor exata de âmbar com toques ocasionais de verde escuro – Eu não entendo. Qual é o seu problema com ele? – Não me importei nem um pouco por soar indiscreta. Stop This Train do John Mayer começou a tocar, marcando assim a trilha sonora das cofissões feitas ali.

Kaio tampouco se importou com minha indiscrição. Seus olhos tinham algum ponto ou vestígio de dor entre os filamentos em verde que faziam parte daquela sua cor única. – Eu não sei muito bem o que aconteceu naquele dia. As imagens são muito difusas e às vezes eu os confundo com os meus pesadelos. Eu acho... Eu suspeito que o motivo da minha mãe estar dirigindo sozinha naquele dia, o motivo de ela ter levado a mim e a meu irmão para a viajem sem o meu pai, é que ele estava com Ronnie. Quero dizer que ele estava, estava, mesmo com ela. Se ele estivesse lá conosco, ela teria dormido decentemente no banco do passageiro. Eles teriam revezado e mamãe não acabaria dormindo na direção. Se ele estivesse lá, ela não teria morrido. O pior de tudo foi saber que enquanto ela morria, ele estava traindo-a. Acho que o pior de tudo foi isso. Acho que, por todas as coisas, essa é a que me faz odiá-lo.

Eu não pude dizer nada naquele momento. Em parte porque não entendia a situação por completo, e em parte porque eu entendia a parte que afetava Kaio. Sua dor era como um perfume cítrico no ar, ou a fumaça de cigarro. Descobri que me afetava, descobri que queria ferir quem ousou feri-lo tão profundamente. Acho que a imagem do pequeno garotinho de olhos cor de mel e cachinhos cor de ouro velho me comoveu, trouxe meus instintos protetores à tona. E, sobretudo, a imagem daquele menino crescendo sem mãe. Acima de tudo por saber que nem as piores pessoas do mundo merecem crescer sem uma mãe por perto. É uma das mais horríveis maldições do mundo.

Eu acho que no fundo sei por que fiz o que fiz em seguida. Eu sabia que era por conta da dor muda, embora tão claramente exposta que fosse como gritos sôfregos cortando o silêncio da noite e cegando o brilho das estrelas. Meu céu agora era o rosto de Kaio e seus olhos eram estrelas cadentes. Havia ali uma ligação que eu não podia ignorar. Eu sabia que em algum lugar ali ele me entendia como eu a ele. E eu sabia que ele nunca seria ignorante a minha dor. As nossas partes quebradas eram como os quebra-cabeças que formavam um mapa para um lugar desconhecido e maravilhoso. Só nosso. Havia algo sob aqueles olhos, sob aquele sorriso, sob aquela pele, algo com partes iguais de luz e escuridão. Algo verdadeiramente puro. Foi isso que me atraiu a me erguer sobre o peito dele e fechar os olhos. Foi isso que me impulsionou a pressionar meus lábios nos seus.

Eu não sabia que poderia ser tão doce. Maciez com maciez. A diferença entre a minha pele e a dele é que a minha era muito suave, já a dele espalhava arranhões pela minha por conta do indício de barba. Palavras de aviso invadiram minha mente alguns segundos durante aquele toque hesitante e eu lembrei algo que um garoto com olhos de oceano havia me dito. Ele não é a solução para os seus problemas. Quis me afastar. Quis pensar racionalmente. Mas Kaio sempre havia sido muito tenaz. Desde muito cedo, seus toques sempre foram muito apaixonados. Viciosos até. Ele enredou sua mão nos cabelos em minha nuca e me puxou para o seu circulo de calor. Tomou meus lábios com possessão, obrigando-me a acompanhá-lo, a seguir seu ritmo. Era de se pensar que a doçura não tivesse lugar ali, mas lá estava ela: nos suspiros de lábios abertos que Kaio articulava. Nas mordidas suaves que ele dava nos meus lábios generosos, nos toques molhados se sua língua quando ele decidia que tinha sido durão o suficiente. Ele interrompeu o beijo duas ou três vezes para encarar meus olhos, como se quisesse ter certeza de quem beijava. Parecia abismado como em um sonho. Eu tinha certeza de que estava em um.

Juro que ele me abraçou por uma hora depois disso. E me abraçou. E me abraçou. E me abraçou. Ele era muito quente. Seu coração batia muito forte. Seus braços eram muito acolhedores. Os beijos suaves em meu pescoço e olhos e cílios e nariz e lábios eram reverentes demais, lentos e macios demais. Eu estava cheia dele, de sua presença. Os problemas eram planos de fundo. E minha dor ainda era dor, mas havia outra coisa para servir de contraste. E quando Gravity do John tocou, Kaio a acompanhou. Sussurrando letras nos meus ouvidos enquanto eu me arrepiava e olhava a espuma do mar sobressair-se no abismo escuro lá em baixo. As ondas batiam contra as pedras com força, mas não as ultrapassava. E a voz baixinha e rouca de Kaio em meus ouvidos não era mais bonita do que a do John, mas era perfeita por ser assim.

A música terminou e fez-se uma pausa momentânea, Kaio continuava com os braços ao meu redor. Quando a introdução da próxima música começou a soar alta e doce na noite clara pela lua e estrelas, eu já sabia do que se tratava. Gargalhei com o rosto enterrado no peito de Kaio. Levantei o meu rosto e ele me olhou interrogativamente.

– Eu amo essa música. – Disse. Era Kiss Me do Sixpence None The Richer. Kaio sorriu para mim de modo familiar, os beijinhos divinos apareceram para mim e inclinei-me sobre ele para beijá-los de modo rápido. Kaio sugou o ar.

– Dança comigo? – Ele pediu. Eu dei de ombros com o cenho franzido, mas me levantei, puxando-o comigo. Kaio me segurou assim que estávamos com os pés no chão. Girou-me em um circulo e me fez entrar novamente no abraço dele. Nós só nos balançávamos prá lá e para cá, no entanto admirei a obra do gênio que inventou esses passos e reverenciei ao artista que aperfeiçoou a arte de dançar sem sair de um abraço. Ele era tão alto que eu tive que erguer meu pescoço para enterrar meu nariz no dele. O cheiro dele era muito, muito bom. Acho que passei a música inteira cantando baixinho com o rosto contra a sua pele E nós balançamos, balançamos e balançamos pela noite como a música nos instigava a fazer. Ele esfregou seus lábios nos meus uma vez mais, sem me beijar. Tinha os olhos fechados e a expressão serena, fiquei me perguntando com o que ele sonhava. E quando o questionei, ele sorriu de canto e respondeu cadenciosamente que não sonhava com nada. Só vivia. Só vivia.

Acho que passaríamos a noite inteira assim se não fosse a luz de um farol fazendo a curva ao longe. Eu penso que nunca corri tão rápido na minha vida, deixando para trás Kaio e sua gargalhada divertida. Fiquei fazendo sinal igual a uma louca, como se estivéssemos naufragados em alguma ilha deserta e o carro vindo em nossa direção fosse o único transporte a vista depois de um longo, longo tempo perdidos. Não me leve a mal, o beijo e a dança era bom e tudo mais, mas eu gostava de viver.

Soube que havia algo errado assim que um rapaz alto e moreno saiu do carro antes mesmo dele parar decentemente. Era alguns centímetros mais alto do que eu, o que quer dizer que era alto o bastante, forte, mas esguio. Vestia-se bem, de um modo formal, porém moderno. Sua pele tinha um bronzeado que dizia que ele tinha passado algum tempo em lugares litorâneos. Seu rosto era aristocrático e bonito, quase demais para ser de verdade. O cabelo era tão escuro quanto as asas de corvo e os olhos tão verdes e brilhantes quanto as mais bem lapidadas esmeraldas. Eu não sabia dizer seu nome, mas havia algo, alguma coisa no modo de andar, na mandíbula forte, no olhar penetrante... eu sabia quem era antes mesmo de ele parar na minha frente e a tensão começar a poluir o ar.

– Kaíque Skyker. – ele disse para mim estendendo a mão grande. Seus olhos passaram por mim de cima a baixo e ele sorriu só a metade dos lábios com complacência. Eu queria cuspir na cara dele, e eu queria esfregar meu polegar no lábio inferior cheio demais para estar no rosto de um homem já tão bonito. Eu não gostava dele, mas havia aquele fascínio que os Skyker pareciam exercer sob mim. Não ergui minha mão para cumprimentá-lo e seu meio-sorriso se tornou apreciativo.

– Suzanna Reverton. – eu disse com uma voz mal humorada. Seus olhos me analisaram profundamente, só que diferente de Alexandro, que pegava as coisas pelo ar, Kaíque Skyker passava a impressão de desvendar as pessoas pelo que via física e concretamente. Sua atenção foi capturada por alguém que vinha até nós. Kaio. Distintamente de quando olhou para mim, os olhos de Kaíque agora se tornaram sombrios, sua energia escura. Tão escura que eu queria correr até Kaio e levá-lo para longe. – Não se envolva com o meu irmão, doçura. – ele dizia para mim, mas os olhos estavam na pessoa se aproximando de nós. – Ele está fodido de um jeito que você nem imagina. Não há nada ali que você vá gostar de ver, confie em mim. Ele vai acabar te levando para o buraco junto.

E me deixou ali, parada e ofegando. Mil perguntas sobre o que ele quis dizer assaltaram minha mente, até ainda pouco, apaziguada. Havia algo, eu sei que havia. Eu não sabia até que ponto aquela descrição era verdadeira. Deus, eu sabia que Kaio não era como um garoto normal, mas estar assim tão mal...

Uma mão fina e fria se enrolou no meu braço, me puxado na direção contrária a dos irmãos. Levantei os olhos para estar encarado duas orbes azuis como gelo. Dafne. Ela me conduziu em direção ao carro vermelho estacionado na curva a uns três metros dali. Porra, só eu não tinha um carro bonito naquela cidade? – O que você está fazendo? – perguntei abismada.

– Isto não é lugar para você, guria. – disse ao me fazer entrar no carro. Dei de cara com Lilian sorrindo abertamente no banco de trás. – Vou te levar pra casa. – Completou Dafne.

Ignorei a ruiva quicando ao meu lado e olhei para os dois homens parecendo raivosos um pouco longe demais. – Eu não acho uma boa ideia deixá-los tão irritados ali.

Dafne bufou. – Acredite em mim, eles estão mais seguros do que nós três juntas dirigindo tarde para casa.

– Não confio naquele cara. – Aquele “cara” sendo Kaíque, mas ela já sabia disso. Apenas me olhou pelo retrovisor, cantando pneu enquanto acelerava para longe dali.

– Nenhum dos dois irmãos é confiável, guria. Mas Kaíque é o mais domesticado. – a loura disse seriamente. Domesticado?! Que diabos...?

– Eu o achei bem bonito, se vocês querem saber. – Lilian disse quando ninguém mais falou. – Aliás, nossa, bonito é pouco. Aquilo ali é um deus.

Eu e a loura de gelo reviramos os olhos para o que ela disse. E preferimos não comentar. Agora que sabia um pouco sobre os irmãos, sabia que a beleza era só parte do pacote. Se era benigno ou maligno, eu não saberia dizer. – Como você nos encontrou? – perguntei quando já estávamos saindo da Interestadual e chegando mais próximo de casa.

– Eu conheço Kaio. – Disse taciturna. Os olhos azuis de gelo estavam na maior parte do tempo vigiando a estrada, mas em ocasionais desvios, me olhava interrogativa. Como se esperasse que eu respondesse questionamentos internos. Aproveitei para perguntar para Lilian o que ela fazia ali. Disse-me que ficou preocupada depois de uma ligação da minha casa e resolvera voltar de Índigo mais cedo. Chamou um táxi e foi até a casa de Kaio, porque de alguma forma sabia onde era. Foi lá que encontrou Kaíque, este por sua vez, comunicou Dafne que os encontrou no meio do caminho e os levou até nós. Ela terminou seu relato assim que Dafne parou em frente a casa dela. Despediu-se de mim com um beijo e eu a agradeci por ser tão boa amiga.

Minha casa ficava a apenas duas ruas dali.

Dafne e eu ficamos silenciosas por quase todo o caminho. Foi ela quem quebrou o silêncio. – Meu irmão gosta de você. – ela me disse franzindo o cenho. – Ele não costuma gostar de muitas pessoas.

Levantei o queixo porque, pela primeira vez naquela noite, ela me dizia uma coisa da qual eu já tinha conhecimento. – Eu posso dizer o mesmo sobre você e meu irmão.

O sinal de algum abalo só foi perceptível pelo fechar dos olhos azuis rapidamente. Fora isso, nada pareceu afetar Dafne. – Esqueça Kaio, guria.

– Vocês me dizem muito isso, mas ninguém me explica o por quê.

Paramos em frente a minha casa. A pintura desbotada refletia as luzes ligadas no terraço e na sala, fora isso não havia sinal de habitação. Um arrepio gelado correu por minha espinha pelo pensamento de ter de voltar para isso.

– Porque você o quer pelas razões erradas. – Dafne disse depois de um momento.

Ponderei sobre isso. – Então isso é sobre protegê-lo?

Dafne balançou a cabeça em afirmação muda. – Isso é sobre proteger a ambos.

Entortei os lábios em contradição. No final ela não havia me dito nada mais do que o motivo implícito. Minha cabeça havia voltado a doer. Abria a porta do carro. – Obrigada pela carona, mesmo que eu saiba que você não fez por mim. Vou deixá-lo saber disso. – Ambas sabíamos que eu não estava falando de Kaio, ou de Kaíque.

– Eu não... – Ela começou a dizer.

Fechei a porta antes de ouvir qualquer negativa e caminhei até a minha casa, passando direto por um Douglas aparentemente preocupado e subindo as escadas até meu quarto. Eu lembro de cair na cama, confusa, e dormir logo em seguida quando o cheiro de Kaio, ainda grudado em minha pele, me fez mergulhar em uma paz plena. Embora eu tenha tido sonhos perturbadores, todos preenchidos por garotos com olhos de mel, nunca dormi tão profundamente quanto naquela noite.

Que avisos inúteis, a criatura que me representava no sonho dizia, eu já estava perdida antes mesmo disso começar.



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Notas finais do capítulo

Alguém por aqui?



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