If I Saw You In Heaven escrita por Blue Dammerung


Capítulo 1
Capítulo 1: The Beginning.




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Would you know my name

If I saw you in Heaven?

Will you be the same

If I saw you in Heaven?”

-Sabe, quando eu era mais jovem, eu tinha tudo. Tinha saúde, dinheiro, beleza e renome. Aos 21 anos, eu era o ator mais bem pago de Hollywood.

-E o senhor teve amor, vovô? Um grande amor?

O velho sorriu, as várias marcas de expressão, os vívidos olhos azuis por detrás dos óculos, os bipes dos aparelhos preenchendo o som juntamente com o barulho da insistente chuva lá fora. Sempre chovia nessas horas.

-Eu tive um, há muito tempo.-Ele murmurou.

-Teve? Mas foi a vovó?

-Não, não foi.-O velho voltou a sorrir enquanto a jovem aproximava sua cadeira da maca para escutar melhor, os olhos igualmente azuis expressando a maturidade e ainda inocência no corpo de pouco mais de 30 anos.

-E quem era, então?

-É uma história antiga... Mas começou não aqui, mas em Londres. Maldita cidade, maldita chuva...-O velho parou para tossir, a morte batendo em seus 87 anos.-Onde está sua mãe, Lizie?

-Mamãe disse que... Não poderia vir.-Mentiu.

-Entendo... Então, somos apenas nós dois? Você pode ir para casa, se quiser. As enfermeiras vão cuidar bem de mim, não precisa se preocupar.

-Não, vovô, eu quero ficar.-Ela sorriu, os cabelos loiros caindo em cachos por sobre os ombros, a feição mais alegre, de bom humor. Podia estar faltando o trabalho ou perdendo alguma aula na faculdade, mas estava ali.-Vamos, conte sua história!

-Pois bem, então... Acho que não há mal nisso. Mas... Eu quero que você grave, okay? Há coisas que... Podem ser importantes, e como acho que não vou ter muito tempo para repetir, gostaria que você gravasse. Pronto, está com seu celular aí? Pode gravar nele.-Parou para voltar a tossir, o corpo fraco, os pulmões já não tão bons.-Bem... Aviso logo que não é nada muito romântico, e minha memória está falhando, então vou pular para as partes mais importantes em algumas horas. Mas tirando isso, começa...

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“Nasci numa cidade pequena dos Estados Unidos e tão cedo virei ator. Não quero me demorar nesta parte visto que é possível encontrar bastante disso na internet, então, apressando os fatos, fui indicado e ganhei o Oscar de melhor ator e revelação do ano naquele filme... “O Ósculo Perdido”. Você se lembra? Não? É um filme antigo para sua geração, mas enfim... Aos 23 anos, fui chamado para gravar em Londres (a maldita Londres) um filme chamado “Terror Branco”. Estava, claro, chovendo muito, como hoje. Eu fumava bastante por causa do stress e da pressão do trabalho, jovem demais para entender/fazer algo que prestasse, na verdade. Mas, como chovia, procurei abrigo debaixo de uma fachada do que depois descobri ser uma livraria.

As ruas tinham se tornado desertas exceto por alguns carros que passavam vez ou outra. Eu vestia uma peruca, boné e óculos escuros para evitar os paparazzis e as fãs loucas, fumando feito uma chaminé, jovem e burro, admito, irritado por causa de tudo e o celular tocando insistentemente no bolso da calça.

Então ouvi batidas e me virei, encontrando alguém batendo com força na vitrine atrás de mim, do lado de dentro da loja. Se eu soubesse o quanto aquilo seria importante, eu teria me demorado mais, ou então, se soubesse o quanto aquilo doeria para nós dois, se eu soubesse o número de noites que bem depois isso iria me custar e o número de vezes que aquela pessoa que no momento batia no vidro beberia litros e litros de uísque e então desabaria a chorar apenas por minha causa, eu teria evitado. Eu teria ido embora, ignorado aquela pessoa a todo custo. Mas não.

Eu ergui minha mão e tirei o cigarro da boca, olhando aquela pessoa falar alguma coisa do outro lado da vitrine, e ele falava tão estranho e rápido que eu achei que estivesse me xingando, então me aproximei do vidro que nos separava e ergui minha mão, mostrando o dedo médio num ato terrivelmente obsceno.

Eu devo rir dessa parte porque enquanto a maioria dos casais sorriem um para o outro, dão flores, dizem cantadas cafonas e coisas do tipo, nós nos conhecemos já brigando. É por isso que também digo que nunca fomos feitos um para o outro, claro que não, éramos completamente opostos, nos odiávamos em todos os segundos, mas também, eu acho que nos amávamos.

Sabe, bem lá no fundo, eu acho que nós nos amávamos mesmo não sendo perfeitos um para o outro, mas daí eu penso e penso e descubro que não existe essa de “perfeitos um para o outro”, porque o amor não é perfeito, o amor é a coisa mais burra, incerta e imperfeita que existe. E acho que esse era meu consolo, saber que mesmo tão imperfeitos, podíamos realmente sentir alguma coisa um pelo outro. Mas, infelizmente, eu não pensava assim naquela época.

Voltando para aquele momento, quando ele viu meu gesto, saiu de dentro da livraria e foi até a porta, abrindo-a e colocando a cabeça para fora, as sobrancelhas franzidas, a face irritada e os olhos verdes, mas tão verdes, me olhando como se eu fosse o maior idiota do mundo (e eu devia mesmo ser), sem ousar pisar na calçada molhada.

-Eu estava te chamando para entrar, seu imbecil!-Ele exclamou, ainda apoiado no arco da porta.

-Por quê?-Eu perguntei, colocando o cigarro na boca novamente.

-Eu não lhe devo explicações.... Você é americano, não é? Tinha que ser...-Ele bufou, levando uma das mãos até o rosto e massageando as têmporas.-Você quer entrar ou não, droga? E tire esse cigarro da boca, essa coisa fede...

Ele voltou a entrar na livraria, deixando a porta aberta atrás de si. Estava frio lá fora e eu corria o risco de levar um banho de algum carro que passasse rápido demais a qualquer momento, então por que não? Na época, eu não tinha nada a perder mesmo.

Entrei, jogando o cigarro fora e logo vendo as altas estantes repletas de livros ao fundo do lugar. Mais próximo da entrada havia mesas com um balcão perto, além de cadeiras, poltronas e revistas pelos cantos.

Um cheiro de chá empermeava o local, e sorrio ao lembrar que ele sempre teve rastros daquele cheiro, de livros velhos e chá, e olhe que na época ele era apenas três anos mais velho do que eu.

-Coloque o casaco ali.-Ele disse, surgindo de algum lugar e me estendendo uma xícara com o dito chá enquanto apontava para o aparador próximo à porta agora fechada.-E não mexa em nada. Nem suje nada. Assim que parar de chover, você vai embora, ouviu?

-Okay, okay...-Despi meu casaco (encharcado) e me sentei numa das poltronas, bebericando o chá fumegante enquanto olhava em volta novamente.

Tudo ali na livraria era meio morto, com cores escuras como vermelho e marrom, um violino tocando no cd mais adentro. Parecia com a biblioteca de algum castelo assombrado, mas eu lembro que cheguei a rir quando eu o vi arrumando os livros com esforço.

Arthur Kirkland, típico inglês, um rapaz de 26 anos na época. O rosto era fino, sem rastros de barba; os cabelos eram loiros e os olhos, terrivelmente verdes, de um verde tão chamativo que o fazia se destacar até no escuro. Sobre sua personalidade, já é possível fazer uma ideia de como ele era, e eu geralmente rio quando recordo de todas as vezes que discutíamos por isso. Seu corpo era magro, simples, normal, e os poucos músculos que tinha eram básicos. Mas, se eu pudesse resumí-lo numa só frase, diria que Arthur era uma contradição ambulante. Eu viria a descobrir que seu passado era muito mais obscuro do que o meu, sendo ele o típico aluno rebelde, punk, com aqueles moicanos, roupas pretas, correntes, lápis de olho preto, citando que até numa banda de rock ele tocava, porém, depois que seus pais morreram e ele foi morar com os tios, mudou completamente para um jeito mais “educado”. A única coisa que sobrara dos seus tempos de rebeldia fora uma tatuagem que dizia “I Love Ponies” e um piercing bem discreto, geralmente coberto pelos cabelos, no lóbulo da orelha.

-Passe pra cá aqueles livros.-Ele disse depois que fiquei muito tempo em silêncio, muito preocupado com as filmagens e os horários. Lá fora ainda chovia forte. Ergui a cabeça quando ele falou, meio perdido.

-Hein?

-Você é surdo, por acaso? Tem uns livros aí no balcão, traga pra cá, e rápido.-Ele voltou a falar, puxando um banquinho para subir e preencher os espaços mais altos das estantes.

-Não sou seu empregado.-Eu bufei, cruzando os braços. Ninguém me dava ordens, pelo menos não daquela maneira. Aliás, se eu pedisse por qualquer coisa, até um elefante albino em miniatura vivo, eles conseguiriam para mim.

-E com certeza não teve educação também.

-Olha quem fala...!

-Quem é você para falar assim comigo?! É só um americano ingrato que estava mofando na chuva lá fora!

-Eu?! Quem sou eu?!-Exclamei, tirando o boné e os óculos escuros de uma vez, deixando o disfarce pra lá, olhando para Arthur com raiva.-Você não sabe quem sou?!

-Além de surdo e mal educado você tem amnésia também?! Acabei de dizer que não sabia!

-Você não sabe? Sério?-Eu tirei a peruca então, pegando no bolso uma caixa onde eu guardava meus óculos de grau (uma vez que realmente detestava lentes de contato), e os coloquei, assim, devagar, com medo de ele de repente surtar quem nem todo mundo.

-Como vou saber?!-Arthur exclamou, gesticulando, irritado.

-Você não vê televisão? Não vê os outdoors nem os pôsteres?-Eu perguntei, subitamente tão surpreso que esqueci a raiva.-Você só pode estar brincando comigo...

-Eu vejo TV, mas só assisto documentários e quando saio na rua, não presto atenção nessas besteiras! E afinal, qual é o problema?!

-Você não me conhece...?

-Pela última vez, seu idiota, NÃO!

-Sério?

-Alguém aqui está pedindo por um tapa, e sim, estou falando sério!

Eu o fitei sem acreditar. Eu era assediado de todas as formas, se eu andasse sem disfarce tinha que ser seguido por guarda-costas e propagandas comigo aparecendo simplesmente não faltavam, além dos filmes, camisas, brinquedos...

-Eu não acredito em você.-Murmurei.

-Pois acredite. Eu não perderia meu tempo mentindo para você, tenho mais o que fazer.-Ele disse, cruzando os braços.

-Eu sou Alfred!

-Que Alfred?

-Alfred F. Jones!

-Ah....-Ele fitou o teto por alguns segundos, uma das mãos sob o queixo.-Seu nome me é familiar, só não sei de onde...

-É claro que é! Eu sou ator, sou uma estrela! Até os bebês sabem meu nome!

-Ah, não enche! E daí se você é um cantor famoso?! Eu não tenho obrigação de ficar olhando as revistas de fofoca nem ver aqueles canais inúteis que só falam sobre a vida dos outros!

-...Sou ator.

-Dá na mesma!-Arthur jogou os braços para cima, deixando claro que estava pouco se importando com tudo aquilo.-Para mim você não passa de um moleque americano enjoado e ingrato mesmo...

E começou assim, conosco discutindo por algo bastante simples, mas eu já tinha avisado que de romântica nossa história não tinha nada. Depois daquele dia, nós só fomos nos ver novamente quase um mês depois, quando um amigo me pediu que eu indicasse um lugar para comprar um livro raro. Na hora eu só lembrei de todas aquelas estantes cheias de livros da livraria de Arthur, então a indiquei. Meu amigo encontrou o livro lá e no dia seguinte, Arthur me ligou para agradecer a indicação (disse que tinha dado um jeito de conseguir meu telefone).

-O-Obrigado, sr. Jones.-Ele disse apenas.

-Hã? Quem é mesmo?-Perguntei, sem reconhecer a voz de imediato. Eu lidava com pessoas diferentes todos os dias, então era natural que eu não lembrasse de um cara que eu tinha discutido um mês antes!

-Arthur Kirkland, imbecil! O dono da livraria que você indicou!

-Aaaaaaaah tá... Ah, sim, foi, por nada, cara. Meu amigo me perguntei se eu sabia de alguma e disse a sua porque lembrei na hora, mas nem lembrava de você, foi mal.-Eu ri.

-Pois é, liguei para agradecer somente.-Ele disse, limpando a garganta um tanto alto demais.

-Tudo bem. Tem certeza de que não quer mais nada?-Perguntei, novamente rindo.

-Não, já vou desligar.

-E por que não desligou logo? Ah, posso passar aí mais tarde? Só pra conversar?

-Para quê?!

-Conversar, dãã!

-Você não tem amigos pra isso?

-Ah, bem... Nenhum que tenha liberdade o suficiente para me chamar de idiota o tempo todo. Ou imbecil. Ou americano enjoado e ingrato.-Ri, dando de ombros.-Nem aquele que eu indiquei sua livraria falaria assim comigo, e olhe que ele é um dos mais próximos. N-Não que eu queira ser xingado, é só que você é sincero, é.

-Ah, sei...-Ele disse, ficando em silêncio por alguns segundos, parecendo pensar.-Tudo bem, mas traga alguma coisa com você.

-O quê?

-Eu não sei, o que acha de um unicórnio verde neon?! Não faça perguntas idiotas assim, Alfred. Até mais tarde.-E então ele desligou o telefone na minha cara. Era engraçado mas eu estava me aproximando dele justamente porque ele me tratava mal.

Mais tarde naquele mesmo dia, fui até a livraria. Arthur morava justamente bem nos fundos da loja, bastante agradável, nem tão pequeno nem tão grande demais. Ele me serviu chá só que então começamos a brigar porque eu não tinha trago nada comigo, então ele me expulsou e quase literalmente me jogou na rua.

No dia seguinte, no mesmo horário, eu voltei na livraria levando um buquê de flores e ele brigou comigo novamente, dizendo que aquele não era presente que se desse a outro homem (embora minha ideia, na época, tenha sido puramente inocente). No terceiro dia, eu levei... O que levei mesmo? Ah, um abaju. Ele também brigou comigo (algo sobre abajus serem coisas de dona de casa e ele não era uma), e aconteceu que começamos a nos ver, no mínimo, toda semana, e em todas as visitas eu levava algo diferente, sempre procurando algo que ele realmente gostasse.

De repente eu me via esperando terminar logo as filmagens apenas para ir até a livraria, e eu tinha que ir disfarçado sempre senão os paparazzis descobririam e pensariam... Coisas erradas. Que obviamente não eram verdade.”

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Alfred respirou fundo, o sorriso no rosto enquanto sua neta lhe fitavam de volta ao hospital e ao tempo presente. O médico adentrara o quarto, lhe fizera algumas perguntas e mandara a enfermeira aumentar a dose de alguma substância, o avô e a neta voltando a ficar sozinhos instantes depois.

-Ah, eles fazem isso todos os dias.-Alfred disse diante do olhar preocupado da neta,-Pelo menos eu não sinto tanta dor.

-Mas, vovô...

-Não, Elizabeth, não comecemos novamente, sim? Por favor. Enfim, daqui a pouco as enfermeiras vêm me dar banho, então dê uma volta lá fora, vá almoçar, ligue pro seu namorado... William, não é? Parece um bom rapaz.-Alfred sorriu.

-Tá bom, vovô...-Elizabeth deu um sorriso meio triste de volta, deixando o quarto e caminhando pelo corredor. Almoçou na lanchonete do hospital, a chuva ainda caindo forte lá fora.

Seu celular começou a tocar bem no momento em que levava o garfo até a boca, checando o visor poucos segundos antes de fazer uma careta mas levar o aparelho até o ouvido.

-Oi, mãe...-Elizabeth disse, o tom de voz cansado. Falar com sua mãe era sempre um stress.

-Elizabeth, onde você está?-Ouviu o tom da voz do outro lado, exigente, imediatista, meio rude.

-No hospital.

-Com seu avô?! Elizabeth, eu disse para você não ir!

-Ah mamãe, me desculpe mas não vou deixar o vovô sozinho! Me diga logo porque você ligou, eu tenho que ir...-A mais nova disse, terminando de comer e se pondo de pé, logo caminhando pelo corredor.

-Elizabeth, você sabe que ele não...

-Não, mamãe, você acha que ele não merece mas ele é meu avô e é como um pai pra mim! Foi ele que me criou até os 12 anos, lembra? Ah, disso você não lembra, não é?

-Ele foi embora de quase quando eu tinha doze anos também! Nos abandonou! Ele não passa de um...!

-Tchau, mãe, nos falamos melhor depois.-Elizabeth desligou o celular, as mãos indo parar nos bolsos enquanto voltava para o quarto, o jeito meio inquieto.

Alfred F. Jones, pelo o que Elizabeth sabia, se casara com Melody James e tivera com ela duas filhas: Molly e Anne, sendo esta última a mãe de Elizabeth mais tarde. Porém, quando Anne tinha pouco mais de 11 anos, Alfred foi embora sem deixar rastros e só veio aparecer no casamento de Anne vários anos depois. Por essa causa, Anne tinha raiva e rancor do pai, embora ninguém jamais tivesse descoberto o porquê de Alfred sumir de repente quando ele tinha uma família tão boa e a situação financeira, muito melhor.

Sobre Elizabeth ter ido morar com Alfred quando pequena, sabe-se que quando Anne teve Elizabeth, a mãe desta passou por sérias dificuldades econômicas, e Alfred ofereceu-se para cuidar da neta em Miami, onde ele tinha comprado uma casa e onde tinha como dar todo um suporte à neta. Depois de muita empáfia por parte de Anne, Elizabeth foi morar com o avô e só voltou pra casa aos 12 anos, quando a situação financeira dos pais já estava consideravelmente melhor.

-Vovô?-Ela chamou, batendo a porta atrás de si, adentrando o quarto justamente quando a enfermeira saía.

-Entre, Liza.-Alfred disse, o sorriso no rosto marcado pelo tempo. O quarto estava com um cheiro engraçado de desinfetante no ar.

-Eu trouxe chocolate e café.

-Ótimo, ótimo! Traga pra cá e puxe a poltrona. A parte mais feliz da história é a que vem a seguir... Bem, pelo menos é a maior parte.-Alfred sorriu, abrindo o pacote de chocolate que em tese não deveria estar comendo.

-A parte mais... Feliz?

-Sim, é.-Ele falou com a boca toda suja de chocolate, do mesmo jeito que estaria há 30 anos, ainda sorrindo engraçado.

-E... As outras não são?

Alfred pesou o olhar, a mão que segurava o chocolate repousando sobre o colchão, antes estando a caminho da boca. Respirou fundo, deu um sorriso mais triste e os olhos se tornaram subitamente cansados.

-Não, não são. Sem tivessem sido, acho que nem você nem eu estaríamos aqui. Mas passemos adiante... Passaram-se...

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“Passaram-se vários meses desde que eu adentrara aquela livraria e conhecera Arthur, e quando eu podia, sempre ia lhe visitar levando algo que achava que ele fosse gostar, coisa dificílima de se fazer porque agradar Arthur Kirkland era como agradar um pedaço de isopor: Impossível. Impossível e ainda assim, eu tentava com todas as minhas forças.

O engraçado é que eu estava muito melhor. Eu conseguia dormir bem durante a noite, estava comendo melhor e o diretor veio me parabenizar por que eu estava bem mais engajado nas filmagens, tudo isso porque eu ia quase todas as noites visitar Arthur. Ele não era um psicólogo e era terrivelmente difícil de se lidar na maior parte do tempo, mas me servia chá por educação e conversávamos sobre assuntos alheios. Arthur era o que eu tinha de mais próximo de um amigo, de uma ligação com o mundo normal, onde as pessoas se preocupavam muito menos com a imagem pública e... Aparência.

Porque veja bem, eu era... Gordinho. Não, eu era charmoso, ainda sou, claro, mas com vinte e poucos anos eu era bem mais. Eu tinha cabelo até, um cabelo loiro assim... Da cor do seu, bem loiro mesmo, mas sempre usei óculos. Era um charme meu mas também nunca enxerguei direito e detestava lentes de contato. Eu tinha as costas eretas, largas, e não essa coisa curvada de hoje. Costas largas, peito largo, e ainda era bem alto, com quase 1,90 de altura... Eu acho. Não estou me gabando, é que não é a toa que eu tinha dezenas de milhares de fãs, sabe? Mas enfim... Arthur estava me fazendo bem, apesar de tudo. Brigávamos, mas nos entendíamos. Algumas pessoas que moravam próximas à livraria também se tornaram minhas amigas, a maioria delas sendo velhinhas simpáticas.

Enfim, uma noite eu acabei sem ir visitar Arthur. O filme em que eu estava atuando estava nas filmagens das cenas mais importantes, então eu mal tive tempo para ir vê-lo, o que era estranho porque até eu estava acostumado a chegar na livraria e encontrá-la vazia (porque eu aparecia somente a noite, horário com menos circulação de compradores) exceto por Arthur tomando chá na sala, no interior da loja.

Exausto, fui direto para casa naquela noite, um apartamento perto do estúdio. Tomei um banho, fumei na janela e estava pronto para dormir depois de algumas horas vendo televisão quando ouvi o celular tocar. Por cristo, quem é que liga às duas da manhã em plena quarta-feira e justamente para meu telefone particular? Não eram todos que tinham acesso a esse número, e eu carinhosamente o chamava de mau agouro porque sempre que ele tocava, era para dizer más notícias.

-Alô?-Perguntei, a voz arrastada por causa do sono.

-Sr. Jones?-Soou uma voz feminina do outro lado, meio gasta.-Aqui é a Dona Miles... Vizinha do Sr. Kirkland, o senhor sabe.

-Ah, sim...-Eu assenti, coçando os olhos e me sentando na cama, sem nem querer saber como aquela mulher tinha conseguido aquele meu número particular.

-É que o senhor é amigo do Sr. Kirkland, não é? Você é o único que é tão próximo dele e eu achei que quisesse saber...

-O que houve?-Eu perguntei logo, me colocando de pé, acendendo a luz do quarto.

-Eu não sei, ele chegou tarde em casa e muito bêbado. Geralmente ele só chegava em casa assim antes, sabe, e com muita frequência, mas desde que o senhor passou a visitá-lo, diminuiu bastante, e hoje ele chegou e eu comecei a ouvir barulhos altos, como se ele estivesse derrubando tudo...

-Céus...-Eu murmurei, massageando as têmporas, sentindo uma dor de cabeça chegando. Coloquei os óculos, voltando a coçar os olhos.-Estou indo aí, obrigado por ligar, sra. Miles.

E desliguei o telefone então. Essas velhinhas tinham o costume de demorar horas no telefone, então ou eu desligava de uma vez ou ela começaria a falar da coleção de gnomos de jardim que tinha. Meu humor não estava muito bom, mas como eu tinha que ir de qualquer forma, coloquei só um sobretudo por cima do pijama (que resumia-se a uma calça de moletom apenas), calcei uns sapatos e saí de casa. Em poucos minutos já dirigia feito louco até a livraria pelas ruas relativamente desertas, morrendo de sono. Quinze minutos depois, batia na porta da livraria.

-Arthur! Arthur open this door!-Exclamei, ouvindo alguns barulhos, a porta se abrindo de repente e mostrando um Arthur bêbado, com os olhos vermelhos e olheiras sob os mesmos.-Are you alright? Damn, man! Sua vizinha me ligou, que diabos você...!

-O que você quer aqui?! Saia daqui!-Ele exclamou, tentando fechar a porta mas eu o empurrei a tempo, entrando na loja e fechando a porta atrás de mim, Arthur de apoiando nas estantes de tão bêbados.

-Cara, qual é o seu problema?!-Eu exclamei, logo irritado por ter que ficar de babá de um bêbado briguento em plena madrugada e ainda ser recebido daquela forma.

-Você! Você é o meu problema! Você é um puta filho da mãe!-Ele exclamou de volta, tirando os livros das estantes e os jogando em mim com a clara intenção de realmente me acertar.-Um maldito falso e filho da mãe! Eu não preciso de você! Vá embora daqui e me deixe em paz!

-Arthur, do que está falando?!-Eu gritei, tentando me proteger dos livros enormes que ele jogava.

-Você é um maldito sacana! Vagabundo! Sua mãe era uma puta! A cock-loving whore!

-Hey,hey,hey! Dont talk about my mother, you sucker! E pare de jogar esses livros! Merda, Arthur, diga logo qual é o maldito problema!

-Ela se foi! Ela se foi e você não estava aqui!-Ele gritou ainda mais alto, jogando mais livros acadêmicos em mim.-Eu esperei por você e você não veio, seu imbecil! Filho da puta! Sacana!

-Quem?! Ela quem?! Calma, Arthur, espera aí!-Eu exclamei, tentando desviar dos livros que já deixavam manchas roxas em mim.

-It doesnt matter anymore! She's gone! I hate you! I really hate you!-Ele voltou a gritar, perdendo o equilíbrio e caindo sentado no chão, os livros antes em suas mãos caídos ao meu lado. Eu achei que ele fosse se levantar e voltar a brigar comigo, mas ele continuou ali, olhando para o chão, as costas curvadas, em silêncio.-I hate you...

-Arthur...-Eu estranhei aquele comportamento dele, me aproximando devagar, cauteloso, e então, quando vi que ele já não iria tentar jogar coisas em mim, me agachei a sua frente.-Arthur? Hey, Arthie, dude, are you okay?

-Of course Im not okay...-Ele murmurou, a voz entrecortada, arrastada. Ele ergueu o rosto bem pouco apenas para me olhar, e foi naquele momento que eu levei um dos maiores sustos da minha vida.

Arthur, sempre tão orgulhoso e arrogante, sempre tão independente, tão adulto e educado, estava chorando.

As lágrimas desciam por seu rosto, e eu podia notar que ele se segurava para não realmente cair em prantos e soluçar até o sol nascer, o rosto corado e as mãos sobre o chão fechadas em punho.

-Eles disseram... Eles disseram que ela morreu ontem num acidente de carro... Eles disseram que o impacto foi tão grande que ela morreu na hora...

-Ela que, Arthie?-Perguntei, meio confuso.

-Elizabeth, seu imbecil!-Ele exclamou, abraçando as pernas, a voz ainda chorosa enquanto me dava um cascudo na cabeça.-Ela era minha noiva!

-S-Sua noiva?!

-É, seu idiota, minha noiva! E eu odeio você!

-A mim?! Por quê?! Eu não fiz nada!

-Porque eu esperei por você e você não veio! Por que eu achei que pudesse contar com você, mas é claro que não!

-E-Eu não sabia!

-Devia saber! Saia daqui! Vá embora, eu não quero mais ver essa sua cara, ande, vá embora!-Ele exclamou, voltando a me bater, ainda chorando, mas eu segurei seus pulsos com força, fazendo-o parar.

-Arthur, calma!

-Calma nada, ela está morta! E você me traiu!

-Chega, Arthur, chega!-Eu exclamei mais alto do que ele, olhando fundo em seus olhos, as duas esmeraldas que eu já conhecia bem.-O mundo não gira só em torno de você, eu também tenho problemas e uma vida, você me entendeu?! Ela morreu? Sim, morreu, mas não vai ajudar em nada você entrar em pânico desse jeito, ouviu?!

Depois eu viria a descobrir que Elizabeth, sim, sim, ela tinha o mesmo nome que bem depois foi dado a você, minha neta, era mesmo noiva de Arthur e que eles tinham namorado por 7 anos mas que, no último ano, o relacionamento estava tão frio que eles mal se falavam, tanto que moravam distantes um do outro e tampouco deixavam sequer mensagens na secretária eletrônica. Arthur sentia-se sozinho por causa disso e porque fora ela a primeira a se afastar. Era, ou melhor, tinha se tornado, uma relação de fachada.

Mas naquele momento em que eu gritei com ele, segundos depois ele voltou a chorar. Não porque ele sentia falta dela, mas porque ele se sentia culpado justamente pela falta que ela devia fazer e não fazia. Ele se sentia culpado que mesmo depois de 7 anos gostando dela, quando ela morrera, ele não chorara por sua morte nenhuma vez, e sim pelo fato de ter se tornado no ser desprezível que ele pensava ser ao não sentir falta dela. E a culpa já era minha, porque na época ele não sabia e tampouco eu sequer imaginava, mas ele já estava apaixonado por mim quando ainda devia gostar da própria noiva.

Não estou sendo egoísta, arrogante ou egocêntrico, mas agora percebo que ele sempre foi o que mais se machucou na nossa relação, sabe? Ele já gostava de mim quando eu nada sentia por ele exceto uma relação amistosa, amizade, talvez.

Ele sempre chorou mais vezes do que eu, e geralmente era por minha culpa, não nego.

Mas naquele momento há tantos anos, eu me vi o abraçando porque mesmo que eu não gostasse dele, havia aquela coisa engraçada, aquela necessidade em fazê-lo parar de chorar, e no momento também não pensei se aquilo era certo ou não, apenas fiz.

Eu lembro que ele congelou na mesma hora. Não falou nem fez nada, mas então ele respirou fundo e relaxou, os músculos ainda muito tensos. Da boca não saíam nada mais do que murmúrios baixos seguidos de soluços silenciosos. Soltei um dos seus pulsos e levei a mão livre até seus cabelos, como que para lhe acalmar mais um pouco. Quando lembro dessa cena hoje, sinto que posso cair em prantos porque Arthur era tão importante para mim, tão querido, tão inestimável, e na época eu não lhe dei a atenção, o carinho e a prioridade que ele precisava.

Principalmente “prioridade”, e você vai ver o porquê.

Nós ficamos quase uns quinze minutos daquele jeito, até que ele parou de soluçar, se afastando um pouco de mim, os olhos esverdeados um tanto vermelhos, limpando o rosto com as costas das mãos.

-Alfred, eu...-Ele começou a falar, limpando a garganta. Parecia que o álcool tinha deixado seu sangue depois de tanta comoção.-Tá, obrigado. Agora me solte!

-Por nada, Arthur.-Eu sorri, mas não o soltei de imediato, apenas me afastei.-Você está melhor mesmo?

-Estou, idiota, me solte!-Ele grunhiu, a voz ainda meio tremida.

Eu olhei em seus olhos, subitamente perdido nas esmeraldas verdes que ali havia. Eu deveria sentir alguma afeição, algo maior do que a simples indiferença e menor do que o amor ou paixão propriamente, e só deveria ser isso, era a explicação mais lógica, já que eu o beijei no instante seguinte.

Simplesmente assim, o beijei. Não foi demorado ou cheio de olhares como nos filmes qye ey estrelava e tampouco tão bonito ou romântico, simplesmente aconteceu, até porque aquilo não era um filme, éramos nós e apenas nós na nossa mais completa imperfeição ali.

Arthur tinha hálito de chá de camomila (que eu sabia ser de camomila porque ele sempre o tomava a noite) e eu deveria ter de cigarro misturado com café, nada muito romântico, como você pode ver, nada de um “cheiro/gosto adocicado de morango com baunilha” ou um “refrescante menta” nem nada assim, até porque isso era gay demais... E nós não éramos gays, de certa forma. Não totalmente, quero dizer.

Enfim, eu o beijei e de presente ganhei um murro no estômago... É sério! Arthur não era o tipo de pessoa que você podia sequer pegar na mão e sair impune, sabe? Ele não era tão fácil assim, mesmo quando já nos conhecíamos há meses e nos víamos com uma grande frequência.

Eu sorri, me curvando um pouco, o estômago doendo.

-Poxa, Arthie, não precisava disso...

-V-Você me beijou!

-Foi... E você me bateu!

-Você me beijou! Idiota! Sabe o que isso significa?! Alfred, isso pode ter sido apenas um beijo para você, mas para mim beijo nenhum é apenas um beijo! Minha noiva acabou de morrer e você vem e faz isso?! Você não raciocina, sua anta?! Droga, Alfred, droga, pare de estragar tudo!

-Calma, Arthie!-Eu queria ter ficado com raiva ou ter sentido um peso na consciência mas tudo o que eu fiz na hora foi rir. Meu deus, que mostro eu era, sinceramente.

-Calma uma ova! Você estragou tudo! Isso envolve sentimentos, Alfred, a merda dos sentimentos!-Ele exclamou.

-Não precisa ser tão escandaloso...

-Eu sou escandaloso sim porque se você quer saber, eu não sou uma das suas putas que só dormem com você e agem como se estivesse tudo bem no dia seguinte! Eu não sou assim, eu não sou de ferro!

-Pelos céus, Arthur, foi um beijo! Só um beijo! Não transamos nem nada...!

-Mas é tão ruim quanto! God, o que nós fizemos... Não, não, não, espere aí, o que VOCÊ fez! A CULPA É SUA!

-Minha culpa?!

-Sim, sua maldita culpa!

-Ah, chega, Arthur, chega!-Eu me levantei, sem argumentar mais diante de todo aquele drama todo.-Você parece uma daquelas menininhas virgens, droga! Você é adulto, não um maldito adolescente, e eu sou outro adulto também! Para que tanto pânico?! Se tivéssemos transado, tudo bem, eu ficaria calado, mas foi só a merda de um beijo!

Ele abriu a boca para falar, mas nada disse, permanecendo em silêncio por mais alguns instantes, desviando o olhar para o chão. Eu engoli em seco, temendo ter sido muito duro com ele, de ter gritado alto demais. Voltei a engolir em seco assim como me agachar a sua frente.

-Desculpe, Arthie, eu...

-Não, tudo bem.-Ele me cortou, ainda desviando o olhar. As mãos estavam fechadas em punho com força.-Você tem razão, Alfred. Somos adultos e não há motivo para tanto alarde. Você não é virgem e eu também não. Não há motivo para agirmos como adolescentes, não é?

Ele deu um sorriso triste, olhando nos meus olhos, o verde exibindo uma dor que eu ainda não sabia que ele tinha. Ele se pôs de pé então, coçando os cabelos.

-Você pode ir agora.-Ele disse, fitando o chão.-Vejo você amanhã ou outro dia, talvez.

-Não, Arthie, espere.-Eu disse, segurando seu braço, visto que ele tinha feito menção a sair da sala. De costas para mim, sua postura parecia bem mais curvada.-Eu não quis... Dizer aquilo. Assim, não tão rude e... Im sorry.

-A culpa não é sua, Alfred. Você tem razão.

-Nem sempre ter razão significa estar certo, Arthur. É só que você... Exagerou um pouco, só isso.-Tentei sorrir para diminuir o peso do clima nem que fosse um pouco, afrouxando o aperto em seu braço, mas sem soltá-lo.-Desculpe por não poder ter vindo hoje, mas as filmagens estão no auge e eu estava exausto, mas vim assim que pude! E olha só minhas roupas!

Eu ri, mostrando que ainda vestia apenas uma calça e um sobretudo, os sapatos sem meias. Ele fitou meu peito por alguns segundos e então ergueu o olhar para mim, os orbes verdes enevoados e difíceis de se ler. Minha mão desceu do seu braço até sua mão, segurando-a com cuidado.

-Desculpe, Arthie.-Eu sussurrei. Pedir desculpas nunca era muito fácil, mas eu sentia que naquele momento, eu precisava pedir.-Foi... Sem querer. Desculpe.

Ele engoliu em seco e quase o vi chorar de novo na minha frente, os olhos se umidecendo e brilhando, a face ainda corada, mas antes que eu pudesse evitar ou sequer pensar em reagir, ele avançou em minha direção com tanta voracidade que eu quase caí, os lábios nos meus, a língua na minha.

Caímos no chão pouco depois, sobre o chique e aveludado tapete. Não preciso dizer o que houve depois, é um fato que quero manter apenas para mim porque é uma, senão a mais, querida lembrança que tenho de nós dois.

Porque ali, com ele, sem todas aquelas câmeras ou a obrigação de ser “bom de cama” que eu era obrigado a ter quando dormia com outras atrizes, era muito mais fácil. Pouco me importava se ele era outro homem, na verdade, isso até me atraía, fosse pela curiosidade ou porque com ele eu podia viver o sentido literal da frase “ser eu mesmo”.

Resultado: Nós transamos, e quando acordei na manhã seguinte, estava com dor nas costas por ter dormido no chão e Arthur tinha saído. Agora era a minha vez de me sentir a típica “mulher de uma noite só”. Cocei os olhos com preguiça, a luz que atravessava as janelas machucando minha vista. Ouvi a porta da livraria abrir, o som daquele pequeno sino no alto da porta ressoando quando a mesma se movimentava.

-Arthur...?-Chamei, pegando meus óculos meio jogados no chão para enxergar melhor.

-Sou eu.-Disse ele, adentrando a sala então.-Eu fui... Comprar café e chá. Não quis acordar você. Vista-se e vá embora antes que os vizinhos acordem, e eu também preciso trabalhar.

-Muito gentil da sua parte.-Eu disse com sarcasmo, mas rindo baixo.

-Eu preciso trabalhar, Alfred, e você nu no meu tapete não vai atrair muitos clientes.-Ele disse então, a face meio corada, cruzando os braços, dando um pequeno sorriso porém. Arthur ficava tão belo quando sorria que isso sempre me fazia sorrir também.

Me levantei do chão, vestindo a calça com que tinha chegado ali na noite anterior, um sorriso no rosto ainda. Ele estava apoiado no arco da porta, olhando pra mim enquanto segurava um copo grande de café numa das mãos, só me esperando sair.

-Passo aqui mais tarde, Arthur.-Eu disse, terminando de me vestir e me calçar.

-Não precisa, quer dizer, vou entender se...

-Não, eu virei.-Eu sorri.-O que quer que eu traga desta vez?

-Vinho, muito vinho. E óleo para a fechadura, a da porta está emperrando. E uma chaleira nova de porcelana, de preferência, azul clara, se encontrar. Mas branca também serve.

-Tudo isso?!

-É claro. Não sou alguém de uma noite só, e se quiser continuar andando por aqui, é melhor me agradar.-Ele riu.-Afinal, você é ator! Você mesmo disse que era conhecido e tudo o mais, e portanto, rico. Não acho que umas 400 libras seja uma perda tão grande assim para você.

-É, tem razão, não são.-Eu sorri, indo até a porta, pegando o grande copo de café das suas mãos, dando um gole demorado. Era por volta de umas 8 da manhã. Ele me seguiu, os braços ainda cruzados. Mi virei para fitá-lo, segurando seu rosto com a mão livre e dando-lhe um beijo nos cabelos e então em seus lábios. Nem sei porque fiz aquilo na hora, foi apenas... Impulso.

-Idiota, estamos na rua!-Arthur exclamou, colocando sua mão sobre a minha que continuava em seu rosto, mas sem exercer pressão, sem querer exatamente tirá-las.

-Não tem ninguém na rua, Arthie...-Eu murmurei, bem próximo do rosto dele ainda.

-M-Mesmo assim! Pare com isso, seu americano gorduroso e...!-Mas antes que ele pudesse continuar, eu voltei a lhe beijar, aproveitando sua boca aberta para lhe dar um beijo digno de Hollywood, e quando nos separamos, ele estava ofegante e corado de uma forma tão adorável que quase lhe tomei os lábios novamente, mas ele me empurrou e eu quase caí na calçada, derramando parte do café.

-V-Vá trabalhar, seu vagabundo!-Ele exclamou, fechando a porta da livraria com força, mas eu ainda podia vê-lo olhando para mim por detrás da vitrine.

Sorri, deu um pequeno aceno, entrei no carro e fui embora. Foi com aquilo que realmente começou o “nós”, sabe? Arthur já me amava e eu estava feliz e gostava dele, mas era mais uma atração, uma simples afeição do que amor.

Pelos meses qque se seguiram, nós passamos quase todas as noites juntos, seja na casa dele ou na minha, ou em restaurantes nos arredores, cinemas que eu reservava apenas para nós ou hoteis mais afastados. Eu gostava da presença dele, mas os paparazzis sempre estavam de olho em mim e todo cuidado era pouco.

Na época, o erro foi meu, eu tomei a pior decisão possível acreditando que era a melhor escolha. Se alguém nos descobrisse juntos e a mídia soubesse sobre nosso pequeno caso, minha carreira estaria acabada. “O ator mundial, Alfred F. Jones, é homossexual”, além de que transformaria a vida de Arthur em outro inferno também. Eu já sabia que ele não era muito sociável, então ser infinitamente assediado quanto eu previa que ele seria se nos descobrissem seria um verdadeiro inferno.

Então eu evitava ao máximo que nos vissem enquanto estávamos juntos e tentava fingir que fora do set de filmagens eu sempre estava sozinho. O fato foi que, para parecer mais convincente, aceitei sair com uma atriz para um jantar e, com sucesso, tiraram fotos e fizeram alarde, mas é claro que em todas as entrevistas que se seguiram eu disse que aquilo era apenas um jantar e nada mais. Mesmo assim, Arthur passou 4 dias sem falar comigo, afirmando que aquilo fora algo “tolo e desnecessário” da minha parte.

Depois disso, Arthur começou a sentir mais ciúmes do que o normal. Na época eu me irritava, claro, mas agora percebo que não passava de uma reação extremamente natural por parte de Arthur. E que a culpa, mais uma vez, era minha. O fato é que estava se tornando um tanto cansativo fugir dos paparazzis o tempo todo. Não tínhamos privacidade, não podíamos sair como um casal normal, mas na verdade, estava até suportável. Por enquanto.

Até que, faltando duas semanas para o final das filmagens e a grande estreia do filme depois de tantos meses naquela Londres chuvosa e cinza, numa noite, Arthur exibiu um rosto sério e disse:

-Alfred, eu não aguento mais.

-O que, Arthur?-Eu perguntei.

-Quero que você declare público que nós estamos... Namorando. Não me importo com as consequências, posso dar um jeito com todo o assédio e...

Eu parei de olhar para a televisão, boquiaberto. Estávamos na livraria e eu tinha alugado alguns filmes para passar o tempo.

-Mas, Arthur...

-Isso vai prejudicar sua carreira, eu sei, mas... É por uma boa causa!-Ele se justificou, sabendo de todas as consequências e mesmo assim confiando em mim, mesmo assim querendo ir em frente.-Você não aguenta mais também, certo? Toda essa perseguição e essa pressão e...

-Arthur, isso vai colocar nossas vidas de cabeça para baixo! Vamos pensar mais um pouco, nem está tão ruim assim, vamos...

-Não, Alfred, eu já pensei demais. Não quero ter que sair só a noite e só para lugares distantes ou que na frente de outros você me trate como um completo desconhecido. Eu... Quero ser feliz assim. Você não quer?

-Não é isso, é que... Arthur, eu não posso largar tudo assim! Você sabe o quanto isso prejudicaria minha carreira! Estragaria tudo!

-E-Estragar?!-Arthur exclamou, fazendo uma feição que tinha raiva, tristeza, medo e principalmente dor misturados.-Você tem tando medo assim deles? Da mídia? Do que as pessoas vão falar de você? Eu não... Valho a pena?

Eu engoli em seco, prendendo a respiração por alguns instantes. Se eu soubesse o quanto eu estava errado, se eu soubesse que a decisão que eu tinha tomado era tão errada, se eu soubesse... Se eu fizesse pelo menos uma pequena ideia do quanto eu já feria Arthur com aquilo, mil carreiras iguais a minha não seriam o bastante para pagar o que ele sofreu. Hoje, eu teria pedido desculpas. Hoje, eu teria ficado com ele. Na época, eu me irritei. Na época, sendo um jovem adulto egoísta e egocêntrico, eu me irritei, por que “quem era ele para controlar minha vida?” E me arrependo até hoje.

E depois de milésimos de segundos em silêncio, irritado, sem conseguir pensar direito, eu gritei:

-Você sabe que iria acabar com a minha carreira! Com meu futuro! Nenhum diretor ia me querer sem antes colocar milhões de obstáculos! Para você não iria importar porque você não tem ninguém que fique no seu pé, você não tem revistas com fotos suas e falando da sua vida, você não tem obrigações, você não precisa fingir! Você só tem uma maldita livraria, e não milhões de pessoas esperando que você seja perfeito o tempo todo!

Arthur emudeceu, boquiaberto. Parecia que algo o tinha atingido com tanta força que os olhos subitamente perderam todo e qualquer brilho. Eu estava tão irritado que não percebi o tamanho do meu erro naquele momento.

-Alfred, você é muito... Egoísta.-Ele murmurou então, a voz saindo baixa, meio “rasgada”. Não sei explicar, mas foi a palavra que veio à minha mente naquele momento. Rasgada. Destruída, assim, em frangalhos. Como seu coração.-Eu tenho tantas obrigações quanto você, mas se é isso que quer, tudo bem. Não aguento mais ser só um caso escondido seu, e se não estiver nos seus planos sermos vistos juntos lá fora, não quero mais que esteja aqui dentro também.

-Está me mandando embora?!

-Você abriu a porta para si mesmo.

-Eu só não quero destruir meu futuro, droga! Por que é tão difícil ficarmos juntos como estamos agora?! Por que tem que mudar?!

-Porque eu tenho sentimentos, Alfred. Porque eu não sirvo só para você me usar no final da noite! Eu quero uma relação aberta onde possamos confiar um no outro, mas você só faz o que convém para você! Não passa de um maldito americano egoísta! Eu abri mão de mil coisas para deixar você entrar, eu lhe contei meus segredos e fiz coisas que não me agradaram, mas foi pensando em você e apenas em você, mas quando eu pelo que faça um único sacrifício por mim, você me nega! Eu pensei que podíamos ficar juntos, eu pensei que significava algo mais para você mas vejo que o erro foi completamente meu por ter entendido tão errado!

-Arthur, você não é santo! Quantas vezes você já não me colocou pra fora e jogou coisas em mim?! Quantas vezes eu tive que suportar seu mau humor porque eu confundi a merda do gosto do chá?!

-Eu sou assim, você sabe o quanto é difícil para mim me aproximar das pessoas! Mesmo assim nós ficamos juntos, nós demos certo, eu fiz sacrifícios, eu...!

-VOCÊ NÃO É MAIS IMPORTANTE DO QUE O MEU FUTURO!-Eu gritei sem pensar, eu gritei tão alto que os vizinhos deveriam ter ouvido, eu gritei tão alto que até hoje meus próprios ouvidos ressoam esta mesma frase.-Eu gosto de você, mas eu não te amo! Você é meu amigo, é meu namorado e eu gosto de você, mas não o bastante para fazer um sacrifício tão grande!

Arthur voltou a se calar. Na hora, talvez pela raiva do momento, achei que fosse coisa da minha cabeça, mas depois de reviver esta cena tão vívida tantas e tantas vezes na minha mente, notei que não era minha imaginação. As lágrimas que mal pude ver porque meu orgulho me fez sair porta afora no instante seguinte corriam pelo rosto de Arthur. E ali eu cometi um dos meus maiores erros, sair, assim, na chuva, deixando-o para trás, me dando o errôneo direito de achar que eu estava certo e que Arthur estava errado e que a culpa não era minha e que eu não precisava dele.

Chovia, a noite estava uma droga, peguei um resfriado. Passamos duas semanas sem nos falar, sem ligações nem e-mails nem nada. As filmagens tinham acabado e nada me prendia à Londres senão alguns assuntos pendentes com o estúdio do filme em que eu atuara. Até que completou um mês e eu tive que ir embora. Estava tudo acertado, já tinha outro papel reservado para mim num filme que seria filmado na Austrália, então eu estava indo embora. E não iria dizer adeus.

Estava no aeroporto, vestindo aqueles sobretudos com alguns paparazzis na minha cola tirando fotos, então nem fumar eu podia (já que meu agente dizia que não era bom fumar em público por causa da minha imagem). Meu voo sairia em 10 minutos e eu estava ainda irritado demais (mesmo um mês depois) para me preocupar com o fato que eu e Arthur tínhamos terminado, que eu estava indo embora, que eu talvez nunca mais o vesse.

E ainda assim, peguei meu celular, procurando nos contatos o número da livraria já sabendo que Arthur não atenderia o celular, levando ao ouvido então.

Veja bem, eu estava com raiva de Arthur por ele querer mandar em mim. Eu não estava acostumado a uma relação tão séria quanto a que ele queria, e ele tinha razão, eu só faria o que me conviesse, então eu ligava para ele naquele momento não para pedir desculpas e sim para dizer que eu estava indo embora e ele estava me perdendo.

-Arthur... Sou eu, Alfred. Liguei para avisar que estou indo embora.-Eu disse, deixando a mensagem na secretária eletrônica visto que ele não atendia o telefone.-Se quiser saber, estou indo para a Austrália... É, é isso. Tomara que continue tendo sucesso com sua livraria. Adeus.

Eu desliguei então, indo para o saguão de embarque , levando as malas comigo. Adentrei o avião, me sentei próximo à janela na 1° classe e esperei, olhando através do vidro. Na pista lá fora tinha alguém correndo em direção ao avião, o sobretudo escuro, os cabelos loiros e rebeldes, desarrumados contra o vento. Ofegante, tinha os olhos muito verdes, esmeraldinos, podendo ser vistos mesmo de longe. Ele parou de correr a uma distância segura do avião, e olhava diretamente para mim, segurando o celular numa das mãos.

De repente eu percebi que ele passara todo aquele tempo esperando que eu ligasse porque ele mesmo sabia que ele próprio jamais tomaria essa iniciativa. Ele esperara por mim, e eu o deixei afundar em seu próprio orgulho. Ele esperara até o último instante, até aquele último momento em que eu entrei no avião.

O avião começou a se mover, e ele foi ficando para trás. Vi seus lábios se movendo e parecia gritar alguma coisa, mas é claro que não consegui ouvir o que era e muito menos ler seus lábios, mas senti que era algo urgente, algo que Arthur queria ter dito há muito tempo. Ele ainda correu um pouco, tentativa falha de se aproximar do avião que agora estava cada vez mais rápido na pista de decolagem.

Quando o avião já não mais tocava o solo e a figura de Arthur se tornou apenas um pequeno ponto escuro na pista cinzenta, percebi que talvez, só talvez, eu devesse ter perdido desculpas.”


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Notas finais do capítulo

Oh, bem, perdão se o capítulo 1 ficou COLOSSAL. Não tive como dividi-lo em mais capítulos, além de que gosto da ideia original de serem apenas 3 chaps (mesmo que eles sejam GIGANTES).
Se você leu até aqui, MEUS PARABÉNS ♥ TIA SUFIA/ TIA SYN ESTÁ ORGULHOSÍSSIMA DE VOCÊ ♥333 Quital uma review, hm? Eu agradeceria de todo meu coração ♥
Agora, seja legal e deixe uma review e passe pro próximo chap ♥



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