- Já chegamos?

- Não.

- Estamos perto?

- Hono, não sei.

Bufei. Estávamos andando há dias e nenhum sinal da primeira parada.

Clã dos Guardiões, Shishis.

Praticamente vizinho à Tribo do Dragão, o Clã dos Guardiões existe em meio a uma grande savana, e fica às margens do Rio Seikatsu, onde havia a maior concentração de água. Tal Rio cortava outras Tribos também.

- Mas, Toketsu – comecei – Estamos andando há três dias e nada. Nada.Nem um único sinal de vida. Já deveríamos ter chegado. JÁ DEVERIAMOS ESTAR LÁ! – gritei essa última parte.

- Hono, jáchegamos. Quando entramos nessa Savana, já estávamos em território Shishi, apesar de não termos chegado até o centro de tudo, o Clã. Mas jásomos convidados, e é falta de educação uma convidadagritar assim.

Bufei e revirei meus olhos. Toketsu andava mal-humorado ultimamente, e eu nem podia culpa-lo. Quero dizer, quem não ficaria mal-humorado em um calor de matar no meio de uma grande savana?

Era um real inferno ir até outras tribos para buscar os escolhidos. Porém, Ki me disse que era melhor assim.

- Apesar de ser irritante, é importante visitar os outros territórios – falou ele, sério – Afinal, mostra boa-disposição, e também é uma oportunidade para você observar os costumes de cada Tribo: Os habitantes das Tribos são influenciados pela sua cultura e seu Ancião. Apesar de ser bom para você nesse aspecto, também é bom para eles, pois eles COM CERTEZA vão analisar sua postura em várias situações. E lembre-se de ser sempre educada e ficar de cabeça baixa perto dos Anciões: Qualquer deslize pode romper a frágil aliança que formamos. Afinal, no começo de tudo, os Clãs viviam em Guerra. Os Anciões viviam nesse tempo sangrento, então serão cuidadosos e observadores. Você sempre me disse que não era mais uma criança, Hono. Agora você vai me provar.

Eu, naturalmente, fiquei com medo daquelas palavras. Com tanto medo e tão receosa que decidi pedir algumas informações do Clã dos Guardiões, a primeira parada. Pedi apenas dos Shishis, pois sabia que receberia informações das outras Tribos no caminho.

- Você é mesmo uma criança medrosa – respondeu ele, com um sorriso aparecendo em seu rosto. Eu apenas fechei a cara. - Bom, os Shishis, que vivem no Clã dos Guardiões, também conhecido como “Clã dos Leões Guerreiros”, são youkais que se transformam em Grandes Leões ou Cães, e alguns tem até uma “Forma de Mascote”, que raramente aparece. Eles, nesse último caso, transformam-se em animais pequenos, não guerreiros. Poucos têm essa forma, que é normalmente usada para espionagem. Afinal, um Leão grande e forte chama mais atenção do que um pequeno Coelhinho, por exemplo, não é mesmo? Bem, voltando. É uma Tribo que eu mesmo já visitei, e acredite: Lá é muito diferente daqui. Aqui você só vê pessoas na sua forma hibrida ou real em um combate ou emergência: Lá, é comum ver Leões e Cães passando pela rua, com alguns pequenos animais que te observam. Quando você entra, o clima fica pesado, mas depois de algum tempo isso passa. São muito espertos e me pareceram gentis em geral, mas como em todo lugar, isso não se aplica a todos. O Ancião deles se chama Raionken, que é uma pessoa calma, gentil e exigente. Não será tão severo, mas lembre-se que isso se aplica a ELE. Shishis são conhecidos pelos humanos há séculos pela sua influência sobre espíritos malignos: Afastam os maus e mantêm os bons com eles. Por isso é normal ver um par de Shishis esculpidos na frente de um Templo, e é por isso que os chamamos de “Guardiões”. Isso é tudo o quê eu me lembro. Pergunte ao Raionken informações sobre a próxima Tribo em que você vai parar: Isso é muito importante. Crucial. Agora venha comer que eu terminei o jantar – ele falou essa última parte com um sorriso.

Bem. Muitas coisas que ele disse eu já sabia. Até desconfio que Ki repetiu algumas informações apenas para me irritar. Mas o importante é que já tenho uma ideia de como será quando eu chegar, e...

Minha linha de raciocínio foi interrompida pelo som de crianças cantando. Cheguei um pouco mais perto, com certa cautela, e vi seis crianças de mãos dadas formando um círculo e rodando, com uma criança no meio, sendo que essa estava ajoelhada e de olhos fechados. Elas cantavam uma música infantil:

Kagome, kagome, kago no naka no tori wa

Itsu,itsu deyaru. Yoake no ban ni

Tsuru to kame to subetta

Ushiro no shomen daare.

(Kagome, Kagome, o pássaro em uma gaiola,

Quando você vai se libertar? Na noite da madrugada

O grou e a tartaruga escorregaram e caem.

Quem está atrás de você agora?)

Quando as crianças terminaram de cantar a última linha, pararam de rodar e ficaram paradas. A criança de olhos fechados falou:

- Kiken!

Então a criança que estava atrás dela foi para o meio. A que estava de olhos fechados sorriu, abriu os olhos e deu as mãos para outras duas crianças.

- Estão brincando de Kagome, Kagome – falou Toketsu do meu lado, me assustando.

(NA: Kagome, Kagome é uma brincadeira infantil típica japonesa onde uma criança é escolhida para ficar no meio enquanto as outras rodam ao seu redor cantando uma música infantil -a mais popular é essa, mas há variações. Quando terminam de cantar, a criança que está no meio deve falar no nome da pessoa que está atrás dela. Se acertar, a que estava atrás dela vai para o meio- se não, a criança perde o jogo.)

- E não é só isso. Veja – eu disse, apontando para alguns Leões que estavam perto das crianças. Também havia alguns cachorros e filhotes de ambos. Os cachorros não eram pequenos e nem aparentavam fragilidade, e sim tinham um aspecto feroz.

Cães e Leões.

Shishis.

Sai do meu esconderijo e me aproximei deles com as mãos acima da cabeça e bem lentamente, mas fazendo barulho e chamando a atenção. Toketsu fez o mesmo. Se não anunciássemos nossa chegada, os Shishis iam nos confundir com intrusos inimigos, e isso causaria problemas. E dos bem sérios.

Um dos Shishis, na forma de um grande Leão dourado, chegou perto de nós com cautela e cheirou. As crianças param de brincar e nos olhavam com curiosidade. Uma curiosidade banal: Elas usavam as mais variadas roupas, de jeans modernos a kimonos tradicionais. Uma menina usava uma seifuku e um dos meninos usava um gakuran. (NA²: Seifuku é o uniforme japonês feminino, e o Gakuran é o uniforme masculino.)

O Leão olhou para nós com olhos que transmitiam cuidado: Deve ter entendido, pelos nossos atos e pelo nosso cheiro que éramos Doragons, mas ainda não estava totalmente convencido. Nós retribuíamos o olhar intenso do Shishi, até sentir uma dor aguda nas costas da minha mão: Haviam arranhado ela até saírem algumas gotas de sangue. Um Cão marrom de aspecto grande e perigoso lambeu o sangue. Vi que faziam o mesmo com Toketsu.

Assim que provaram nosso sangue, recuaram um pouco. O sangue era algo que não podíamos copiar, então acho que eles só queriam ter certeza.

De qualquer forma, os olhos de Leão suavizaram e ele recuou até um arbusto e se escondeu nele. Depois de alguns segundos, saiu do arbusto um belo menino de cabelos dourados na altura dos ombros e de olhos castanhos. Ele deu um sorriso simpático e disse:

- Olá! Meu nome é Kaigo Kuma. Sou um Shishi, como vocês devem ter percebido – riu ele. Me pareceu simpático – E vocês devem ser Hono e Toketsu, os Doragons que começaram a Tropa. Sejam bem-vindos, sejam bem-vindos! Vamos até o Clã conversar com Raionken.

- Oi – falei, meio tímida.

- Olá – falou Toketsu, com seu jeito frio e calmo de sempre.

Porém Kaigo não prestava atenção em nós. Ele falava com as crianças.

- Vamos, crianças! Voltando para o Clã!

A fala dele foi seguida por um “Ahhhhhhhhhh...”.

- Nós queremos brincar mais! – gritou o menino cujo nome era Kiken.

- Kiken, não seja teimoso, vamos logo!

- NÃO!

- Você está me envergonhando! Estamos na frente de visitas!

- Tanto faz! Eu só quero continuar aqui!

Kaigo suspirou pesadamente e massageou suas têmporas, de olhos fechados. Enquanto fazia isso, falou:

- Kiken, se você não ir CORRENDO para o Clã até o três, eu vou contar para o seu pai.

- E daí? QUERO BRINCAR!

- UM...

- ISSO NÃO VAI DAR CERTO!

- DOIS...

- Você... Não vai chamar mesmo, né? – falou Kiken, começando a se amedrontar.

- TRÊS!!! COMANDAAAAAANTEEE!! SEU FILHO KIKEN ESTÁ NOS ENVERGONHANDO NA FRENTE DOS CONVIDADOS DORAGONS!!!!!!

- NÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOO!!!!!!!!!!!!!!

Kiken saiu correndo, se transformando no meio do trajeto no filhote de um Cão Selvagem. Correndo com as patinhas peludas, era algo muito fofinho.

Kaigo, por sua vez, apenas sorriu e falou:

- Desculpe por isso, ele é muito teimoso. Mas morre de medo do pai – o loiro soltou uma risadinha quando falou a última frase. Fiz um gesto de “Deixa pra lá”.

- Bem, vamos então! – continuou energeticamente. Caminhamos um pouquinho mais e vimos um grande arco vermelho, com uma placa dourada pendurada; Na placa estava gravado o desenho de um leão e um cão, sentados lado a lado. Na boca do cão haviam flores, representando a paz e a calma. Porém, na boca do leão, haviam flechas, representando a guerra. Há uma árvore atrás do cão. A mensagem é clara: Eles estão prontos para lutar se necessário, mas prosperam na paz.

Passando pelo arco, haviam casas, mercadinhos, pessoas rindo, leões, cães, TUDO. Fiquei tão distraído que nem percebi quando um velhinho de olhos azuis se aproximou. Só notei quando Toketsu e Kaigo já estavam ajoelhados.

Sim, o “velhinho” era Raionken, o Ancião dos Shishis.

Corei e me ajoelhei rapidamente, encarando o chão. Porém, Raionken não pareceu se importar como atraso.

- Olá, convidados Doragons – falou o Ancião com calma.

- Saudações, Raionken – falamos todos em uníssono.

- Bem, eu até gostaria de apresentá-los ao Clã formalmente e lhes mostrar nosso lar, mas, infelizmente, tenho que tratar alguns assuntos com o Ancião Vampiro, Batto Dorakyua – sorriu ele – Então terei que pedir que Kaigo acompanhe vocês até onde minhas escolhidas estão. A Primeira está no Templo, e a segunda está com alguns amigos no Lado Leste. A primeira tem Forma de Mascote. Agora vão, com meu sincero desejo de sorte e minha benção.

Raionken começou a andar, mas só saímos daquela posição quando ele já estava a certa distância de nós.

Assim que nos levantamos, Kaigo nos guiou até o templo (mesmo que o clima fosse tenso: Todos nos encaravam). Ele era tão lindo: Havia outro arco, sendo este menor. Depois dele, um caminho com pedras se abria no meio de um grande gramado, e na lateral do caminho, haviam estátuas e mais estátuas de Shishis. O exterior era parecido com o interior: Completamente vermelho, com algumas pedras preciosas amarelas e laranjas enfeitando-o.

Lindo.

Fiquei distraída com a beleza do templo, mas não deixei de notar que não havia ninguém lá. NINGUÉM. Bufei, completamente irritada, e sai do templo.

- Uma curiosidade – falou Kaigo – Esse templo foi destruído, mas uma Shishi o reconstruiu. Quase ninguém visita o Templo, então é normal esse silêncio.

- Ah. Que interressante – falei, com um tom completamente entediado. Já havia praticamente desistido de achar alguém no Templo.

Porém, no gramado, uma menina de cabelos azuis apareceu. Usava uma roupa de sacerdotisa e emanava um poder intenso.

Bem, deveria ser a Sacerdotisa daquele Templo.

- Olá – cumprimentei a Sacerdotisa – Você poderia me dizer se passou alguém por aqui um pouco antes de chegarmos? É que estou procurando uma escolhida Shishi – sorri.

Ela arregalou os olhos, fez uma cara chorosa e saiu correndo em direção ao Templo. Se trancou lá.

- Oi... Menina? MENINA? Me desculpe se te ofendi, mas... – Acabei de chegar e já estou tendo problemas. Sou realmente uma idiota.

Ou Ki tenha razão, e eu seja apenas uma criança...

Falei e reclamei um pouco mais, mas nada surtiu efeito. A menina não saia de lá.

Até que a porta se abriu. Olhei, esperançosa que a menina me explicasse, mas não vi nada lá. Apenas uma gatinha branca que passava.

Fiquei decepcionada... Aonde eu errara? Tentei relembrar do que Ki havia dito...

- Shishis, que vivem no Clã dos Guardiões, também conhecido como “Clã dos Leões Guerreiros”, são youkais que se transformam em Grandes Leões ou Cães, e alguns tem até uma...

Uma o que mesmo?

Era... era...

Forma de Mascote.

Como sou estúpida! Me apressei e peguei a gatinha. Segurei ela e falei:

- Desculpe, escolhida Shishi.

No mesmo momento, a gatinha parou de se remexer. Soltei-a lentamente, e recuei alguns passos, dando espaço para ela se transformar...

... E ela assim fez. Em um segundo, havia uma gatinha branca. No outro, um sacerdotisa de cabelos azuis.

Deu um sorriso suave, meio tímido, estendeu a mão e falou:

- Oi... Sou Kyare. Kyare Ayura.

- Olá Kyare – sorri – Desculpe por aquilo.

- Tudo bem...

- Meu nome é Hono – falei, apontando para mim mesma com o polegar – E esse é Toketsu – disse apontando para ele, que encarava friamente Kyare.

Hmmmmmmm... - Toketsu não tem jeito mesmo.

E Kaigo? Bom... Ele estava cantando uma musiquinha alegre, nem prestando atenção no que fazíamos.

- Bem... Eu sou uma das escolhidas Shishis, então, por favor, cuide de mim – falou ela, fazendo uma reverência.

- Claro... Mas vamos para o Lado Leste logo? É que a outra escolhida está lá...

- Entendo... – falou Kyare.

- Gostei de você – comentei, sorrindo – Acho que vamos nos dar bem, Kyare-san.

Ela corou um pouco, mas logo deu um largo sorriso.

- Certo, Hono-sama!

- Pode me chamar de “Hono-chan”, se quiser.

- Claro! Você também! – riu ela. Fiquei feliz que os problemas tivessem acabado...

Né...?