Conversando Com Os Anjos escrita por glassmotion


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Essa história já foi postada, mas eu decidi ver como é aqui o Nyah! (nunca postei aqui) para, quem sabe, postar minhas próximas histórias aqui.



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CONVERSANDO COM OS ANJOS

Capítulo Um

“This is the first day of my life
Swear I was born right in the doorway
I went out in the rain
Suddenly everything changed
They're spreadin' blankets on the beach

Yours is the first face that I saw
Think I was blind before I met you
I don't know where I am
I don't know where I've been
But I know where I want to go


So I thought I'd let you know
That these things take forever
I especially am slow
But I realized that I need you
And I wondered if I could come home

So if you wanna be with me
With these things there's no telling
We'll just have to wait and see
But I'd rather be working for a paycheck
Than waiting to win the lottery

Besides maybe this time it's different
I mean I really think you'll like me...”

[This is the first day of my life - Bright Eyes]

            Quando Gerard tornou-se consciente, a primeira coisa que fez foi uma careta. Sua testa se franziu e seus lábios foram repuxados, e ele moveu a cabeça levemente sobre o travesseiro - grande erro. A dor fez festa e tomou força, fazendo o coração de Gerard acelerar levemente sob a perspectiva do incômodo claro que teria durante todo o dia. Podia sentir sua testa formigando como se vermes estivessem roendo os ossos no arco de seus olhos. O ritmo da circulação sanguínea era claramente sentido em sua nuca, rufando na mente do rapaz como tambores tão fortes que davam a ele a sensação de que seus cabelos escuros iriam vibrar com a sinfonia torturante. E claro, havia aquele ponto dento de seu crânio onde a pressão fazia parecer que havia algum sádico puxando os nervos de seu olho, tentando fazê-lo enfiar-se na cabeça (e nesse momento o rapaz imaginava um som caricato de plop).

            Bom dia, Gerard, saudou a dor, bonachona. Quais são nossos planos para hoje? Quantas pílulas você vai tentar atirar em mim antes de ver que eu o amo e nunca irei deixá-lo?

            Uma boa quantidade de pílulas, ele sabia. Levou uma mão ao rosto, seu polegar arqueado esfregando as pálpebras levemente antes que ele as abrisse. Encontrou o escuro ao seu redor, as persianas antigas e empoeiradas tendo sucesso na tarefa de bloquear qualquer possível luz solar, e por isso ele era grato. Levou o olhar até o criado-mudo ao seu lado, no local entre a cama dele e a de Mikey. Tudo o que viu a princípio foi um borrão avermelhado, mas que aos poucos se tornou mais nítido, revelando que o relógio marcava 07:01am.

            Era segunda-feira e Gerard não estava nada animado. Na noite passada havia ficado até bem tarde estudando. Não era nada bom com números e, apesar de não ser um mau aluno, suas notas nas ciências exatas não estavam muito boas. Era o começo de uma semana de provas e a primeira seria Matemática, a matéria diabólica que o torturava por sessenta minutos diários e que seria o tema do teste daquela manhã. Mantinha em mente que precisava manter uma média decente - era o fim do primeiro trimestre do último ano escolar, o ano decisivo para a escolha das faculdades, e ele queria ir para Nova York estudar Arte. Estava se esforçando para tal, mesmo que lhe custasse quase qualquer diversão que pudesse ter no auge da adolescência.

            Gerard estava criando coragem para levantar quando a porta do quarto foi aberta de súbito, a maçaneta batendo na parede e fazendo um estrondo particularmente alto para a cabeça em chamas do rapaz. Era Mikey, que sem nenhuma misericórdia acendeu a luz, o que arrancou um palavrão do irmão.

            “Desculpa, Gee,” murmurou rapidamente, sem realmente estar arrependido ou qualquer coisa do gênero. Gerard mantinha os olhos firmemente fechados, seu cérebro parecendo dançar um sapateado russo e causando-lhe náusea. Pôde ouvir Michael revirando febrilmente a gaveta do criado ao seu lado, murmurando para si mesmo coisas ininteligíveis.

            “O que você está procurando?” Perguntou com a voz rouca e muito baixa, levantando as pálpebras lentamente e deixando as belas íris verdes se revelarem. Gerard tinha olhos grandes e expressivos, a proporção deles para com o tamanho de seu rosto dando a ele um quê infantil - e tornando-o particularmente atraente em diversas formas. Mas ele não via isso em si.

            Mikey ainda estava vestido em suas boxers largas, desbotadas, e o elástico da cintura já frouxo pelo tempo caía pelo corpo magrinho dele. Não vestia camisa e tinha um dos braços dobrados, a palma da mão pressionada fortemente contra o queixo ao que a outra se movia freneticamente dentro da gaveta. O cabelo claro, de fios finos, estava ainda achatado de um lado e bagunçado do outro, marcando a posição em que ele havia dormido, presos sob as pernas dos óculos.

            “Preciso de um band aid,” Mikey falou como pôde, a mão ainda firme contra o queixo. Enquanto ele revirava o conteúdo da gaveta - que ia de dentes de leite a poemas esquecidos -, Gerard foi se levantando. Sentou-se o mais lentamente possível, tentando não fazer com que sua cabeça girasse tão fortemente que sua pressão caísse, suas forças se esvaíssem e ele fosse forçado a ficar em casa e perder a prova. Seus pés pousaram no chão frio e ele esticou os dedos, as mãos pousadas firmemente no colchão, sua quase inexistente linha de equilíbrio se acostumando à nova posição. Após uma pílula e o café da manhã, ele ficaria melhor.

            Mikey pareceu finalmente encontrar o que procurava debaixo de uma fita cassete do Black Sabbath. Foi até o irmão e se postou, de joelhos, entre os dele. Gerard rasgou o papel e levou o indicador ao queixo de Mikey, levantando seu rosto levemente e observando o pequeno corte que havia ali. “Como você fez isso?” Perguntou, colocando o curativo cuidadosamente sobre o ferimento.

            “Eu estava fazendo a barba,” Michael explicou, fazendo o irmão rir (e a dor gargalhar). “Dizem que passar a lâmina faz crescer mais rápido.” Levantou-se e foi até o outro lado do quarto, em busca dos uniformes do colégio no armário.

            “Mikey,” chamou Gerard, suspirando. “Se eu aos dezessete não tenho barba alguma, você com catorze nem precisa de desodorante.”

            Como resposta, recebeu o paletó azul do uniforme sendo atirado em suas costas, o cabide de ferro batendo no topo de sua cabeça. Gerard reprimiu um som fino em sua garganta, mordendo o lábio inferior e sentindo lágrimas se formando em seus olhos.

            Precisava urgentemente de seu remédio. Não que fosse realmente resolver o problema; somente ajudava um pouco e tornava a dor suportável. Gerard havia visitado dezenas de médicos nos últimos anos, buscando desesperadamente a causa daquela dor que não o deixava dormir à noite. Nunca encontraram causa alguma. Os médicos passaram a achar que ele estava mentindo; Gerard passou a achar que estava morrendo. Por fim, encontrou um remédio tão grande quanto um submarino (que o fez vomitar nas primeiras tentativas de engoli-lo, embora agora ele estivesse acostumado e não se engasgasse nem se lhe enfiassem um sapato na boca). Era feito para adultos obesos com enxaquecas crônicas e conseguia tornar a dor apenas a velha companheira suportável.

            Porém, o medicamento o deixava com reflexos mais lentos. Algumas pessoas chegavam a pensar que ele tinha algum tipo de retardamento mental - a moça do mercado ainda falava com ele como se ele tivesse cinco anos de idade. Mas a capacidade mental de Gerard ainda estava toda ali; ele só falava de forma calma e se movia com uma lentidão quase graciosa, o que aumentava ainda mais os boatos (verdadeiros) de que ele era afeminado. Gerard não se importava mais.

            “Anda logo, Gerard,” Mikey ralhou, pulando num pé só ao que tentava enfiar o outro pela calça do uniforme. “Mamãe está fazendo waffles.”

**

            Donna cantarolava baixinho ao que lavava os utensílios que usara para fazer o café da manhã. Estava estranhamente alegre, os lábios pintados de vermelho curvados num sorriso constante - e ela usava uma blusa nova, também vermelha. Gerard reparava nisso tudo enquanto tomava a segunda caneca de café, suas mãos pálidas segurando firmemente a porcelana verde. A manhã estava fria e nublada, a despeito do bom tempo que haviam tido no dia anterior, mas o frio parecia sempre aliviar um pouco a dor. Gerard gostava do vento batendo em seu rosto - era, para ele, uma das melhores sensações do mundo.

            “Waffles deliciosos, mãe,” Gerard elogiou, arrancando mais um sorriso exacerbado de Donna. Mikey lançou a ele um olhar mortal - quem puxava o saco da mãe era o filho mais novo, porque assim ele era mimado e preferido. Elogiar era o trabalho do caçula e, embora Mikey não o fizesse, poderia ter explodido o irmão em um milhão de partículas flutuantes com um piscar de olhos. Gerard o encarou de volta, como quem pergunta o que diabos ele estava olhando.

            “Bom dia, meninos,” veio a voz de Donald, firme e grossa, ressoando nas paredes da cozinha. Ele também parecia mais contente que o normal e usava uma gravata espalhafatosa, em tons de roxo e dourado, que chamou a atenção dos filhos imediatamente. A expressão furiosa que Mikey antes sustentava se transformou numa tentativa de conter uma risada, e a risada transformou-se em pavor quando Donald segurou a esposa pela cintura e beijou-lhe os lábios.

            “Ew!” Berrou o caçula, largando a colher dentro da tigela de cereal com um estalido. O beijo continuou. “O que - vocês - eww!” Levantou da cadeira e saiu quase correndo da cozinha, gritando “Meus olhos!” ao que avançava pelo corredor.

            Gerard não deixou de achar estranho. Era raro qualquer tipo de demonstração de afeto entre os pais, e o máximo que eles presenciavam era geralmente um rápido beijo no rosto ou algo do tipo. E ainda assim, ali estavam eles, juntos e felizes. Viraram-se para o filho, que tinha um garfo cheio de waffles pairando imóvel no ar.

            “Hoje é nosso aniversário de vinte anos de casamento, sabia?” Donna declarou, sorridente, o braço do marido envolto em sua cintura. Quando os dois sorriam, ficava evidente a semelhança entre Gerard e o pai, entre Mikey e a mãe. E ainda assim, de alguma forma, Mikey e Gerard eram parecidos um com o outro. “Vê a blusa linda que eu ganhei?”

            Por um momento, Gerard se esqueceu da dor, a boca entreaberta ao que ele processava a informação. “Uh... bonita blusa, e parabéns.”

            Donna começou a agradecer, mas Gerard não ficou para ouvir. Mikey entrou na cozinha, a mão esquerda espalmada perpendicularmente sobre a testa ao que ele evitava ver os pais, e puxou Gerard pelo braço, clamando que estavam atrasados para a escola - mesmo que as aulas não começassem por mais trinta e cinco minutos. Durante todo o percurso de carro, Mikey reclamou sobre como pais nunca deveriam passar de segurar as mãos e como ele agora sabia que o galho batendo na janela durante a noite não era realmente um galho batendo na janela. Nem estava ventando, não é mesmo? Um absurdo.

**

            O Colégio Saint Peterson era o maior da cidade de Nova Jersey. Muito respeitado e de reputação infalível, custava um bom dinheiro aos pais de Gerard, o que o fazia sentir-se pressionado. Mas ele não reclamava. Era um bom colégio e isso seria importante para seu futuro.

            Era quase tão grande quanto uma faculdade. Possuía centro esportivo, laboratórios e uma vasta área verde, repleta de grama e árvores sob as quais os alunos passavam horas ocupados em fazer nada. Cada árvore e cada banco pertencia a um grupinho, como acontece em todo colégio, e Gerard pertencia ao pequeno grupo dos auto-isolados. Ele era um dos que escolhia não se relacionar com muitas pessoas pelo simples fato de achá-los fúteis e sem atrativos. A última pessoa a entrar no grupo foi um rapaz chamado Adam, no ano passado. Juntos eram seis. Ficavam sentados juntos nos intervalos, cada um geralmente fazendo uma coisa diferente, calados - exceto por Bert, que estava sempre falando alguma coisa com alguém. Geralmente, falava com Gerard, que era seu melhor amigo desde a primeira série, o que fez com que ele desenvolvesse a capacidade de ler, ouvir música e escutar as tagarelices do outro ao mesmo tempo.

            Mas no momento, Gerard estava sozinho. Havia chegado ao colégio quase meia hora antes do horário e poucas pessoas estavam por ali. Os professores começavam a chegar, entrando na garagem do projeto de castelo que era a escola com seus carros medianos e empoeirados. Os atletas chegavam com as namoradas, sentando no capô dos carros como que para exibir ambas as posses. Os auto-proclamados cultos iam direto para a biblioteca, para mais tarde poderem dizer que estavam lendo Platão para uma distração leve antes das aulas começarem. Havia os nerds forçados, que chegavam mais cedo para devorarem o livro da matéria que cairia na prova, escrevendo as fórmulas no pulso, sob a ponta da camisa. Mas Gerard apenas ficou ali, sob sua árvore, desenhando os personagens que havia inventado para sua futura revista em quadrinho - que ele estava determinadíssimo a publicar.

            O vento começou a aparecer, balançando as folhas que começavam a ficar alaranjadas nas árvores. Vento frio, relaxante, entorpecente - Gerard levantou o queixo e fechou os olhos, deixando que seus cabelos fossem bagunçados, a dor em sua testa quase sumindo por um instante. Respirou fundo - os canteiros molhados atrás dele levantavam o cheiro de terra que não se consegue em nenhum outro lugar em Jersey.

            Um peso caiu ao lado de Gerard e ele abriu os olhos. “Bom dia, pequena sereia,” saudou Bert, ajeitando a cabeça sobre a mochila surrada. Tudo em Bert era estranhamente desleixado: o cabelo longo, a barba por fazer, o uniforme propositalmente torto - mesmo que sua família tivesse um bom dinheiro. E isso tudo lhe caía bem. “Como está sua cabeça hoje?” Perguntou num tom ao mesmo tempo despreocupado e sério. Era um bom amigo, só não costumava ser aquele com os conselhos responsáveis o tempo todo.

            “Perfeitamente bem, muito obrigado”, respondeu Gerard, fechando o caderno de desenho e guardando-o dentro da mochila.

            “Perfeitamente por nada.” Puxou um maço de cigarros do bolso do paletó, tirando dois tubos dali e os acendendo ao mesmo tempo. “O que você está fazendo aqui tão cedo?” Questionou, passando um dos cigarros para Gerard, que tragou fundo logo de primeira. Mais uma vez, a dor perdeu forças, resmungando baixinho ao que se recolhia ao cantinho da nuca, clamando que dali não sairia, ele tentasse o que fosse.

            “Mikey saiu correndo ao ver nossos pais se beijando.” Bert riu, o que fez o outro rir também, a fumaça escapando tanto pelas narinas quanto pelos lábios de ambos. “Foi estranho, não fica rindo.”

            “Teu irmão é um fresco, e você também. Eu escuto meus pais fodendo o tempo todo, mesmo que nunca um com o outro.”

            Gerard fez uma careta, segurando o cigarro entre o indicador e o polegar. “Que horror.”

            “Meh,” balbuciou Bert, dando de ombros. Dobrou um braço sob a cabeça. “Está aí um dos motivos pelos quais eu detesto ficar em casa. Pais imbecis, cria perturbada.”

            “Puramente fodido,” disse, fazendo com a mão direita um sinal de quem mira em algo.

            “Yeap.”

            “Mas hey,” chamou Gerard, deixando o cigarro pender entre os lábios ao que levava uma mão até o ombro do amigo. “Eu gosto de você assim.”

            Bert apenas sorriu e fez um som que se parecia com um ‘aw’, deixando a cabeça pender para sobre a mão do outro.

            Foi nesse instante, com um sorriso nos lábios que tinham gosto de nicotina, que Gerard teve a primeira visão daquele que viria a encantá-lo de todas as formas possíveis.

            Cabelos castanhos caindo displicentes, formando uma cortina sobre seu rosto virado para baixo. Nas mãos pequenas - como todo ele -, um papel com o símbolo da escola. Uma silhueta diferente, o uniforme surrado sutilmente reformado, nem perto de chegar aos pés da magnificência daquele que o vestia. Quando olhou para frente, Gerard teve uma visão completa de seu rosto e o cigarro caiu na grama. Sobrancelhas arqueadas, olhos gentis, nariz delicado, lábios vermelhos. Por um breve momento, Gerard achou que estava sonhando. 

            “Wow,” Gerard disse baixinho, quase inaudível. Bert tagarelava sobre alguma coisa ao seu lado, mas ele não escutava. Toda sua atenção tinha sido tomada pela figura do garoto a sua frente, que olhava ao seu redor e de volta para o papel. Obviamente procurava por algo, e tinha ‘ALUNO NOVATO’ escrito na testa. Sua testa formada por pele lisa, saudável, corando ao chegar às bochechas e dando a ele um ar puro, angelical.

            Após alguns segundos virando o rosto para todos os lados, o olhar do rapaz se encontrou com o de Gerard. Ao perceber o contato, ele desviou rapidamente, encarando o papel e mordendo o lábio, hesitante. Mas levantou o olhar novamente, encontrando o rosto pálido de Gerard - primeiro, levemente boquiaberto, mas que logo sorriu para ele. Gerard levantou a mão direita e fez ‘oi’ com a boca, numa saudação silenciosa - ou será que as outras pessoas também escutavam as batidas desenfreadas de seu coração? O outro rapaz sorriu de volta. Levemente, a princípio, como se tivesse medo; mas logo o sorriso se abriu mais e mais até que seus dentes fossem expostos e ele fosse definitivamente colocado em primeiro lugar na lista de Coisas Lindas na mente de Gerard.

            “Whoa,” veio a voz de Bert, que finalmente notou que seu amigo não prestava atenção a uma palavra que ele dizia e seguiu a linha de seus olhos, deparando-se com o pequeno desconhecido a alguns metros deles.

            O rapaz hesitou mais um bocado até parecer decidir ir até os dois jogados na grama. Porém, quando deu o primeiro passo na direção da grande árvore, o professor de artes entrou em sua frente, logo iniciando uma conversa.

            Tanto Gerard quanto Bert entortaram a cabeça, tentando enxergar o rapaz, mas ficaram com a visão do paletó xadrez do professor que logo passou a caminhar com o garoto para o prédio onde seria a primeira aula. No meio do caminho, o pequeno virou a cabeça e espiou por cima do ombro, o olhar dele e de Gerard se encontrando mais uma vez antes de ele desaparecer por detrás da entrada da escola.

            Os segundos em que a dor de cabeça de Gerard havia desaparecido de repente acabaram, e ele sentiu tudo girar ao seu redor ao que o sangue começava a martelar sua nuca e sua pressão caiu vertiginosamente.

            “Será que ele é da nossa classe?” Bert disse, voltando a descansar a cabeça na mochila. Gerard havia se encostado à árvore, olhos fechados.

            “Deve ser,” começou, engolindo em seco. “Se o senhor Cropster veio buscá-lo...”

            “Ah meu deus, Gerard, você estudou pra prova?” Virou-se de bruços e pôs as mãos juntas, num sinal de prece. “Por favor, diz que estudou.”

            Gerard olhou para o outro e forçou um sorriso. Deu palmadinhas no topo da cabeça dele. “Não escreve teu nome no cabeçalho.”

            “Oh obrigado, te venero,” disse aliviado, deixando a cabeça cair no colo de Gerard, que tinha uma careta no rosto pálido. “Hey, Gee. Tudo bem?”

            Mal respirava. “Doendo muito,” murmurou, começando a suar frio. Doía imensamente. Era como se seu crânio estivesse em chamas e seus olhos queimavam, as laterais de sua cabeça parecendo que estavam sendo pressionadas com algum instrumento de tortura. E por alguns segundos ele esteve tão bem... “Bert, eu acho que eu vou vomitar.”

            Robert se levantou imediatamente, e pouco tempo depois estava praticamente carregando Gerard para a enfermaria. Nada fora do comum.

**

            Frank se sentia imenso e exposto. Todos os olhos da classe estavam nele - e não eram olhares gentis. Alguns o olhavam com desprezo aparente, quase palpável; seria por causa de seu uniforme velho? Ele não teria mesmo dinheiro para comprar um novo e aceitou o que foi doado pela escola. A princípio, ficara muito grato e achou mais do que o suficiente, mas as bainhas refeitas à mão pareciam óbvias e ele estava envergonhado. Alguns alunos cochichavam entre si por entre risadinhas, fazendo o pequeno Frank sentir-se como um elefante em exibição.

            Até mesmo sua reação nervosa de agarrar a bainha do que estivesse vestindo (o paletó azul desbotado, no caso) estava sendo zombada. Um garoto no fundo da classe fazia imitações exageradas das ações de Frank, que reprimia a todo custo sua vontade de sair dali correndo e chorando.

            “Silêncio!” Exigiu o senhor Cropster, e as risadinhas foram diminuindo até todos estarem calados, toda a atenção voltada para as duas pessoas em frente ao imenso quadro negro. Aquela era a sala de Artes, portanto havia desenhos coloridos por toda a extensão das paredes. “Como vocês devem ter notado, temos um aluno novo. Dêem as boas vindas a Frank Smith.”

            Uma série de risadas abafadas, provocando sons de ‘pfff’ encheram a sala. Frank travou o maxilar fortemente, sentindo sua garganta doer e seus olhos arderem. O que havia feito de errado? Seria ele tão ridículo assim? Seria porque ele era pequeno? Será que alguém sabia dos segredos dele?

            “Conte um pouco sobre você, Frank,” encorajou o professor, seus óculos de armação grossa refletindo a luz acinzentada que entrava pelas janelas. Frank o encarou num pedido silencioso para que não precisasse fazer aquilo, mas o professor somente arqueou as sobrancelhas, esperando pela auto-introdução.

            Frank tentou olhar para os colegas, mas desviou o olhar para o chão, agarrando a barra do paletó fortemente. “Eu... meu nome é Frank--”

            “A gente já sabe, idiota,” veio uma voz do fundo da sala, seguida por algumas risadas e um barulho de mãos se encontrando. “Retardado,” alguém mais zombou baixinho.

            Frank se virou para o professor. “Por favor...”

            O senhor Cropster meneou a cabeça e disse a ele que poderia se sentar. O garoto foi até a mesa que lhe foi designada, abaixo da janela do canto da sala, bem na primeira carteira - ao alcance da vista de todos.

            “Muito bem, classe, hoje vocês irão trabalhar com desenho coletivo,” disse o professor, virando-se e pegando um giz verde. “Em grupos de três, vocês formarão uma só figura.” Desenhou algumas linhas no quadro com o giz verde, logo soltando-o e pegando um alaranjado. “Cada um desenha algumas linhas, e o outro continua, assim por diante.” Trocou para o giz azul e fez mais umas linhas. Tinha formado algo parecido com uma boneca. “Tentem continuar o desenho e não estragar o trabalho alheio,” recomendou severamente, virando-se de volta para a classe e limpando as mãos num pano úmido. “Vocês usarão giz de cera, já que a prova é depois desse horário, portanto nada de desculpas para ir ao banheiro se lavar. Usem as mesas grandes.” Apontou com o queixo as duas mesas compridas que ficavam ao fundo da sala, as quais sempre usavam para trabalhos em grupo. “Quero figuras coerentes, não me venham com gracinhas. Podem começar.”

            Os alunos imediatamente se levantaram, dirigindo-se ao fundo da sala com seus grupos já formados, lançando olhares sujos a Frank. O garoto ficou sentado à sua mesa, vendo se algum grupo estaria incompleto - havia duas garotas ao redor de uma folha de papel, na única dupla desfalcada da classe. Reunindo uma coragem tirada de algum lugar distante, Frank foi até elas, as mãos firmemente enterradas nos bolsos da calça escura.

            “Eu posso ser do grupo de vocês?” Perguntou com a voz baixinha, mas parece que foi ouvido por todos os alunos, que imediatamente pararam de falar e olharam para ele. A garota com quem Frank falou sorriu abertamente, o aparelho ortodôntico de borrachinhas rosadas exposto sobre os dentes muito brancos.

            “Nosso grupo já está completo,” disse ela, balançando os cabelos loiros e voltando a mexer com sua folha. Todos riram e fizeram o mesmo, sendo de conhecimento geral que havia muito bem lugar para Frank no grupo.

            A rejeição, mesmo que fosse algo já comum na vida do garoto - desde seu nascimento -, ainda doía. Ele mordeu o lábio inferior ao que se dirigiu à mesa do professor, suas palmas suadas e frias. “Senhor Cropster, posso fazer outra coisa?” Sua voz estava baixinha e falha. “Todos os grupos estão completos.”

            Antes que o professor pudesse responder a porta da sala foi aberta lentamente, rangendo um bocado. Frank levantou o rosto para olhar, e de repente todos aqueles sentimentos angustiantes de ansiedade e insegurança evanesceram.

**

            “Você tem certeza?” Bert perguntou pela enésima vez. Carregava sua mochila no ombro e a de Gerard na mão direita, mesmo que o outro insistisse que estava perfeitamente bem. Na verdade, não estava, mas após mais uma pílula e uma boa água fria no rosto ele estava melhor.

            “Não se preocupe, Bertie, já passou.” Bert lançou a ele um olhar desconfiado. Gerard forçou um sorriso, fingindo que sua testa não estava em chamas, levando a mão à porta da sala. “É sério, não me olha assim.”

            Virou-se para frente e entrou na sala de aula, imediatamente esquecendo de qualquer incômodo martelando em seu crânio. Ali estava, curvado para frente, as mãos espalmadas sobre a mesa do professor, todo pequeno e esplêndido - “Foi mal,” Bert disse quando Gerard estancou sob o umbral da porta, fazendo com que o amigo se chocasse contra suas costas. “Oh.”

            O garoto novato endireitou o corpo e ficou de pé apropriadamente, o lábio rosado entre os dentes. Bert pousou as mãos contra os quadris de Gerard e o empurrou para frente, os dois avançando até a mesa do professor.

            “Senhor Way, deixe-me adivinhar,” começou o professor em tom irônico, mesmo que soubesse dos sérios problemas de saúde de Gerard - que tinha, de fato, uma dispensa da enfermaria na mão direita. “Passou mal novamente?”

            Gerard meneou a cabeça e estendeu o papel para o professor, mas em momento algum tirou os olhos do outro garoto, que parecia prestes a encolher-se sob o olhar intenso do maior. “Olá,” murmurou docemente, finalmente arrancando um quase sorriso do pequeno.

            Bert arrancou o papel da mão de Gerard e o entregou ao professor, iniciando a explicação sobre o que havia acontecido com um sorriso torto no rosto.

            “Oi,” respondeu o aluno novo. Ele tinha a voz muito grossa, para a surpresa de Gerard, que não pôde evitar que seu sorriso aumentasse ainda mais. Nem lembrava o que era dor - sua cabeça estava, de fato e pela primeira vez, perfeitamente bem.

            “Eu sou Gerard. Você é novo aqui, certo?” Perguntou de forma confiante, porém sem soar pretensioso. Geralmente, não iniciava conversas com estranhos. Mas não havia nada de comum naquela situação ou no modo como ele se sentia no momento.

            “Sou,” respondeu o menor, agarrando a barra do paletó. “Frank,” adicionou, mordendo o lábio, hesitante, contendo um sorriso que insistia em se abrir.

            “Hm, Frank. Bert, esse é o Frank,” indicou quando o amigo apareceu ao seu lado. Mais uma vez, a mão de Bert foi parar na base de suas costas, empurrando-o e fazendo Gerard dar um passo para frente. “Bem-vindo à Saint Peterson.”

            O pequeno arqueou as sobrancelhas bem feitas, parecendo genuinamente surpreso. “Obrigado,” disse com ênfase. Estava esperando que alguém lhe dissesse aquilo desde que chegou. Recebera as boas vindas da diretora, mas foi de forma rápida e automática. Gerard era diferente. Ele realmente colocou significado nas palavras tão comuns, tornando-as especiais.

             “Hey, eu sou o Bert.” Estendeu a mão para Frank, que levou um momento para corresponder e apertar a mão do garoto.

            “Meninos,” veio a voz do professor, “vão fazer o desenho de vocês, sim? Frank, você explica pra eles?”

            “Sim,” respondeu o pequeno, parecendo animado. Não mais se sentia ameaçado e constrangido - parecia que tinha encontrado amigos ali. Por um segundo, passou por sua mente a possibilidade de Gerard e Bert estarem fingindo ser amigáveis com ele para depois sacaneá-lo de alguma forma horrível. Porém, os olhos imensos de Gerard eram sinceros, transparecendo o que ele sentia, e Frank sabia que aquele sorriso não tinha ficado somente nos lábios dele. Sentia como se ele fosse familiar, e era um certo alívio tê-lo encontrado. 

            Foram para o fundo da sala juntos. Bert estava em seu Eu normal, displicente e brincalhão. Frank, embora ainda recebesse olhares sujos dos outros alunos, não estava se importando muito. Gerard, para sua própria surpresa, não sentia qualquer tipo de dor, e sua risada excêntrica encheu a sala mais de uma vez, atraindo a atenção de todos e encantando o aluno novo, que sorria docemente de volta para ele com freqüência.

**

            Durante o tempo que passaram juntos, Gerard, Bert e Frank se divertiram. Frank desenhava no papel, Gerard continuava o desenho e Bert vinha atrapalhando tudo de propósito. Mas Frank dava um jeito, Gerard voltava a transformar a figura em algo incrível... e Bert vinha com seu giz vermelho e o sorriso torto, rabiscando o papel de brincadeira. Os três riam.

            Quando questionado sobre de que escola vinha, Frank disse que era de uma escola pública. Ganhou uma bolsa. E por que chegou na Saint Peterson logo na semana de provas? Frank respondera que não faria as provas. Ficaria ali por experiência, mas a diretora estava contando a presença dele a partir do trimestre que começaria após aquela semana de testes. Era mais justo e melhor para todo mundo.

            O pequeno novato ficara entediado durante os longos minutos que o restante da classe passou fazendo contas. Viu quando Gerard trocou de prova com Bert e riu para si mesmo, observando as mãos pálidas e os atentos olhos verdes e o cabelo escuro e o nariz empinado e as unhas roídas e os dentes pequenos e os cílios compridos.

Às vezes Gerard espiava por cima do ombro e Frank desviava o olhar rapidamente.

            A sineta finalmente tocou ao meio dia, estridente e longa como um alarme que indicava: os animais fugiram das jaulas. Os alunos agarraram suas mochilas e em tempo recorde estavam pisando na grama, reclamando sobre o quão difícil a prova estava e determinando aonde iriam à tarde. Bert conversava com Quinn e Adam ao que Gerard ia mais à frente, ao lado de Frank.

            “Como você vai pra casa?” Perguntou o maior, as mãos segurando as alças da mochila, o vento bagunçando seu cabelo.

            Frank pareceu pensar antes de responder. “Vou andando mesmo,” disse, balançando a cabeça e afundando mais as mãos nos bolsos.

            “Eu posso te dar uma carona, se você quiser.” Claro que podia. Claro que queria. Olhou de esguelha para o menor, sua alma implorando silenciosamente para que ele aceitasse o convite. Frank foi diminuindo o ritmo dos passos até parar.

            “Eu não sei...”

            “Ora, Frank, vamos lá,” Gerard insistiu, arrastando o pé na grama. “Por que não?”

            Frank encarava o chão. “Porque...” Respirou fundo, deliberando. Levantou o rosto para encarar o maior, a franja caindo em frente a seus olhos. “Okay. Mas é meio longe...”

            “Não tem problema,” interrompeu sorridente, já indo a caminho do carro. “Onde fica?”

            Frank mordeu o lábio, suas mãos muito apertadas nos bolsos. “Orfanato Mother’s Hope,” falou baixinho, quase um sussurro, o coração miúdo.

            Gerard sentiu vontade de parar de andar. De fazer perguntas, de abraçar o pequeno. Orfanato. Era de conhecimento comum que orfanatos nunca eram bons lugares, que dirá um orfanato tão cheio em Jersey. Por um segundo a mente de Gerard foi invadida com a imagem de um Frank criança, de rostinho sujo, roendo um pedaço de pão. Mas ele logo afastou essa idéia, continuando sua caminhada como se não tivesse ouvido nada de mais. “Não é tão longe assim,” ofereceu, destrancando a porta do carro.

            Frank ficou desconfortável. Nunca havia conversado o suficiente com um colega para chegar ao ponto de contar onde morava. Uma vez, na segunda série, a professora contou aos alunos que ele era órfão: os poucos que haviam demonstrado-lhe um pouco de amizade logo lhe viraram a cara. Ao que batia a porta do carro, Frank imaginou quanto tempo levaria até Gerard começar a repeli-lo. Quando o maior colocou a chave na ignição e hesitou antes de ligar o carro, Frank pensou: é agora.

            “Hey, Frankie,” chamou Gerard, recebendo um ‘hm’ falho como resposta. “Como você veio pra escola?”

            O pequeno soltou uma lufada de ar que nem notara estar prendendo. “Andando.” Olhando pela janela, viu Bert sob a árvore onde estava antes das aulas começarem. Ele tinha um sorriso largo no rosto e levantou os dois polegares, gritando ‘Isso aí, garoto!’ para Gerard, que o ignorou. “Por isso eu cheguei tão cedo, não sabia quanto tempo levaria e saí adiantado.”

            Gerard balançou a cabeça, sibilando. “É longe demais. De agora em diante, eu te busco e te levo de volta,” declarou, ligando o motor. Quando Frank fez menção de protestar, Gerard fez “Nu-uh! Sem discussões.”

            Frank iria discutir, porém sua atenção foi tomada pela figura de um garoto ainda no gramado da escola. Ele balançava os braços, correndo, gritando o nome de Gerard, que começava a andar com o carro. “Uh, Ger---”

            O maior abriu a janela e esticou a cabeça para fora, não se importando em parar o carro enquanto não olhava para a rua - o que fez Frank ficar apreensivo. “Vá de ônibus!” Gritou Gerard, rindo gostosamente e voltando a se sentar no banco.

            “Cretino!” Berrou o outro moleque, mandando o dedo para eles.

            “Quem é aquele?”

             “Nah, é só meu irmão.” Tinha os dentinhos expostos alegremente, as mãos pálidas movendo o volante com leveza.

            Os lábios vermelhos de Frank se abriram em choque. “Gerard! Você não vai deixá-lo lá, vai?”

            “Vou, claro que vou. Ele que se vire.” Quando Frank começou a protestar, dizendo que não era justo ele ganhar carona enquanto o próprio irmão de Gerard ficava à mercê da chuva, foi interrompido por uma mão tocando a sua - e parou de falar imediatamente. “Hey, eu vinha de ônibus antes de tirar minha carteira.” Tirou a mão da de Frank, mudando a marcha do carro. “Ele é muito mimado, Frankie, não se preocupe com ele. Aliás, tudo bem eu te chamar de Frankie?”

            O fantasma do toque ainda pairava nas costas de sua mão. “Sim,” murmurou, abraçando a mochila e se encolhendo no banco. “Sim, eu gosto.”

            “Okay, bom.”

            Continuaram o caminho em silêncio por quase um minuto, um pensando no outro - a cabeça de Gerard em perfeito estado. Passavam por uma avenida comprida, e de repente Gerard jogou o carro para a direita e freou bruscamente, fazendo Frank agarrar o painel do carro, assustado.

            “Vamos tomar um sorvete!” Gerard praticamente gritou, e então Frank notou que haviam estacionado em frente a uma sorveteria. Abriu a boca para falar, mas de repente sentiu-se envergonhado em dizer que não tinha um centavo no bolso. Porém, não havia saída, e ele se preparava para falar quando Gerard continuou. “Por minha conta,” disse com um sorriso deslumbrante que roubou as palavras do menor. “Para comemorar sua chegada.”

            Frank sentiu seu estômago ficar quente. “Mas eu moro aqui faz muito tempo.”

            “Bem...” vagou o olhar por um momento antes de voltar a fitar o rosto bonito e inocente de Frank. “Comemorar sua chegada na minha vida.”

            Não havia argumentos para essa. Frank cedeu, saindo do carro mais feliz do que se lembrava de jamais ter sido antes. Gerard havia tirado o paletó da escola e dobrado as mangas da camisa, exibindo os antebraços. A pele dele era extremamente branca, impecável, parecendo porcelana e encantando Frank constantemente.

            Entraram na sorveteria, que era decorada de forma que parecesse muito antiga e fosse muito charmosa. Os bancos estofados eram vermelhos e as mesas eram cor de creme, lembrando, de fato, sorvete. Figuras e mais figuras das mais variadas guloseimas enfeitavam as paredes, que de tão coloridas não pareciam estar localizadas numa avenida de Jersey num dia cinzento.

            Os dois rapazes sentaram-se numa mesa ao fundo, de frente um para o outro. “O que você vai querer, Frankie?”

            “Hmmm.” Tamborilava os dedos contra a madeira, os olhos bonitos passando pelas fotos penduradas na parede, os lábios franzindo-se num bico - nenhum dos detalhes passou despercebido a Gerard. “Não sei... o que você vai querer?”

            “Sundae de morango,” respondeu de imediato. “A melhor coisa do mundo.”

            “A melhor coisa do mundo?” Tinha as sobrancelhas arqueadas, porém estava sorrindo.

            Gerard deu uma risada nervosa. “É, bem... okay, talvez não a melhor. Mas definitivamente na lista das dez melhores!” Adicionou com sua voz anasalada, levantando o indicador.

            “Bem, acho que eu vou ter que provar então,” Frank cedeu, recostando-se no banco.

            “Boa pedida, Frankie!” Dobrou um braço e fez um gesto típico de propagandas antigas, arrancando uma risada do menor. Fez o pedido para a garçonete e, enquanto o fazia, uma idéia passou pela sua mente. “Hey, você nunca tomou sundae de morango?”

            Frank mordeu o lábio e balançou a cabeça, chacoalhando os ombros levemente.

            “Poxa vida, Frank, é tão melhor que chocolate.” Gerard observava cada ação de Frank, absorvendo todos seus aspectos e detalhes. A dança de seus movimentos, a música de sua voz - cada pequena coisa era parte do tesouro que era o garoto.

            “Eu também nunca tomei do de chocolate.” Na verdade, nunca tinha tomado um sundae. A última vez que tomou um pouco de sorvete tinha nove anos. O lugar onde fora criado não possuía condições de prover-lhe o menor luxo, e Gerard, que não era burro, logo realizou isso.

            “Bem,” começou, seus imensos olhos verdes sorrindo para o menor. “Acho que vou ter que te trazer aqui toda semana, então.”

            Um chiado agradável encheu o ar quando a chuva começou a cair, molhando o vidro que separava os garotos da rua. Gerard puxou uma caneta do bolso e começou a desenhar num guardanapo, enquanto Frank afundou no assento e passou a se perguntar por que diabos aquele garoto estava sendo tão gentil com ele. Frank não tinha nenhum atrativo. Era pequeno, estranho, órfão, pobre, tímido, carente. O que alguém tão encantador como Gerard queria com ele?

            “Por que você me trata bem?” Perguntou de supetão, seus pensamentos sendo verbalizados sem que ele percebesse. Tinha o rosto virado para a rua, mas levantou os olhos para ver Gerard, que pousou a caneta na mesa e o encarou de volta, parecendo confuso.

            “O que você quer dizer?”

            Frank arranhava a mesa com as unhas curtas, nervoso. “Todo mundo na escola me achou idiota...”

            “Hey, Frankie, não.” Eu achei você tão doce e tão bonito e tão encantador que não quero ficar longe de você e vou inventar desculpas para que nós passemos o dia todo juntos, e amanhã e depois e depois. “Eu gostei de você.”

            Continuava a arranhar a mesa, encarando a tinta amarelada. Era difícil acreditar... durante toda sua vida fora zombado e zombado somente. “Mas... por quê?”

            A garçonete trouxe os sorvetes, mas nenhum deles se mexeu. Continuaram na mesma posição até que ela se afastasse, e quando isso aconteceu, Gerard rapidamente se inclinou para frente e agarrou a mão inquieta de Frank. O pequeno olhou para o outro, parecendo assustado. “Frankie, eles são um bando de idiotas. Eles não gostam de mim também, mas eu não ligo. Eu tenho meus amigos e agora eu tenho você. E você tem à gente também, e se alguém te incomodar, é só falar que a gente acaba com eles. Combinado?”

            O pequeno meneou a cabeça rapidamente, o olhar congelado sobre a mão de Gerard segurando a sua - o maior percebeu e recuou. “Desculpa,” disse Gerard, retraindo a mão, fechando-a e pousando-a no colo.

            “Oh não não, eu... eu gostei, é só...” correu os dedos pelo cabelo, desajeitado. “Eu só não estou acostumado.”

            Gerard pegou seu sorvete, trazendo-o para perto e enfiando a colher na guloseima. “Acostumado a quê?”

            “Ah, bem,” começou, suspirando e imitando as ações do outro com o sundae. “Pessoas me tocando. Acho que a última vez que alguém me segurou sem ser pra me bater já faz uns bons anos.”

            Se a cabeça não doía, o coração de Gerard torceu-se com aquele comentário. Dito com tanta simplicidade, como se fosse algo totalmente comum sem a menor importância. Mas tinha importância; tanta importância. Quem teria coragem de fazer mal àquele anjo? Qualquer tentativa de ferir Frank parecia algo descabido e impossível - o fato de ter acontecido era simplesmente revoltante.

            “Me dá sua mão, Frankie,” pediu, largando o sorvete antes mesmo de prová-lo. A chuva já ia diminuindo, os carros iam passando. Frank esticou o braço por cima da mesa, devagar, hesitante.

            Gerard tomou a mão pequenina nas suas, não antes de pedir consentimento com um olhar. Deixou seus polegares deslizarem pela palma de Frank, encontrando-se no centro para espalharem-se novamente, numa delicadeza firme e morna. Repetiu o movimento algumas vezes, num ritmo constante. Subiu os dedos até o pulso do pequeno e deixou as pontas dos dedos deslizarem pela pele sensível e amorenada de Frank, que fechou os olhos e suspirou.

            “Bom?” Perguntou baixinho.

            Frank abriu os olhos e o fitou da forma mais doce existente. “Bastante.”

            Inclinando-se para frente, Gerard trouxe a mão de Frank até os lábios e a beijou. “Disponha,” murmurou com um sorriso galanteador antes de voltar a sentar-se direito. “Vamos lá, tome seu sundae. Você vai ver o quanto é maravilhoso.”

            Quando a boca de Frank encheu-se da doçura da calda, ele achou, de fato, maravilhoso. Mas não chegava aos pés do toque de Gerard.

**

            “Eu nunca vim aqui antes,” Frank disse, olhando pela janela do carro. A chuva havia parado e o sol havia decidido dar o ar de sua graça, o brilho alaranjado do começo do pôr-do-sol derramando-se sobre a estrada. Já estavam praticamente fora da cidade, numa estrada deserta, que ia reto por um longo tempo até dar uma virada brusca para a direita, onde havia a imensa metalúrgica, e avançava mais um bocado até a costa. Gerard dirigia tranquilamente, recostado no banco, um braço apoiado na janela.

            “Você vai gostar,” disse ele, os cabelos voando em frente a seu rosto como teias de aranha escuras. “É tão quieto, Frankie, nem parece Jersey. É meu lugar favorito.”

            O menor virou o rosto para Gerard, fitando-o docemente, encontrando os olhos verdes carinhosos. “Obrigado.”

            “Obrigado a você pela doce companhia, querido Frank,” Gerard retrucou, virando o carro para a esquerda e parando em cima da grama. A luz do sol fazia seus olhos parecerem ainda mais claros e sua pele ainda mais pálida. Frank o achava divino.

            Desceram do automóvel, ambos já sem a gravata da escola e alguns botões soltos, mangas dobradas e barra da camisa pra fora da calça. Estavam num lugar muito alto, reto e coberto por grama, mas que acabava quase que repentinamente e descia numa trilha de rochas imensas onde, lá em baixo, via-se o mar. A água se estendia por algumas poucas milhas, e era possível ver a cidade de Nova York do outro lado. “Tecnicamente, isso ainda é o Liberty State Park,” disse Gerard, “embora ninguém venha aqui.”

            Pararam perto do perigoso declive, mãos nos bolsos, observando a vista. Não havia o menor som ao redor deles, mesmo que uma das maiores cidades do mundo estivesse ao alcance de seus olhos. Era como assistir a um vídeo de rock sem o som. Imaginar todos os barulhos altos, motores, ferramentas, pessoas, tudo ali, nada ali.

            Frank sempre imaginara situações do tipo. Ter um lugar bonito e isolado aonde ninguém ia, somente ele e alguém especial. Porém, nunca antes havia achado nem o lugar nem a pessoa. Afastou de si o pensamento de que talvez isso tivesse acabado de mudar - conhecera Gerard há apenas algumas horas, mesmo que parecesse uma vida inteira.

            “Toda vez que eu venho aqui, me dá vontade de voar,” Gerard disse de repente. Abriu os braços, levantou o queixo e fechou os olhos. A brisa balançava o tecido de suas roupas e o cabelo escuro, e por um instante Frank jurou tê-lo visto, de fato, voando.

            “Eu meio que tenho medo de altura, então.” Virou-se e afastou-se do declive, reprimindo a si mesmo pela forma como estava se comportando. Gerard o estava fazendo sentir-se tão bem que Frank estava se entregando, tanto a Gerard quanto aos pensamentos que invadiam sua cabeça. Sentou-se na grama, o corpo inclinado para trás e apoiado nas mãos.

            “Eu queria poder voar,” Gerard declarou, virando-se e caminhando na direção de Frank. Sentou-se ao lado dele, devagar, abraçando os joelhos. “Se eu pudesse ter um super-poder, definitivamente seria voar. Sem peso, só o vento. Liberdade.”

            “Parece bom,” concordou Frank, a voz pequenina como o corpo. Ele emanava calma, tornando tudo ao seu redor tão mais harmonioso que Gerard às vezes se sentia dentro de um quadro.

            “E você?” Apoiou o queixo no braço, os olhos contentes voltados para o menor. “Se você pudesse ter um super poder, qual escolheria?”

            “Hmm.” Mexeu no cabelo, coçando atrás da orelha. “Qualquer um?”

            “O que você quiser, Frankie.”

            Pensou por um momento, a língua passando pelos lábios vermelhos. “Eu queria ter o poder de confortar as pessoas.”

            Para Gerard, que estava esperando algo do tipo ‘ficar invisível’ ou ‘teletransporte’, a escolha do pequeno não fez muito sentido. “Como assim?” ele indagou em reflexo, mas já imaginava o motivo da resposta antes que Frank abrisse a boca para explicar.

            “Bem, cada pessoa tem uma idéia de super-herói que mais seria útil...” arrastou as solas surradas dos tênis pela grama. “Às vezes, no orfanato, eu não conseguia dormir... medo do escuro, essas coisas de criança. Eu ficava lá, chorando, pensando que tinha um monstro escondido ali. Se eu chorava alto, as freiras tiravam meu leite no dia seguinte.” Olhou para o lado, os olhos apertados por causa do sol. “Hoje eu sei que um abraço teria resolvido. De mãe, de amigo. Qualquer um. Eu só precisava de um abraço. Se alguém tivesse feito isso por mim, eu certamente consideraria essa pessoa meu super-herói favorito.”

            Gerard apertou as mãos fortemente e mordeu o interior da boca. Sentiu-se repentinamente tão fútil, imerso em sua própria vida idiota - que era boa e ele não valorizava. “Meu poder é ridículo perto do seu,” murmurou, tristonho, escondendo o rosto na curva do braço. “Eu sou tão egoísta.”

            “Claro que não!” Frank protestou imediatamente, sentando-se mais ereto e batendo as mãos nas coxas.

            “Sou sim, Frank.” Virou-se um bocado e encarou o outro. “Eu fico reclamando de tanta merda idiota, sendo que tem gente com problema muito maior e que não reclama nada. Egoísta e fútil.”

            “Gerard.” Disse o nome com firmeza, porém doçura. “Você não foi nada egoísta comigo. Você me levou pra tomar sorvete, me trouxe aqui...”

            “Por egoísmo!” Bateu os punhos na grama. “Porque eu gostei de você e queria continuar ao seu lado. Porque estar com você faz com que eu me sinta bem.”

            Frank tinha o rosto franzido numa expressão entristecida, e balançou a cabeça. “Não, não, não é assim...”

            “É sim, Frankie. É assim com todo mundo. Qualquer coisa que a gente faz nessa vida, é por egoísmo. Levar a avó no parque? Faz você se sentir bem. Dar dinheiro pra caridade? Você fica feliz de ajudar. Ser a porra da Madre Tereza deve ser uma delícia, todo mundo dando vivas pra você.”

            “Isso não é egoísmo, Gerard!” Argumentou, a voz meio fora do tom normal.

            “Ah não?” Lançou a Frank um olhar cético. “O que é então?”

            “É amor.”

            As palavras de Gerard correram para longe, bem longe além do penhasco e do mar e da cidade e do planeta. Ele ficou parado, boquiaberto, imaginando como diabos aquilo poderia fazer sentindo - e, ao mesmo tempo, com o pressentimento de que a resposta estava bem à frente de seus olhos, ele que não estava enxergando. Nos dias seguintes àquele, viria a descobrir que Frank era como um homem cego, enxergando o que ninguém mais podia ver.

            “Você faz porque você gosta,” Frank começou. “Você diz que me trouxe aqui porque queria continuar comigo. Pois bem, você poderia ter me matado e me jogado no porta-malas, me empalhado e me manter pra sempre. Mas ao invés disso você me agradou, me levou pra tomar sorvete e me trouxe aqui, me deixou feliz.”

            “Pra você não querer ir embora,” teimou Gerard. “E Frankie, eu não iria te matar.”

            “Foi uma metáfora, Gerard.”

            “Oh. Certo.”

            Frank suspirou, exasperado. “A pessoa que se sente bem em ajudar a caridade, ela não se sentiria bem batendo na avó. Porque ela ama a avó e porque ela ama saber que fez a diferença na vida de alguém que precisa. Não é por egoísmo.”

            A perna de Gerard balançou-se por um momento, num tique nervoso. “Ta, mas...”

            “Mas nada,” Frank interrompeu - e mesmo interrompendo ele era adorável. “Você anda lendo muito Nietzsche.”

            Gerard arregalou os olhos. “Como você sabe?”

            Frank sorriu de canto, seus olhos bonitos refletindo a água do mar. “A biblioteca da cidade é pública, sabia?”

            Gerard bufou e voltou a descansar a testa no antebraço, sentindo enrubescer. “Eu me sinto ainda mais idiota do que antes.”

            Frank observou os antebraços pálidos de Gerard, e como o cabelo negro dele escorregava pela pele lisa, o pescoço exposto, o contraste tão bonito, tão atraente ao toque. Fechou o punho com força. “Você não é idiota, não fale bobagens.”

            Gerard riu, levantando o rosto - Frank imediatamente desviou o olhar para a água. “Aí, viu? Falando bobagens. Idiota.”

            Frank sorriu, balançando a cabeça e olhando para o rosto bonito do maior. “Você só está um pouco amargo, é só isso.”

            Vindo do pote de doçura que Frank era, a frase soou um bocado irônica na cabeça de Gerard. Talvez Frank estivesse certo. Talvez ele fosse só mais um adolescente irritado com livros de filosofia à sua disposição. Era mais fácil escolher o fácil ao certo, e ser amargo é bem mais fácil do que ser gentil. Talvez Frank fosse exatamente o que Gerard precisava.

            “Hey Frankie, vem cá,” disse, se levantando e espanando a grama das calças. “Quero tentar uma coisa.”

            Frank se levantou, suas mãos logo indo para a barra da camisa e segurando-a fortemente. Gerard as tomou nas suas, o toque leve como seda, e guiou as mãozinhas tensas de Frank até seus ombros. Levou as suas próprias até a cintura do rapaz, levemente curvilínea sob o tecido surrado do uniforme, e o fitou com hesitação. Frank parecia assustado. “Posso te dar um abraço, doce?”

            Os lábios vermelhos de Frank imediatamente se curvaram num sorriso nervoso, e ele aquiesceu com a cabeça rapidamente. Gerard deu um passo para frente e gentilmente pressionou seus corpos juntos, envolvendo o corpinho pequeno com os braços e adorando a sensação. Frank ficou na ponta dos pés e escondeu o rosto no pescoço de Gerard, inspirando fortemente contra os cabelos negros e a pele macia e a tez pálida e sentiu seus olhos arderem. Gerard o abraçou firmemente, provendo uma imensa sensação de segurança. Seu polegar direito movia-se gentilmente contra as costas de Frank, que tinha cheiro de sabonete e pureza.  

            “Acho que isso vai funcionar,” murmurou o maior, pressionando os lábios contra o ombro do pequeno, quente sob a camisa. Frank respondeu com um suspiro e um aperto no enlace.

            **

            Meio minuto após Frank ter entrado no orfanato e o carro ter andado alguns metros, a cabeça de Gerard doía novamente. Voltou com força total, como se fosse compensar por todas as horas que passou longe. Gerard estava determinado a não deixá-la estragar seu bom humor, porém não estava se sentindo nada bem. Foi um custo chegar em casa.

            Quando entrou na sala de estar, escutou Mikey já começando a reclamar do sofá onde assistia TV. O ignorou. Foi direto para a cozinha e deixou-se cair numa cadeira, afundando a cabeça nos braços sobre a mesa. Donna, que estava ali preparando o jantar, largou a faca e a cenoura que segurava imediatamente, pousando as mãos nos ombros do filho.

            “O que há, meu anjo? Gerard? Quer seu remédio, é isso?”

            Ele fez “M-hm” e continuou com a cabeça enfiada entre os braços, arrastando a sola dos pés no chão, lágrimas escorrendo por seus olhos. Aquela dor havia de fato partido por um tempo ou ele estava delirando? Não sabia. Fato era que a dor estava naquele estágio de força onde ele parecia perder a consciência por alguns segundos, movendo-se como se estivesse muito bêbado, pisando em falso e tropeçado nos próprios pés.

            Donna voltou com o frasco de medicamentos e Gerard pegou logo dois, seus lábios teimando em se curvar naquele bico choroso. “Estou preparando um banho para você, meu filho,” Donna murmurou, acariciando os cabelos de Gerard gentilmente. “Shh, já vai passar. Já vai passar.”

            Ele tomou as pílulas e ela o abraçou, a mão comprida acariciando suas costas e deixando-o mais calmo. Ela fazia isso sempre que ele se sentia especialmente mal, mas Gerard não dava muito valor àquilo. Ele sempre achara que ela estava impaciente, mas agora ele via que ela sofria com ele e queria que a dor fosse embora logo. Enxergava as coisas por uma lente diferente.

            “Obrigado, mãe. Amo você,” ele disse baixinho. Quando seus braços retornaram o abraço dela, era o rosto de Frank que pairava em sua mente.



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Notas finais do capítulo

As coisas acontecem um pouco rápido nessa história. Há um propósito por trás disso, não é só um romancezinho bocó que acontece de um dia pro outro, eu juro.



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