Irritação, Confusão e Loucura escrita por Wanda Scarlet


Capítulo 1
Irritação, confusão e loucura


Notas iniciais do capítulo

Todos os personagens dessa fic são de criação e propriedade de Yoshihiro Togashi, criador do mangá Yu Yu Hakusho (que deu origem ao anime de mesmo nome).



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Irritação, confusão e loucura

(Wanda Scarlet)

         O dia estava frio, do jeito que gostava. Sentada à mesa de uma cafeteria no centro da cidade, Botan saboreava com calma uma xícara de cappuccino enquanto aguardava. Essa espera estava deixando-a nervosa embora disfaçasse por trás dos gestos tranquilos, mas o olhar atento para a calçada a traía.
         Estava do lado de fora, na porção ao ar livre do estabelecimento, afinal de contas, não deixariam que Shizuru fumasse na área fechada. O que era bom já que tinha uma boa vista da calçada por onde transitavam vários pedestres àquela tarde de sábado.
         - Estão atrasados, não é? – falou a amiga sentada de frente para ela.
         A garota sorriu em resposta.
         - Quase meia hora. – respondeu olhando o relógio de pulso pela milésima vez desde que chegaram.
         A jovem de longos cabelos castanhos apagou o cigarro que tinha entre os dedos com movimentos calmos. Pensava em como era difícil acreditar que aquela quieta garota era a mesma que quase havia posto a casa abaixo uma hora atrás. Só porque Shizuru aparecera no apartamento que dividiam meia hora depois do combinado para se arrumarem, Botan simplesmente surtou pensando que a amiga iria fugir do compromisso. Mas ela tivera um bom motivo para o atraso, na verdade um motivo excelente! Sorriu para a amiga e procurou tranquilizá-la.
         - Não se preocupa, ele logo chega.
         - Eu não estou preocupada. – argumentou sorrindo jovialmente. Mas ao fitar os olhos serenos e inquiridores da outra adquiriu uma expressão desolada – Dá pra perceber, não é Shi? – perguntou desanimada.
         -  De longe. – respondeu franca – Mas se acalme, o mundo não vai acabar por causa disso.
         - Como você quer que eu me acalme, Shi? – murmurou – Foi difícil fazê-lo dizer que viria. – baixou os olhos para a xícara fumegante que tinha diante de si – Combinamos de nos encontrar aqui e seguirmos juntos para o templo da mestra, ele jamais falta com a palavra. Essa demora não é normal. – olhou alarmada para a amiga – E se aconteceu alguma coisa? E se algum monstro forte o atacou enquanto vinha para cá? Ele pode estar caído inconsciente precisando de...
         - Por favor Botan, relaxa! – interrompeu-a – Agora você está começando a ficar paranóica. Não aconteceu nada com ele, apenas está atrasado. Apesar de viável, viajar entre o Makai e esse mundo não é uma coisa muito fácil. Uma demora é o mínimo que se espera. – com o canto dos lábios curvados sorrindo acrescentou – E um monstro não seria problema para ele.
         Botan aliviou um pouco a expressão e ensaiou um sorriso sem sucesso.
         - É... você tem razão. – respirou fundo e tomou mais um gole da bebida quente para se acalmar – Ele só está atrasado.
         - Além do mais, Kurama foi buscá-lo. – disse displicentemente enquanto acendia outro cigarro.
         Depois de ouvir isso Botan se acalmou um pouco. Nada de grave aconteceria estando os dois juntos. Mas aquele atraso estava deixando-a louca.
Detestava esperar, ainda mais quando esperava alguém com tanta ansiedade assim. Fazia quase duas semanas que não via Hiei. Já ficara mais tempo sem vê-lo, mas ultimamente esse tempo deixava-a apreensiva e triste.
         Não tinha bem noção de quando, o fato é que acabara afeiçoando-se ao koorime. Quando dera por si passava mais tempo com os pensamentos nele do que gostaria. Achou que fosse porque entendia melhor como era o seu jeito reservado, como ele mantinha os sentimentos ocultos deixando apenas a arrogância e frieza serem transmitidas, mas não era. Acabara ficando mais próxima dele, mais amiga dele por assim dizer. Pelo menos era a segunda pessoa com quem ele mais falava, depois de Kurama.
         Lembrar-se do ruivo fez algo estalar em seu cérebro. Olhou bem para Shizuru que fumava tranquilamente seu cigarro.
         - Shi, como sabe que Kurama foi buscá-lo?
         - Ele me disse. – falou sem olhá-la.
         A garota de cabelos azuis estreitou os olhos para a amiga.
         - E quando foi que você falou com ele?
         - Isso importa? – falou seca e apagou o cigarro com gestos rápidos e ansiosos.
         - Eu te conheço Shi. Moramos juntas desde que vim para o Ningenkai. Sei muito bem que você anda de olho no ruivo e não é de agora. Não adianta querer me enganar.
         - Não estou querendo te enganar.
         - Então por que não disse nada sobre ter encontrado Kurama?
         Com o canto dos olhos mirou bem a ex-guia espiritual e sorriu de lado.
         - Porque você é novinha demais para esse tipo de assunto.
         Se não fosse pelas implicações daquela resposta, ela teria protestado dizendo que não era novinha coisa nenhuma! No lugar disso um brilho malicioso surgiu em seus olhos e um sorriso se alargou nos lábios.
         - Quer dizer que...
         - Quer dizer que não vou te contar absolutamente nada. – interrompeu-a encerrando a avalanche de perguntas da qual sabia que seria alvo – Se meta nos rolos alheios depois que tiver o seu. Pelo que saiba, você ainda não resolveu ‘aquilo’ com o koorime.
         A menção ao problema fez com que ficasse emburrada. Precisava achar um jeito de falar para Hiei de seus sentimentos senão acabaria explodindo. Chegara a essa conclusão na semana passada quando acontecera ‘aquilo’. Apoiou os cotovelos na mesa e o rosto sobre as mãos totalmente desolada pela frustração.
         - O que eu vou fazer? Ele mal pronuncia meia dúzia de frases comigo, isso quando não fica irritado com o que digo e vai procurar um galho pra se isolar. É quase impossível falar com aquele mal humorado.
         - E quem disse que precisa falar? Depois de semana passada não tem mais nada que conversar. Você ainda tem seu remo, não é?
         - Tenho. – olhou confusa para a amiga – Por que?
         - Da próxima vez que o koorime subir na bendita árvore, derrube-o com o remo e beija ele de uma vez! Não aguento mais esse ‘chove-e-não-molha’ de vocês dois.
         Botan não aguentou e caiu na risada.
         - Não sei o que é mais impossível... – falou ainda rindo - ...acertá-lo com toda aquela rapidez, ou beijá-lo com toda minha ‘experiência no assunto’.
         Shizuru não respondeu, limitou-se a esboçar um sorriso enquanto observava a amiga beber o restante do cappuccino rindo. Sua tática funcionara, tirou aquela infelicidade do rosto dela e substituiu por um sorriso radiante e franco. Botan ficava muito melhor assim, alegre e de bem com a vida, e não frustrada e desanimada.
         - Será que não tem um minuto que não fique rindo, baka onna? – uma voz irritada cortou o ar pegando ambas de surpresa.
         Olhou para o lado de onde a voz viera só para confirmar quem dissera aquilo. Não podia ser outra pessoa, só ele a chamava de ‘baka onna’ com aquele tom debochado. O alívio por finalmente vê-lo fazendo com que abrisse um sorriso radiante para os dois rapazes que se aproximavam da mesa.
         Um sorridente ruivo acompanhado de um koorime nitidamente irritado vestindo roupas normais de ningen pararam ao lado da mesa das duas moças. Botan não sabia o que sentia primeiro: felicidade ou nervosismo pela chegada de Hiei. Na dúvida, sorriu e cumprimentou os dois.
         - Olá!
         - Estão atrasados – emendou Shizuru em seguida no lugar de saudá-los.
         Hiei só cruzou os braços e virou a cara não dando a mínima, Kurama sorriu e pediu desculpas por tê-las feito esperar.
         - Precisei conseguir roupas normais para Hiei. Já que vamos todos juntos de trem, ele chamaria muito a atenção do outro jeito.
         - Não se eu fosse em cima do trem. – resmungou o irritado koorime.
         O ruivo riu.
         - E qual seria a graça do passeio se você não fosse lá dentro?
         Hiei só fechou mais ainda a cara e continuou com o rosto virado evitando-os. Então, rapidamente, lançou um olhar de esguelha para Botan que também rira da brincadeira de Kurama. Ao dar com os brilhantes olhos rosas da ex-guia espiritual observando-o, imediatamente desviou o olhar. A moça, que também tivera a mesma reação só acrescentando um leve rubor nas faces brancas, baixou os olhos observando sua xícara vazia de cappuccino.
         Shizuru acompanhou a cena atentamente, levantou-se de sua cadeira.
         - Já que chegaram, vou pagar a conta para podermos ir. – anunciou e saiu dali em direção à área fechada da cafeteria onde ficava o caixa.
         O ruivo também observara aquilo e quando a morena saiu acompanhou-a com o canto dos olhos até que desaparecesse para dentro do estabelecimento. Voltou o olhar para o casal de amigos e disse:
         - Prometi a Yukina que levaria alguns chocolates quando fosse, verei se eles têm aqui.
         E para completa estupefação, sem falar no desconforto dos dois com a situação, Kurama deu as costas e saiu deixando-os sozinhos na mesa.
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         No balcão da cafeteria.
         - A conta da mesa nove, por favor. – pediu à atendente.
         - Só um instante, senhorita. – respondeu a moça enquanto ia para o caixa que ficava no outro extremo do balcão.
         - Belo plano. – elogiou uma voz suave em seu ouvido.
         Shizuru apenas sorriu de satisfação, já esperava por ele.
         - Achei que você pegaria a deixa.
         O rapaz recostou-se de costas no balcão fitando-a com um sorriso nos lábios.
         - Peguei a deixa. Só não sei se você fez isso para eles ficarem sozinhos ou para nós ficarmos.
         - Você me conhece raposa, gosto de unir o útil ao agradável. – aproximou o rosto do ouvido dele e murmurou sedutoramente – Dois pelo preço de um é muito mais excitante, Kurama Youko. – riu baixinho e completou – Pensei que noite passada houvesse te explicado bem isso.
         Afastou o rosto sorrindo e voltando à posição normal colocando a bolsa que trouxera consigo sobre o balcão enquanto pegava o dinheiro para pagar a conta. Antes que tirasse as notas o ruivo cobriu a mão dela com a sua impedindo o movimento.
         - Acha mesmo que vou deixar você pagar? – perguntou sorrindo charmosamente.
         Shizuru riu e guardou seu dinheiro.
         - Seu cavalheirismo ainda vai te matar, sabia?
         - Seria minha segunda morte inusitada. – respondeu ele enquanto estendia o dinheiro para a atendente que retornara com a conta.
         - Que desculpa você usou? – perguntou a moça imitando-o como ele fizera instantes atrás e recostando-se de costas no balcão.
         O ruivo não respondeu e continuou falando com a atendente. Perguntou se eles tinham chocolates, quando ela confirmou-lhe pediu alguns para levar. Assim que a moça foi buscá-los, olhou para Shizuru, um sorriso curvando-lhe marotamente os lábios, e respondeu à pergunta que ela fizera antes.
         - Agora não é uma desculpa.
         A jovem apenas riu.
         - Você realmente é uma raposa.
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         Ele continuava calado, agora que estava sozinho com ela parecia mais irritado que antes. O que Kurama pensa que está fazendo? Primeiro o fez vestir aqueles trajes ridículos de ningen, agora inventa uma desculpa só pra deixá-lo ali com ela. Há muito tempo não sabia o que dizer ou fazer perto da baka onna. E a raposa sabia muito bem disso!
         - Senta aí Hiei. – disse sorrindo apontando para a cadeira onde antes estava Shizuru.
         Ele olhou para o lugar e depois para ela.
         - Para quê? Já vamos embora.
         - Não seja chato, senta pra gente conversar mais tranquilamente – estava um pouco nervosa, mas sorria amavelmente.
         - Não quero conversar.
         - Será que tem algum dia que você quer?
         O koorime não respondeu, o rosto virado para o lado olhando o que quer que fosse.
         - Faz uma semana que a gente não se vê e você sequer me disse ‘oi’. – falou sorrindo e esperou que ele dissesse algo, coisa que não ocorreu, então ela se irritou – Por que você vem pra cá se é tão anti-social assim?
         - Por que você pede para eu vir. – respondeu simplesmente.
         O coração dela falhou uma batida.
Ele vinha porque ela pedia? Ele dava importância assim para o que ela falava?
         - Você... – começou a dizer timidamente.
         - O que Kurama está fazendo que não volta logo pra irmos embora? – interrompeu-a olhando atentamente ao redor – Detesto ficar rodeado por esses ningens estúpidos.
         “Doce e depois amargo. Como sempre.” pensou ela olhando-o.
         - Acho que ele vai demorar um pouco – comentou – Então senta aí e espera! – ordenou irritada com a atitude dele. Por que tinha que ser tão inesperadamente sensível em um momento e no outro um completo chato?
         O koorime mirou-a com o canto dos olhos. Botan podia jurar que vira um brilho de divertimento nas pupilas vermelhas antes dele se sentar e voltar a assumir a postura irritadiça de sempre.
         Então ela sorriu observando-o atentamente como se só agora o tivesse visto. Hiei estava muito bonito com aquelas roupas.
         - Sabia que você fica um gatinho vestido como humano? – provocou-o.
         - Hunf. Baka. – resmungou.
         Ela riu, adorava fazer isso.
         - Mas é sério, está um gatinho mesmo. – inclinou-se um pouco sobre a mesa e cochichou sorrindo divertida – Se fosse um pouquinho mais alto daria em cima de você.
         Hiei fuzilou-a com o olhar.
         - Tem sorte de Kurama ter tomado minha katana, onna. A essa hora você já estaria batendo na porta do príncipe de fraldas.
         Botan riu mais ainda enquanto ele continuava fuzilando-a com os olhos. Ela apostava que se não fosse pela faixa que cobria o terceiro olho, o Jagan também estaria parecendo soltar faíscas como os outros nesse momento.
         - Estou só brincando. – disse enquanto parava de rir aos poucos – Mas ainda bem que Kurama fez você deixar a espada, daria maior problemão na hora de embarcar no trem.
         - Hunf...trem idiota! – murmurou cruzando os braços visivelmente irritado. Por causa daquele trem tivera que vestir aquelas roupas e deixar sua espada. Que tipo de lugar era esse ningenkai? Ou melhor, que tipo de pessoa gostaria desse mundo chato?
         Ele sabia qual tipo. E ela tinha longos cabelos azuis e os olhos rosas mais incrivelmente expressivos que vira na vida. Detestava esse mundo, mas não importava o quanto era irritante ou chato estar ali, desde que pudesse vê-la nem que por uns instantes.
         - Fiquei muito feliz que tenha vindo Hiei. – confessou-lhe.
         Sempre que a baka onna olhava-o sorrindo desse jeito seu coração disparava. O koorime ruborizou-se levemente diante daquelas pupilas rosadas. Olhou para o lado tentando disfarçar.
         - Você pediu que eu viesse, onna.
         - Eu sei... – disse suavemente – Mas você poderia ter ficado no Makai.
         - Eu disse que viria.
         Essa era uma das coisas que mais gostava nele, sempre cumpria sua palavra.
         - É...você disse.
         Hiei sentiu algo diferente na voz dela e virou o rosto para fitá-la. Seu olhares se encontraram e o tempo pareceu parar.
Os olhos da ex-guia espiritual brilhando serenos naquele rosto emoldurado por um sorriso lindo. Ficou hipnotizado por aquele olhar, não entendia como ela era capaz de afetá-lo tanto só por olhar daquele jeito pra ele. Sentia seu coração acelerado e tinha a sensação de que não precisava respirar.
Ficaram assim perdidos um nos olhos do outro por um tempo que pareceu uma eternidade...
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- Olha só isso. Não entendo porque eles não se beijam logo de uma vez. – falou irritada Shizuru observando da entrada da cafeteria o casal se olhando apaixonadamente na mesa do outro lado – É só ficarem juntos um tempo e já estão se amando com os olhos.
Escutou Kurama rir às suas costas.
- Nem todo mundo é como você, Shi. – falou o ruivo circundando a cintura dela com um braço e colando seu corpo ao da moça – Os dois são tímidos demais para fazer esse tipo de coisa em público. – disse perto do ouvido dela.
Shizuru sorriu.
- É. Os dois são uns idiotas mesmo.
Ele riu dinovo, adorava o jeito direto dela.
- O que sugere agora raposa? – perguntou sem tirar os olhos do casalzinho.
- Hum... – murmurou pensativo também sem tirar os olhos deles – Talvez um ambiente mais reservado ajude.
- O trem?
- É uma boa oportunidade. Estarão sozinhos numa cabine só deles...
Ficaram em silêncio observando-os.
- Quem você acha que toma a iniciativa primeiro? O koorime ou Botan? – perguntou Shizuru de repente.
- Uma aposta?
- Por que não? – olhou por cima do próprio ombro para o ruivo e sorriu maliciosamente – Adoro ganhar apostas de você.
- Tem tanta certeza que vai ganhar? – perguntou divertido com a presunção dela.
- Claro. – voltou a olhar para o casal – Se não fosse tão bom apostar contigo, diria que nem vale a pena já que está na cara quem é que vai beijar quem.
- E o que você tem em mente como prêmio?
- Escravidão... por uma semana. – declarou.
Kurama sorriu, um leve brilho dourado passando rapidamente pelos olhos verdes.
- É um belo tempo para um ficar à mercê do outro.
- O que me diz?
- Hum... – fingiu pensar na proposta por uns instantes – Eu te digo que... você vai ficar linda vestida de rosa.
Agora foi a vez dela de rir.
- Nem em seu mais doce sonho, raposa.
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O horizonte parecia mover-se diante de sua vista, mas quem se movia na verdade era ela, junto com o trem. Ao lado da janela da cabine que escolhera a esmo, tinha o rosto apoiado na própria mão e os olhos perdidos na paisagem que passava. Seus pensamentos porém não estavam ali, mas sim num certo koorime muito irritado na cabine no outro vagão com Shizuru e Kurama.
Sentira o rosto queimar, provavelmente porque devia ter ficado muito vermelha, quando a amiga e o ruivo surpreendera-os na mesa da cafeteria enquanto estavam... estavam...
O que estavam fazendo mesmo?
Não sabia bem ao certo, só sentira como se tivesse entrado numa dimensão paralela. Uma dimensão onde só existia eles dois e aquele calor gostoso que irradiava por todas as células de seu corpo quando cruzava seu olhar com o dele. Difícil voltar à realidade depois de um momento tão intenso, tão mágico assim. Mas tivera que voltar à realidade mesmo assim.
“Mas foi tão bom...”
Abriu um meio sorriso enquanto lembrava-se do que seguiu-se àquilo. Claro que ficara totalmente sem jeito junto dos amigos ao embarcarem no trem. E para completar a confusão dentro de si, sentia o rosto quente toda vez que olhava, mesmo que de relance, para Hiei.
Com a desculpa de ir ao banheiro, saíra da cabine onde sentia um clima constrangedor. Não aguentava os olhares maliciosos de Shizuru que com certeza notara a mudança de comportamento dela, a acentuada impassibilidade de Kurama e, principalmente, a muda irritação do koorime que parecia ter triplicado ao embarcarem no trem.
O primeiro lugar vazio longe dos amigos que encontrara, se enfiara. Só sairia dali quando o trem parasse. Precisava de algum tempo sozinha pra se acalmar. Nem morta voltaria para aquela cabine! Não enquanto não parasse de sentir-se uma idiota corada toda vez que olhava para ele.
- Não vai voltar não, baka onna? – a voz debochada de Hiei atingindo-a como um raio.
Imediatamente olhou para a porta da cabine a qual sequer ouvira abrir. Deparou-se com um koorime visivelmente contrariado olhando-a firmemente. Quando sua boca abriu-se para perguntar como ele a encontrara, a mão dele cobrindo a própria testa já indicava como. O jagan é claro.
Hiei fechou a porta da cabine atrás de si e sentou-se em silêncio no banco de frente para ela. Cruzou os braços e continuou olhando-a sério. Botan em contrapartida não conseguia desviar o olhar dele, na verdade não conseguia desviar o olhar do jagan. Sempre que o via aberto, não conseguia parar de encará-lo, era como se ficasse hipnotizada pelo brilho roxo do terceiro olho. Quando percebeu o que estava fazendo, desviou imediatamente o olhar para a janela envergonhada.
- Por que veio aqui, Hiei? – perguntou um pouco sem jeito e esforçando-se para não voltar a olhar para o jagan.
- Hunf... te pergunto o mesmo, onna. Por que veio para cá?
- Eu... – continuava se esforçando – vim porque... – como era difícil resistir ao impulso de olhar para aquele olho! – queria ficar sozinha.
O koorime franziu o cenho intrigado. Ficar sozinha? A baka onna não parecia ser do tipo que ficava sozinha, pelo contrário, estava sempre procurando estar junto dos amigos e conhecidos, rindo daquele jeito que só ela ria e que o fazia sentir algo estranho dentro de si.
- Por que?
- Porque eu queria... – “Que droga! Até quando vou aguentar falar sem olhar pra ele?” – ...pensar.
- Você não parece ser do tipo que faz esse tipo de coisa. – debochou brincando com o duplo sentido do comentário.
- O que quer dizer com...? – virou-se já se exaltando e parou de falar ao deparar-se com o sorriso sarcástico dele e... aquele olho!
Desviou rápido o olhar para a janela novamente tentando disfarçar o desconforto. Por que tinha que ficar encarando o jagan daquele jeito?
O que estava acontecendo com ela? Parecia assustar-se toda vez que olhava pra ele.
- O meu olho te ofende, onna?
A pergunta tomou-a de assalto.
- Não, não é isso. Eu... – na ânsia de negar acabou olhando para ele. Calou-se ao encarar o jagan outra vez e perdeu o rumo dos pensamentos. Só quando sentiu o rosto quente desviou os olhos para o chão. “Botan, sua estúpida! Você fez denovo!” repreendeu-se em pensamento.
- É, dá pra ver que não. – escarneceu ele.
Pegou a faixa que havia guardado no bolso da jaqueta quando descobrira o terceiro olho para procurá-la pelo trem. Amarrou-a novamente na cabeça ocultando o jagan.
- Pronto, onna. Pode olhar. – falou irritado.
A garota levantou o rosto fitando-o, ele tinha o olhar perdido em algum ponto além da janela do trem.
- Não sei porque um olho te assusta, com certeza já viu youkais muito mais estranhos que eu. – comentou ríspido voltando a cruzar os braços.
- Não, Hiei, seu jagan não me assusta. Eu não...
- Hunf... não importa. – interrompeu-a no meio do falatório, não queria saber o que ela tinha pra dizer. Vira o brilho assustado nos olhos dela quando o encarara e isso bastava.
         O brilho diferente que aquele olho tinha a impressionava, não queria que o koorime pensasse que a ofendia ou a assustava. Mas ele parecia não querer escutar qualquer explicação.
         Ela levantou-se parou na frente dele. Quando Hiei levantou o olhar para a garota, Botan estendeu a mão para sua testa. Porém o koorime foi rápido e segurou seu pulso antes que tocasse a faixa.
         - O que pensa que está fazendo?
         - Provando que está errado. – respondeu decidida – O seu olho não me assusta.
         Encarou as grandes pupilas rosas por um tempo, depois soltou o pulso dela.
         - Baka. – resmungou desviando o olhar para o lado – Volte para o seu lugar. – ordenou ríspido.
         - Não.  – avançou com a mão e com a ponta dos dedos segurou a borda da faixa. Fez uma pausa esperando qualquer reação dele, como não houve nenhuma deslizou a mão por ela até a parte de trás da cabeça onde tocou o nó do tecido.
         Inclinou-se sobre o koorime levando a mão para trás da cabeça dele encontrando com com a outra que já estava lá e começou a desfazer o nó que prendia a faixa, o rosto próximo do dele. Agora Hiei a encarava, os olhares se cruzando enquanto os dedos dela moviam-se atrás da cabeça dele tentando soltar a faixa. Os olhos da garota estavam sérios, exibindo a decisão que tinha em provar que o jagan não a assustava, já os dele exibiam um misto de surpresa e curiosidade. O que ela pretendia com aquilo?
Então o tecido se afrouxou ao redor da sua cabeça e a garota exibiu um meio sorriso triunfante enquanto puxava a faixa. Jogou-a de lado e depois segurou o rosto do koorime entre as mãos.  Inclinou-se um pouco mais para ele e aproximou os olhos do jagan, agora aberto e bem visível.
- Isso não me assusta. – murmurou inclinando-se mais e fazendo o rosto dele ficar a centímetros do pescoço dela – Pelo contrário... – suavemente depositou um beijo ao lado do jagan - ...me fascina. – e depositou um outro beijo do outro lado do terceiro olho. Então afastou o rosto um pouco e encarou as pupilas vermelhas muito surpresas. Soltou o rosto de Hiei se afastando.
Virou-se para voltar ao lugar onde estivera sentada, mas parou abruptamente antes de colidir com... Hiei, que agora estava de pé na frente dela.
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Sentia o peso do olhar dela sobre si, e isso estava atrapalhando sua concentração na leitura.
- Não adianta ficar me olhando assim. – avisou calmo sem desviar os olhos do pequeno livro que trouxera no bolso para ler no trem – Não vamos espioná-los.
- Eu sei que não. Mas acontece que... raposa? – chamou-o suavemente.
- Sim? – fitou-a com um sorriso gentil como sempre.
A moça levantou uma sobrancelha interrogativamente e perguntou:
- Essas plantas são realmente necessárias? – referia-se aos ramos verdes que envolviam sua cintura prendendo-a ao assento do trem.
Ainda sorrindo, o rapaz respondeu naturalmente:
- Eu receio que sim.
- Por que?
- Porque você não ficaria sentadinha aí como está agora até que chegássemos na estação.
- E isso é um problema?
- Se quisermos chegar hoje no templo da mestra, sim.
A morena recostou-se mais no assento e olhou para o lado, os lábios ligeiramente curvados num meio sorriso.
- Não sei porque isso seria tão ruim...
- Shi, estão nos esperando.
- Um simples ‘bolo’ não vai matá-los.
- Estamos acompanhando Hiei e Botan.
- Os dois sabem o caminho.
- Todos vão ficar magoados se faltarmos nessa reunião.
- Eles superam.
- Dissemos que estaríamos lá.
- Mentimos.
         Kurama riu desistindo de argumentar com Shizuru. Era difícil fazê-la desistir de algo. Por isso teve que apelar para suas plantas, sabia que um não conseguiria ficar a menos de 10 centímetros do outro se os dois estivessem livres. Mas agora, olhando para a expressão debochada dela, sabia que o problema maior não era impedir que Shi viesse até ele, mas sim que ele fosse até Shi.
         Deus! Como era difícil resistir ao impulso de tomá-la nos braços e beijá-la!
         Só que fazer isso seria problemático. Dificilmente um soltaria o outro antes da estação chegar e com certeza acabariam perdendo a parada do trem bem como a reunião no templo de Genkai.
         Voltou a concentrar-se no livro em suas mãos, embora soubesse que era impossível já que a mulher que desejava estava sentada a um metro e meio de distância.
         De repente algo estreito e prateado foi colocado na frente da página que tentava ler. Olhou para cima e encontrou os olhos serenos e o sorriso provocativo dela.
         Shizuru pressionou a lâmina do canivete sobre o livro forçando-o a baixá-lo.
         - Já que você não ia me soltar por bem... – explicou em tom divertido.
         O ruivo levantou-se de repente e tomou a lâmina da mão da jovem num movimento brusco. Sem interromper o contato dos olhares, atirou o canivete contra a parede às costas dela fazendo-o enterrar-se contra a parede.
         Com um braço envolveu a cintura dela e trouxe-a para junto de si cobrindo os lábios dela com os seus num beijo intenso. Shizuru envolveu o pescoço dele e correspondeu com igual vontade. Inclinou a cabeça de lado e deixou que sua língua tocasse a dele numa carícia íntima, recolheu-a em seguida dando uma leve mordida no lábio inferior do rapaz. Riu sensual contra a boca dele e afastou o rosto folgando os braços ao redor do pescoço.
         - Não me diga que pretendia me manter longe com aqueles raminhos. – disse baixinho com a voz carregada de desejo.
         - Só até chegarmos na estação... – respondeu rouco, estava hipnotizado por aqueles olhos castanhos e profundos.
         - Não acha muita pretensão de sua parte, raposa? – abriu um sorriso maroto – Isso não é do seu feitio...
         - Meu feitio? – foi a vez dele de sorrir – Você não tem idéia do que seja do meu feitio. – fez uma pausa significativa e fitou-a, os olhos maliciosos – Mas vai ter... – voltou a beijá-la mais intenso e apaixonado do que antes.
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         - Hi... Hiei! – gaguejou pega de surpresa, a velocidade do koorime ainda a espantava.
         - Por que você faz isso onna? – perguntou sério.
         - O... o que? – sem qualquer aviso ele desapareceu diante de seus olhos – Hiei? – girou nos calcanhares procurando-o pela cabine, mas não o viu – Onde você...
         - Você me provoca onna... – a voz soando bem perto do seu ouvido calou-a. Hiei estava atrás dela! – ...e depois se afasta... – um braço envolveu-lhe a cintura e o outro os ombros dela logo a baixo do queixo delicado – ...como se não tivesse feito nada. – abraçou-a mais forte e respirou profundamente, o ar morno tocando seu pescoço fazendo um arrepio descer-lhe as costas. E quando a voz dele soou rouca em seu ouvido novamente, sentiu as pernas fraquejarem – Isso me irrita, me confunde, me deixa... louco.
         Os lábios dela curvaram-se num sorriso e suas mãos ergueram-se até o braço sob seu queixo.
         - Está sorrindo... – murmurou ao perceber isso com seu jagan, nunca perdia esses sorrisos, mesmo que nunca soubesse realmente o motivo deles.
         Sentiu o corpo dela tremer levemente e em seguida ouviu o motivo, Botan ria.
         - Isso é engraçado pra você onna?
         - Sim... – parou de rir e com as mãos afrouxou o braço dele sob seu queixo – ...muito engraçado.
         Botan girou o corpo dentro do abraço do koorime ficando cara-a-cara com ele. Ainda sorrindo, ela encarou os olhos vermelhos de Hiei.  Pôde ver que estava confuso e sabia porque.
         As orbes rosas desviaram-se dos olhos dele para o Jagan. Devagar levou a mão à testa e contornou com a ponta do dedo ao redor daquele olho demoníaco, que para ela continuava sendo fascinante.
         - Por causa desse jagan, nem um leve sorriso meu passa despercebido. Mesmo que esteja de costas para você, não é? – então o dedo acariciando a testa desceu pelo rosto dele até a boca, para onde o olhar dela também foi – Quer saber por que eu sorri? – ele não respondeu, mas ela sabia que sim. Tocou os lábios do koorime delicadamente, como se tocasse algo precioso – Eu sorri porque acontece a mesma coisa comigo. Você também me irrita, me confunde e definitivamente... me deixa louca. – deixou os lábios em paz e encarou os olhos dele – Só que eu não tenho um jagan para saber se sorriria se eu dissesse isso quando estou de costas para você. Na verdade... – fez uma pausa e abriu mais o seu sorriso – ...eu nem sei se... você sabe sorrir.
         - Baka. – murmurou antes de colar seus lábios nos dela em um beijo há muito esperado pelos dois.
         Botan trouxe o rosto dele para mais perto aprofundando a carícia enquanto o koorime estreitou-a mais em seu abraço. Mas então, tão brusco como começou, o beijo terminou. Hiei folgou o abraço e observou extasiado as orbes rosas abrirem-se para fitá-lo com aquele brilho que só elas possuem.
         E ela descobriu o que queria saber ao olhar para o rosto dele. Não conseguiu evitar de sorrir também.
         - Você deveria fazer isso mais vezes. – murmurou suavemente antes de envolver o pescoço dele trazendo seus lábios para que continuasse o beijo.
         Hiei não sabia se ela havia se referido a beijá-la ou a sorrir-lhe. Mas o que quer que fosse, deixaria para pensar depois. Agora só queria beijar aquela onna que o irritava, confundia e o deixava louco... de amor.
         ----------------------------------FIM----------------------------------
(Wanda Scarlet)
Nota da Autora: Deuses!!! Eu não acredito que fiz um fic Hiei&Botan. Ai... só a Tsuki mesmo pra me chantagear por esse presente de Natal. Bom, está aí moça! Uma história cheia de clichês e deslizes como só eu consigo. Outra dessa só daqui uns 100 anos, e olha lá!
Esse casal, embora tenha se tornado um dos meus preferidos em suas mãos Tsuki, não é o preferido em ‘minhas mãos’. Eu já disse que não consigo pegar o jeito leve e meigo que eles necessitam. Mas eu tentei ao máximo deixá-los ao menos perto de suas personalidades reais. Acho que os carreguei demais.
Os trechos de Shizuru&Kurama é um tipo de bônus pra mim, podia descansar da tarefa minunciosa de compor as cenas do casal kawaii com algo mais....ao meu estilo, entre uma ceninha e outra. Uma pena eu não ter tido espaço pra explorar a aposta dos dois... Mas...quem sabe daqui um tempo eu volte a essa pontinha.
Ah...eles chegaram inteiros e...’satisfeitos’ no templo da mestra no final das contas! \o/ (bem clichê né? Fazer o quê não é mesmo? HB não é minha praia, eu já disse e vou continuar dizendo)
Feliz Natal pra todos que lerem!
Principalmente pra Tsuki Koorime, a pessoa pra quem esse presente foi feito.

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