Ichigo logo se precipitou em direção ao hollow, com um grito raivoso, mas o hollow desviou com um pulo para trás, com um sorriso cínico nos lábios.

– Você é tão lento, Chibi-chan.

Respondendo a provocação, ele tentou golpear mais uma vez o hollow, cortando apenas algumas gotas de chuva no lugar. O monstro peludo desviou sem dificuldades e uma parte de seu pêlo foi em direção ao adversário, transformando-se em uma ponta afiada que perfurou o ombro de Ichigo.

– Ichigo!

Rukia não conseguiu segurar o grito. Mas seu protegido se afastou rapidamente, assentindo ligeiramente com a cabeça para mostrar que estava bem. Vários outros pedaços do pêlo do hollow foram em sua direção, mas Ichigo os cortou facilmente e usou o Shunpô, pela primeira vez, ficando perto de seu oponente que foi pego de surpresa, mas conseguia se sair torcendo o corpo, estendendo-se como uma serpente peluda, cercando o jovem. Garras saíram de seus dedos e atacaram Ichigo, que se protegeu facilmente com sua espada. Sua visibilidade estava prejudicada por causa da chuva, e ele tremia de frio, como da ultima vez que ele a viu.

Longe da batalha, Rukia segurava o braço, apertando-o. Ela engoliu em seco, sentindo o suor se misturar com a água que caía em seu rosto.

Ela se viu naquela noite horrível outra vez. Aquela noite em que choveu tanto como agora. Aquela noite em que Kaien-dono lutou pela última vez.

Não interfira.

Ela tinha a impressão de viver de novo aquela noite. Os dois se pareciam tanto...

Não interfira.

Os dois lutavam pelo orgulho.

Não interfira.

Ela se lembrou das palavras do capitão Ukitake. “Existem dois tipos de luta. Sempre que estamos em batalha devemos estar em uma delas. Uma é a luta pela vida... e a outra... a luta pelo orgulho.”

Não interfira.

A história iria se repetir mais uma vez? Ela iria deixar um homem querido à seus olhos morrer novamente? Rukia de repente se deu conta de que os sentimentos que ela tinha por Ichigo eram diferentes do que ela sentia por Kaien-dono. Ela abriu ligeiramente a boca, compreendendo enfim a natureza de sua afeição por Ichigo.

Não interfira.

Através da chuva torrencial que caia, ela pôde ver Ichigo se defender de um golpe e usar shunpô. Sua espada cortou o ar e por pouco não acertou seu adversário que se esquivou outra vez contorcendo o corpo. Ichigo cortou uma parte de seu pêlo, mas não pode desviar o golpe do adversário que atravessou seu ombro.

Não interfira.

Com um ataque súbito, ele feriu Grand Fisher e recuou usando shunpô para carregar seu ataque. O sangue do hollow jorrou enquanto ele tentava se afastar. Ichigo o seguiu sem dificuldades e iria dar o golpe final, mas um obstáculo apareceu. O corpo de sua mãe, ligado ao crânio do hollow, pendia levemente com um sorriso sarcástico no rosto. Quase contra a sua vontade, ele parou o ataque. Grand Fisher se aproveitou de seu segundo de hesitação e longas garras afiadas atravessaram o corpo de “Masaki” junto com o de Ichigo.

Não interfira.

Chegando por trás do adolescente contorcendo-se outra vez, o hollow o atacou outra vez nas costas.

Não interfira.

Ichigo se virou rapidamente e atacou o hollow no peito. Ele recuou rapidamente com o shunpô, mas não pode impedir vários daqueles pêlos afiados perfurarem seu corpo.

Não interfira.

Reaparecendo vários metros longe do hollow, Ichigo caiu no chão, com sangue jorrando de sua boca.

Não interfira.

Suas mãos apertaram sua espada enquanto ele se colocava de pé.

Não interfira.

Dominando a silhueta prostrada, Grand Fisher se precipitou, um sorriso vitorioso no rosto, pronto para acabar com sua vítima.

NÃO INTERFIRA!

...

As garras do hollow colidiram com uma lâmina fria, metálica. Um simples gesto o jogou para trás.

Ichigo piscou os olhos várias vezes, sua vista começou a ficar embaçada. Através das gotas de chuva, ele distinguiu uma silhueta escura, espada brandida, à sua frente.

– Rukia…

– Eu sinto muito, Ichigo. – ela se virou para ele, com um olhar inseguro. – Eu não devia, mas você ia morrer... Eu não podia... Sinto muito...

– Mas do que ‘cê tá falando?! – Rukia o olho, surpresa, enquanto ele se levantava com dificuldade. – Ainda bem que você interferiu, ou a essa hora eu estaria morto! O que você achou? Que eu queria lutar contra ele, não importando se eu iria morrer ou não? É claro que eu preferia tê-lo matado eu mesmo, mas não é isso que importa. Meus pais não se sacrificaram para que eu morresse na primeira oportunidade. – Ele respirou fundo e cuspiu um pouco de sangue, antes de continuar com a voz calma. – Não é minha vingança que importa. O importante é impedir esse bastardo de fazer outras pessoas sofrerem...

– Ichigo... – Rukia ouvia tudo aquilo impressionada.

– Eu não posso continuar. Agora é sua vez, Rukia. Impeça-o de machucar outras pessoas...

Rukia abaixou os olhos por um momento para esconder sua confusão. Ela tocou o torso de Ichigo e recitou em voz baixa uma fórmula rápida. Uma espécie de selo de luz verde esmeralda apareceu em seu peito e sua ferida começou a se fechar. Depois a shinigami se virou para Grand Fisher, mas era tarde demais.

Grand Fisher pensou rapidamente. Ele havia perdido sua ultima chance. A vice-capitã permaneceu afastada uma vez, mas agora que ela estava entrando em jogo, ele tinha que admitir: sua missão era um fracasso.

Fugir? Impossível, a passagem para outra dimensão era muito lenta, pelo menos diante de um oficial superior. Ela o teria imobilizado antes dele desaparecer, então ele não poderia fazer nada. Ele revelou que veio até aqui seguindo ordens, então ele seria levado ao Seireitei e interrogado. Ou melhor, torturado. Depois, quando eles descobrissem que ele não sabia de nada, eles o matariam.

Não, ele não iria sofrer toda essa dor e humilhação. Um sorriso amargo deformou sua máscara. Quando a shinigami se virou para ele, ele já tinha tomado sua decisão.

Rapidamente, ele enfiou sua própria mão na boca e alongou suas garras.

Ele não percebeu o gemido sufocado que emitiu quando o sangue inundou sua boca. Ele só sentiu a dor quando as garras perfuraram seu cérebro.

À sua frente, os dois shinigamis congelaram, atordoados. Rukia nunca tinha visto uma hollow se suicidar.

Ele estava consciente o suficiente para desfrutar de sua expressão chocada. Então tudo ficou escuro. Seu corpo caiu na grama e começou a desaparecer.

– Ele está...

– Morto. – Rukia respondeu, ainda chocada. – Não é uma armadilha.

– Mas por quê?

– Eu acho que... ele sabia que não tinha chance. Ou talvez ele não queria nos dar a satisfação de termos acabado com ele. – Rukia se virou para Ichigo. – Nós não vamos mais poder interrogá-lo.

– Você acha que ele sabia o que atacou meu pai?!

– ... – A tenente desviou o olhar. Grand Fisher acabou sendo só um executor. – Isso me surpreenderia. Mas... ele teria muitas coisas a dizer. – Ichigo tremeu e Rukia o olhou, inquieta. – Tudo bem?

– Eu já vivi dias melhores, mas tudo bem. Obrigado, Rukia. – Ele esboçou um sorriso para tranquilizá-la.

A shinigami não respondeu. Ela puxou um pedaço de seu kimono e olhou a tatuagem em forma de flor reaparecer em seu peito. Depois ela se virou para ele e fez desaparecer o selo verde-esmeralda. Ela esperava que a chuva e a escuridão escondessem seu rosto confuso.

– Eu vou poder te curar de verdade. Você tem feridas muito graves e eu perdi muita energia, então só vou me preocupar com as graves e deixar as pequenas para depois. Deite-se.

Ichigo deitou a cabeça no colo de Rukia, e ela começou a trabalhar, usando suas mãos para cobrir os múltiplos buracos no tórax do adolescente. Ele ficou olhando-a, observando cada uma de suas expressões. Durante longos minutos, nenhum deles se pronunciou.

...

– Se você precisar de ajuda, eu estou aqui.

Os dois shinigamis se levantaram de uma só vez e brandiram suas espadas, mas o único ser vivo por perto era um gato preto.

Ichigo se lembrou onde ele já havia vistos esses olhos dourados fixando-o com essa intensidade. Era o gato do geta-boshi no enterro de seu pai.

– Largue isso e continue, Kuchiki, senão ele irá perder todo seu sangue.

– Quem é você?! – Ichigo respondeu, alterado.

– Ah, é claro. Eu sou... seu futuro professor, Ichigo. – Ele respondeu, seus olhos dourados fixando intensamente os dois shinigamis à sua frente.

Kurosaki Masaki (1972 - 2003):

Ela era o coração do nosso universo.