Eu estava a observá-la por muito tempo, sem perceber. Seu cabelo, seus olhos, seu sorriso, tudo. Ela percebeu e virou o rosto, com as bochechas coradas.

─ O-O que foi? ─ Sarah colocava o cabelo por trás da orelha, envergonhada com a situação.

─ Nada. ─ Virei o rosto também e me levantei da cama.

Olhei através da janela. A tempestade continuava, como antes. Coloquei a mão na janela, estava fria, e tremia por causa do vento e dos pingos fortes de chuva. Ouvi alguns barulhos no andar de baixo, que me desconcentraram, e prestei atenção para ver o que era. Meu pai gritava algo como "Volte aqui!", mas eu não entendi de verdade até olhar pela janela mais uma vez.  Um ponto preto andava sobre o nosso gramado.

─ Espera aí... Isso não é um ponto preto qualquer... FÊNIX! ─ Saí derrubando tudo pela minha frente, escorreguei umas duas vezes, e fui o mais rápido que pude para fora. ─ COMO ASSIM VOCÊ DEIXOU ELE SAIR?! ─ Passei correndo pelo meu pai, sem dar-lhe tempo para responder.

"Wow... Está com bastante vento aqui fora...". Avistei o cachorro com as unhas cravadas no chão, se segurando para não ser levado. Ele, pequeno, poderia sair voando a qualquer momento. Fui, com certa dificuldade, até sua direção. Os pingos da chuva estavam cortantes, e machucavam. "Cachorro idiota..."

Peguei-o no colo, mas escorreguei na lama e caí. "Perfeito... É pra completar meu dia mesmo." 

Voltei para casa totalmente ensopado e sujo, e com as unhas do animal cravadas em meus braços. ─ Isso dói, cachorro...

─ NEM PENSAR QUE VOCÊ VAI ENTRAR EM CASA ASSIM! ─ Sarah me interrompeu, colocando as mãos sobre meu peito. 

─ Vou ficar aonde, então?! ─ Protestei

─ Vai tomar um banho primeiro! 

─ O banheiro fica dentro de casa, caso não saiba!

─ Então vai andar sobre esse pano, e tirar a camisa e sua calça! E você vai dar um banho no cachorro também! ─ Ela ordenou, e eu não pude fazer nada.

Apenas de boxer naquele tremendo frio, segui minha dura jornada até o banheiro, tendo que manter-me sobre aquele pano, arrastando-o com os pés. 

Liguei o chuveiro e entrei no boxe. Fênix ficou me observando, com cara inocente.

─ Isso é culpa sua! ─ Reclamei, passando shampoo em meu cabelo e logo depois em seus pelos.

Saí de lá já tarde, e morrendo de sono. Coloquei o Fênix em sua cama, e ordenei que ficasse lá. "Como meu pai pôde deixar a porta abrir sem querer numa hora dessas..."

Subi as escadas ainda secando o cabelo, e olhei de relance para o quarto da Sarah. A porta estava aberta, e ela já estava dormindo. Seu cobertor estava jogado no chão. Ri, pensando que ela era como eu, que se mexia tanto no sono que o cobertor caía.

Entrei no quarto, e peguei o mesmo do chão. Cobri-a novamente, mas quando havia terminado de fazê-lo, ela abriu os olhos.

─ David? ─ Ela me olhou, com sono e voz meio grogue, depois tomou um susto por me ver lá. ─ O-O que faz aqui?!

─ N-N-NA-NADA! ─ Saí correndo para o meu quarto, e tranquei a porta. Não ouvi nada, então supus que ela simplesmente voltou a dormir, e respirei aliviado.

Coloquei uma camisa larga, com uma blusa por cima, e uma calça de moletom(eu estava usando uma toalha, leitores pervertidos, não vão pensando que eu estava pelado). Me atirei na cama, sem forças. Olhei no relógio e tomei um susto, já eram 2 da manhã e amanhã tinha aula!

Acho que eu nunca dormi tão rápido em minha vida. Falando a verdade, eu acho que dormi em 20 segundos.

...

...

...

Mais alguns dias se passaram. Pra ser mais preciso, 24 dias. 3 semanas e meia. Lá estava eu, jogando uma partida de ping pong com a parede, sentado em minha cama. Sarah e meu pai tinham saído, para ir no mercado, acho.  A bolinha rebateu na parede e acabou saindo para fora do quarto. Com preguiça de ir buscar, liguei o computador e sentei-me na cadeira. 

Abri meu e-mail e tinham 453 e-mails não lidos. "Malditas propagandas...". Eu estava esperando um e-mail de um concurso que eu havia entrado. Eu queria ganhar um video-game novo que o mesmo oferecia. Eu costumava ser bem sortudo em relação a essas coisas, e na maioria dos concursos que entrei, ganhei. Pelo menos nos culturais. 

Mas uma das mensagens me chamou a atenção. Era do pai da Sarah. "Quando é que eu dei meu e-mail pra ele?". Eu ia excluir imediatamente, mas li o assunto, que me impediu de o fazer. Dizia "Sarah", apenas isso. Abri para ver do que se tratava.

"Bom dia, David. Como está a minha filha? Não tenho conseguido falar com ela nos últimos dias.

Bem, mas vamos ao que importa. Quando conversamos, você disse que a Sarah ficaria na sua casa até encontrar outro local para morar, certo? Acontece que os tios dela estão se mudando, para uma área próxima de sua região. Eles disseram que aceitam de bom grado ficar com ela. Por favor, avise-a que ela vai morar com eles. É um pouco longe, uns 20Km, então eu vou transferi-la de escola também.

Diga-a também para que atenda as minhas ligações, precisamos conversar melhor sobre isso.

Por enquanto é isso, até mais tarde. Tenha um bom dia. "

Fiquei pasmo ao ler aquilo. Como ele poderia passar uma imagem tão "boazinha", mesmo falando que sua filha ia trocar de escola, mal poderia ver seus amigos e tão repentinamente. Cerrei os punhos, com vontade de socá-lo naquele momento mesmo. Infelizmente, o que estava na minha frente era um computador.

Minha cabeça começou a doer, e eu peguei um biscoito que estava em cima da mesa. Esmaguei-o, imaginando que aquela fosse a cabeça daquele homem.

Ouvi a porta de entrada se abrindo, e as vozes do meu pai e Sarah conversando. 

─ DAVID, DESCE AQUI! ─ Meu pai gritou do andar de baixo. Respirei fundo, e fiz o que mandara. 

Ajudei-o a guardar as compras, e preparar as coisas para o almoço. 

─ E então, como vai? ─ A garota me olhou com um sorriso, que eu não pude retribuir. ─ Aconteceu alguma coisa?

─ Nada demais. ─ Eu não queria contar para ela, não agora. Aquele velho idiota, me fazendo ter de falar eu mesmo...