Cogito Ergo Doleo escrita por Moony


Capítulo 1
Infinito




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I

 

.Infinito.

 

...perguntei a ele se eu estava ali por ser louco. Ele disse que eu era apenas um homem confuso. Talvez eu seja mesmo. Sabe, às vezes me sinto bastante confuso. Mas continuo achando que se estou aqui é porque sou louco. Ele diz que não. Bom, ele não diz exatamente que não, mas também não diz sim. Ele é o cara de branco. O chamam de psiquiatra. Nunca vi psiquiatras de branco, a não ser ele, claro.

 

É, talvez eu seja louco. Eu bem que gostaria de ser. Quero dizer, há pessoas aqui piores do que eu. Há realmente muitas pessoas que posso considerar em pior estado, porque eu nunca me joguei de um prédio nem fico torcendo as mãos de cinco em cinco segundos. Acho que seria interessante ser louco assim. Afinal de contas, eles não estão nem aí para nenhuma outra coisa que não esteja dentro de suas próprias mentes. Bom, às vezes isso é o bastante. Eu bem que queria me distrair tanto assim comigo mesmo, a ponto de esquecer o mundo exterior.

 

 Talvez eu não goste de mim o suficiente. Talvez eu não me odeie o suficiente. Ou simplesmente não deveria pensar nisso. É, acho que sou confuso, sim.

 

Aqui não é um lugar ruim e deprimente como a maioria das pessoas costuma acreditar. Algumas pessoas realmente são deprimentes, mas o lugar em si não é. Não há nada de deprimente no meu quarto cirurgicamente branco e sem objetos cortantes. Não há nada de deprimente na minha janela com grade. Nem no meu inseparável roupão. As pessoas sempre acham que os loucos têm que andar com um roupão surrado. Eu gosto do meu roupão. Logo, devo ser louco.

 

Gosto de olhar pro teto, que também é branco. De dia, com a luz acesa, ele fica mais branco ainda. Então deito na cama e fico olhando, imaginando que aquela branquidão é o infinito me tragando. Às vezes estendo a mão para ele, o infinito. Ele costuma me ignorar freqüentemente. Isso me deixa muito triste.

 

Tem uma valsa tocando aqui no quarto ao lado. Não sei quem mora nele. Na verdade, não conheço ninguém aqui pelo nome. Não gosto de nomes. Mas a valsa é bonita. Parece tirada de um daqueles discos antigos e quase deteriorados. Música bonita me dá vontade chorar e rir ao mesmo tempo. Me dá um nervosismo estranho. Como quando a gente vê uma garota bonita e não sabe como se aproximar. Como quando a gente entra no mar e gosta de estar lá, mesmo sendo perigoso.

 

Como quando eu olho paro o teto e imagino o infinito. Eu fico pensando se seria muito ruim estar lá. Completamente envolvido por aquela luz branca e brilhante. Fico pensando se seria como um abraço bom. Poucas vezes na vida recebi um abraço realmente bom. Abraço, pra mim, é uma coisa estranha e que a maioria das pessoas – inclusive eu – não sabe fazer direito. Acaba ficando desconfortável e chato, e você não vê a hora de se desfazer dele. Mas um dia recebi um abraço bom. Não lembro quem foi que me abraçou, nem quando foi. Como já disse, talvez eu seja um cara confuso.

 

O que me resta é apenas é uma lembrança vaga daquele abraço. Lembro claramente de como ele era quente e aconchegante. Foi como estar finalmente em casa. Eu não queria sair daqueles braços. Se o infinito deixasse de me ignorar e me tragasse, talvez eu pudesse sentir esse abraço de novo.

 

E então eu estendo a mão. E nada acontece. O teto é apenas o teto, e está escurecendo. De noite não é tão brilhante quanto de manhã. Não é a mesma coisa. Da minha janela posso ver o campo. Nele há muitas enfermeiras conduzindo gente maluca. Elas não me conduzem, porque eu não saio. Tenho medo. Não sei exatamente do quê, mas tenho.

 

Todas as janelas têm grades. Em determinada época do ano, o pôr-do-sol ganhar uma tonalidade especial pra mim... Fica incrivelmente alaranjado e às vezes até meio roxo. É como se o céu fosse uma tela de pintura e o pôr-do-sol fosse a pincelada de um artista melancólico. Não há todas essas cores nos outros meses. Então eu me sento no parapeito da janela e fico olhando.

 

Deve ser também alguma forma de infinito. Mas pra esse eu não posso estender a mão, pois há uma grade. Eles acham que eu vou pular se tirarem. O cara de branco disse que sabe que eu não faria isso. E então eu perguntei porque então não tiram. E ele respondeu que era medida de segurança, não só pra mim, mas pra todos e algumas outras coisas complicadas assim.

 

Isso também me deixa triste.

 

Quando estou no corredor e vejo uma enfermeira passando, ela sorri pra mim. O típico sorriso de quem está ali pra ajudar. Quando vejo o cara de branco, o psiquiatra, ele também sorri. O sorriso dele é algo como ‘você vai ficar bom’. Mas quando vejo alguém que está visitando outra pessoa... Bom, esses não sorriem. E quando sorriem, é algo tão falso ou medroso que dói. Eles não têm medo dos próprios loucos, não é? Vão lá visitá-los e tudo o mais. Não sou pior do que eles.

 

Medida de segurança. Tá certo. Essas pessoas não são exatamente uma ajuda para nos sentirmos melhor e não termos vontade de pular pela janela.

 

Acho que eu não pularia. O infinito está em cima, não embaixo. Não tem porque procurar por ele lá.

 

Ninguém vem me visitar. Ele disse que já vieram, há algum tempo, mas que pararam de vir. Não perguntei porque. Às vezes é melhor ficar de boca fechada. Não lembro dessas visitas. Ou talvez eu não queira lembrar.

 

Raramente vejo uma criança por aqui. Elas vêm de vez em quando, visitar os parentes malucos. Não gosto muito de crianças. Elas podem ser as criaturas mais cruéis do mundo, se quiserem. Elas não temem nada. Nós achamos que temem, mas não. São cruéis. Elas sorriem quando passam, mas isso não me engana. São cruéis.

 

Uma vez conheci uma garotinha. Eu devia ser criança também, não lembro. Devia ser. Não lembro como ela era. Lembro só da voz. Uma vozinha fraca e delicada, que poderia ser levada pelo vento a qualquer instante. Ouvi-la falar era quase como sentir um beijo.

 

Não sei onde ela está. Nem sei se ela realmente existe. Às vezes acho que, pra que alguma coisa exista, basta eu querer que ela exista. Mas não funciona. Como o infinito no teto, por exemplo.

 

Está um pouco frio lá fora. Às vezes tenho vontade de ir até os jardins. Me sentar debaixo de uma árvore. Ver o pôr-do-sol. Mas eu não posso sair. Não quero. Talvez eu esteja melhor no meu quarto cirurgicamente branco, sem objetos cortantes... Acho que já disse isso.

 

Ele diz que eu preciso me encontrar. Eu respondo que isso vai acontecer quando o infinito resolver me levar. Ele diz que eu não devo pensar assim. Acho que ele pensa que eu vou pular. Eu não vou, já disse. Não sou idiota de procurar embaixo. E, além do mais, há a maldita grade.

 

Talvez aquele abraço pertença a vozinha levada pelo vento. É, talvez ela tenha sido levada pelo vento.

 

E então eu perguntei a ele se estava ali por ser louco. Ele disse que eu era apenas um homem confuso. Talvez eu seja mesmo. Sabe, às vezes me sinto bastante confuso. Mas continuo achando...


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Notas finais do capítulo

N.A.: Bom, eu nunca tinha escrito um conto :D Espero que tenha ficado bom ^^ Os próximos serão independentes, ou seja, nenhum tem relação com esse ou com qualquer outro :D
Digam o que acharam e me façam feliz xD
Até mais...