Mar de Lírios escrita por Jajabarnes


Capítulo 14
A Ilha de Coriakin


Notas iniciais do capítulo

Bem, primeiramente, muito, muito, muito obrigada à Juuh, que deixou uma recomendação linda que me emocionou muito mesmo! Agradeço de coração, Juuh! De verdade! Esse capítulo é pra você!
Divirtam-se!



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O sol estava se pondo quando desembarcamos na ilha, colorindo o céu de roxo e rosa e lançando uma luz laranja sobre tudo à nossa volta. A silhueta do Peregrino era vista distante, solitária, contrária à luz do sol. A praia continua deserta como tudo em volta parecia estar, mergulhada num profundo silêncio quebrado apenas pelo som das ondas. Haviam pedras curiosamente esféricas cobertas de musgo e um gramado estranho, espesso e ondulado a partir do fim da areia. O silêncio era quase palpável.

Logo uma fogueira foi acesa e algumas frutas foram nosso jantar. Alguns marinheiros levaram um violão e entoaram antigas cantigas. Eu, enrolada em um cobertor com um copo de rum na mão e sentada ao lado de Caspian, ensinei-os uma cantiga da Era de Ouro. A lua subiu ao céu acompanhada de algumas estrelas e aos poucos fomos pegando no sono. Tentei continuar a leitura do livro de contos aproveitando a luz do fogo, mas não consegui me concentrar por muito tempo, caindo no sono tendo apenas o calor do fogo e o suave aquecimento que o cobertor me oferecia contra o frio da noite.

Meu sono estava pesado e foi se tornando mais leve gradativamente. Tive a leve sensação de ouvir sons abafados num canto distante de minha mente, mas quando estava quase despertando com eles, algo me fez acordar bruscamente. Senti uma mão forte cobrir minha boca de repente, assustando-me e impedindo-me de gritar. Mas o maior susto tive quando abri os olhos, vendo-me ser erguida do chão por nada, simplesmente ficando suspensa no ar.

Consegui sentir o que quer que cobria minha boca e tentei libertar-me, mas foi inútil. Flutuando e me debatendo, vi os outros, dormindo tranquilamente, ficando para trás enquanto eu era carregada ilha a dentro, porém, quando eu mal podia ver os outros à distância, notei que Caspian despertara com minha movimentação – já que dormia próximo a ele – e sem dúvida viria atrás de mim, mas eu já não estava à suas vistas. Os galhos chocavam-se contra mim aos montes a medida que o que quer que me levava avançava, até que chegamos a uma área mais aberta. Subitamente, largaram-me e eu despenquei no chão, caindo sentada.

Olhei em todas as direções em busca de alguém, mas não havia uma pessoa sequer a vista na luz do amanhecer. Num impulso, com o coração à mil, pus-me de pé e puxei o arco e uma flecha, mas antes que pudesse posicioná-los algo muito forte vindo de lugar algum os jogou para longe. Vi as flechas flutuarem para fora da aljava e serem jogadas na grama. Avancei para elas, mas o que quer que estava ali empurrou-me de volta, fazendo-me cair sentada de novo. Ainda no chão, recuei.

—Não tem saída! - veio uma voz de algum lugar.

—É isso mesmo! - concordou outra vindo de outra direção, seguida de outras.

—Assustador! É!

—Su! - ouvi a voz de Caspian.

—Caspian! - gritei e logo ele despontou pela árvores de espada em punho, levemente ofegante pela corrida.

—Você está bem? - perguntou ele se aproximando, mas mal teve tempo de concluir a frase ou dar o primeiro passo. Quem quer que estava ali chocou-se contra sua mão e sua espada voou para longe, a mesma coisa invisível o acertou no rosto e o empurrou para frente. Caspian caiu ao meu lado, logo ficando alerta.

Olhei em volta e na luz do amanhecer não tinha nada além do bosque.

—Quem está aí?! - arfei.

—O que são vocês?! - bradou Caspian.

—Somos feras invisíveis horripilantes! - respondeu uma das vozes.

—Se pudessem nos ver – apoiou outra. - Ficariam mesmo apavorados.

—É!

—Se esqueceu de dizer que somos muito grandes!

—O que vocês querem? - perguntei.

—Você, mocinha, vai fazer o que nós mandarmos! - disse a primeira voz.

—É, isso mesmo! Tá na cara que vai! - repetiram os outros. - Disse muito bem!

Caspian e eu trocamos um olhar e nos pusemos de pé.

—Se não? - falei determinada, encarando o nada.

—Se não...Morre! - afirmou. Outras vozes apoiaram em eco.

—Morre! Morre! Morre! Morre!

Caspian tentou avançar para sua espada, porém foi empurrado de volta.

—Mas eu não serviria morta para vocês, serviria?

Houve hesitação.

—Eu não tinha pensado nisso... - disse o primeiro.

—É, não tinha. - concordaram outros. - Bem pensado.

—Resolvido, nós vamos matar seus amigos!

—Ah, boa ideia! Muito boa!

Vacilei, porém não me deixei demonstrar. Fechei as mãos com força. Hesitei, trocando um olhar com Caspian que estava tão desarmado quanto eu. Quando ele viu o que eu pensava, abriu a boca para protestar, mas virei-me para a frente encarando o nada.

—O que vocês querem de mim?

—Você não vai fazer nada! - falou Caspian.

—Não interrompa! - uma baforada de ar disse firme. Logo apoiada pelas outras.

—Não interrompa! Não interrompa! Muito boa, chefe!

—Você vai entrar na casa do Opressor. - e um empurrão nas costa me impulsionou para frente.

—Que casa? - questionei, não vendo nada a minha frente senão o bosque.

—Esta aqui.

Então diante de mim a paisagem abriu-se na entrada para o elegante hall de uma mansão, de frente para uma enorme escadaria. Exprimi um leve ofegar de surpresa. Olhei para Caspian, que estava apreensivo logo atrás.

—Lá em cima você vai achar o livro de feitiços. Recite o feitiço que faz você ver o oculto.

—Disse bem, chefe. - concordou um. - Disse muito bem. Rápido, não temos o dia todo.

—Lembre-se do que vai acontecer aos seus amigos. - disse o chefe.

—Você foi avisada – enfatizaram outros. - É! Ah, foi!

—Por que desejam que eu faça isso? - questionei, tornando-me para a direção das vozes. - Por que não fazem vocês?

—Não existem moças entre vocês? - Caspian finalmente se aproximou, para logo ser afastado de mim.

—Não somos capazes, não somos capazes! - disseram as vozes.

—Não sabemos ler.

—Para falar a verdade, nem escrever.

—E nem somar.

—Pois é.

—Não iremos lá em cima de novo.

—Então querem que a moça enfrente um perigo que vocês não ousam? - inquiriu Caspian.

—Isso mesmo! Isso mesmo! - disseram. - Não poderia ter falado melhor. O senhor tem cultura. Vê-se.

Caspian rolou os olhos.

—Vamos logo, não temos o dia todo! - insistiu o chefe. - Procure o Livro de Feitiços, leia o feitiço que faz você ver o oculto!

—Esperem! - protestou Caspian. - Não podem mandá-la sozinha! - quando o olhei, soube que tinha um plano. Ele não estava nem um pouco disposto a concordar com aquilo tão facilmente.

—Quieto! Quieto! - cantaram as vozes.

—Eu irei com ela. - avisou, avançando de novo e novamente sendo empurrado para trás.

—Ele está certo. - falei, entrando na jogada de Caspian. Senti olhares pousados em mim. - E se eu for capturada pelo Opressor antes de recitar o feitiço? - argumentei. - Será bom ter alguém para me proteger.

—Hum – disse o chefe. - Bem pensado. Está certo, ele irá com você.

—É, bem pensado, bem pensado! Ótima ideia, chefe!

E Caspian foi empurrado em minha direção, recompondo-se enquanto as vozes exclamavam mais algumas coisas.

—Você tem certeza? - sussurrou ele, apenas para mim.

—Não temos muitas opções, temos? - olhei-o negar com a cabeça. - Então, sim. Pela segurança dos outros.

—Andem logo! Andem logo!

—Cuidado com o Opressor! Ele é muito opressivo!

—Que torna o oculto visível, não se esqueça! - disse o chefe.

Entramos pelas portas e a mansão materializou-se à nossa volta. Subimos pela imensa escadaria que se estendia adiante e entramos em um corredor comprido com várias portas de ambos os lados, todas marcadas com símbolos estranhos. O piso era de mármore escuro como as paredes e o teto, o caminho era pouco iluminado por tochas e parecia maior a cada passos que dávamos. Caspian andava ao meu lado atento a tudo com a mão pousada no punho de sua espada. Porém não havia nada ameaçador além do sinistro e pesado silêncio.

No fim do caminho nos deparamos com portas duplas abertas. Entramos devagar. Diferente do lado de fora, o cômodo gigantesco era bem iluminado. Tratava-se de uma biblioteca abarrotada de livros por toda a extensão de suas paredes, com exceção da cúpula onde podíamos ver o céu estrelado oscilar pela estrutura. No centro do salão, iluminado por uma luz especial a qual não pude distinguir a origem, havia um pilar de madeira, esculpido com diversos desenhos, tendo anjos na parte superior, onde se encontrava um grande livro antigo. Nos aproximamos devagar e Caspian permaneceu ao meu lado, atento.

O livro estava fechado, sua capa cinza tinha várias letras caprichosas espalhadas sem sentido pela extensão. Uma trava mantinha o livro fechado. Toquei a capa com a ponta dos dedos brevemente tentando achar um sentido para as letras, mas logo meu toque chegou à tranca e fui ao que realmente interessava. Tentei abri-la, mas não consegui. Tentei de novo e de novo, e nada. Então os anjos esculpidos na madeira logo acima do livro moveram-se, soprando. Ouvi um baixíssimo arfar vindo de Caspian e trocamos um olhar, senti um pequeno sorriso brincar em meu rosto. Logo voltei minha atenção para o livro, lambi os lábios, inspirei profundamente e soprei. Em toda a sala só se ouviu o som do sopro. Ao ser tocada pelo ar, a capa pareceu ganhar vida e vimos as letras organizarem-se sozinhas formando o título: “O Livro de Feitiços”.

Tentei a trava outra vez e deu certo. Abri a capa pesada sentindo a respiração de Caspian bem próxima a mim. As páginas eram delicadas e magnificamente preenchidas com ilustrações e letras rebuscadas redigiam o título dos feitiços e suas receitas. “Feitiço para Dores de Dente”, dizia um dos primeiros títulos. Passei a página sentindo a textura na ponta dos dedos. “Feitiço do Esquecimento”, era o título de um mais a frente. Caspian se aproximara mais olhando encantado para as páginas da mesma forma que eu fazia. Não me demorava muito em cada página, mas não podia deixar de admirar sua beleza.

—É tão lindo... - sussurrei, passando mais algumas páginas.

—Espere, olhe esse. - disse Caspian, voltando duas das três páginas que eu tinha acabado de passar. Eram duas folhas, todas pretas. Na da esquerda haviam as palavras do feitiço escritas com tinta prateada e a da direita era vazia, apenas tingida de preto. - “Feitiço para Neve”. - ele leu. Enquanto eu passei rapidamente os olhos pelo verso.

—“Diga as palavras como se deve, e ao redor você verá neve” - li. Por alguns segundos nada aconteceu, mas então quando estava pronta para mudar de página, vi um único floco pousar na folha da direita. - Cas...

—Veja, Su! - chamou ele, tocando meu braço. Olhei como ele fazia. Ao nosso redor, por toda a sala, o chão fora coberto pela neve branquinha e no alto mais flocos vinham.

—Oh – ofeguei antes de sorrir. Tudo, tudo fora coberto pela neve num piscar de olhos. Caspian também estava maravilhado e abriu um sorriso para mim, sorri de volta, encantada pelo jeito que alguns dos flocos levíssimos prenderam-se ao seu cabelo ou pousaram em seus ombros.

—Vamos, Su – incentivou docemente, ainda com resquícios do sorriso no rosto. - Não podemos perder muito tempo.

Corada por ter olhado para ele mais tempo do que devia e ter sido apanhada nisso, sorri sem jeito e voltei minha atenção para o livro, agora também coberto de neve. Tomei fôlego de novo e soprei para tirar a neve das páginas. Entretanto, como se ventasse muito, as páginas começaram a passar sozinhas sem parar, até que pus a mão sobre o livro, fazendo aquilo parar imediatamente. Uma poeira verde saiu do meio das páginas e desapareceu no ar. Procurei os olhos de Caspian e acabei olhando em volta de novo como ele fazia. A neve sumira. Toda, num piscar de olhos.

—Você viu? - perguntei.

—A neve?

—Não. - falei. - A poeira verde que saiu do livro.

Caspian olhou-me preocupado.

—Você acha que...?

—Não sei. - franzi os lábios levemente.

—Vamos achar logo o feitiço e sair daqui. - disse Caspian, aproximando-se mais do livro assim como eu.

Só então olhei para as páginas abertas, passando os olhos levemente pelo título dourado. “Feitiço infalível para virar ela, que você sempre julgou ser mais bela”, era o que dizia. Passei para a página seguinte e assim por diante com mais pressa que anteriormente. Então surgiu uma realmente espetacular. Parecia ter sido estampada com o céu do amanhecer. Os traços eram suaves e amigáveis, podíamos quase ver as nuvens daquele céu se movendo pelas páginas, como se o sol estivesse realmente nascendo. Perdi um pouco da respiração rápida, hesitando em mudar logo a página.

—Nossa... - falei e senti a respiração de Caspian. E continuamos a ver o movimento nas páginas, o sol então apareceu, mas não era um sol comum, embora brilhasse como, tinha os contorno de um relógio e seus ponteiros giravam sem controle. Continuou subindo, como se nascesse, até alcançar o canto superior da página direita. E parou ali, no mesmo momento as nuvens também param de se mover e assim como tudo o que antes parecia tão real tornou-se apenas a pintura que era. Na página esquerda, centralizado, surgiu gradativamente o texto, primeiro o título “Verus Futuriun” em seguida os versos, dourados, de letras charmosas.

Querido forasteiro, nem pense em hesitar

Se fugir ou se ficar, não há como evitar

Agora ou depois, o futuro traçado está

Siga em frente de uma vez e pare de esperar

Acabe logo com essa angústia de matar

A dois versos de você, a resposta irei mostrar

Uma nova chance você vivendo está

Descubra, então, como dessa vez acabará.”

Ficamos mais alguns segundos em silêncio, e eu soube que Caspian lia como eu. Com a respiração um pouco mais acelerada, senti um grande impulso em recitar, mas algo lá no fundo me disse que era melhor mudar de ideia. Finalmente, segui em frente.

—Não, espere! - protestou Caspian, impedindo-me de virar a página. - Su, devemos recitar.

—O que? - olhei-o confusa. - Mas...

—Você não quer saber? - argumentou ele. - Não sente aflição por não saber se ficará dessa vez? Eu sim. - disse sincero. - Não tem um dia que se passe sem que essa dúvida me consuma. Sem que a possibilidade da decepção não me assombre. - olhou-me encontrando compreensão em meus olhos, lambeu o lábios e continuou. - Temos a chance de saber o que vai acontecer.

—Caspian, temos que sair daqui o mais rápido possível. - lembrei, buscando alguma saída para conseguir ambos os objetivos. Eu o compreendia, também queria saber.

—Certo. - disse ele, voltando-se ao livro e arrancando a página com um cuidado apressado. Quando a última ponta da página que a prendia ao livro rasgou, ouvimos um rugido e as páginas passaram sozinhas sem parar outra vez. Antes que pudesse pará-las de novo, ouvi uma nova voz e bastante familiar chamar meu nome.

Susana.

Olhei na direção da qual parecia ter vindo aquela voz tão querida. Caspian fez o mesmo. Esperei para ter certeza de que não era minha imaginação, e ouvi de novo.

—Caspian.

Aslam? - disse Caspian. Não houve resposta. - Aslam?

Não havia ninguém naquela direção e o som não se repetiu. Voltamo-nos para o livro a tempo de ver as páginas pararem numa específica. Caspian dobrou a página que arrancara e a guardou sob a camisa para logo se aproximar do livro junto comigo.

—“Feitiço para tornar o oculto visível”. - li em voz alta, passando logo para os versos. - “Como o 'p' em 'óptica'. O 'h' em 'histórica'. Tinta invisível e verdade teológica. ..” - li atentamente cada palavra para pronunciar tudo como tinha que ser. Não era um feitiço longo e a medida que eu recitava, gravuras escondidas nas bordas da página iam aparecendo. Todas as que faltavam expuseram-se quando recitei a última parte. - “O feitiço se completa. Agora tudo está visível”.

Por um segundo nada mais aconteceu. Então a escada usada para apanhar os livros mais altos moveu-se e um livro flutuava aberto, como se alguém o lesse, mas ninguém aparecia. O livro pairou até uma mesa próxima a medida que pudemos o que quer que o segurava tomando forma, começando pela silhueta e materializando-se diante de nossos olhos. Caspian pôs um braço a minha frente, puxando-me levemente para trás de si de forma protetora. Alguns segundos mais tarde, um homem de meia idade usando uma longa túnica folheava o livro que antes flutuava só. Girou até ficar de frente para nós, iluminado à meia-luz no ponto em que estava, encarou-nos indecifrável.


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Notas finais do capítulo

Então, esse capítulo foi uma mistura do livro, com o filme e as minhas ideias para a fanfic. Gostei do resultado, e vocês? Deixem reviews! Em breve terá uma novidade sobre a fanfic, aguardem :)
Reviews!
Beijokas!!