Ópera escrita por Misu Inuki


Capítulo 2
Um passo para uma nova vida




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/224389/chapter/2


Me ajeitei novamente no banco macio.
Meus pensamentos confusos, iam e voltavam na minha cabeça mais rápido que o ônibus que me levava naquele instante ao meu destino.

A paisagem não era muito diferente da qual eu estava habituada. Apenas estavam sendo observada por um ponto de vista diferente.
Qualquer um daqueles enormes prédios, poderia ser idêntico ao meu antigo apartamento.
Mas, dali sentada, observando distantemente, parecia muito mais mágico.
A luz do interior dos edifícios atravessam pelas janelas espelhadas, como pequenas estrelas brilhantes numa noite sem luar.

Luzes discretas, que ao mesmo tempo que nos fazia crer que víamos tudo que estava lá dentro, mas na verdade, não nos permitia ver nada além dos vidros espelhados.
Era exatamente assim que eu poderia definir a minha vida naquele momento.

Haviam acendido uma pequena luzinha no meu passado obscuro, mas ela apenas serviu para me deixar ainda mais perdida e curiosa.

Poucos meses atrás, recebi uma ligação interurbana dizendo que eu, Katherine Chevalier, era a única herdeira do importante Jin Young Lee, e que ele era meu bisavô.

Fiquei muito surpresa, pois jamais passou pela minha cabeça que eu teria decendência coreana -afinal pelo meu sobrenome pensava que era francesa-, e muito menos que tinha um parente nobre.

Durante uma quase não compreensível conversa pelo telefone, e algumas reuniões com a Embaixada Sul Coreana, não consegui descobrir muita coisa.
Além de saber da existência dessa distante patriarca, descobri que minha herança não era de todo tão valiosa. Meu bisavô tinha terras com plantações que fizeram fortunas em sua época, mas como muitas décadas se passaram, elas estavam inférteis, e completamente destruídas.
Grande parte do dinheiro também se perdeu com o tempo, e me restava apenas o suficiente para custear a minha viagem, recuperar apenas o essencial na mansão, e me bancar na Coréia do Sul durante um ano ou dois.

O embaixador, me aconselhou a tentar vender a casa para a construção de um museu, ou alguém rico louco por antiguidades.
Senão conseguisse, pelo menos o terreno amplo, me renderia alguma coisa.

Concordei, mas o que menos me interessava era o dinheiro.
A chance de descobrir no meio daquela mansão empoeirada algum vestígio sobre a minha família e a minha história me deixa cheia de expectativas.
Larguei minha faculdade de História, pedi demissão do meu emprego de secretária.
Usando o dinheiro que eu estava começando a juntar para  comprar o meu carro, paguei um professor particular para um curso intensivo de coreano.

Estudava quase cinco horas por dia, e ainda passava mais duas horas fazendo exercícios de grámatica e caligrafia.
Quando me sobrava tempo, lia livros sobre a cultura do país.
E finalmente, depois de muito esforço,  estava eu em território Sul-coreano, há poucos metros de descobrir  o meu passado... E definir o meu futuro.

Minutos depois o ônibus parou na rodoviária.
Passei rapidamente as mãos pelos cabelos, bagunçados pela viagem, no intuito de parecer pelo menos um pouco respeitável.
Sem presa, organizei minha bagagem de mão, e desci para pegar o resto das malas.

Me perguntava se teria sido realmente uma boa ideia, ter vindo para um pais distante sem conhecer nada nem ninguém. Mas em poucos instantes, graças a ajuda gentil de algumas pessoas, consegui achar o taxí.

Como tinha duvidas sobre a pronuncia do endereço, escrevi num pedaço de papel e entreguei ao motorista assim que entrei no carro.
Era um senhor com os olhos apertados e algumas rugas, mas seu sorriso simpático desapareceu depois de ler o que estava escrito.

-Mas, essa é a mansão Lee!- ele falou gesticulando para que eu entendesse.
-Sim, eu sei.- respondi sorrindo- E é pra lá mesmo que eu quero ir.

-Desculpe a pergunta, mas a senhorita é repórter?

-Não- eu ri- Acaso me pareço com uma repórter?

-Não...Sim... Quero dizer... Se não é para fazer uma reportagem, porque a senhorita quer ir num lugar tão ruim?

-Ruim?- perguntei começando a ficar preocupada. É claro que eu sabia que o estado da mansão não era bom, mas não teria dinheiro o bastante para reformar tudo se estivesse tão caótico. –Mas muito ruim, mesmo?

-Sim, lá é perigoso. Se eu fosse a senhorita, jamais colocaria os pés lá.

Fiquei em silêncio durante alguns instantes.
Talvez não fosse seguro passar á noite no casa. Afinal, era uma construção muito antiga, e eu já havia ouvido várias reportagens sobre desabamento de lugares até mesmo muito mais novo que lá.

-Não se preocupe- tentei tranquilizar o senhor- Provavelmente nem vou demorar lá.

O taxista não disse mais nada e deu partida no carro.
De vez enquando ele olhava para mim pelo reflexo no espelho.
Seu rosto era uma mistura de admiração pela minha coragem, e algo que parecia... pena por alguma coisa que não consegui entender.

O trajeto se passou dessa forma.
Não houve nenhuma troca de palavras depois disso.

Silêncio...
Era algo que estava completamente acostumada a conviver.
Completamente cercada pelo silêncio e pela solidão.

Ri para a paisagem do lado de fora, sem nem ao menos prestar atenção nela.
Lamentar era algo tão dramático, tão fútil.
E eu não tinha tempo para isso.

Alguém sem família, sem amigos, sem passado, precisa encarar o presente de frente todos os dias. Precisa aprender a se virar, a cuidar de si mesmo.
E foi o que eu fiz.

Batalhei a minha vida inteira para conseguir estudar.
Por sorte, alguns anjinhos apareciam aqui e ali para me ajudar.
Mas do mesmo jeito que apareciam, eles sumiam rapidamente.
Me deixando presa no silêncio novamente.

Eu nunca quis me afastar das pessoas.
Mas eu não tinha tempo para fazer amizades, sair e conhecer gente.
Então largar tudo e vir para um outro país, não me pareceu tão doloroso.
Me mudei tantas vezes, que até já havia perdido a conta.

O motorista parecia me achar corajosa como uma super heróina.
Mas, eu sabia que não era...
Na verdade, quando a gente cai e tem que levantar no mesmo instante por várias vezes, o medo de cair novamente se torna insignificante.
Pois não importa o tamanho da queda, você sabe que tem que levantar e ponto.
Não é uma questão de coragem, porém seja o que for que eu tivesse que enfrentar, o faria sem hesitar uma vez.

Depois de seguirmos em um trilha de terra durante alguns minutos, o carro finalmente parou.
Olhei para frente, e quase ri.
Altos portões de ferro fundido, trancados por um grosso e antigo cadeado.
No centro parece ter uma espécie de brasão, emblema, que mesmo de longe e com idade que ele tinha dava para ver a inicia “L”.
Me senti olhando para os portões do castelo da Fera, o príncipe transformado em besta por uma bruxa má.

O motorista saiu do carro, e abriu o porta-malas.
Sem esperar por mim, foi colocando as minhas malas em frente aos portões de ferro.
Sai do carro, sem me importar.
Era um caminho relativamente longo até a casa principal, mas o motorista parecia tão apresado que eu não me importei de descer ali mesmo.
Ri novamente, pensando se o pobre senhor estava com medo pensando que ali realmente tinha um Monstro encantado.

“Isso me faria a doce e gentil Bela, a mocinha que salva a história.”- gargalhei sozinha enquanto pegava o dinheiro da corrida na bolsa.

-Aqui está senhor, muito obrigada.- entreguei-lhe o dinheiro.

-Vou dizer mais uma vez: Esse lugar não é bom. Muito menos para uma jovem sozinha.

-Agradeço a preocupação, mas posso me cuidar bem sozinha.

“Senão conseguir, vou ligar para aminha Fada Madrinha”- completei em pensamento segurando o riso.

-Então....Boa sorte.

Ele abaixou a cabeça e foi para o carro, dando partida e saindo rapidamente.
Olhei através das grades do portão novamente.
Dava para ver a mansão, e dava claramente para perceber seu estilo europeu.
Apesar de coreano, meu bisavó era encantado pelos movimentos que aconteciam na Europa, e a casa tinha sido inspirada no estilo das construções de “la belle epoqué” na França.
Essa foi uma das poucas informações que eu descobri sobre ele.

Peguei o meu celular e liguei para o responsável pela situação desde o começo.
Ele iniciou as buscas pelo único herdeiro do Lee, e cuidou de tudo para que eu viesse.
O nome dele era Park Sang Woo, um coreano de olhos apertos de sorriso gentil, inteligente alguns anos mais velho que eu.

Conversamos durante alguns mitos, e eu avisei que passaria a noite na casa.
Ele insistiu para que dormisse em um hotel, que ele conseguiria arranjar uma vaga para mim em qualquer lugar do  país.
Agradeci, mas neguei.
Afinal tinha muito o que fazer ali, e já tinha dormido em lugares muito piores.

-Tudo bem, qualquer coisa me ligue.

-Pode deixar.- E acrescentei em voz baixa- Fada –Madrinha.

-O que?

-Nada, tchau.

-Tchau.

Desliguei o telefone, rindo.
Peguei o molho de chaves velhas que tinha recebido do Sang pelo correio, e apesar das dezenas de chaves, consegui achar sem dificuldade a que abriria o portão principal.
O cadeado abriu, e as pesadas correntes caíram de uma só vez no chão.
Empurrei um dos portões com dificuldade, pois ele era muito mais pesado do que pensava.
Ele abriu em um ruído altíssimo, que chegou a ecoar naquele lugar amplo e inóspito.

Organizei as malas, distribuindo o peso entre as duas mãos.
Respirando fundo, entrei de cabeça erguida no terreno esquecido pelo tempo.
Tão esquecido e abandonado como eu mesma.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ópera" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.