Premonição: A Morte Está a Bordo escrita por João Lindley


Capítulo 1
Sorte




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Os olhos de Chad estavam vidrados na moeda. Ela dava voltas no ar enquanto ele torcia mentalmente para que caísse encima da mesa com o lado da coroa virado pra cima, pois isso lhe daria a vitória. Ele não sabia que apenas alguns segundos com o moeda no ar daria tempo dele pensar em tantas coisas, como por exemplo, como iria explicar para seus amigos o medo da água quando entrasse no transatlântico Perry180.  Chad nunca havia se aproximado do mar ou do oceano por causa de um trauma de infância, que ele lembrava todos os dias desde que descobrira que ganhara duas passagens com direito a acompanhante para um luxuoso cruzeiro. Mas como explicar a seus amigos que a morte de seu pai de anos atrás ainda o afetava de maneiras intensas sem fazê-los desistir da viagem?

Ao lado de Chad na mesa, estava Alice, sua melhor amiga de infância, que estava preocupada demais em olhar pela janela do bar onde estava do que prestar atenção nas apostas de Chad e Scott. Ela os achava infantis, e mais infantil ainda era apostar na moeda sobre o filme que veriam dentro do navio na primeira noite. Enquanto Scott queria um de ação, Chad escolheu uma comédia romântica para satisfazer as garotas, ou pelo menos, Jill, já que Alice com certeza votaria para assistir um de terror.

Da janela, Alice podia ver o navio em que iriam embarca em alguns instantes e parecia muito relaxada, ter medo de um transporte tão seguro não era sua praia, já que era conhecida como forte e achava quase tudo banal. 

Do outro lado da mesa, bem ao lado do garoto loiro de olhos castanhos chamado Scott, estava sua namorada Jill, cabelos longos e loiros e olhos azuis de dar inveja, ficava ainda mais atraente com aquela franja que cobria completamente sua testa. Ela encarava Alice, que bebia seu suco sem disfarçar seu desinteresse.

Quando a moeda caiu, ela ficou rodando na mesa por milésimos de segundo e depois parou, com a o lado da coroa virado pra cima.

- Que saco – Reclamou Scott, fazendo uma careta.

- Se prepare para uma noite de “Todo mundo em pânico” e “American Pie” – Disse Jill, num sorriso vitorioso.

- Por que você tem que ser tão mariquinha? – Scott olhou para Chad, que até então apenas observava a cena de Jill comemorando sua vitória.

- Desculpa, cara – Pediu Chad – Damas primeiro. E se você fosse tão cavalheiro teria deixado sua namorada assistir o filme que quisesse sem precisar usar a minha sorte.

- Falou e disse – Jill recostou-se na cadeira e tomou um gole do seu suco pelo canudinho.

-Que seja, quando vocês dormirem eu coloco Duro de Matar – Scott piscou para Jill, estava querendo provocar.

- Ou qualquer outra coisa que melhore sua ereção – Disse Alice, que imediatamente olhou para o rosto envergonhado de Scott.

Chad e Jill caíram na risada. Scott deu um sorriso, mas suas bochechas estavam vermelhas, queria disfarçar o constrangimento.

- Fala como se soubesse sobre meu desempenho, não é Alice?

- Está esquecendo de um detalhe... Mulheres falam.

- Jill – Scott olhou para ela, a garota ainda estava rindo – Não acredito que você falou essas coisas pra ela...

- É brincadeira, amor...

Alice revirou os olhos e deu um sorriso para Chad enquanto Jill e Scott começaram a tagarelar. Alice olhou novamente pela janela enquanto Chad continuou olhando pra ela. O que Alice tinha de linda, tinha de inteligente. Seus cabelos negros desciam até o ombro, eram bem lisos, como se Cleópatra e seus olhos verdes brilhavam com o sol. Na boca ela possuía o sorriso mais seguro que Chad já vira e uma pele bem pálida. Chad achava incrível como nada abalava aquela garota e como sua forma de pensar era sempre superior a de todos.

- Muito animado? – Ela perguntou, dando mais um gole no suco, mas seu olhar ainda pairava do navio e das pessoas que caminhavam pelo cais.

- Sinceramente? – Ele hesitou – Não sei onde eu estou com a cabeça...

- Relaxa – Ela olhou pra ele – Você não está ali dentro ainda, pode fingir uma dor de barriga e escapar dessa tortura medieval.

- Não... – Ele olhou pras mãos, encima da mesa, quase cobertas pelas mangas de seu casaco preto – Eu quero fazer isso...

- Você não precisa fazer só porque seu pai iria querer. Porque na verdade, ele nunca desejaria que você fizesse coisas que ultrapassassem seu limite... – Ela deixou o copo encima da mesa.

- Eu sei, eu só... – Ele olhou pra baixo e balançou a cabeça negativamente, como se estivesse negando algo, ou querendo não pensar em alguma coisa – Não quero mais ser o garoto medroso, entende?

- É claro – Alice pegou nas mãos dele, estavam muito geladas, como se ele estivesse passando mal, mas preferiu não dizer nada.

Ao lado, Scott e Jill ainda estavam com sua pequena briga, que todos sabiam que iria acabar na cama. Alice e Chad olharam pra eles no momento em que ambos estavam se pedindo desculpas e dando um beijo. Alice trocou um olhar de nojo com Chad, que apenas sorriu, sem mostrar os dentes.

O beijo de Scott e Jill foi apenas um selinho, já que o celular dela tocou no exato momento e atrapalhou o momento.

- Desculpe – Ela pediu e tirou o celular do bolso. Quando olhou no visor, deu um suspiro – É a minha treinadora, esta é a quinta mensagem suicida dela desde que falei que não participaria do campeonato.

- É compreensível, Jill – Alice olhou pra ela – Qualquer treinadora piraria se sua melhor patinadora desistisse de uma competição importante pra viajar num cruzeiro com os amigos. É de cortar o coração, você estaria morta se eu fosse ela.

- Preciso atender, desculpem – Ela se levantou da cadeira e caminhou na direção do banheiro.

Chad olhou para Scott, o garoto não se preocupou em disfarçar seu incômodo. Ele sabia que a patinação no gelo era importante para Jill, mas já havia dito que percebeu em seu olhar que ela não estava feliz em ter desistido da competição pra viajar com ele, e isso deixa seu rosto de desânimo bastante normal. Ele disfarçou pegando seu copo de suco à sua frente e tomando um enorme gole.

Chad trocou um olhar com Alice, ela estava incentivando ele a falar com Scott sobre aquilo, mas ele sabia como ele era, iria negar tudo, mas depois iria arrumar briga com o primeiro que aparecesse só para ter o prazer de espancar alguém. Scott sempre teve um temperamento difícil.

- Scott, se ela disse que está tudo bem, é porque está – A voz de Chad soava calma, ele estava com medo de falar.

- Não sei... – Ele deixou o copo encima da mesa e o fitou – Não quero ser o cara que destrói os sonhos de uma atleta...

- Cara, ela vai ter outras oportunidades, ela é ótima – Reconfortou Alice – Mas agora só está precisando ficar um pouco perto de você, por isso desistiu da competição, não tem motivo pra ficar grilado.

- Querem saber? Vocês têm razão – Scott levantou-se – Vou pegar mais bebida pra animar isso aqui, vocês querem?

- Não – Chad e Alice responderam ao mesmo tempo, não iriam querer o suco de laranja batizado com a vodka que Scott levava no bolso.

- Vou trazer mesmo assim – Ele deu meia volta e dirigiu-se para o balcão.

- Nossa... – Alice olhou para trás, viu Scott chamando o barman para atendê-lo – E eu que pensava que o modelo e filho do dono de uma rica fábrica de madeira não tivesse coração... – Ela olhou para Chad – Acho que ele compensa o desmatamento em preocupação com o relacionamento.

- Para com isso – Chad sorriu, assim como Alice.

Quando Chad ouviu o sininho da entrada tocar ele se virou, queria saber quem estava entrando. Pra sua surpresa, era Rachel e Naomi, as primas estranhas que faziam duas matérias com ele no colégio, nunca haviam trocado uma palavra, e Chad sabia porque. Naomi era loira com o cabelo liso e suas roupas eram sempre as mais caras. Ela tinha um olhar superficial no rosto e os brincos mais caros que um pai adúltero pode comprar. Já sua prima Rachel, era bem simples, tinha longos cabelos castanhos e olhos da mesma cor. Ela era linda, mas seu rosto espelhava que ela estava à espera de um príncipe encantado e por ele vai se guardar para o resto da vida. Talvez se não andasse com alguém tão fútil como Naomi, tivesse mais sorte.

Rachel carregava uma mochila no ombro esquerdo e no outro ombro havia as coisas de Naomi, que caminhava na frente da garota sem nada nas mãos, sabendo que todos os homens daquele bar estavam olhando pra ela.

- Que legal, Naomi chegou – Ironizou Alice – E trouxe sua escrava...

Quando Alice terminou de falar, Rachel acabou caindo no chão, a mochila estava pesada demais. Naomi olhou pra trás e assim como todo mundo no bar, ela riu.

- Mais cuidado, Rachel – Pediu Naomi.

Rachel não falou nada, deu um suspiro de cansaço e levantou-se do chão. Naomi passou direto e foi até o balcão onde Scott estava pegando suas bebidas. Sentou-se no banco e fitou a enorme prateleira de bebidas à sua frente. Rachel chegou logo depois e sentou ao lado dela.

- Sério, essa é a ultima vez que eu me ofereço pra te ajudar com suas coisas – Rachel jogou sua mochila no chão – De algum jeito, sua Prada parece bem mais pesada que minha mochila de coisas necessárias pra uma viagem.

- Pare de reclamar e me ajude a escolher o que beber...

- É uma da tarde, você sabe o que o Doutor Kelvin disse sobre você beber demais...

- Dane-se o Kelvin, ele pode me fornecer algumas pílulas no fim do mês, mas é gay demais pra olhar pra mim. Acho que vou de Dry Martini – Naomi puxou sua bolsa para perto de si e a abriu.

- Que seja – Rachel suspirou, derrotada.

- Esse cruzeiro vai ser tão divertido... – Reclamou Alice, lá atrás, referindo-se a biscate da Naomi, que transara com seu tio no ultimo sábado na festa de Chrissy – Ainda dá tempo de desistir, Chad.

Chad olhou para Naomi e Rachel que. A não ser que Naomi se incomodasse com as roupas dele mais uma vez, ela não era um bom motivo para ele levantar daquela mesa e voltar pra casa.

No momento em que Scott chegou, ele colocou os dois copos cheios de suco de acerola encima da mesa, cada um deles vinha com um guarda-chuva de enfeite por cima. Ele tirou a pequena garrafa prateada de vodka do bolso e despejou nos dois copos, e tudo isso estava sendo observado com cautela por Chad e Alice. Quando percebeu os olhares dos amigos, ficou na dúvida, não sabia porque estavam olhando pra ele daquele jeito.

- O que foi? – Perguntou, como se beber uma da tarde fosse completamente normal.

- Pega leve aí, ta bom? – Pediu Alice.

Naquele momento, Chad parou de prestar atenção no que Scott estava fazendo e olhou pela janela. Havia um policial fiscalizando a entrada de pessoas no navio, muitas delas já estavam embarcando. Ele afastou a manga de seu casaco e olhou no relógio de seu pulso, faltava apenas meia hora pro navio zarpar, isso significava que eles tinham que entrar logo, certo? Mas não dava pra saber, tinha dezessete anos, era a primeira vez que entraria num navio, não sabia das regras de embarque.

- Pessoal, acho que já temos que ir... – Ele disse, colocando a manga de volta encima do relógio.

- Mas já? – Indagou Scott – Jill ainda nem voltou.

- Estou aqui – Ela disse assim que se sentou, ainda estava guardando o celular no bolso.

- Falta meia hora pro navio zarpar, não acham que temos que entrar logo?

- Calma Chad, estamos aqui do lado – Alice deu um ar de risos.

- Eu também acho melhor irmos logo –Concordou Jill – Estou louca pra ver como vai ser nosso quarto.

- Saco – Reclamou Scott – Podem ir na frente, só vou beber um pouco e fechar a conta.

- Certo – Chad pegou sua mala ao seu lado assim como Alice e Jill.

Os três levantaram da mesa e saíram do bar, fazendo o sininho balançar, Scott odiava aquele barulho. Ele olhou pra trás e viu Rachel e Naomi conversando com o barman e pelo jeito dele, Naomi já estava dando mais uma de suas cantadas explícitas.

- Eu fui ginasta até meus doze anos – Ela disse – Mas depois parei, e isso não quer dizer que não consigo mais ser flexível.

O barman sorriu, mas estava achando que Naomi estava bêbada. Rachel estava envergonhada ao lado da prima, se perguntando como ainda tinha coragem de andar com ela.

- Acho que esta é uma ótima característica para qualquer mulher – O barman entrou no jogo dela e a fez sorrir.

- Eu sou Naomi, a propósito – Ela estendeu a mão para ele, sorrindo com desejo.

- Clark – O barman respondeu e apertou sua mão – Naomi é um lindo nome.

- Espera só até ouvir meu telefone...

- Ok – Rachel se levantou – Ta na hora de irmos Naomi.

- Mas eu ainda nem terminei minha bebida – Ela reclamou, queria ficar ali tempo suficiente para pelo menos pegar o numero do barman.

- Eu sei, mas eu quero entrar logo, estou ansiosa – Rachel mentiu, só queria tirá-la dali a qualquer custo.

- Tudo bem – Naomi suspirou. Tirou dinheiro de sua bolsa e pagou o drink – Até breve, Super-Homem – Ela disse, antes de se levantar e sair andando.

- Me desculpe por isso... – Pediu Rachel ao barman, estava completamente envergonhada.

- Tudo bem – Ele sorriu, estava se divertindo com aquilo.

Rachel correu para alcançar Naomi, ela já havia saído do bar.

Lá fora, Chad parou de andar para poder olhar pro navio. Ele era enorme, preto e branco, mas o que mais chamava atenção eram suas chaminés. Havia três em forma de cilindro, metade laranja e metade preta, iguais as do Titanic. Ele percebeu que não sabia o nome daquilo e nem para que servia, estava se achando patético. Só sabia que aquilo dava um ar antigo, o navio não era dos mais modernos, e parecia ser de propósito.

Quando leu o nome do navio ao lado, seu corpo estremeceu. Ele não sabia porque, mas tinha acabado de sentir uma sensação estranha. Talvez fosse pelo nome, afinal, que tipo de capitão batizaria um navio luxuoso como aquele de “Prerry180”? O nome do navio estava gravado na parte preta da sua lateral em letras estranhas, parecia ser a assinatura de alguém que possuía uma letra linda.

- O que foi, Chad? – Perguntou Jill, fazendo careta, pois o sol batia em seu rosto.

- Nada... – Ele sussurrou, mas logo tirou aquela sensação estranha da cabeça, aquilo era apenas o medo tentando fazê-lo pirar – Achei o nome do navio bem sutil.

Jill e Alice olharam pro nome, acharam a mesma coisa.

- Talvez ele tenha passado uma noite quente com Katy Perry e a prima no quarto 180, nunca achei que “I Kissed a Girl” fosse aleatório – Brincou Alice.

- É o nome da minha mãe... – Disse Serena, a garota que misteriosamente apareceu atrás deles.

Os três olharam pra trás, queriam saber quem era a misteriosa garota que atrapalhara a conversa. Ela estava olhando pra eles, com um olhar meio triste, estava magoada por terem caçoado do nome do navio de seu pai. Seus cabelos loiros voavam pro lado esquerdo por causa do vento e muita parte dele acabava ficando na frente de seu rosto. A garota ainda estava com um vestido altamente curto e várias malas com couro de onça atrás dela, e logo foi reconhecida por Chad. Ela era Serena Biltz, a protagonista de um slasher feito para a TV que havia ficado bastante famoso.

Serena olhou para o nome do navio e colocou seu óculos, o sol a estava matando.

- Me desculpe... – Pediu Jill, por ter xingado o navio com o nome de sua mãe – Nós não sabíamos...

- Tudo bem. Como vocês saberiam se foram os sortudos de baixa renda que ganharam a promoção daquele hotel de quinta? Deveriam ficar em casa, ta na cara que este cruzeiro não é do nível de vocês... – Ela sorriu, toda vitoriosa.

- A gente já pediu desculpas – Sibilou Alice, estava completamente insultada.

- Eu sei. Agora se me dão licença... Pietro – Ela ordenou a seu carregador que pegasse suas bagagens apenas chamando seu nome. Saiu rebolando na direção da enorme escada do navio.

- Ai meu Deus... – Alice deu um ar de risos, não acreditou que aquilo tinha acontecido – Acabamos de levar um chega pra lá de Serena Biltz?

- É, eu acho que sim – Chad olhou para Serena, estava subindo as pequenas escadas.

- Já vi que essa viagem vai ser muito divertida... – Alice tomou a frente e caminhou na direção da escada, pensando num plano maligno para se vingar de Serena.

- Isso vai ser interessante... – Comentou Jill.

- Se vai... – Chad concordou antes de caminhar na mesma direção que Alice.

Jill os seguiu e tomou um susto quando Scott apareceu por trás e a agarrou. Ele beijou seu rosto e depois segurou sua mão esquerda, já que a direita estava ocupada com sua mala.

- Você me assustou...

- Relaxa, a gente vai se divertir. Nada de pensar em competições de patinação no gelo... – Ele ficou a frente dela, caminhando de costas, pois ela não parou de andar – Ou pais ausentes que se preocupam mais em destruir a Amazônia do que aconselhar seus filhos. Essa é a viagem dos nossos sonhos e a pior coisa que pode acontecer é o navio afundar.

- Muito reconfortante – Jill deu um meio sorriso.

- Qual é? Se anima, prometo fazer a cena do Titanic com você.

Chad chegou até o primeiro degrau da escada e olhou pra trás, Scott tinha carregado Jill, ela gritava pra ele parar, mas seu sorriso demonstrava que estava gostando daquilo. Bem atrás deles, Naomi e Rachel caminhavam para a mesma direção, pareciam estar discutindo, e realmente estavam; Naomi estava dando sermão na prima e melhor amiga por ter feito ela ter perdido a chance de encontrar o amor de sua vida, isso referindo-se ao barman.

- Anda – Pediu Alice, quando percebeu que Chad estava distraído.

- Desculpe – Ele pediu e subiu o primeiro degrau, já com o passaporte nas mãos.

Ele olhou para seu passaporte, notou mais uma vez como ele estava horrível naquela foto 3x4 tirada as pressas. Seu cabelo que normalmente era liso e jogado pro lado esquerdo numa franja estava arrepiado e sua pele que era bem pálida parecia ter escurecido um pouco mais, sem falar nas olheiras que ficaram completamente visíveis na fotografia, resultado de duas noites sem dormir para terminar o trabalho de química do Senhor Kempper.

Quando se cansou de enumerar seus defeitos, olhou pra frente, havia um casal olhando para os lados, a mulher parecia estar com medo. Seu companheiro segurava em sua mão e lhe dizia que ia ficar tudo bem, pois numa viagem de navio, não existe nada a temer. Nada a temer, Chad repassou a frase do desconhecido na sua cabeça. Ele olhou pro lado quando subiu mais alguns degraus da escada branca, podia ver o oceano, mas o que lhe chamou atenção foi uma parte do navio que notara estar enferrujada. Não estava em destaque, mas ele havia percebido, e achou muito estranho. Segurou no corrimão com a mão esquerda e olhou pra frente novamente, decidiu prestar atenção na conversa do casal a sua frente, só pra se distrair.

- Você tem certeza que é seguro? – A mulher perguntava, com medo em seus olhos.

- Claro querida, este é o navio mais seguro do mundo – Seu marido queria lhe tirar o medo – Nada vai acontecer, eu prometo.

- Mas e se ele afundar?

- Há! – Serena riu, ela estava na frente deles, isso logo chamou a atenção de Chad e do casal – Esse navio é do meu pai e ele é o melhor. Nem Deus afunda esse navio – Ela entregou seu passaporte a um dos homens que supervisionavam a entrada do navio.

Chad achou o comportamento de Serena completamente absurdo, mas nem ele sabia se acreditava em Deus ou não. Para ele era fácil acreditar que alguém criou tudo e está tomando conta de todos os seres vivos, mas se realmente existisse um Deus, por que ele tinha levado seu pai quando ele mais precisava?

Ele olhou pra trás e notou que Alice já estava com seu celular em mãos e os fones de ouvido, ela sempre fazia aquilo toda vez que iria viajar. Chad podia ver o chiclete rosa que ela mascava quando abria a boca para acompanhar a letra da musica em sussurros, e se sentiu um idiota outra vez por sempre reparar em coisas que não fazem sentido.

- Senhor, seu passaporte – O homem de uniforme à frente dele pediu, mas Chad estava no mundo da lua – Senhor, seu passaporte, por favor.

Chad não fazia idéia de que estavam falando com ele, estava mais preocupado em prestar atenção em tudo, como se cada coisa daquele momento fosse muito importante. Ele olhou para sua mão que estava no corrimão e notou que uma parte dele também estava enferrujada.

- Senhor, senhor! – O homem chamou, até que Chad lhe deu atenção.

- Oi – Ele disse, sem graça.

- Seu passaporte, por favor.

- Claro – Chad entregou a ele e olhou novamente pra trás, seu olhar foi exatamente na direção de Rachel.

Rachel, bem atrás de Naomi, parecia distante. Ela estava pensando em muitas coisas, que pra ela não valiam a pena. Estava irritada pelo comportamento de Naomi que já estava passando dos limites, mas se sentia mal de pensar nisso, já que a mãe dela, sua tia, lhe pedira no leito de morte para ela cuidar de sua filha, pois ela ainda não sabia como era o mundo lá fora. E Naomi realmente não sabia, bebia qualquer hora do dia, dava cantadas até nos primos e achava que era melhor que qualquer um só porque podia comprar uma Prada. Mas no fundo, não era isso que incomodava Rachel. Ela sentia o ar gelado, mesmo para aquela hora do dia. Nova York era um lugar frio, mas não naquela época do ano. O vento que batia e balançava seus longos cabelos castanhos lhe davam arrepios, sem nem saber porque.

Ela olhou pra frente assim que seus sentidos lhe disseram que alguém estava olhando para ela. Seus olhos encontraram o de Chad que imediatamente virou pra frente e pegou seu passaporte de volta.

- Boa viagem – Desejou o homem.

- Obrigado – Chad entrou no navio.

A primeira coisa que ele notou foi exatamente a imensidão daquele lugar. Se olhasse para o lado das mesas de jantar próximas a ele, parecia que o navio não tinha mais fim. E várias pessoas já estavam transitando por lá. Era tudo muito elegante de um jeito antigo, uma coisa com que Chad não estava acostumado. Do outro lado ele via duas piscinas, ficavam na parte externa do navio e várias pessoas com roupa de banho já se divertiam por lá. Do outro lado ele notou alguns carros, estavam lado a lado, todos eles pareciam ser de ricos.

Quando olhou pra trás, percebeu Alice um pouco atrás dele, também olhando pra tudo.

- Esse lugar é demais – Ele disse, mas ela não ouviu.

- O que? – Ela tirou um dos fones e deu um passo em sua direção.

- Disse que vai ser divertido – Ele mentiu.

- Três dias com os ricos e metidos... Foi o que eu sempre sonhei – Ela passou na frente dele, toda diva da ironia.

- Onde você vai?

- Pro meu quarto, se eu fosse você faria o mesmo.

Chad olhou para o passaporte em suas mãos, nem tinha percebido que havia um envelope vermelho com ele. Na frente, havia o logotipo do hotel em que fora sorteado. Ele o abriu e tirou de lá uma carta e uma chave.

“Parabéns, você foi o grande premiado da promoção ‘Oceano’ do Hotel Silver Pacific. Aproveite a estadia com seus acompanhantes em um dos melhores cruzeiros da América, tudo por nossa conta!”

Chad fechou a carta e fez um olhar de tédio, tinha achado ridículo que mandassem a mesma carta para ele que mandaram quando ele descobriu que havia ganhado, não se preocuparam nem em mudar algumas palavras ou trocar o papel bege e grosso da impressão. Ele guardou a carta dentro do envelope vermelho e o colocou no bolso. Fitou sua chave, estava no quarto 081, que ele já sabia, mas achou estranho ter que dividi-lo com Alice, a garota que falam que tem uma paixonite adolescente por ele desde quando eram crianças e brincavam de castelo de areia na praia, a única coisa que Chad fazia quando viajava já que passava longe da água do mar.

Ele caminhou até o corredor mais próximo e dobrou, mas ali não era o corredor dos quartos. Havia mais duas opções de caminho para ele, que preferiu ir pelo lado esquerdo, quase dando de encontro com uma garçonete uniformizada. A bandeja dela quase caiu e ela pediu desculpas, mesmo que a culpa tenha sido dele, que caminhava distraído.

O corredor era o certo, ele percebeu quando viu Alice brigando com a fechadura para abrir o quarto. Ele sorriu enquanto a observava, queria saber quando ela iria desistir. Mas Alice nunca desistia, ela primeiro quebraria a chave dentro da tranca antes de se dar por vencida. Só parou de tentar abrir e xingar a porta quando olhou pro lado e percebeu que Chad estava olhando pra ela.

- Não me faça pedir – Ela disse, parecia um aviso.

- Tudo bem – Ele andou até a porta e girou a chave normalmente, a porta parecia ter aberto como mágica. Ele olhou para ela, que estava de braços cruzados, inconformada – O que foi?

- Damas primeiro – Ela sorriu de um jeito amargo para ele, queria ficar por cima, sempre, e para isso estava sugerindo que ele entrasse primeiro.

Chad apenas riu, sabia que não podia ligar para os chiliques pessoais da melhor amiga ou então acabaria tendo uma enorme dor de cabeça. Ele entrou no quarto e a primeira coisa que fez foi jogar sua mala no chão. Alice entrou logo em seguida e fez o mesmo assim que fechou a porta. Colocou as mãos no bolso e observou tudo com cautela, pela primeira vez, estava achando que a vida de rico não deveria ser tão ruim assim, já que eles poderiam usufruir daquela suíte quase nupcial e aproveitar todas as regalias que um cruzeiro poderia oferecer.

- Uau – Ela disse, assim que notou os banheiros chiques – Assim eu também queria ser rica...

Chad não lhe respondeu, apenas se jogou na cama, notando que ela era a mais confortável em que já deitou em toda sua vida. Ele fitou o teto e fechou os olhos, poderia relaxar ali mesmo e dar um cochilo, se não fossem pelos gritos de Scott e Jill do outro lado do corredor. Ele levantou a cabeça e olhou pra porta, mas ninguém entrou. Alice fez a mesma coisa e depois trocou um olhar com Chad, estava achando que aqueles dois pelo menos sabiam se divertir.

No corredor, Scott tinha acabado de chegar com Jill no colo, que já estava aos gritos. Ele a deixou no chão e a encostou na parede, preparando o primeiro beijo deles dentro do navio.

- Eu te amo... – Ele sussurrou, bem perto do rosto dela.

- Eu te amo... – Ela disse de volta, olhando bem nos olhos castanhos dele.

Ele a beijou e a segurou com uma mão, pois com a outra tentava girar a chave pra poder abrir a porta. Quando a abriu, puxou Jill para dentro e a garota deu mais um grito. Eles trancaram a porta e se jogaram na cama, aos beijos.

No outro corredor, Naomi procurava cautelosamente pelo seu quarto, olhando para os números vermelhos gravados nas portas. Seus saltos faziam barulho e isso incomodava Rachel, que estava bem ao seu lado. Quando encontraram, ela parou, como se estivesse freando.

- É aqui – Ela disse e colocou a chave na fechadura.

Mas ela teve que voltar sua atenção pra briga que estava acontecendo há dois metros dela e de Rachel, entre dois homens. Eles gritavam insultos e palavrões enquanto tentavam falar verdades um para o outro, possivelmente tinham haver com o motivo da briga. Rachel achou aquilo horrível, aqueles dois homens estavam quase se matando bem ali e algumas pessoas ainda formaram uma roda para assistir de camarote.

- Que selvagens... – Reclamou Naomi, desdenhando dos homens.

Foi só três policiais chegarem que ela ficou bem mais interessada no assunto. Eles eram altos, fortes, bonitos, e Naomi se sentia culta por não pensar em dinheiro nessas horas. Dois deles seguraram os homens, que ainda insistiam em se chutar, enquanto o outro policial gritava.

- Parem com isso! – Gritava o policial.

- Olha só... – Sussurrou Naomi para Rachel, queria que a prima desse uma olhada no policial.

- Levem eles daqui! – Ordenou o policial aos outros dois – Tirem eles do navio!

Os dois policiais obedeceram e tiraram os dois homens dali, que ainda insistiam em brigar. O policial olhou para Naomi, ela já havia começado a jogar seu charme para ele. Ela o olhava com um sorriso malicioso no rosto, que foi muito bem recebido pelo jovem policial. Ele sorriu de volta e andou até ela e Rachel.

- Nossa, é incrível como este tipo de coisa ainda acontece – Naomi estava tentando puxar assunto, referindo-se a briga.

- É mesmo – Respondeu o policial – Mas acho que se não acontecesse, não teria motivos pra alguém exercer minha profissão...

- Eu vi como você tomou conta da situação... – Naomi leu a pequena placa dourada no uniforme do policial, estava escrito seu nome, Zac – Você parece bem experiente para um policial tão novo, Zac.

- Gentileza sua, senhorita – Ele havia ficado sem graça.

Naquele momento, Rachel já estava desistindo de prestar atenção em Naomi e observou o corredor. Serena estava falando ao celular com alguém e parecia muito risonha, com certeza era algum pretendente. Rachel a reconheceu imediatamente, era a garota daquele filme “Floresta Sangrenta”, horrível na sua opinião, mas tinha gostado da parte em que a melhor amiga dela é servida como janta para uma tribo de canibais deformados.

- Bom, se você quiser, pode passar no meu quarto pra gente tomar um drink... – Disse Naomi a Zac.

Rachel se enojou e entrou no quarto, mas Naomi e Zac nem perceberam, continuaram a flertar.

- Claro que sim – Ele respondeu.

- Você sabe onde me encontrar... – Naomi entrou no quarto logo depois de dar o ultimo sorrisinho sacana da vez.

Ela se escorouse na porta e fechou os olhos, estava encantada com Zac. Rachel, que estava sentada na cama, nem se preocupava mais com aquilo, Naomi era acostumada a fazer aquilo em qualquer lugar, mas desejava que não estivesse na sua presença quando se jogasse para cima de outro homem.

- Meu Deus! – Exclamou Naomi – Ele é super lindo! Você viu aqueles olhos?

- Vi Naomi, Vi... – Rachel tirou os sapatos e não disfarçou sua voz de “tanto faz”.

- Já sei o que vou fazer! – Naomi deu um pulo e correu para a penteadeira – Quer ir ao cassino comigo hoje à noite? Você precisa ir, você tem que ajudar com o Zac! – Naomi se olhou no espelho e voltou a tagarelar.

Rachel não estava prestando mais atenção no que Naomi estava falando, desde que começara a ouvir um barulho estranho. Era um chiado e estava perto, Rachel precisou olhar ao redor pra saber de onde vinha aquilo. Olhou primeiro para o lado esquerdo, onde Naomi checava sua beleza em frente ao espelho e depois olhou para o lado direito, dando de cara com um mini-rádio encima do criado mudo. O som vinha dele, e parecia estar com um conflito de freqüências.

Rachel prestou mais atenção no rádio, se perguntando quem havia ligado, foi aí que ele parou numa estação onde tocava uma musica macabra falando sobre morte. Ela olhou para Naomi, a prima ainda tagarelava sem parar, mas não disse nada, apesar de querer muitas respostas. Entre elas, porque o rádio começara a tocar sozinho e porque ela sentia aquela sensação gelada quando as estrofes da musica sussurravam palavras envolvendo morte. Rachel parecia estar num transe, a musica possuía um ritmo semelhante a gemidos agourentos e aquela sensação gelada só ia aumentando. Só saiu do transe quando Naomi gritou seu nome pela terceira vez, chamando sua atenção.

- Oi – Ela disse, virando-se para Naomi, estava sem jeito.

- Você ouviu pelo menos uma palavra do que eu disse?

- Não... Desculpa...

Naomi percebeu que ela estava desconfortável, mas ainda achava mais importante focar-se em Zac e no plano em que acabara de falar para Rachel, o qual a prima não tinha ouvido nada.

- Hello, Terra chamando Rachel.

- Desculpa Nai, estava distraída.

- Sei... – Naomi notou o rádio ligado e achou aquela musica horrenda – E por que você está ouvindo musica de enterro? – Ela andou até lá e com apenas um clique desligou o rádio – Sério, Ray, às vezes seu gosto musical me assusta... – Ela caminhou novamente para o espelho da penteadeira e começou a tirar seus brincos.

Rachel, não estava bem. Primeiro, porque presenciara um rádio ligar sozinho e como se não bastasse, a musica que começou a tocar era macabra.

- Preciso tirar esses brincos... – Disse Naomi, fazendo uma careta, sentiu dor quando tirou o primeiro – O que você acha de eu usar os de ouro que nossa avó me deu no natal?

- Ficarão perfeitos em você.

- É, eu sei – Naomi riu – Mas tenho que ser bem melhor do que já sou para impressionar Zac, estou achando que temos futuro.

Rachel olhou novamente para o rádio, ele parecia chamá-la, mesmo estando fazendo forças para prestar atenção no que Naomi estava dizendo. As estrofes “Morte, oh morte” não saiam mais de sua cabeça e só pioravam aquela sensação, que estava num nível macabro que ela ainda não tinha conhecido.


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Notas finais do capítulo

Capítulo 2: Eu Vi



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