Commentarius Angeli - Um Testemunho escrita por Francisco Lima


Capítulo 13
Capítulo 13 - O Suicida.


Notas iniciais do capítulo

No início deste capítulo a um trecho da musica "CANTO PARA MINHA MORTE", composta pelo cantor: RAUL SEIXAS.



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Capítulo XIII – O Suicida.

“Eu sei que determinada rua que eu já passei

Não tornará a ouvir o som dos meus passos.

Tem uma revista que eu guardo há muitos anos

E que nunca mais eu vou abrir.

Cada vez que eu me despeço de uma pessoa

Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez

A morte, surda, caminha ao meu lado

E eu não sei em que esquina ela vai me beijar...”

(Musica: Canto para minha morte; Compositor: Raul Seixas).

Quem de nós é capaz de saber até quanto estaremos vivos, até onde poderemos chegar, quantos passos daremos até não suportarmos mais a caminhada? E quando estivermos cansados, temos ou não o direito de aceitar que chegamos ao nosso limite e então escolher descansar? Ou talvez, se ainda temos forças para fazer esta aceitação, então quem sabe isso não signifique que ainda temos energia para continuar e por consequência, não podemos simplesmente nos recusar a dar um passo a frente? Acredito que não importa por qual estrada você caminhe, sempre se deve fazer todo o possível para que o ultimo passo, seja sempre o próximo.

6 de Setembro, agora são 23h12min. Acabei de chegar da faculdade. As primeiras provas do semestre estão se aproximando, e agora que estou trabalhando tenho menos tempo para estudar. O pior é que nem todos entendem como é dura a vida de um universitário.

Acho que todos têm historias curiosas sobre seus trabalhos. No meu, por exemplo, por mais que o ambiente seja extremamente incomodo, há situações que nos divertem. Hoje foi um dos dias em que algo de curioso e verdadeiramente cômico aconteceu.

De fato diário esta situação até parece ser coisa de roteiro de programas de comedia. Por volta das 8h00 da manha Jeferson, que nós chamamos de carequinha, responsável pelas análises feitas com o cromatógrafo da empresa no laboratório do controle de qualidade, veio até nós no setor da produção e comentou um flagra que havia acabado de acontecer. Foi muito engraçado ouvir em suas palavras.

– Arthur, Wagner, vocês não sabem o que aconteceu agora! – Falou carequinha, ou melhor, Jeferson.

– O que foi? – Perguntou Arthur curioso.

– O Sr. Afonso entrou no laboratório e me pegou dormindo na minha cadeira. – Jeferson comentou.

– Nossa, que droga! O que ele disse? – Perguntou Arthur.

– Eu estava sentado na cadeira cochilando e ouvi os passos dele vindo em minha direção. Foi isso que me acordou. – Ele respondeu. – Quando eu o ouvi, abri os olhos de vagar e ergui um pouco a cabeça, e então eu vi os seus sapatos. Ele não tinha como ver que eu já tinha aberto um pouco os olhos e então eu os fechei de novo e...

– Mas ele te pegou dormindo e você vai e fecha os olhos de novo? – Interrompeu Arthur.

– Não calma, me deixa explicar! – Jeferson pediu. – Eu vi os sapatos dele e então fechei os olhos de novo e falei baixinho, mas alto o suficiente para ele ouvir:

– Deus, abençoe também esta empresa. Abençoe o Sr. Afonso meu chefe, a quem sou muito grato e devo tanto, e abençoe mais este dia de trabalho. Daí eu abri os olhos.

As risadas de Arthur e minhas que estávamos ouvindo foram impossíveis de conter. Jeferson deu uma risada sem graça e comentou:

– Se eu não fizesse isso não teria como me justificar, pelo menos assim ele pensou que eu estava rezando.

– Mesmo o que ele disse? – Eu perguntei.

– Nada, ele deu uma risada meio amarela e depois me pediu para passar as analises de dois clientes na frente. – Ele me respondeu.

– Então ele não acreditou em você, ele só achou engraçado o seu fingimento e a sua cara de pau e ignorou o fato de que você estava dormindo! – Eu falei me contendo para não cortar meu próprio raciocínio com minhas risadas.

Normalmente meu trabalho é estressante, principalmente por causa do meu gerente, ele é muito mal educado, grita com todos, nos ofendendo na frente dos outros membros do setor discutindo conosco diante de todos ao invés de nos chamar para uma conversa em particular. Sem falar na falsidade típica dos ambientes de trabalho e das pessoas que estão sempre te criticando, só para desviar a atenção das atitudes antiprofissionais que eles mesmos praticam. Mas também ha bons momentos, e momentos engraçados não só como os citados por Jeferson, mas também como o da conversa entre Mauricio e Davi, que aconteceu depois do horário de almoço.

Mauricio estava irritado por algum comentário que ouviu de uma diretora da empresa depois que ele passou por ela por um corredor em direção as escadas. Não sei porque ele foi chamado lá em cima no escritório da empresa onde funciona o RH, mas quando ele voltou ele falou irritado:

– Não sei o que essa dona Samara acha que é, mas nossa, como são folgados! – Ele estava ficando vermelho de nervosismo. – Só porque é diretora da empresa e tem dinheiro se acha melhor do que nós, mas o que ela faz quanto senta no vaza do banheiro eu também, faço! – Ele falou, como algumas palavras a mais que eu julgo desnecessário comentar, minha educação não me permitiria isso. – Wagner não conteve uma risada quando escreveu isso.

Então Davi respondeu ao comentário de Mauricio:

– Pode ser que vocês façam a mesma coisa quando sentam no vazo do banheiro, mas o dela com certeza tem muito mais proteína, fibras, afinal ela se alimenta melhor, ela tem dinheiro para ter uma alimentação mais balanceada! – Todos no setor rimos muito com esse comentário.

Quando sai do trabalho fui ao centro comprar um tênis e uma camiseta antes de ir à faculdade, enquanto caminhava pela rua vi um menino de uns três ou quatro anos deixar cair uma grande bola de plástico azul no chão, sua mãe correu alguns passos para pega-la carregando-o no colo, o garoto pareceu achar graça disso. Foi também no centro que presenciei um fato incomum. Reunindo um grande numero de curiosos os bombeiros e alguns policiais, um homem estava no alto de um prédio de oito andares e ameaçava se jogar.

– Não é algo que se vê todos os dias não é? – Perguntou Pascal que surgiu à minhas contas me surpreendendo pela coincidência. Ele estava uniformizado com a farda da Policia Militar. Eu não esperava velo ali, não imaginei que ele estaria prestando serviço naquele lugar.

– Oi! – Falei apenas.

– Venha comigo! – Ele me falou e então me puxou pelo o ombro para longe da aglomeração de curiosos. Ele escolheu uma lugar longe da atenção dos outros para que pudéssemos conversar.

– Nós vamos lá pra cima, depois eu digo que você já estava por lá, não vai ter problemas! – Ele falou olhando para cima.

–Não, você é louco? Eu não vou pra...

É claro que ele não esperou para ouvir o que eu tinha a dizer. Puxando-me pelo braço ele saltou nos transportando para o terraço do prédio onde o homem ameaçava se jogar.

– Bem vindo o seu primeiro dia de treino! – Ele falou, mas com um pouco de tenção na voz.

– O que? Não pode estar falando serio, isso não pode ser...

– Eu acho que temos prioridades aqui, eu só quero a sua ajuda para convencê-lo a não se matar! – Ele explicou, e parecia que ele não via problema nenhum em me interromper a todo o momento.

– Fala sério Pascal, vocês têm profissionais treinados para convencê-lo a desistir não tem lógica me pedir isso! – Eu tentei faze-lo enxergar que aquilo não fazia sentido. Acho que não preciso escrever quanta importância ele deu para o que eu dizia.

Estávamos sobre o prédio, o homem estava com os braços abertos olhando para o chão em pé sobre o parapeito. Ele parecia muito tenso, suas mãos tremiam e podíamos ver isso claramente da distância em que nos encontrávamos.

– Quem está ai? – O homem gritou. – Fiquem longe!

– Fala com ele! – Pascal falou pra mim em voz baixa.

– Calma esta tudo bem! – Eu respondi me aproximando de vagar.

– Não se aproxime! Ei você fique longe de mim! – Ele gritou quando se virou para traz e viu Pascal uniformizado. – Você está com ele, não venha até aqui!

– Não, eu estava no prédio, ele é que chegou agora, sai fora! – Eu gritei apontando para Pascal e então fui andando de lado me aproximando do suicida.

– Eu disse para ficar longe, você é surdo? – Ele gritou alterado.

– Eu vou fazer o mesmo que você! – Eu gritei de volta, mas com um tom um pouco mais baixo, apenas para que ele pudesse me ouvir bem. – Já faz tempo que eu estou querendo fazer isso, a minha vida esta uma loucura, eu acordo todos os dias e não sei se estou ou não louco.

– Não me venha com essa, eu vou me jogar! – Ele gritou e então voltou a olhar para baixo.

– É serio! – Gritei mais uma vez. – Estou vivendo uma loucura, tenho tido alucinações, meu melhor amigo tentou me matar, eu só estava tentando juntar coragem, mas não conseguia, agora que te vi aqui tive forças para vir também!

– Não chegue perto de mim, você esta tentando me enganar! – Ele respondeu. – Ei você, não se mova mais ou eu pulo agora! – Ele gritou ao perceber que Pascal tinha voltado a se mover. Um bombeiro lá embaixo tentava falar com ele para convencê-lo a desistir, mas ele o estava ignorando.

– Você não precisa acreditar em mim, mas eu vou pular do mesmo jeito! – Eu falei subindo no parapeito. Quando eu o fiz me dei conta de que ainda tenho medo de altura. Sei que depois daquele dia que cai em queda livre com Allan daquele avião aquela altura não era nada, mas é difícil argumentar com as sensações provocadas pelo medo em seu corpo.

Quando subi naquele parapeito senti minhas duas pernas tremerem e me vi paralisado, meu coração disparou e eu não conseguia mais respirar. Minhas mãos também tremiam e eu tive dificuldade para apanhar a minha bombinha de asma no bolso da calça.

– O que está fazendo? – O suicida perguntou para mim. – Não disse que ia pular? Pra que vai usar isso?

– Se eu vou pular é justamente porque não quero morrer de uma crise de asma! – Respondi depois de usar minha bombinha e voltar minha visão para cima para não olhar para baixo. – Você subiu aqui antes de mim, não seria educado pular primeiro!

– Seu idiota, você não sabe de nada, acha que eu estou brincado? – Ele falou olhando para baixo. – Quem se medicaria em uma hora dessas?

– Eu já disse, vou pular e quero que a queda me mate, mas e você por que vai pular?

– A minha vida foi uma mentira! – Ele falou e nesse momento seus olhos começaram a encher de lagrimas e elas lentamente começaram a escorrer em seu rosto. – Minha esposa foi amante do meu chefe por quinze anos, e teve uma filha com ele que hoje esta com doze anos, e por todo esse tempo eu à criei como minha filha. Eu sai mais cedo do trabalho hoje por ter passando mau, e quando cheguei em casa eu a ouvi no telefone com ele. – Ele se virou com lagrimas e muita raiva nos olhos. – Eu a surpreendi e quando ela se deu conta de que eu tinha ouvido tudo ela confessou sua traição. Eu não pude olha-la mais nos olhos, eu não sou capaz nem mesmo de olhar nos olhos da minha filha.

Eu não foi capaz de falar nenhuma palavra, e quem seria capaz de fazê-lo? Ainda mais na situação em que eu me encontrava, em pé tremendo sobre o parapeito. Eu tentava respirar de vagar para me manter calmo e tentei mudar de assunto.

– Droga, meu pai adorou esse relógio! – Falei erguendo o pulso para o alto e então comecei a tira-lo. – Acho que vou tira-lo para que ele não quebre na queda. Mas onde eu posso deixa-lo? O que você acha?

– Eu não sei! – Ele respondeu.

– Bom eu vou guardá-lo no bolço da minha calça, acho que vou ter que contar com a sorte para não quebra-lo.

– Eu não quero conversar esta bem? – Ele falou e olhou para trás para ver se Pascal ainda estava distante, ele permanecia no mesmo lugar.

– Olha eu preciso te agradecer, graças a você já tem bastante gente lá embaixo! – Eu falei.

– Está brincando comigo moleque? – Ele respondeu e de cara pude ver que não tinha gostado do meu comentário.

– Não, não, olha não seria justo se não tivesse ninguém para nos ver pular, e se eu tentasse isso em outro lugar sem você, eu iria ter que esperar muito tempo até reunir um bom número de pessoas! – Eu falei.

– Você esta me fazendo de idiota? – Ele perguntou.

– Claro que não! Estou lhe agradecendo sinceramente! – Eu Falei com a palma da minha mão voltada para baixo, tremendo, agora um pouco menos, mas ainda tremendo. – Mas se eu estivesse que diferença faria, você já vai se jogar mesmo!

– Garoto, você não me provoque, eu não sou de levar desaforo pra casa, eu posso acabar com você antes de me jogar! – Ele falou com raiva.

– Você não vai voltar pra casa, e eu posso me jogar antes que você possa chegar perto de mim. – Eu respondi com certa indiferença e então peguei o meu celular, minhas mãos estavam suadas. – Eu não sei pra quem ligar, eu preciso ligar para alguém antes de pular! Para quem você ligou? – Eu perguntei.

– Para de falar comigo, você esta me atrapalhando! – Ele gritou. – Eu não liguei para ninguém, não vou ligar para ninguém, não vim aqui para isso.

– Não estou te atrapalhando, você esta livre, solto para pular quando quiser! – Eu falei e isso me fez disparar um pouco mais o coração, tive medo dele pular neste momento. – Você tem que se despedir de alguém, para que as pessoas que conhece saibam o que aconteceu. Mesmo que seja alguém de quem você não gosta, pelo menos poderia dizer tudo que tem engasgado na garganta.

– Eu não quero fazer isso! – Ele respondeu.

– Você poderia ligar para sua esposa ou seu chefe e falar tudo o que tem para falar para eles antes de pular! – Eu sugeri.

– Eu não quero! – Ele falou balançando a cabeça.

– Por que não se despede da sua filha? – Perguntei.

– Ela não é minha filha, eu já te disse! – Ele respondeu. - Ela é filha daqueles dois traidores.

– Mas agora pouco você a chamou de filha! – Eu falei. – Tenho certeza de que ela sempre vai telo como pai. Não diga que vai se matar, mas ao menos diga que a ama!

– Se eu falar com ela não vou ter coragem para fazer isso! – Ele falou com a voz tremula, anunciando o choro que já estava por voltar.

– Então se for por falta de créditos, você pode usar o meu celular! – Eu falei estendendo a mão com o celular em sua direção e esperei que ele estendesse a sua para segura-lo quando eu o jogasse.

Ele se virou para mim e deu um sorriso amarelo, então falou:

– Você conseguiu me prender por bastante tempo garoto, parabéns, mas eu estou cansado de tudo isso! – Ele então se jogou em um mergulho para a morte do alto do prédio, jogando-se para um lado onde os bombeiros não o alcançariam com a rede elástica que haviam preparado para o caso dele cair.

– Nãoooo! – Eu gritei estendendo meu braço inutilmente em sua direção, isso me fez perder o equilíbrio e quase cair, o que na verdade não aconteceu graças a Pascal, que neste momento ao perceber que eu ia cair, surgiu atrás de mim e me puxou pelo braço.

O homem caiu de cabeça no chão, mas seu sangue não se espalhou pela calçada, seus ossos não quebraram, e as pessoas não se chocaram com a cena. Em vez disso, seu corpo se partiu em inúmeros pedaços como cacos de vidros. Era como se ele fosse apenas um vaso ou uma jarra vazia. Todas as pessoas lá embaixo permaneceram imóveis, sem qualquer reação. Aquilo era impossível, e eu estava perplexo.

– De fato, não é uma coisa que se vê todos os dias não é mesmo? – Eu ouvi o comentário feito por uma voz já conhecida, mas admito que tive que me virar para olhar quem as havia falado, afinal tínhamos nos conhecido recentemente, e não tivemos tanto tempo assim para conversar.

– Vinícius. – Falei ainda tenso.

– Boa tarde! – Ele respondeu.

– Olá Micael. – Falou Thais que surgiu a meu lado.

– O que esta acontecendo? – Eu perguntei.

– Nada para se preocupar, eu só estava fazendo um favor ao Haziel! – Disse Vinicius. – Ele me pediu para lhe mostrar uma ilusão da qual não fosse esquecer tão facilmente.

– Ilusão? Tudo isso foi ilusão? – Perguntei.

– Pois é nada foi real! – Respondeu Thais. – Mas foi legal não foi? – Ela me perguntou com um sorriso satisfeito no rosto enquanto apontava para mim. – Eu adoro esses efeitos especiais que o Raphael faz. Você podia ganhar a vida assim. – Ela falou voltando-se para Vinicius. – Iria fazer muito sucesso trabalhando com isso nos cinemas. – Ela sorriu.

– Pelo visto você esta de bom humor hoje não é mesmo? – Perguntou Pascal com seu tom irônico.

– Por que fizeram tudo isso? – Eu perguntei.

– Pascal queria que esta fosse uma lembrança marcante para você! – Explicou Vinicius.

– E por quê? – Perguntei.

– Porque amanha começamos o seu treinamento, e eu queria que você estivesse com os nervos preparados! – Ele me respondeu.

– Durma bem esta noite, você vai ter que se esforçar muito amanha! – Disse Pascal, e então senti meus olhos uma sensação estranha, um formigamento na testa, e então tive a visão ofuscada e cobri os olhos com a mão. Quanto eu a tirei a mão da frente dos olhos eu estava na rua, no centro, e via aquela bola azul quicando e a mãe do menino correndo com ele em seu colo para pega-la.

Ilusão, não foram apenas imagens, a textura, o cheiro, o vento, todas as sensações, a passagem do tempo. Era obvio que aquela habilidade estava muito além dos poderes de Pascal ou de qualquer um de nós, além de Gabriel. De fato, ninguém poderia esperar algo como aquilo, nem mesmo eu com todas estas experiências palas quais tenho passado. Que outros poderes esconde Vinicius? O arcanjo Raphael.



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