Yesterday: O Passado de Finnick Odair escrita por Callisto


Capítulo 1
Prólogo ─ Primeiro Encontro


Notas iniciais do capítulo

"Ela tinha olhos de boneca, olhos perfeitos e bem redondos. Gostava de ficar fitando-os por longas horas, mesmo depois de terem perdido o brilho - mas prefiro não falar sobre essa parte. Sem sombra de dúvidas, eu podia ficar um ano inteiro mergulhado na intensidade inocente daquele olhar; sim, seria um bálsamo para mim submergir naquele profundo e indescritível tom de verde. Essa foi uma das coisas mais preciosas que a Capital me roubou".
1º capítulo, yay! c:
Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que este capítulo é meio que atemporal, ou seja, a idade deles não é especificada. A única coisa que posso dizer é o Fin e a Annie eram criancinhas ainda.
Boa leitura a todos (espero que gostem)!



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If I could make the world as pure and strange as what I see

I'd put you in the mirror

I put in front of me


Se eu pudesse fazer este mundo tão puro e estranho quanto eu o vejo

Eu te colocaria no espelho

Que ponho na minha frente

Velvet Underground - Pale Blue Eyes




1º verão


É o Mês de Pesca, de modo que Finnick e seu pai acordam bem cedo para trabalhar. Como já é de praxe, Ellie está no andar de baixo preparando pãezinhos com manteiga e espremendo algumas frutas para fazer suco, provavelmente morango ou amora. Finnick veste sua bermuda-de-pescar (em outras palavras, a mais velha e puída de suas roupas) e um chapéu de palha do-tamanho-do-mundo para garantir proteção contra o sol intenso. Tanto o garoto quanto seu pai tomam o café da manhã rápido para não perder tempo. Já estão saindo pela porta dianteira quando Ellie grita, em um tom de voz brincalhão:

– Não deixem os peixes carnívoros morderem a bunda de vocês!

– Pode deixar - respondem Finnick e Kian, em uníssono.

Ela balança a cabeça, pensando sobre o quanto pai e filho são parecidos. Os dois têm o mesmo jeito espontâneo, o mesmo ar de superioridade (o qual não é proposital e, por conta disso, costuma gerar uma série de más interpretações) e o mesmo par de olhos verde-oceano, tão profundos quanto o próprio mar. Ambos os rapazes são muito bonitos - mesmo Kian, que passou dos quarenta e já está ficando calvo -, mas aqueles olhos... simplesmente superam qualquer atributo físico. É lógico que Ellie é um tanto suspeita por pensar isso do filho e do marido, mas não deixa de ser verdade.

– Tomem - ordena ela, arremessando uma cesta dourada pequena para cada um. Um de seus empregos é confeccionar cestas - Tragam algumas conchas para mim, por gentileza. De todos os tamanhos e cores. Estou pensando em ter um emprego alternativo, e a venda de conchas para decoração está em alta aqui na Orla e no Centro.

– Quantas conchas a senhora quer? - pergunta Kian.

– O máximo que conseguirem. - responde - Agora vão, meus pescadores. Encham essa casa de conchas, peixes e tudo o mais que conseguirem carregar.

Dito isso, Finnick e Kian Odair vão em direção à beira do mar. O percurso não é longo, mas é preciso desviar das diversas barracas e vendedores ambulantes de quinquilharias marinhas que ficam no meio do caminho. O número de comerciantes desse tipo triplica no Mês de Pesca por conta do aumento de matéria prima e comida. Há Pacificadores distribuídos entre as moradias, próximo às barracas, em torno dos limites da areia e até mesmo no centro da praça. Aparentemente, nenhum está armado, mas nunca dá para saber ao certo. A enorme cicatriz no peito de Kian, sobre a qual ele nunca comenta, está lá para lembrá-lo disso.

(Lembrá-lo que com a Capital não se brinca, que perto dos poderosos ele não passa de um grão indefeso de areia, que assim como ele Kian pode ser esmagado, pisoteado, triturado e, sem sombra de dúvidas, esquecido em meio aos tantos outros grãozinhos...)

– Kian!

Ambos viram para trás e vêem Phoebe Jones, uma rechonchuda e sorridente vendedora de redes. Phoebe tem grandes bochechas vermelhas, longos cabelos loiros-palha que alcançam sua cintura e olhos muito, muito azuis. Finnick lembra-se de achar os olhos dela assustadores quando era pequeno, porque lembravam os da sereia-predadora de um dos contos da Vovó Odair. Vovó descreveu-os como "azuis, transparentes e tão foscos quanto a morte", e disse que todos os pescadores que olhavam diretamente neles ficavam hipinotizados imediatamente. Finnick ainda desconfia (secretamente) que ela seja uma sereia, mas não tem mais medo. Ela com certeza é uma sereia boa, que ajuda os barqueiros a pescar em alto mar, e não uma predadora.

– Olá, Phoebe - cumprimenta o pai de Finnick, sorrindo.

– Oi, velho Kian. Espere. Quem é este rapaz ao seu lado? Ele é o pequeno Finnick?

– Sou eu sim! - exclama o menino em resposta, orgulhoso.

Phoebe ri e dá uns tapinhas simpáticos na cabeça dele.

– Uau, que menino grande e bonito você se tornou. Você tem os olhos do seu pai e o sorriso da sua mãe. - Phoebe pega algumas redes e entrega a Kian - Aqui estão as redes que você tinha pedido.

Kian dá um tapa na própria testa.

– Quase tinha me esquecido! Diga-me, como iria conseguir pescar sem uma rede?

– Boa pergunta - zomba ela.

– Obrigado, Phoebe.

A mulher ri e volta-se para Finnick.

– Garoto, por favor, não seja tão cabeça-oca quanto seu pai. Isso é algo que você não pode herdar dele.

– Pode deixar - responde Finnick, sorridente.

– Boa pesca para vocês dois!

Os dois acenam para a amigável vendedora de redes e continuam a caminho na margem. Finnick precisa ficar ajeitando o chapéu-maior-que-o-mundo a todo momento, pois o vento bate na aba e ele cai na sua cara com uma frequência irritante. Isso faz Kian rir, pois ele sabe que só está usando aquele chapéu para parecer um pescador autêntico.

Assim que alcança a areia, Finnick nota que o número de pessoas pescando é muito menor do que o imaginado; todos os anos, cerca de cinquenta pessoas lotam a região da Baía próxima à sua casa. O garoto acha que essa anormalidade pode ter sido causada pela grande migração de pescadores para o Centro, ou seja, para a grande área comercial do Distrito 4. Ou não. Talvez fosse apenas o fato do clima estar quente demais, úmido demais e ensolarado demais, o que não parece uma razão plausível para mais da metade das pessoas ter preferido pescar em um outro dia e comer pão velho no jantar, ao invés de peixe.

Kiam senta em um pedaço de madeira e começa a preparar a lança, a rede e a isca. Geralmente, a operação dura cerca de dez minutos, tempo suficiente para Finnick entediar-se. Mas dessa vez estava demorando bem mais tempo, pois as redes embananaram-se todas no caminho e a isca estava, em grande parte, estragada.

– Pai, estou entediado - reclama Finnick.

– Então vá pegando as conchas para sua mãe - responde o mais velho - Demorarei mais um pouco por aqui.

Então o garoto pega uma cestinha e vai em busca de conchas. Para que o trabalho flua mais rapidamente (e não o entendie), Finnick finge ser um grande herói, daqueles bem fortes e bem rápidos que aparecem nas histórias que sua avó conta nas noites em que falta luz elétrica. As conchas são as pessoas que ele salva, pessoas muito frágeis e muito vulneráveis, pessoas que precisam da ajuda de alguém mais poderoso que elas. Afinal, é isso que os poderosos fazem nos contos da Vovó Odair: protegem,

(pena que na vida real não é assim)

e na mente ingênua de Finnick não é muito diferente. Ele ainda não entende muito bem os horrores por trás dos Jogos Vorazes,

(mal ele sabe que vai entender da pior forma possível)

tampouco a sede de sangue dos líderes de Panem. Esse é o lado bom de ser criança: você não entende certas coisas, mas também não tem nenhum interesse em entender.

Anda alguns poucos metros além do ponto onde seu pai está até chegar à um grande coqueiro. Sua nuca está suada e a cestinha quase cheia, portanto ele decide descansar um pouco. Senta-se à sombra da árvore e joga a cabecinha para trás, exaurido. Está contando as conchas para ver se o número é suficiente quando, de súbito, uma voz feminina pega-o de surpresa.

– Oi, menino.

Finnick vira-se rapidamente para o lugar de onde a voz veio. Depara-se com uma menina de cabelos escuros e olhos verdes extremamente redondos e

(olhos de boneca)

com pestanas bem longas. Ela parece ser um ou dois anos mais nova do que ele, pois é bem baixinha e bem magrinha. Sua cabeça é levemente desproporcional e seu corte de cabelo deixa o rosto mais redondo ainda. Está com as bochechas coradas devido ao sol e usa um pedaço de rede de pesca no pulso esquerdo.

– Eu disse oi. Tem certeza de que não vai me responder? - insiste a desconhecida.

– Oi. - responde Finnick, abrindo um sorriso confuso - Qual é o seu nome?

– Meu nome é Annie, e o seu?

Finnick ri.

– Qual a graça?

– Você fala de um jeito engraçado.

– Não falo, não.

– Lógico que fala.

– Não falo!

– Sim, você fala e ponto final. - diz ele, ainda rindo. - Eu sou o Finnick. Cadê sua mãe, menina?

O rosto de Annie assume uma expressão insondável, como se uma sombra tivesse passado de repente.

– Eu não tenho uma mãe.

Finnick cora imediatamente.

– Ah... desculpe.

– Mas tenho um avô, e ele está bem ali, ó. - Annie aponta para uma pequena e pitoresca cabana de palha próxima à um rochedo. - Eu moro ali com ele e meu cachorro e hoje estamos muito felizes pois é dia de tecelagem e eu e ele iremos fazer cestas e comer muitos doces e você o que está fazendo?

A menina fala tudo tão rapidamente que Finnick pergunta-se como ela pôde conseguir não perder o fôlego. "Provavelmente é uma ótima nadadora", pensa.

– Estou pegando algumas conchas para minha mãe vender no Centro.

– Nossa, que legal, Finnick! Posso ajudar?

– Eu já terminei, na verdade. Mas se você quiser, pode pegar algumas enquanto eu e meu pai pescamos na margem.

Annie abre um imenso sorriso.

– Nossa, que legal, Finnick! - repete ela, genuinamente empolgada - Onde está seu pai? Quero ir lá com ele também!

– Seu avô vai deixar você acompanhar um estranho?

A garota pensa por um segundo. Pensa. Pensa... E, por fim, assente levemente com a cabeça.

– Você é estranho, mas meu avô deixa eu te ajudar. - responde ela.

– Legal. Venha comigo, meu pai vai gostar de mais ajuda.

Então, entrega à garota a cesta e pega sua mão direita com delicadeza, como se fosse feita de um vidro muito, muito frágil (Finnick não sabe exatamente o porquê, mas costuma agir diferente com as meninas). Logo em seguida, começam a fazer o caminho em direção a Kian. A brisa pesada e salgada da Orla faz os olhos do menino arderem, e o sol não ajuda em nada. O calor não é dos piores (na semana passada, era possível fritar um atum em cima no telhado da casa dos Odair), mas ainda assim faz com que os poucos metros de distância entre o coqueiro e a região em que estava antes se eternizem. Na metade do percurso, quando já dava para ver a cabeça do pai de Finnick, Annie cutuca o braço do garoto.

– Ei.

– O que foi?

– Por que você está de mãos dadas comigo? - indaga Annie, arqueando uma sobrancelha.

Finnick acha a expressão da garota engraçadinha, e começa a rir novamente.

– Qual a graça?

Você. Você é a graça. Você é engraçadinha - responde ele, simplesmente.

– E isso é bom?

– Não sei. Provavelmente... provavelmente sim.

A menina abre um sorriso largo.

– Obrigada, então. Eu gosto de ser engraçadinha. Mas você não respondeu minha pergunta. Por que está de mãos dadas comigo?

Finnick dá de ombros.

– Acho que para você não empacar no caminho.

Annie simula uma expressão de raiva e Finnick solta uma gargalhada.

– Você se importa que eu fique de mãos dadas com você? - pergunta ele, sorrindo.

A garotinha balança a cabeça negativamente, os fios castanhos voando de um lado para o outro, e Finnick quase (eu disse quase) acha a cena adorável. Afinal, ele é criança, e crianças tem essa estranha mania de nunca admitir quando acham alguém do sexo oposto bonitinho ou fofo. E é justamente essa timidez infantil, a paisagem tropical e o rosto corado de Finnick que fazem com que esse momento seja mais que engraçadinho; seja adorável.

– Vamos, Annie, meu pai está logo ali - desconversa Finnick, sorrindo.



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Assim que encontram Finnick, os olhos de Kian estreitam-se até tornarem-se pequenas fendas.

– Finnick, onde diabos você se meteu? - as vincas de sua testa estão mais acentuadas que o normal e uma veia pulsa em sua têmpora. Kian está bravo, muito bravo.

O garoto engole em seco.

– Eu estava dando um passeio. - explica ele - Não fui muito longe.

– Você sabe o quanto essa praia é perigosa, filho?

– Sei, sim senhor.

– Se sabe, então por que demorou tanto?

"Deixa comigo", murmura Annie. E então, sem esperar uma resposta, começa a tagarelar:

– Oi, o senhor deve ser o pai do Finnick. Meu nome é Annie e moro aqui na Orla, como vai o senhor? Soube que o senhor vai pescar aqui, que legal. Posso observá-lo? Finnick estava descansando um pouco quando me viu e então começamos a conversar. Eu acho que ele fala um pouco demais, então talvez seja esse o motivo dele ter demorado tanto - pausa para uma troca de olhares breve - E então, quando vamos começar a pescaria?

Kian volta os olhos para Finnick, que dá de ombros e esboça um meio-sorriso.

– Certo, certo. - o homem dá uns tapinhas na pequena cabeça da menina - Annie, você fica encarregada de empilhar os peixes nestes cestos.

Ele indica com um aceno uma série de cestos empilhados.

– Finnick e eu vamos abater os peixes e deixá-los na areia. Você terá de botá-los dentro dos cestos. Caso precisar de ajuda, é só chamar. Acha que consegue?

– Ah, vai ser moleza! - exclama ela - Posso fazer de olhos fechados e com os pés nas costas.

Kian ri.

(Que engraçadinha)

– Excelente. Vamos começar, então, antes que escureça e os peixes se propaguem.


(FIM DO PRÓLOGO)



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Notas finais do capítulo

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Aceito tudo.



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