Estava andando na rua perdido. Não me lembrava exatamente a quanto tempo estava nas ruas, acho que desde sempre. Mas isso não importava, eu só queria arranjar algo para comer logo, estava faminto. Fui procurar em algumas latas num beco, onde outros gatos também reviravam o lixo.
Ouvi um ruído e rapidamente peguei o camundongo que estava a fugir. "Ótimo, agora só falta um lugar para descansar."
Saí daquele beco escuro evitando ao máximo chamar atenção dos outros, eu estava nessa sozinho. Preferia assim.

Fui me esgueirando e desviando dos humanos que raramente prestavam atenção em mim. Até que alguém me viu.

Eu tinha achado um cantinho, embaixo de uma marquise, estava até que bem confortável. Aí ela se aproximou.

Usava uma saia escura, sapatos e casaco mais ou menos da mesma cor também, parecia uma espécie de uniforme. Ela chegou perto de mim, disse algumas palavras e pegou-me no colo, confortando-me.Eu só não fiz nada porque estava sonolento e estava realmente bom aquele colo. Tão bom que acabei dormindo.

Quando abri os olhos novamente, estava em cima de alguma coisa confortável, uma almofada. Levantei-me, dei dois ou três passos e olhei em volta. Tinha uma cama com aquela mesma menina deitada, pensei em subir, mas achei melhor não me aproximar muito. Fui andando e dei de cara com uma porta. Estava preso, encurralado. Me assustei e comecei a miar, miar e miar. Acabei acordando a menina, que levantou da cama, calçou umas pantufas peludas (que eu adoraria morder), abriu a porta e saiu, me deixando só naquele ambiente.
Voltou trazendo um líquido em uma vasilha. Era leite. Só bebi porque estava com sede, não ia dar muita confiança para ela, o que eu desejava mesmo era descobrir o que ela queria comigo.
Após ter bebido todo o líquido do recipiente, a garota pegou-me em seus braços novamente e começou a fazer carinho em mim. Me chamava de Leo, nome que eu goste. Aproveitei que ela estava a brincar comigo e fiz o que tanto queria: ataquei as pantufas. Ela pegou outra coisa, mais interessante: lã. Brinquei, pulei, mordisquei. Eu estava bem feliz. Estava começando a me apegar.
Me distraí por um tempo e quando fui olhar para a doce menina, ela estava usando a mesma roupa do dia anterior. Calçou os sapatos, disse algumas coisas e saiu do quarto, deixando-me sozinho.
Um tempo passou e acabei pegando no sono. Acordei com mãos me acariciando, ela tinha voltado! Trouxe-me um pote com um pouco de ração. Comi e depois brincamos mais um pouco.
Eu ia gostando da menina cada vez mais e mais.

Todos os dias mesma rotina ia se repetindo, o que me deixava feliz. Era legal ficar em um lugar, sabendo que teria sempre minha barriga cheia e carinhos quando acordasse.
Até que uma tarde, acordei com um grito muito alto. Uma moça de aparência estranha, porém de voz familiar pegou-me com força e raiva e arrastou-me até outro cômodo, desconhecido por mim, pois nunca tinha saído do quarto.
Ela colocou-me dentro de uma caixa apertada até que minha dona voltasse. Quando voltou, ouvi muitos gritos e choros, não entendi muito bem, mas mesmo assim, acabei dormindo.
Acordei novamente sentindo uma superfície fria tocando minha pele. Eu estava de volta às ruas. E minha dona, aquela que fez eu me apegar havia sumido. Entrei em desespero e saí procurando. Não entendia como alguém tão gentil no começo poderia me largar assim. Andava para todos os lados, tinha me esquecido de como era agonizante estar na rua. Segui em frente, procurando-a, mas aí veio um daqueles carros enormes.
A última coisa que me lembro é de sentir muita dor. E saudades. Saudades daquela que me aconchegou e me amou.
Depois meus olhos fecharam. Para sempre.