Catharina parou o que fazia e falou vagamente:
_ Ah... Certo.
_ Bom... E você? Quando vai?
_ O mais rápido possível. Não sei quando terminarei de arrumar as coisas. Talvez em uma semana...
_ E para onde você vai?
_ Um apartamento. É provisório. Assim que eu acertar todos os meus assuntos, vou sair da cidade.
_ Mesmo?
_ É. Olha, a campainha. Deve ser sua mãe. Melhor você ir.
_ Tá, eu vou. E você... Você vai me visitar?
_ Não sei Lorrayne. Talvez eu passe para avisar que estou indo embora. Talvez.
_ Você decidiu realmente me abandonar?
_ Foi você quem fez isso comigo, Lorrayne.
_ Não! Não foi! Só porque eu quero morar com a minha mãe, você decidiu me castigar!
_ Pra você é como um castigo?
_ Por favor, não comece novamente! Vou descer. E vou te esperar.
_ Espere.
Lorrayne desceu e abriu a porta. Abraçou Martha apertado e disse:
_ Espero gostar de morar com a senhora!
_ Eu também espero, meu amor! Bom, já está tudo certo?
_ Ah, sim, está. Só tenho que pegar minhas coisas. Estão no meu quarto.
_ Quer ajuda?
_ Não precisa se incomodar...
_ Não é incômodo! Quero levá-la o mais rápido possível! Pode ser?
_ Se é assim... Claro!
Lorrayne guiou Martha até seu quarto, e quando saíram, deparam-se com Catharina. Martha cumprimentou:
_ Ah, olá Catharina! Bom, estamos indo. Já se despediram?
_ Claro, minha irmã! Estou aqui para fazer o que você deseja!
_ Catharina, não vou mais falar sobre isso se você não quer entender. Agora, se está tudo certo, estamos indo. Espero vê-la em breve. Tchau. Vamos Lorrayne?
A garota balançou a cabeça positivamente e seguiu a mãe até o carro, onde guardaram a bagagem. Quando Martha deu a partida, perguntou:
_ Lorrayne, tudo bem?
_ Claro.
_ Catharina virá visitá-la?
Lorrayne deslizou o olhar para a janela, e respondeu:
_ Não sei. E não me importo. Hoje vou começar uma vida nova.
_ Fico feliz.
E seguiram para o novo lar de Lorrayne. Durante a viagem, Martha perguntou:
_ Lorrayne, o que aconteceu que você não foi para a escola hoje?
_ Ah... Que embaraçoso! Mal venho morar com minha mãe, e já faço arte! Bem... É que estou suspensa. Só posso voltar para a escola sexta-feira...
_ Mas o que aconteceu?
_ É que... Desde que entrei naquela escola, só tenho desagradado aos professores...
_ E como? Por que?
_ Acredite se quiser, mas eles me detestam pelo fato de eu ser pobre e vir de uma escola pública. Qualquer coisa é motivo para uma bronca, uma advertência, uma suspensão...
_ Que horror... Mas você não é pobre! Você pertence a uma família muito rica! Lorrayne, se você quiser, posso ter uma conversa com esses professores e até diretores, eles vão ver quem é sua mãe!
_ Não, não é preciso. Eu também não gosto deles. E não ia gostar se eles gostassem de mim. Tudo bem. Vou me virar sem suspensões. Prometo.
_ Tudo bem. Farei como quiser. Estranho esse seu gosto de querer ter pessoas perseguindo-a...
_ Eu sou estranha. – brincou Lorrayne.
Por um instante ficaram em silêncio, até que Lorrayne perguntou:
_ E... Como ficam meus documentos?
_ Não se preocupe, você logo, logo será Lorrayne Albuquerque. Tenho um amigo juiz que vai me ajudar a te mudar o nome e entrar “documentada” para a família...
_ Eu não gostaria de mudar meu nome.
_ Como?
_ Estou com ele há quatorze anos. Acho que estou um pouco acostumada. Acho que prefiro Lorrayne Santiny... Albuquerque. Afinal, Santiny é o nome do meu pai, não?
_ Ah... Sem problemas... Se você prefere...
_ A senhora é mesmo legal... Mãe!
_ Obrigada, minha filha.
Logo Martha chegou no portão de casa e tocou o interfone. Quando Layane perguntou quem era, Martha respondeu:
_ Entrega de mais um integrante da família Albuquerque!
E rapidamente o portão foi aberto. Quando parou o carro, Martha pediu aos empregados que levassem as coisas de Lorrayne para seu quarto. E pediu a Layane que a levasse para conhecê-lo. Layane alegremente puxou Lorrayne pelas já conhecidas escadas. Antes de levá-la pelo corredor, Layane parou e perguntou:
_ Lorrayne, acho que você deve fazer idéia de qual é seu quarto, não?
_ Hum... Deixe-me pensar... “Hóspedes especiais”?
_ Eu sabia que aquele não era um quarto qualquer! Mas, venha vê-lo, acho que vai gostar!
Foram até o já conhecido quarto e entraram. Lorrayne mal podia acreditar. Nunca sonhara em ter um quarto como aquele. Era parecido com o de Layane. Inclusive as cores: branco e rosa. Lorrayne caminhou até o closet e o abriu. Olhava maravilhada o compartimento, enquanto Layane perguntava:
_ E aí? Gostou das cores? Eu mesma que sugeri! Como perfeitas gêmeas que somos! Gostou?
_ Uau! Layane, o que esse closet faz aqui? O que tanto vou colocar nele? Meu quarto cabe aqui!
_ Seu ex-quarto, não se esqueça! Mas, você gostou?
Lorrayne foi até o móvel de seu mais novo computador e sentou-se. Disse:
_ Se eu gostei? Acho que gostar é apelido! Layane, sua m... Digo, nossa mãe, encheu esse quarto durante o fim de semana?
_ Para você ver como ela te ama... Por isso, ame-a como ela merece.
_ Não se preocupe quanto a isso. Darei o melhor de mim. A você também, minha irmãzinha!
Lorrayne levantou e abraçou a irmã, que perguntou:
_ E quanto aos nossos tão dóceis priminhos?
_ Bom, aí já são outros quinhentos... Acho que o Renan dá pra levar, mas o Eduardo... Parece que me detesta...
_ Que nada. Até que ele foi simpático com você!
_ Então não quero conhecê-lo mais do que conheço!
_ Isso fica por sua conta. Bom, vou deixá-la com seu quarto. Espero que se adapte rápido.
_ Obrigada!
Layane saiu, e Lorrayne pôde arrumar suas coisas que acabavam de chegar. Pensava em como aproveitar todo o espaço que havia sobrado em seu novo “guarda-roupa”, quando ouviu uma gritaria do lado de fora. Aproximou-se da porta e reconheceu a voz de Layane. Discutia com Eduardo:
_ Te detesto Eduardo! Você é um imbecil!
_ Não a ponto de ser como você!
_ Ah, vai para o inferno, seu idiota!
_ E você arranja o que fazer além de me encher a paciência! Menininha mimada!
_ Sai da minha frente! Retardado!
Lorrayne correu para longe da porta, e ela se abriu. Layane entrou e a bateu com violência. Sentou-se na cama e disse:
_ Mamãe mandou chamar para o jantar.
_ Tá bom. Tudo bem com você?
_ Não. Tenho um problema, que se chama Eduardo.
_ Percebi. Por que vocês brigam tanto?
_ Porque ele é um idiota. Não aceita nenhuma brincadeira. Só porque eu disse que o curso de guitarra dele era uma perda de tempo. E de dinheiro. Aí ele veio com aquela história que eu não aceitava que ninguém fizesse nada que não me privilegiasse... E começou.
_ Vamos descer e comer, quem sabe você se acalma?
_ É. Vamos.
O jantar foi servido. Lorrayne se preocupou. O jantar de boas vindas fora caprichado. E requintado, com mesa posta como mandava a etiqueta: as taças, guardanapos, e talheres. Lorrayne pensava “quantos talheres!”, enquanto tentava descobrir qual usar primeiro. Até Eduardo parecia se dar bem com os talheres... Ela estava perdida... Resolveu copiar tudo o que Layane fazia. Foi difícil disfarçar o interesse no prato da irmã, enquanto dava o melhor de si com os talheres. Cansada de pensar e disfarçar, interrompeu o jantar, alegando estar satisfeita. Martha interveio:
_ Mas você comeu tão pouquinho...
_ Estou sem fome... É que tanta adrenalina me tirou a fome...
Eduardo fez menção de rir, mas se conteve. Lorrayne percebeu, o que aumentou ainda mais seu desconforto. Levantou-se e foi para seu quarto.
Ficou assistindo TV até que Layane bateu na porta e perguntou:
_ Posso entrar?
_ Claro, entre!
Layane adentrou o quarto e sentou-se em uma poltrona, ao lado de outra onde estava Lorrayne. Perguntou:
_ Por que você saiu no meio do jantar?
_ Estava sem fome...
_ Ora, vamos! Fala a verdade!
_ Não vai rir?
_ Prometo.
_ Todos aqueles talheres me apavoraram! Na minha casa eu só usava dois! Garfo e faca!
_ Ah, se eu soubesse que era isso! Não se preocupe. Amanhã te explicarei tudo que deve saber sobre talheres e como usá-los!
_ Nossa, isso soa como nome de livro de auto-ajuda!
Riram juntas até que Lorrayne parou e ficou pensativa. Layane perguntou:
_ O que foi?
_ Sabe, hoje, no jantar, pude perceber como seu primo Eduardo é debochado.
_ Por que? O que aquele grosso fez para você?
_ Não fez nada. Quase fez. Ele quase riu quando eu disse que tanta adrenalina haviam me tirado a fome.
_ Que idiota! Vou agora mesmo falar umas poucas e boas pra ele!
_ Não! Não. Aí ele vai acha que não sei me defender. E vai se sentir livre para fazer o que quiser comigo. Quando eu tiver oportunidade, digo para ele que não vou aturar as criancices dele.
_ Tudo bem. Mas precisando de qualquer coisa...
_ Layane, acabei de ter uma idéia.
_ Qual?
_ Você não vai achar muito atrevimento de minha parte?
_ Mas por que eu acharia atrevimento seu?
_ Sei lá, mal cheguei e já estou querendo dar palpite...
_ Claro que não! Fala!
_ E se pregássemos uma peça no Eduardo?
_ Boa! Como?
_ Sei lá! Que tal colocarmos algumas tachinhas na cama dele, afinal, ele deve se jogar na cama sem mesmo olhar, não?
_ Grande! Muito boa essa!
_ Mas... Ele pode falar para a mãe...
_ Aí a gente tira as tachinhas, e diz que ele só está bravo com a gente porque brigamos com ele!
_ E a mãe vai acreditar?
_ Claro! Ela sempre acreditou em mim!
Por uma fração de segundo, Lorrayne imaginou as situações pelas quais Eduardo já havia passado com Layane, mas outro pensamento se sobrepôs, o de que ela não era culpada por nada, e que ele foi errado em descontar nela no jantar. Layane perguntou:
_ E onde vamos arranjar tachinhas?
_ Ah, eu tenho muitas. Comprei há pouco tempo, na esperança de usá-las com Carol e sua turma, mas acabei perdendo a coragem...
_ Que pena. Bom, mas pega lá! Quero fazer isso ainda hoje!
_ Quando?
_ Não sei. A qualquer hora que ele sair, eu chamo a atenção dele com qualquer besteira e você entra lá e põe as tachinhas na cama, beleza?
_ Beleza! Então temos que ficar atentas!
Ficaram a conversar, até que Layane percebeu que a porta do quarto de Eduardo havia sido aberto. Correu atrás do primo que descia as escadas. Lorrayne aproveitou o momento e espalhou algumas tachinhas na cama, de modo que fossem imperceptíveis. Não ouviu o argumento de Layane, mas já ouviu os berros da discussão. Voltou furtivamente para seu quarto e esperou por Layane, que entrou em seu quarto ainda xingando o primo. Deixaram a porta aberta para ouvirem os gritos e palavrões, mas não ouviram nada.
Para a surpresa das garotas, o rapaz apareceu carrancudo na porta, segurando as tachinhas.
Continua