Linha Vermelha escrita por NaruShibuya


Capítulo 19
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

01/05/2017



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• Usui PDV •

Tirei a gravata e joguei sobre o sofá, exausto.

Peguei o celular de cima da mesa de centro quando o visor se iluminou e abri a mensagem.

Você foi muito bom ontem a noite. Se continuar a me satisfazer dessa maneira, você poderá ser capaz de conseguir o que deseja. Mas não se esqueça: não depende somente da minha decisão. Tudo o que eu posso fazer no momento é o que eu já estou fazendo por você.

Larguei o aparelho sobre o sofá e me direcionei até a fachada do prédio. A vista que eu tinha da cidade e das árvores muitas vezes me serviam de abrigo e me ajudavam a colocar os pensamentos no lugar... Enquanto eu desabotoava a camisa, entretanto, o pensamento de que a vista não me ajudava em nada passava por minha cabeça.

Tentei me livrar da sensação de sufocamento que toda essa situação estava me causando, começando a me fazer ponderar se realmente valeria a pena todo esse esforço.

Me sentei, apoiando a cabeça no encosto do sofá.

Pensei em Ayuzawa e no quanto ela ficaria magoada se acabasse por descobrir toda essa situação com ela, ainda mais antes de tudo se acertar e eu ter a chance de explicar a ela o que está realmente acontecendo e de onde toda essa confusão veio...

Suspirei.

Realmente... o passado é complicado...

Preciso vê-la... Não para explicar, ou para qualquer assunto específico... preciso apenas vê-la.

Com um grande esforço – e algo bem no fundo de minha mente gritando para que eu não o fizesse – peguei o celular e abri a lista de contatos e disquei para o número da Ayuzawa, rezando para que ela atendesse, e ao mesmo tempo para que a chamada caísse na caixa de mensagens.

Quando a chamada estava prestes a ser encerrada, sua voz sonolenta atendeu, perguntando quem era.

Congelei por alguns segundos sem saber exatamente o que dizer. Seu número estava salvo em minha lista de contatos desde antes da viagem, mas eu nunca sequer havia considerado ligar para a morena até esse exato momento.

— Ayuzawa – pigarreei tentando encontrar minha voz e pensando desesperadamente no que falar... Não era tarde, mas também não era exatamente cedo para uma ligação, ainda mais uma ligação sem propósito algum.

— Usui? O que houve?— escutei o ranger da cama. Talvez ela estivesse se sentando. – Você sumiu do colégio hoje, eu pensei que tinha acontecido alguma coisa...

— Bom, sim, mas não é nada para se preocupar... São... são assuntos de família, nada de mais...

Entendo. Eu fiquei preocupada... Você parecia nervoso com a ligação que...— um silêncio súbito se fez presente do outro lado da linha, me deixando apreensivo. Será que de alguma maneira ela havia conseguido ler o nome dela na tela do aparelho enquanto eu saía da sala? Impossível... – Esquece. Por um momento pensei que...

— Diga – disse de forma afobada, percebendo tarde demais que, se ela desconfiasse de algo, eu tinha acabado de confirmar toda e qualquer suspeita.

Apertei o celular em meu ouvido e esperei algum ruído do outro lado da linha, mas ela também parecia estar segurando a respiração assim como eu fazia.

— Eu não te liguei para isso – disse de forma forçada. – Eu sabia que havia te deixado preocupada quando saí da sala sem falar nada, então decidi te ligar para dizer que está tudo bem, e perguntar como foi seu... passeio?...

Senti vontade de jogar o celular na parede devido minha grande idiotice!

Ela riu, mas o som não me pareceu sincero. Parecia nervoso e tremido... forçado.

Foi normal... Nós conversamos e ele me obrigou a fazer uma pausa da vida de presidente do conselho... E você, o que fez depois que sumiu do colégio?— por um breve segundo pensei que sua voz havia adquirido um intenso e contido interesse ao pronunciar a pergunta, como quem sabe de algo, mas quer saber se a pessoa vai mentir da mesma forma.

— Não fiz nada. Fiquei apenas em casa, descansando. Eu tenho me sentido cansado ultimamente... Talvez eu esteja ficando doente, ou algo do tipo – pelo menos não é uma mentira completa, já que meu corpo não está mais aguentando a carga de estresse e de atividades que eu venho fazendo nos últimos dois meses. – Eu me sentiria muito melhor se a Ayuzawa viesse aqui para cuidar de mim... – esperei por alguns segundos, mas ela sequer se pronunciou do outro lado, então suspirei e desisti, bolando logo algo que explicasse a minha ligação. - Eu liguei para perguntar se você gostaria de sair comigo... Eu me senti culpado por ter saído de forma abrupta hoje, então queria me desculpar com você pelo meu comportamento.

Usui, você está mesmo bem? Você parece que quer dizer alguma coisa...

Novamente a sensação de perigo me atingiu. Ela parecia saber de algo. Seu tom de voz me induzia a querer falar o que eu sei que jamais poderei compartilhar com ela.

— Eu estou, é sério. Por que eu mentiria? – me odiei por ter que mentir de forma tão cínica para ela, mas se eu envolvê-la no meio disso tudo, eu causarei grandes problemas para ela, e eu não quero que isso ocorra. – E então, o que me diz? Vai aceitar o meu pedido de desculpas e sair comigo, ou vai fazer eu implorar?

Não, não, eu vou, não precisa implorar... Essa sua voz de menino arrependido já me convenceu— riu. – E então, para onde vamos?

— Que tal cinema e jantar?

Certo, contanto que você não escolha nenhum filme de terror...

— Não, na verdade, eu ia escolher um filme de romance... Aquele tipo de filme bem meloso que toda garota adora – ri imaginando sua careta, e sem perceber que também estava me sentindo bem mais leve também.

Eu não me importo de fato com o filme, desde que não seja terror.

— Eu sei, você é um caso especial, uma exceção da natureza...

Ei!— sua risada leve me fez deitar a cabeça no encosto do sofá novamente. Meu corpo estava mais relaxado, mas eu ainda precisava tomar banho e preparar qualquer coisa que pudesse servir como janta.

— Te busco na sua casa, depois do horário do colégio. Esteja pronta até as 16h.

Claro, claro. Estarei pronta, não se preocupe com isso.

Finalizei da ligação me xingando e me amaldiçoando. Quando foi que eu comecei a ser tão... Levantei e fui até a cozinha, pegando algumas coisas da geladeira e começando a preparar uma omelete.

Espero que não aconteça nada inesperado e eu me livre dessa pressão logo, ou eu vou, de fato, machucar ela, e isso é tudo que eu menos quero.

 

• Misaki PDV •

 

Deitei novamente na cama depois que Usui encerrou a chamada.

Eu estava de fato incomodada com a forma com que ele havia saído da sala do conselho a tarde, mas foi o telefonema que eu recebi logo depois que Ren foi embora que me intrigou.

Flashback ON

Peguei o celular que descansava em cima de meu peito enquanto eu observava o teto do quarto, esperando que o sono me atingisse.

Olhei o visor e vi um número que não estava salvo em minha lista de contatos. Decidi não atender a chamada, afinal de contas, todas as pessoas que precisariam falar comigo em qualquer momento estão salvas nos meus contatos. Encerrei a chamada e coloquei o aparelho novamente em meu peito e cruzei os braços atrás de minha cabeça novamente, voltando a observar o teto.

Senti o celular vibrar e o toque recomeçar alguns segundos depois que encerrei a chamada pela primeira vez. Observei o número que brilhava na tela e fiquei intrigada com quem poderia estar me ligando naquele momento... Fosse quem fosse, parecia realmente interessado em falar comigo.

Suspirando, atendi à chamada.

Ayuzawa Misaki-san?— uma voz feminina meio aguda e aveludada, com um sotaque inglês disfarçado por um japonês perfeito soou pelo fone. Ainda mais intrigada, confirmei à pergunta. – Ótimo, então eu estava certa em presumir que o único número que não pertencia à mim nem Gerard só poderia ser o seu. Eu preciso falar com você sobre Usui Takumi.

Senti meu estômago inquieto. Com dificuldade devido a surpresa me sentei na cama, ajeitando o celular em meu ouvido, talvez para ter certeza de que eu estava escutando tudo certo.

— Quem é você? – me pronunciei verbalmente pela primeira vez na conversa.

Quem eu sou você irá descobrir em breve, queira ou não, mas agora, nesse exato momento, não é a hora ideal para isso acontecer. E, acredite, eu já estou violando mais regras do que eu gostaria por estar sequer ligando para você. Ah, e não precisa tentar me telefonar novamente, eu estou ligando de um aparelho público para evitar que isso ocorra.

Minha cabeça girava, tentando encontrar um sentido para tudo o que estava acontecendo naquele exato momento.

— Foi você quem ligou para o Usui hoje de tarde, certo?

Uma risadinha sarcástica soou do outro lado, e isso me irritou um pouco.

Sim... Assuntos do interesse dele. E, para ser sincera, assuntos do meu interesse também... Mas não se preocupe, quando ele estiver pronto, e tiver autorização para tal, ele irá compartilhar com você... É do interesse dele que você entenda o que está acontecendo com ele, de qualquer maneira.

— Como conseguiu meu número?

Eu já disse: por exclusão. Você sabia que aquela criança só tem gravado em seu aparelho três números de telefone? Sendo dois deles o meu e o de seu próprio irmão... Bom, tudo que eu pude imaginar foi que esse tal terceiro telefone só poderia ser o seu, já que ele não demonstra e nunca demonstrou qualquer interesse em se socializar com qualquer tipo de gente durante todos esses anos em que esteve fora de casa.

Quem é essa pessoa e o que ela sabe sobre o Usui? Pelo modo como ela fala, ela é uma antiga conhecida dele... E sabe mais do que quer demonstrar também.

Espera aí... Gerard? O nome do irmão do Usui não é um nome típico japonês...

Inglês? Será que foi isso que ela quis dizer com ‘’todos esses anos em que esteve fora de casa’’?

— Espera! De onde você conhece Usui? E por que é do seu interesse me telefonar também? Se você não me ligou para me contar qualquer coisa, ou me explicar o que tem ocorrido com ele, eu não vejo sentido nessa ligação.

— Perspicaz – soltou outra leve risada. – Vim apenas te alertar, na verdade. Como eu disse: é do interesse daquela criança ter você por perto, tanto por motivos pessoais como por motivos do coração; mas de toda forma, ele não saberia explicar o que ocorre em sua vida antes que você seja atropelada por todas aquelas informações e seja dragada de forma brusca para o meio da tempestade e da briga em que ele está com o passado e o futuro que o espera. De forma simples e direta, minha querida: mantenha-se afastada dele, ou fique ao seu lado até o último momento. Você não será capaz de se arrepender depois que for envolvida profundamente em tudo isso.

A chamada foi encerrada abruptamente, mas eu simplesmente não conseguia me mover.

As palavras da mulher rodavam em minha cabeça de forma avassaladora, me deixando mais confusa do que eu já estava, se é que isso era sequer possível...

Flashback OFF

 

O que você está escondendo de mim, Usui?... E o que você poderia ganhar me mantendo por perto, e me deixando na ignorância?

O que ela quis dizer com ‘’ter autorização para tal’’?

Que tipo de assunto é esse que ele precisa de autorização prévia para me dizer? Me senti extremamente perdida, como se tivesse mergulhado em uma espiral de informações, sem ter a capacidade de me guiar por minhas próprias pernas a partir do momento em que atendi aquela ligação.

Baguncei meus cabelos tentando me concentrar. Como irei manter a compostura amanhã e ignorar qualquer assunto relacionado a qualquer coisa quando eu estiver com ele?

Me lembrei rapidamente do apartamento em que ele morava, em uma das partes mais bem habitadas do bairro, da suíte na cobertura... Um filho de nobres ingleses? Não parece certo, afinal seu nome é completamente japonês.

Gerard... Gerard... Pelo o que eu entendi, e me lembro, seu irmão é o dono do apartamento, então é possível que ele seja algum tipo de parente afastado...

Me virei na cama de forma inquieta. Meu sono havia simplesmente desaparecido. Não era somente a ligação que eu havia recebido de tarde, mas também a estranha atitude de Usui ao me telefonar, e sua voz apreensiva ao falar comigo depois que eu atendi à chamada.

Ele parecia ter medo de que eu descobrisse algo... Ou que eu me envolvesse nessa bagunça que parecia estar sua vida.

A questão é: eu quero mesmo ser arrastada para o meio de tudo isso? Se sim, o que ele irá representar para mim daqui em diante?; se não, como me afastar agora, antes que tudo me alcance?

Minha vida parece estar sempre se esbarrando com vários desses impasses ultimamente. Ren ou Usui; me envolver ou não, etc...

Estou cansada de escolher. Acho que vou simplesmente esquecer a parte racional em mim que diz para pular fora de todas essas dores de cabeça, afinal, não teve uma vez sequer que eu segui minha consciência e que eu não tive dores de cabeça também.

Espero não me arrepender... Isso também é algo que parece ocorrer com uma leve frequência.

Levantei da cama e fui até a cozinha buscar um copo de água.

Quase dei meia volta quando vi minha mãe parada na cozinha, apreciando uma xícara de chá. Ela tem o dom de saber quando algo me incomoda, e não me deixa escapar até arrancar de mim todas as informações de que precisa.

— Você ainda está acordada? Me assustou por um momento, Misaki – disse ao me avistar adentrar o cômodo.

— Eu estava com sede – dei de ombros. – Decidi descer para beber água antes de voltar a dormir.

— O que a está incomodando? – me arrependi na mesma hora de não ter retornado para o quarto.

— Não tem nada de errado comigo, mãe...

— Eu não disse que tinha – sorriu amarelo, me pegando em minha própria mentira. Bufei. – É Ren e Usui-kun, certo?

Me mantive de costas para ela, fitando o copo em minha mão como se fosse a melhor escapatória para a sua afirmação.

— Ou eu sou uma pessoa muito transparente, ou a senhora simplesmente tem poderes... – resmunguei por fim, me apoiando na pia e virando em sua direção de braços cruzados.

Ela riu.

— Meu poder se resume a duas palavras, Misaki: ser mãe. Nunca vai existir uma pessoa nesse mundo que saiba mais de você do que eu. Nem você mesma se conhece como eu a conheço, por isso sei que tem algo te incomodando. E também sei que você não quer tocar no assunto.

— Não quero... – concordei. – É só que... eu não esperava que ele fosse aparecer de novo...

— Você é muito sincera, Misaki – desviei o olhar. Ela se levantou e me deu um leve abraço, afastando-se logo a seguir. – Mas você precisa ser sincera consigo mesma também.

“Você deveria descansar agora. Se forçar para entender tudo o que se passa em seu coração da noite para o dia não vai adiantar, você sabe disso.”

Deu um leve beijo em minha testa e se afastou.

Eu a segui com o olhar até que ela saísse de meu campo de visão, e só então eu me virei e lavei o copo, voltando para o quarto.

Finalmente o cansaço psicológico me atingia, me fazendo deitar e dormir logo em seguida em um sono sem sonhos.

 

~~~~~~~x~~~~~~~

 

Eu já estava pronta, apenas esperava que Usui aparecesse para me pegar. A ansiedade me deixava aflita.

Sentei na cama e me virei para a janela, observando o lado de fora.

Estava com medo de acabar transparecendo que eu sabia de algo, fora a sensação de que ele havia me evitado durante todo o dia na escola.

Suspirei, percebendo que eu estava sendo meio paranóica. Era Usui, afinal de contas. A nossa relação não havia mudado, ele ainda é o idiota que me salvou de um incêndio, o idiota que eu reencontrei algum tempo depois, e que eu gosto de uma forma que nem eu sei exatamente como explicar.

Cruzei os braços antes que eu bagunçasse meus cabelos – de novo – e tivesse que ajeitar – de novo.

Escutei a campainha tocar, então comecei a descer as escadas enquanto mamãe atendia à porta.

Assim que ele entrou e me avistou deixou escapar um sorriso que eu não consegui decifrar. Parecia satisfação e apreensão. Emoções bem antagônicas, diga-se de passagem...

— Você está linda – murmurou em meu ouvido quando me aproximei. Revirei os olhos, escondendo o rosto corado.

Senti o olhar de mamãe quase me atravessar.

Olhei em sua direção para me despedir e ela sorria de forma cúmplice. Acenando levemente, saí de casa com Usui ao meu lado.

Andamos até o ponto do ônibus e esperamos em silêncio. Ele parecia desconfortável ao meu lado, e eu não sabia exatamente como agir.

A ideia era agir de forma impulsiva e ignorar qualquer coisa relacionada com ‘’ficar ou partir’’.

— Usui... – mas esse assunto está me incomodando profundamente. Ele me fitou com intensidade, me fazendo perder a fala. Seus olhos demonstravam uma dura batalha interna, porém não somente isso. Ele estava cansado, muito. Não duvidava que ele estivesse de fato adoecendo como me disse ontem durante a chamada. Quando percebeu que eu o avaliava, sorriu, escondendo com maestria qualquer pensamento que estivesse escapando para suas feições.

E então eu finalmente entendi. O motivo de eu nunca ter percebido nada de anormal com relação a ele, mesmo sabendo nada mais do que seu nome, era o simples fato de ele tomar muito cuidado com cada expressão que ele fazia quando estava perto de mim. Nada do que ele demonstrou para mim até agora havia sido acidental. Era tudo absolutamente controlado e manipulado.

— O que houve, Ayuzawa? Você ficou séria de repente... – porém nem sempre ele conseguia esconder tais sentimentos na sua própria fala. Sua voz levemente mais grave o entregava facilmente.

Eu não sei se fico irritada com ele por mentir para mim de forma tão descarada, ou se me preocupo por ele estar se esforçando de forma tão desesperada para me manter afastada do que quer que esteja acontecendo com ele.

— O ônibus – apontei com o queixo, desconversando e encerrando o assunto. Se ele não quer tocar nele, não vai ser eu quem vai forçar ele a falar.

Depois de comprarmos os ingressos para o filme – de romance, como o loiro havia prometido -, fomos para a fila para comprar pipoca. Eu insisti, dizendo que não havia necessidade, já que depois iríamos jantar, mas desisti e fui para a fila com ele.

— Sabe, – começou – eu nunca fui ao cinema... Por isso queria seguir as tradições... Ir com alguém que você gosta, comprar pipoca, sentar bem no final da sala...

Pisquei, aturdida. Ele nunca veio ao cinema? Como isso é possível?!

— Você... Como?... Não é algo tão absurdo ir ao cinema, mesmo com amigos...

Ele riu secamente.

— Se surpreenderia com todas as coisas que eu nunca fiz, Ayuzawa – tentando manter o tom mais casual, murmurou perto de meu rosto enquanto me olhava – mas você já me ajudou a superar algumas dessas barreiras – sorriu.

— Você...

— É um assunto complicado – me cortou. – Assunto de família, e coisas desse tipo...

Família... Os questionamentos da noite anterior me atingiram novamente, quase me fazendo perguntar algo que eu tenho certeza que teria desfeito qualquer clima ameno que ele estivesse tentando manter em si mesmo.

— Isso é importante para você?

Olhou para mim confuso enquanto entregava uma nota para a mulher no caixa e pegava a pipoca.

— Fazer coisas que nunca fez? Você gostaria de tentar?

Ele sorriu, e eu me perguntei se era de fato um sorriso sincero como parecia ser.

— Sim, seria ótimo, obrigado. Agora vamos, ou vamos perder a hora.

Concordei e entramos na sala e, como o loiro havia dito, sentamos no final da sala, onde poucos casais se encontravam.

— Ei, tem uma coisa que eu gostaria de tentar – disse perto de mim, para não atrapalhar as pessoas que prestavam atenção no filme.

— Hã? Agora? O filme acabou de começar...

— Eu sei, eu sei, mas esse é o momento perfeito – vi um sorriso sapeca brotar em seus lábios.

— Ok – disse, ainda desconfiada. Desviei o olhar da tela para o rosto do loiro para ver o que ele pretendia, e rezava internamente para não ser nada que chamasse a atenção para nós dois.

Ele se inclinou rapidamente em minha direção e apoiou sua mão esquerda em minha bochecha, trazendo-me para perto com carinho, e então encostou seus lábios nos meus. O beijo começou calmo, e acabou praticamente em seguida, quase não passando de um encostar de lábios.

Depositou um beijo em minha testa com ternura e riu baixinho.

— Pronto, agora eu já posso dizer também que eu beijei uma pessoa no cinema.

Revirei os olhos e me recostei na poltrona, prestando pouca atenção no filme.

Meus olhos pesavam devido o cansaço e, sem que eu percebesse, acabei adormecendo encostada no ombro de Usui.

Quando o filme enfim terminou, ele me acordou gentilmente, zombando ao dizer que também poderia contar como ‘’uma pessoa dormindo no cinema e ser usado como travesseiro no cinema’’.

— Não seja chato, ok? Eu estou cansada! Não consegui dormir direito ontem a noite...

— E por que isso teria acontecido? – questionou, me sondando, desconfiado.

— Aconteceu porque eu dormi cedo demais depois que Ren foi embora, e perdi o sono pouco antes de você me telefonar... – menti descaradamente.

Será que eu deixei assim tão na cara que eu estava com alguma suspeita sobre ele? Porque desde o telefonema que ele está sendo absurdamente cauteloso comigo, tanto nas palavras, e mais ainda nos olhares... Suspirei.

— Eu estava ansioso demais para poder falar com você, por isso acabei ligando sem nem sequer pensar que poderia te proporcionar ou ser um inconveniente...

— Você não me acordou, Usui, não se preocupe. E, se de alguma maneira, você tivesse me incomodado, eu não o teria atendido – sorri de canto. – E então, Romeu, para onde nós iremos agora?

Ele olhou no relógio que estava em seu pulso e sorriu.

— Já está quase na hora – segurou minha mão e começou a andar.

— Hora de quê?

— Jantar, esqueceu? Eu fiz reservas para um restaurante não muito distante daqui... É perto o suficiente para irmos andando, se preferir.

O único restaurante que fica consideravelmente próximo daqui, a ponto de podermos ir andando...

Olhei para ele meio em choque e ele soltou uma leve risada.

— Hoje é uma noite especial... Eu queria poder fazer direito...

Concordei e o deixei me guiar para o enorme restaurante cinco estrelas – e mais caro do bairro – enquanto tentava desvendar quem era aquela pessoa ao meu lado.

Ele sorriu de forma indecifrável antes de entrarmos no estabelecimento.

Dirigiu-se apressadamente ao atendente, dando seu nome e as coisas necessárias, e então fomos guiados até a mesa.

O lugar tinha um ambiente agradável do lado de dentro, com castiçais por todos os lugares, e iluminado da melhor maneira possível, sem transmitir a sensação de muita claridade, mas sem parecer escuro ao mesmo tempo.

Nos sentamos na mesa que ficava ao lado de uma enorme sacada, separada apenas por uma parede de vidro recoberta parcialmente por uma cortina pesada em tom vermelho.

— Se eu soubesse que você iria me trazer para um lugar desses, eu pensaria duas vezes antes de vestir qualquer coisa que tinha dentro do  meu guarda-roupas...

Ele soltou uma leve risada.

— Isso não importa muito. Aqui é um local reservado, de qualquer maneira, dificilmente alguém vai prestar atenção em nós dois enquanto estivermos aqui dentro.

— Acho que usar a palavra ‘’mistério’’ pare te definir não chega sequer perto de ser o suficiente...

Novamente ele sorriu, mas manteve o silêncio. Olhou rapidamente para o cardápio e escolheu algo para nós dois.

— Usui... – olhei de forma desconfortável para ele. – Esse tipo de ambiente... Um pedido de desculpas bastava... Eu não me encaixo nesse tipo de lugar – murmurei.

— Não se preocupe, Ayuzawa, é apenas um jantar. Nada demais irá acontecer. Além do mais, esse era o restaurante mais perto do cinema.

Suspirei e desisti de argumentar com ele. Só espero que ninguém nos note, e que nada de mais aconteça.

Ele me sorriu de forma carinhosa e segurou minha mão sobre a mesa.

— Eu sei que você não ficou irritada pelo meu comportamento de ontem, mas sim preocupara comigo, e chateada também, porque você estava falando de coisas que raramente fala comigo... você estava se abrindo, e eu me sinto culpado por isso.

— O que era aquela ligação? Você pareceu realmente nervoso quando seu celular começou a tocar... – eu sei que você vai mentir, mas eu preciso saber que tipo de mentira você irá inventar, ainda mais enquanto olha nos meus olhos...

— Eu...  Desculpe, Ayuzawa, mas eu não posso te dizer sobre o que se tratava a ligação, ou qualquer coisa relacionada a ela...

Fechei os olhos e me recostei no encosto da cadeira, e afastei minha mão da sua da forma mais sutil que eu consegui.

Mantive os olhos fechados até ter certeza de que eles não trairiam minha confiança e mostrariam de forma clara tudo o que eu estava sentindo no momento.

Quando os abri, porém, tive a certeza de que ele percebeu que eu sabia de algo, pois, assim como os meus, seus olhos também o traíram, demonstrando toda a compreensão da situação.

 

• Usui PDV •

 

Ela sabe! Não era impressão minha. Ela sabe de algo!

Seus olhos frios me analisaram de cima a baixo, procurando por qualquer imperfeição ou qualquer deslize em minhas feições.

— Ayuzawa, olha... Eu sei que é meio fora do comum esse tipo de situação, mas, acredite em mim quando eu digo: você não vai querer saber o que é tudo isso. Você não vai querer se meter nisso.

— Desculpe, eu acho que isso tudo foi um erro.

— Erro? – senti meu coração gelar enquanto seus olhos percorriam todo aquele local.

Ela me fitou, irritada.

— Me lembro que quando estávamos em Sendai, você reclamou que eu não era sincera. Bom, a verdade é: nenhum de nós é sincero! Embora eu, pelo menos, não finja ser algo que eu não sou!

“Olhe bem para tudo isso, Usui. Eu não sei nada sobre você a não ser o seu nome!”

— Ayuzawa, é complicado! Eu não posso te falar sobre a minha vida, ou sobre o que você quer saber, sem te expor à coisas que não serão agradáveis para você!

— Tente! – desafiou. – Você nunca tentou, Usui... – seus olhos brilharam quando meu celular vibrou em meu bolso.

Trinquei os dentes e a encarei, enquanto ela me dirigia um olhar que misturava triunfo e raiva.

— Esse não era o propósito de tudo isso – sussurrei, tentando acalmar a situação. – Me desculpe, mas eu preciso atender.

— Vá em frente – disse enquanto se levantava. – Eu preciso voltar agora. Se você não está disposto a ser totalmente sincero comigo, então eu não vejo necessidade para continuar aqui, fingindo.

Virou as costas e foi embora sem sequer me olhar uma segunda vez. Peguei o aparelho que ainda vibrava em meu bolso e o apertei, irritado.

O que ela quer agora?! Eu a avisei para não me ligar hoje! Eu acabei de sair da casa dela, o que ela possivelmente iria querer comigo em tão pouco tempo?

Me levantei e segui até uma área reservada e atendi a chamada.

Takumi— meu coração parou ao escutar a voz que me chamava de forma apressada. Arregalei os olhos e procurei apoio em uma parede próxima a mim enquanto me concentrava para não cair no chão. – Takumi, eu preciso ser rápido. Sei que você provavelmente ainda está irritado comigo, mas entenda o que eu fiz, por favor! Me falaram que ela entrou em contato com você, e que você está entrando em seu joguinho! Não acredite nela! Ela só vai te usar, assim como tentou fazer comigo!

— Você... Aonde você está?! – balbuciei apressadamente, atropelando as palavras enquanto tentava obter respostas.

Isso não importa agora. Eu preciso que você me escute e acredite em mim. Têm pessoas me perseguindo desde aquele dia, Takumi, por isso o afastei de mim, para que você não fosse prejudicado. Eles o encontraram e enviaram ela para tentar te convencer a aceitar tudo o que eles querem! Eles fizeram o mesmo comigo, mas eu consegui escapar desse jogo de poder.

— Eu não entendo! Ela está me ajudando! Ela está indo contra as ordens dos superiores dela ao me encontrar!

Ela o está enganando! — fechei os olhos quando o ouvi gritar. – A garota que estava com você agora no restaurante já foi visada também! Ela ligou para a Ayuzawa-san hoje a tarde, pouco antes de você entrar em contato com ela.

— Como você sabe disso? – minha cabeça rodava.

Ceddy... Ele o está vigiando de perto por mim, para intervir caso algo de grave aconteça.

— Gerard! – bradei, finalmente me recuperando. – Você me largou aqui, e me envolveu nesses assuntos porque é um maldito covarde! Como você pode deixar o seu empregado me vigiando como se isso fosse a coisa mais sensata a se fazer?

Eu não posso intervir, Takumi. Se eu aparecer agora, eles ganham. Se eu ceder e assumir o controle, eles vão fazer da sua vida um inferno, e você sabe o porquê! Tenha paciência, por favor, e, mais do que tudo, não caia no jogo dela!

— Espera!...

Tome conta da sua namorada, e não a envolva nisso agora. Quando chegar a hora, ela irá entender tudo o que está acontecendo, e será melhor para ela saber. Ninguém pode decidir por ela se ela vai ou não trilhar esse caminho a seu lado.

“Adeus, irmão. Entrarei em contato com você novamente quando eu for capaz. Por enquanto, tudo que eu posso lhe dizer é que te amo, e desejar-lhe sorte.”        

A chamada foi encerrada, mas não tive reação alguma. Continuei parado, estático, segurando o celular em meu ouvido, enquanto tentava processar qualquer coisa.

Meu irmão me ligou. Ele estava vivo e bem. Ele sabe sobre a Ayuzawa e sobre o contato entre mim e ela...

Suspirei ao finalmente me lembrar de Ayuzawa.

Ela não vai querer me ver de novo nem tão cedo.

Mas agora a questão que mais me incomoda: o que ela ganha entrando em contato com Ayuzawa? Isso não me fará ser mais colaborativo... Ao contrário disso, isso iria me fazer resistir, por jogá-la no meio dos problemas.

Paguei a conta do restaurante e saí apressado. Corri até a parada de ônibus, entrando no veículo que, por sorte, já se dirigia a minha direção.

Sentei e esperei, me movendo a todo instante devido a impaciência.

Quando estava próximo a casa de Ayuzawa, desci e andei apressadamente até lá, parando em frente ao portão.

Respirei fundo e rezei mentalmente para que minha intuição não estivesse errada.

Não demorou muito para que eu a visse se aproximando com a cabeça baixa, parecendo bastante irritada.

 

• Misaki PDV •

 

Quando finalmente olhei para cima, avistei Usui encostado ao muro de casa, me esperando.

Prendi a respiração e desviei o olhar, parando em frente ao portão. Puxei o trinco e quando estava prestes a entrar, ele segurou hesitantemente minha blusa.

Olhei para ele de canto e o ignorei novamente, embora também não tenha tentado entrar novamente em casa.

— Como sabia que eu não tinha chegado ainda? – perguntei por fim.

— Quando você está irritada prefere andar, assim tem mais tempo para aliviar os pensamentos e esfriar a cabeça...

Eu preciso aprender a não ser uma pessoa tão óbvia.

— O que você quer? – me cansei do joguinho de silêncio, e visto que ele não iria me deixar entrar, resolvi terminar logo com tudo isso.

— A situação mudou um pouco... Parece que você já está sendo envolvida em tudo isso.

— Sim – disse amarguradamente. – Preferia que não estivesse, seja lá o que é ‘’tudo isso’’.

— Ayuazwa, a situação ainda não mudou completamente. Eu ainda não posso te dizer o que está acontecendo, caso contrário eu vou te arrastar para o meio de toda essa confusão em que eu me encontro no momento, mas posso te esclarecer algumas coisas...

— Prossiga – puxei meu braço bruscamente, fazendo com que ele soltasse minha blusa e me virei, recostando minhas costas no muro ao lado do portão, e esperei.

— Ela te ligou, não é? – seus olhos estavam sombrios, escuros. Não demonstravam nenhum tipo de sentimento, nada...

Concordei. Ele apertou os punhos enquanto tirava o celular do bolso novamente.

— Posso ver o seu registro de chamadas?

— Ela me ligou de um local público... – ele grunhiu e guardou o celular novamente.

— Ela planejou tudo isso! Se eu não colaborasse, ela iria te envolver – ele parecia perdido. – Não acredito que eu caí no jogo dela de forma tão fácil...

— Você ainda não fez o que ela queria – arqueei a sobrancelha ao ver um homem de aparentes 40 anos e terno se aproximar de nós. – Enquanto você não disser as palavras ela não vai poder te obrigar a nada. Tudo o que você fez para ela até agora foi apenas um agrado ao ego daquela mulher.

— Ela a envolveu por causa disso? Para que eu fosse obrigado a aceitar o que eles querem?!

— Sim – a resposta fria e direta do homem fez Usui perder o foco por alguns instantes. – Aqui é ponto onde o interesse de todos aqueles homens se chocam, e adivinha quem está bem no centro de tudo isso?

Eu os encarava, completamente perdida no assunto.

O que ele quis dizer com tudo isso?

— Ayuzawa, o que ela te disse? Seja o mais específica possível, por favor.

— Ela disse que era sobre assuntos do seu interesse, e do interesse dela. E algo parecido com ‘’é do interesse dele que você saiba o que está acontecendo’’

O homem mais velho cruzou os braços e olhos para Usui.

— Finja que nada aconteceu – instruiu. – Continue jogando o jogo dela, mas com cautela, agora que você sabe o que ela pretende.

— Há um pequeno engano aqui... Eu nunca pretendi aceitar qualquer coisa que ela me oferecesse – o mais velho sorriu.

— Sim. Seu interesse era apenas saber o que tinha acontecido com o seu irmão, e o motivo dele ter fugido. Ela também sabe disso, por isso usou ele como método de aproximação. Apesar que é certo dizer que você esteve jogando com as peças certas por todo esse tempo, a frustração dela foi o motivo do telefonema para ela – apontou com o queixo para mim. – Não a envolva agora.

Bufei, me pronunciando pela primeira vez.

— Você não acha que eu já estou envolvida?! – questionei, soando mais agressiva do que eu pretendia.

— Está – concordou simplesmente. – Mas se ele disser do que se trata, você não terá a alternativa que você tem agora...

— Que seria?...

— Se afaste para sempre – virou sua atenção completamente para mim – ou fique.

— Obrigado, Cedric – Usui agradeceu, e o mais velho, Cedric, se afastou, sumindo de vista em poucos segundos. – Ayuzawa...

— Usui, olha... eu preciso pensar em tudo isso, ok? – cortei. – Eu não sei o que está acontecendo, mas isso não parece algo pequeno e sem importância.

— Como eu disse: são assuntos de família – suspirou. – Eu queria muito que isso não tivesse chegado a você, mas parece que já é um pouco tarde para isso. Eu prefiro te deixar no escuro por mais um tempo antes de decidir o que eu preciso fazer, ou encontrar um modo de te livrar disso, mas eu te peço, por favor – seus olhos brilharam com um sentimento que eu nunca tinha visto antes -, não me vire as costas agora. Eu preciso de você. Seja como amiga... ou algo mais...

Seu olhar intenso me fazia ter arrepios involuntários por todo o corpo.

— Eu vou pensar, Usui – disse por fim. Ele sorriu um pouco e me abraçou forte. Não era um abraço com segundas intenções. Ele apenas queria um abraço, então rodeei seu corpo com os braços e esperei até que ele se afastasse.

— Eu vou te contar tudo um dia, eu prometo, mas agora não é o momento – sussurrou em meu ouvido, e eu concordei, rendida.

Estava cansada demais para pensar em mais alguma coisa nesse momento.

Ele se afastou e foi embora após de despedir rapidamente de mim.

— Imagino se um dia eu vou gostar de alguma pessoa que não seja complicada... – disse para mim mesma, entrando em casa.


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Notas finais do capítulo

E então... Alguém já tem algum palpite de quem é a pessoa misteriosa? xD
Bom, deixem suas opiniões nos comentários.
Até o próximo, galera.



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