Meu Bônus Infernal escrita por Mandy-Jam


Capítulo 23
Coragem


Notas iniciais do capítulo

Eu ia postar seguido do capítulo anterior, mas a internet resolveu me ferrar.
Anyway... Espero que gostem.



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Hermes conseguiu convencer todo mundo de que o sótão seria um lugar estratégico para dormir. Minha mãe e Will voltaram para o quarto deles, e eu senti raiva de mim mesma por não ter ficado quieta.

- Pela primeira vez na vida... Eu devia ter ouvido o Ares. – Murmurei olhando para o chão.

Minha cama agora era ocupada por Hermes, que esboçava um sorriso feliz e se espreguiçava confortável. Olhei para o monte de cobertores colocados um sobre o outro, com um travesseiro na beira deles.

- Você some por quase vinte anos, reaparece, e para mostrar como é um pai legal me coloca para dormir no chão. – Comentei em um murmuro. Olhei para Hermes, que não parecia nem um pouco culpado por isso.

- Você quer colocar um homem de milênios de idade para dormir no chão? – Rebateu olhando para mim – E como as minhas costas ficam?

- Muito bem já que Deuses se recuperam rápido. – Retruquei.

- Está de castigo por essa pirraça. – Falou fechando os olhos – Seu castigo é dormir no chão e quieta.

- Castigo por fazer pirraça? Ah, deixa de palhaçada. – Disse revirando os olhos.

- Palhaçada? – Repetiu erguendo uma sobrancelha – Isso estende o castigo por uma semana.

- Pai, dá para eu dividir com você se você chegar para o lado. – Falei apontando.

- E ficar espremido contra a parede? – Cruzou os braços – Não mesmo.

Hermes cobriu-se e se mexeu na cama.

- Vai dormir logo. Boa noite. – Falou apontando para a cama no chão. Eu revirei os olhos e acabei deitando. Mesmo com uma pilha de cobertores, eu ainda sentia o quanto o chão era duro. Nem o travesseiro parecia fazer minha cabeça relaxar.

A luz já estava apagada. Achei que pudesse simplesmente dormir, mas meu pai ficou se mexendo inquieto por longos minutos. Estiquei a cabeça no escuro e tentei ver o que ele estava fazendo.

- Você quer parar quieto? – Reclamei.

- Estou me ajeitando. – Respondeu se virando novamente na cama.

- Você é hiperativo até para dormir? – Comentei ao ver que ele rodava na cama, mas não conseguia achar uma posição confortável. Meu pai ficou de costas para cima, afundando a cabeça contra o travesseiro.

- Ah, assim está ótimo. – Suspirou feliz.

- Ótimo. – Resmunguei me jogando de novo para a cama. Ao fazer isso, senti a poeira do chão irritar meu nariz. Achei que aquilo não traria problemas.

Fiquei sem dormir por longos minutos, enquanto Hermes roncava já em sono profundo. Meu nariz pinicava, coçava, e minha garganta ardia. Estava começando a me sentir sem ar. Precisava lavar o rosto.

Levantei na ponta do pé e tateei o chão até achar a porta. Abri-a e mesmo com o rangido que foi feito, Hermes não acordou.

Desci as escadas e atravessei o corredor em direção ao banheiro. Todo mundo parecia estar dormindo, menos...

- Já falei que não! – Reclamou Ares.

- Eu não estou nem aí para o que você disse. Dá o fora ou divide comigo. – Rebateu Apolo irritado.

- Dividir com você? Está me estranhando? – Retrucou Ares. Abri a porta para ver o que estava acontecendo, e notei que eles estavam discutindo.

- O que houve? – Perguntei. Os dois viraram os rostos para mim, e bufaram de raiva. Apolo apontou para Ares.

- Houve que ele é um imbecil. – Reclamou.

- Houve que ele é um boiola. – Reclamou Ares.

- Cala essa boca. – Falou Apolo com raiva.

- Vem aqui calar! – Desafiou. Apolo ia avançar, mas se deteve ao me ver espirrar. Os dois olharam para mim enquanto eu saia do quarto e corria em direção ao banheiro sem conter meus espirros.

 Estava sentindo falta de ar. Realmente não dava para dormir no chão daquela casa empoeirada e velha. Lavei o rosto e respirei fundo. Tentei manter a calma. Ficar sem ar me deixava nervosa, e eu constantemente entrava em pânico, mas isso só piorava a situação.

Não estava tendo uma crise, é claro. Por isso mesmo tinha que me controlar. Respirei profundamente várias vezes, com muita calma, e abri os olhos. Ares e Apolo estavam em pé na porta do banheiro me encarando.

- Você está bem? – Perguntou Ares.

- Eu vou tirar toda a poeira para você, Alice. – Imitei com desdém – Obrigada, pai. Estou ótima mesmo.

- O Ares troca de lugar com você. Ele dorme no chão, e você dorme comigo. – Falou Apolo sorrindo para mim.

- Ou você dorme no chão, já que eu e ela é que somos um casal. – Comentou Ares com um tom irritado.

- Ou você se muda para o Tártaro. Também é uma opção. – Retrucou Apolo.

- Ah, é? – Perguntou Ares quase avançando.

- O que houve afinal? – Perguntei sem entender porque estavam brigando – Vocês vão acordar todo mundo com essa briga.

Eles iam responder, mas resolveram voltar para o quarto para isso. Ao abrir a porta novamente, eu notei porque tanta discussão. Só tinha uma única cama de casal no quarto. Não lembrava de ter notado isso antes.

- Espera... Vocês não tinham duas camas? – Perguntei confusa.

- Ontem sim. – Respondeu Apolo – Mas a sua família chegou, e provavelmente precisaram de uma.

- Vocês vão dormir juntos? – Perguntei surpresa. Eles cruzaram os braços mostrando raiva.

- Não. – Disseram juntos.

- Ia ser tão bonitinho. – Comentei sem pensar direito. Ares ergueu uma sobrancelha.

- O que? Você tem um fetiche por ver nós nos pegando? – Perguntou surpreso. Meu rosto ficou vermelho ao ouvir aquilo.

- Que? Claro que não! Eu disse bonitinho, porque vocês finalmente aprenderiam a dividir alguma coisa sem brigar. – Respondi revirando os olhos.

- Uhm... Acho que ela realmente deve ter um fetiche por ver nós dois nos pegando. – Comentou Apolo pensativo olhando para Ares.

- Sua malandrinha. É por isso que você não se decide entre nós dois, não é? – Falou com um sorriso malicioso.

- Voltem a se matar pela cama. Eu vou beber água. – Ignorei a brincadeira maldosa dos dois e fui para a cozinha.

Toda a casa estava escura. As tábuas rangiam ao sentirem meu peso ser depositado sobre elas. Cheguei a cozinha com certa medo do escuro quase que completo, mas antes que pudesse acender a luz...

- Pensei que a medrosinha não fosse aparecer. – Disse Joe. Ele acendeu uma lanterna e mirou em meu rosto. Fechei meus olhos protestando contra a claridade – Que? Vai dizer que esqueceu?

Sim, eu tinha esquecido.

Ao ver seu sorrido pálido sobre a luz branca da lanterna, soube claramente o que ele queria. A Competição da Coragem.

Quando éramos pequenos Joe nunca me deixava brincar com ele nem com nenhum dos outros primos. Ele dizia que brincadeiras de garoto faziam garotinhas ficarem com medo. Eu insistia que era mais corajosa do que ele e que poderia muito bem brincar com os outros.

Desde então nós resolvermos competir para ver quem tinha mais coragem, eu ou ele. Íamos de noite para o meio da floresta de cercava a casa e sentávamos no chão um de frente para o outro só podendo levar uma lanterna. Aquele que desistisse primeiro era o covarde, e tinha que sofrer as consequências.

Aquilo parecia idiota para dois quase adultos fazerem, mas a competição passou a representar uma questão de orgulho. De honra.

- Como eu poderia? – Respondi ainda de olhos fechados por causa da claridade. Peguei a lanterna que estava em sua mão e a segurei com firmeza. Lancei a luz contra o rosto de Joe, que cerrou os olhos imediatamente – Está pronto para fazer xixi nas calças, Joey?

- Não antes de você chorar pela sua mãe, Ally. – Respondeu com repulsa.

E nós fomos mesmo de pijama.

Atravessamos a porta da frente e entramos na floresta. Seguimos uma trilha que já conhecíamos. Ela era estreita com árvores de todos os tamanhos com galhos retorcidos a cercando. Eu fui na frente, como sempre, já que Joe nunca foi o mais corajoso.

Quando nos afastamos o suficiente, sentamos em duas pedras, um de frente para o outro. Eu via tudo que estava atrás de Joe, e ele o que estava trás de mim.

- Você vai perder. – Falou com um sorriso idiota – Aí eu vai ter que...

- Eu não vou perder, e você sabe muito bem disso. – Respondi. Coloquei a lanterna voltada para meu queixo, iluminando meu rosto de um modo sombrio – Sabe o que seria legal? Lembrar as histórias de terror da família.

- Isso já está ficando velho. – Reclamou, mas eu sabia que no fundo ele estava com medo – Só cala a boca e perde logo. Seu namorado deve estar sentindo falta de alguma coisa na cama dele.

- Você lembra que o Tio Edgar disse que os parentes dele compraram essa casa há muito tempo? Na época da guerra civil. E eles foram responsáveis pelos cuidados médicos dos feridos. – Comecei. Joe suspirou pesadamente ao notar que não adiantaria tentar me impedir – Mas eram tantos feridos que não conseguiram salvar todos. Então eles enterraram os corpos mutilados aqui na floresta.

- Gente morta está morta. – Disse fingindo indiferença – Isso não me assusta em nada.

- Você lembra que bisavô Henry, o que mesmo que cuidava dos feridos, acabou sendo capturado? – Continuei. Aquela era a piorr parte. Ele sabia disso. Ele temia isso – Ele tentou dizer que só estava tentando ajudar, mas não quiseram ouvir. Cortaram as mãos dele por usá-las para ajudar o inimigo, e depois a sua garganta.

Joe olhava fixamente para a paisagem sombria atrás de mim, interessado em ver se tinha algo de amedrontador se aproximando.

- Tio Ed disse que não enterraram ele junto com as mãos. Que as esconderam em algum outro lugar. – Sorri torto – Sabe o que eu faria, Joe? Sabe o que eu faria se cortassem minhas mãos e as enterrassem em um lugar diferente? – Ele não respondeu – Eu levantaria do túmulo e procuraria até achá-las. Mas acho que eles podem nem mesmo ter enterrado as mãos. Podem ter dado para os cães. Só que nesse caso...

Eu apaguei a minha lanterna, e tudo ficou muito mais escuro.

- Ele deve vagar pela noite procurando as mãos para sempre, sem nunca achar. – Completei. Joe jogou a luz contra meu rosto e suspirou tenso.

- Você é uma idiota. Se eu tivesse que te matar, não cortava as mãos. Cortava a língua. – Reclamou ele. Acendi a luz novamente.

- Se você ficou com medo, a culpa não foi minha. Achei que fosse maduro o suficiente para lidar com isso. – Falei encolhendo os ombros – Mas acho que me enganei.

- O que é isso atrás de você? – Perguntou em um tom de medo. Só que estava forçado demais para ser verdade.

- Quem vira para trás perde. Acha que eu não sei disso? – Perguntei negando com a cabeça – Se tiver algo atrás de mim, acho que eu vou morrer. Mas é um risco que eu tenho que correr.

- Você não dá valor a sua vida. Mas eu não posso te culpar. – Disse em um tom maldoso – Se fosse tão fracassado quanto você, não importaria se fosse morrer ou não.

- Quem é você para me chamar de fracassada? – Perguntei com raiva – Você não passa de um filhinho de papai que se sente inteligente por cursar Economia. Mas você não é nada, Joe. É só um esnobe.

- E você é o que? Uma tradutora, sendo que nem ler você consegue. – Zombou.

- Eu sei ler. – Reclamei.

- Ah, é. Eu só esqueci que você é retardada e não entende as palavras. – Riu ele.

- Eu sou disléxica, não retardada! – Exclamei com raiva. Minha voz ecoou pela floresta, e Joe engoliu em seco.

- Cala essa boca. Quer berrar para algum animal selvagem ver a gente aqui? – Pude notar que estava com medo. Eu ia falar alguma coisa quando ouvi o som de algum metal se chocando com outro.

Nós viramos o rosto para o lado ao mesmo tempo e apontamos as lanternas. O meu sangue gelou. Nunca disse que não tinha medo. A única diferença entre mim e Joe era que eu tinha medo, mas conseguia controlá-lo.

- O que foi isso? – Perguntou tenso – O que foi isso?

- Você acha que eu sei? – Resmunguei tentando esconder meu medo. Não conseguia ver nada entre as árvores. Metais se chocando não era um barulho normal para se ouvir no meio da floresta. Talvez não sentisse tanto medo se fosse o barulho de galhos se quebrando, mas não era o caso.

Nós ficamos em silêncio, o que era um pouco pior. Quando você fala ou ouve alguém falar, você distrai a sua mente. Mas quando você fica em silêncio, tudo que você pode ouvir é seu próprio medo.

Qualquer barulho parecia mais assustador do que deveria parecer. Continuamos sentados ali, em silêncio sem olhar para trás. Só fixos nas nossas laterais e nos rostos um do outro.

Eu sentia tanto medo quanto Joe de algo surgir das sombras. Sempre achava que alguma criatura seguraria meus ombros, pegando-me desprevenida. E aquele silêncio só levava minha imaginação a percorrer as possibilidades mais absurdas e aterrorizantes.

Seria possível que tivesse alguém ali? Metais se chocando... O que era aquilo?

Não tinha as resposta, e nem esperava ter. Joe abriu a boca com o queixo tremendo, pronto para dizer algo para mim. Talvez ele também soubesse que o silêncio só pioraria nossa competição. A tornaria mais puxada.

Queria zombar dele por estar tremendo de medo, mas eu sentia que as minhas mãos faziam a mesma coisa cada vez que imaginava uma mão segurar meu ombro por trás.

Quando Joe ia liberar sua voz, algo se chocou contra a árvore perto de nós. Nós dois demos um pulo e não paramos para ver o que era. Saímos correndo pela trilha que pegamos e voltamos para casa.

A escuridão parecia tomar conta de tudo. A Lua estava sendo tampada pelos altos galhos retorcidos das árvores. Ouvíamos só as nossas respirações e o vento batendo contra nossos rostos.

Abrimos a porta da sala e a fechamos com rapidez. Estávamos ofegantes. Acendemos as lanternas e olhamos para os rostos pálidos um do outro. Joe parecia mais amedrontado do que eu, mas isso não me fazia parecer mais calma.

- Droga... – Deixei escapar. Minha mão ainda tremia – Droga... Deu empate.

- Nós... – A voz dele desafinou. Ele limpou a garganta – Nós vamos de novo amanhã. A não ser... Que você esteja com medo.

Podia ver que era aquilo que ele esperava. Neguei com a cabeça.

- Te vejo amanhã no mesmo horário. – Respondi. Joe subiu as escadas, e eu fiz o mesmo. Não queria mais um copo de água, só queria dormir perto de alguém. Abri a porta do quarto de Apolo e de Ares para não ter que enfrentar o corredor inteiro de sombras.

Acendi a lanterna e apontei para a cama. Apolo estava na extrema beirada, e Ares na outra extremidade. O mais afastado possível sem que caíssem.

- Alice? – Perguntou Apolo. Não parecia ter dormido muito – Para que a lanterna?

- Eu... Explico amanhã. – Respondi. Ares colocou-se sentado e olhou para mim com os olhos cerrados de sono e de irritação com a claridade.

- O que você quer? Tirar uma foto? – Perguntou pensando que eu iria zoar os dois. Neguei com a cabeça e fui até a cama.

- Posso dormir com vocês? – Perguntei sentindo meu rosto ficar vermelho. Por sorte estava escuro demais para eles verem, mas estava claro o suficiente para ver o quanto os dois ficaram interessados no meu pedido.


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Notas finais do capítulo

Espero pelos reviews! Responderei todos amanhã, certo? Até os do capítulo passado.
O que vocês acharam? Quero saber, ok?
Até o próximo capítulo!