Lost Inside escrita por Lizzy Styles


Capítulo 1
Inútil




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Você já se sentiu inútil alguma vez na sua vida? Já teve aquela sensação horrível de que se você morresse ninguém sentiria sua falta? De que você não vale nada? Se já se sentiu assim bem vindo ao meu mundo.

Acordei mais um dia atrasada, é eu não tinha dormido direito e o motivo não era insônia ou algo do tipo, para falar a verdade eu nem sabia como tinha conseguido deitar com as minhas costas naquele estado, levantei e segui direto para o banheiro, eu precisava de um banho e precisava ser rápida também ou acabaria perdendo meu ônibus, entrei debaixo do chuveiro e deixei que a água caísse no meu corpo, tudo em mim doía, resultado da surra da noite anterior, caramba aquela tinha sido uma das piores que eu já levara em todos os meus anos de experiência e tudo por que eu quis saber se meu pai queria jantar, burrice minha, deveria ter ficado quieta.

Terminei meu banho e segui para frente do espelho do banheiro, comecei a praticar meu esporte diário, contar quantos hematomas eu tinha pelo corpo, meu rosto estava acabado, a boca estava machucada assim como um dos olhos, meus pescoço tinha as marcas dos dedos do meu pai, é, ele tinha tentado me sufocar dessa vez, ele estava evoluindo nas maneiras de me torturar, minhas costas estavam irreconhecíveis, acho que nem um escravo na época da escravidão apanhara tanto quanto eu, até o toque da toalha me causava uma dor insuportável, mas eu não ia chorar, eu não chorava com o meu pai por perto, eu não ia demonstrar fraqueza alguma diante dele.

Fiquei encarando meu reflexo durante algum tempo, eu tinha dezoito anos e o que eu havia feito da minha vida? O que eu era? Meu pai estava certo, eu não era nada “Você tem que apanhar para aprender a ser gente” ele repetia a cada vez que me batia sem motivo algum, agora eu sabia que ele estava certo, mas me diz, quem havia me transformado no nada que eu era agora? A culpa era toda dele.

Eu queria ter uma mãe, cresci sonhado que algum dia ela entraria pela porta e me levaria com ela, mas isso nunca aconteceu, mesmo não a conhecendo eu sinto orgulho dela, sei que ela fugiu dos maus tratos do meu pai e me orgulho da força que ela teve, eu queria ser assim também, queria ter essa coragem, mas como eu já sabia eu era uma completa inútil. O que será que fez com que ela me abandonasse com aquele louco? Aquilo me perseguia durante toda a minha vida, eu sabia que provavelmente ela havia tido um motivo forte, pois mãe nenhuma abandonaria sua filha com um cara psicótico como o meu pai.

Resolvi parar de me analisar, eu tinha nojo de mim mesma por não ter coragem para reagir ou ir embora, cada vez que me olhava no espelho e contava todos aqueles machucados eu sentia vontade de me matar, nem sei dizer quantas vezes já tentei, cortei meus pulsos mais vezes do que posso contar, mas sou tão imbecil que nem isso consigo fazer.

Saí do banheiro, troquei de roupa, peguei meu skate, meu violão e desci as escadas o mais rápido que consegui sem fazer barulho, eu não queria acordar o meu pai, ele provavelmente estava dormindo na sala ainda bêbado da noite passada.

–Aonde você vai sua inútil? – escutei ele gritar no instante em que bati a porta.

Não respondi, só a voz dele já servia para me dar vontade de vomitar, eu precisava fazer alguma coisa, pre4cisava sair daquela casa antes que eu enlouquecesse.

Joguei meu skate no chão e saí rua abaixo, a sensação do vento nos meus cabelos era incrível, era uma sensação única, no fim das contas era bom me sentir bem pelo menos uma vez na vida.

–Olha por onde anda sua maluca! – escutei um grito e uma buzina e naquele instante me dei conta de que quase havia sido atropelada e que o motorista do carro me xingava pela janela. – quer morrer?

Até que não seria uma má idéia, cheguei ao ponto de ônibus e como sempre ele tinha acabado de passar, acelerei no skate o Maximo que pude e consegui me aproximar o suficiente para bater na porta da frente.

–Ei abre aí! – gritei, o motorista me olhou e sorriu, ele já me conhecia, sabia que eu quase nunca conseguia chegar a tempo de pegar o ônibus.

–Tenta chegar mais cedo menina. – ele falou quando entrei.

–Eu sempre tento, tentar não é o problema, o problema é conseguir.

Ele sorriu e eu segui para o fundo do ônibus, sentei sozinha como sempre, eu afastava as pessoas e não me importava com aquilo, eu não queria ter amigos porque eu não tinha como explicar para eles todas as marcas novas pelo corpo que eu aparecia a cada dia.

Quando chegamos na escola eu coloquei meu capuz na cabeça, não queria que ninguém ficasse olhando para o meu rosto machucado, eu estava cansada de colocar a culpa no skate.

–Thais? – aquela voz, eu amava aquela voz.

–Josh? – falei ao ver o garoto que se aproximava de mim. – cara como eu senti sua falta.

Ele sorriu a principio, depois me olhou firme.

–Tira esse capuz.

–Não.

–Thais, por favor, o que ele fez com você?

Eu não queria que o Josh sentisse pena de mim, eu não queria que ninguém sentisse, mas eu não tinha como evitar, puxei o capuz e mostrei o rosto para ele.

–Meu Deus ele não pode ficar fazendo isso com você todo dia, caramba ele extrapolou dessa vez Thais, você tem que denunciar ele.

–Denunciar? Acha que eu já não fiz isso Josh? E adiantou alguma coisa? Só serviu para ele descobrir e me bater mais.

Ele não disse nada, acho que ficou sem palavras, Josh apenas me olhava de uma forma que eu odiava, nos olhos dele havia pena.

–Pára de me olhar assim, você sabe que eu odeio quando faz isso!

Ele se aproximou e sem dizer mais nada me beijou, quando suas mãos encostaram-se às minhas costas a dor me fez recuar um pouco.

–O que foi? – ele perguntou com aquele ar doce de sempre.

–Não coloca as mãos nas minhas costas, estão machucadas.

–Thais...

Antes que ele pudesse falar alguma coisa escutamos um grito vindo do inicio do corredor.

–Ei povo!

Sorri ao ouvir aquela voz e me virei para constatar que o Zac acabara de chegar, dei um largo sorriso, corri e pulei nas costas dele como era de costume, derrubando sua mochila no chão.

–Bom dia gata. – ele falou rindo do meu gesto.

–Bom dia Zackito. – falei ainda em cima de suas costas.

–Ei cara qual é a boa? – Zac perguntou no momento em que Josh se aproximou de nós.

–Pergunta para ela. – ele falou sério, aquele comentário acabou com a graça de rever o Zac depois do fim de semana.

–Thais aconteceu alguma coisa?

Eu desci de cima das costas dele ainda irritada com o comentário do Josh.

–Não, nada fora do comum. – falei tentando não ficar de frente para o Zac para que ele não visse os hematomas no meu rosto.

–Olha pra mim. – ele falou firme.

–Não!

–Thais!

–Zac pára! Como se já não bastasse o Josh, não quero você tendo pena de mim também.

–O que ele fez dessa vez?

–Nada, prefiro não falar nisso.

O sinal tocou, salva pelo gongo.

–Vamos? – Josh me olhou, eu o ignorei, naquele instante eu não estava com vontade de falar com ele.

–Vão na frente, eu vou guardar meu skate no armário, vejo vocês daqui a pouco.

Que droga, eu odiava aqueles olhares, eu podia suportar da escola inteira, mas não dos meus melhores amigos, aquilo já era demais.

–Bem, já que estão todos aqui... – a professora começou quando entrou na sala.

–Não estão todos, falta a Thais. – Aaron o garoto mais popular da escola comentou.

–Estou falando de quem chega na hora. – a professora ressaltou.

–Ah bom...

–Bom gente, hoje vamos ter um nova professora de história, eu vou ter que sair de licença e ela vai assumir no meu lugar por algum tempo.

Passei a mil pelo Bem o faxineiro da escola que limpava o corredor, coloquei meu skate no armário e corri para a sala, quando cheguei lá a professora apresentava uma senhora que parecia ter uns oitenta anos de idade.

–Bom dia! – falei alto como de costume, a sala inteira abafou o riso.

–Boa tarde eu diria não é senhorita Elisabeth? – a professora falou fazendo referencia ao meu pequeno atraso.

–Boa tarde não professora. – falei apontando o relógio que ficava em um canto da sala. – olha lá, tarde é só depois do meio dia, agora que são oito horas.

–Você não perde a oportunidade de fazer graça, não é? – Megan a garota mais insuportável da face da Terra falou me olhando com desprezo.

–E você não perde a oportunidade de se meter na conversa dos outros. – eu repliquei.

–Senhorita Elisabeth para o seu lugar agora mesmo. – a professora falou e eu fui sem reclamar.

Segui para o fundo da sala batendo, mesmo que sem querer, meu violão na cabeça de um monte de gente, quando enfim cheguei lá sentei na cadeira entre Zac e Josh.

–O que essa múmia ta fazendo na nossa sala? – perguntei olhando a senhora que estava ao lado da professora.

–Ela será... – antes que o Zac terminasse, eu escutei a professora falar.

–Então essa é a Hilda, a nova professora de história.

–Professora? – falei espantada. – ela já é histórica.

Todos riram, era uma mania minha tentar fazer graça com tudo para esquecer um pouco a vida miserável que eu levava.

–Ora Thais Elisabeth fique quieta, a professora Hilda é uma ótima professora.

–Não estou duvidando disso. – falei e todos me olharam esperando mais uma brincadeira. – tenho certeza que ninguém melhor do que ela vai saber nos ensinar história direitinho já que ela presenciou todos os acontecimentos desde o Egito antigo.

–Elisabeth!

–Me desculpe professora, vou ficar quieta agora.

A aula se seguiu sem mais interrupções minhas, quando o sinal tocou para irmos para o intervalo, eu, Zac e Josh seguimos para o jardim da escola, eu e meu violão em mãos.

–Toca alguma coisa pra gente. – Zac falou no instante em que sentei no chão.

–Não estou inspirada, sabe? Acho que preciso de mais uma surra daquelas...

–Pára Thais! – Josh me repreendeu tirando o violão da minha mão. – não fala isso nem brincando, que mania que você tem de brincar com coisas sérias.

–Se eu não brincar vou fazer o que Josh? Chorar? Me desculpe mas já chorei demais.

–Desculpe. – ele falou colocando o violão de lado e se aproximando para me abraçar, eu me afastei e fiquei de pé.

–Não quero a pena de vocês! Não quero que me olhem assim, já chega! Não precisam sentir pena de mim porque eu já sinto pena de mim mesma, vocês são meus únicos amigos caramba, por favor, não olhem para mim assim, vocês não.

Corri para o banheiro, eu tinha que fazer alguma coisa, eu não podia viver sob os olhares de pena de todos, eu não queria aquilo para mim.

–Algum problema? – Aaron perguntou no instante em que saí do banheiro.

–Por que eu teria algum problema? – o encarei.

–Seu rosto ele está machucado. – ele me olhou de perto.

–Caí de skate, desde quando se preocupa comigo?

–Você é um desperdício sabia? É tão bonita, deveria parar de se vestir e agir feito uma louca e dar mais valor para a mulher que há dentro de você.

–Me poupe das cantadas baratas Aaron, não sou nenhuma dessas garotas que você consegue levar na conversa, agora sai da frente que eu preciso passar.

–Thais...

–Sai ou eu arrebento a sua cara!

Ele se afastou, Aaron sabia que eu tinha força, coragem e principalmente frieza para fazer aquilo.

–Obrigada!

Quando a aula acabou eu me vi jogada de volta no inferno, no instante em que cheguei em casa fui recebida por um tapa no rosto.

–O que foi? – perguntei me afastando ainda tonta, eu não sabia o que estava acontecendo direito.

–Aonde você estava? – meu pai perguntou se aproximando furioso.

–Na escola. – falei tentando me afastar o máximo possível dele.

–Escola? Desde quando gente como você precisa estudar?

–Eu não sei por que o senhor me trata assim. – tomei coragem e comecei a falar. – sempre faço tudo o que me pede, cuido da casa, cuido de tudo e só o que recebo é pancada e mais pancada, estou cansada de tudo isso!

–Está cansada? E o que está pensando em fazer? Ir embora? Sabe que se for embora eu te encontro e quando te encontrar eu te mato.

–Talvez eu vá para um lugar que você nunca vai poder me achar. – falei com frieza, eu tremia inteira, a minha vontade era de arremessar o meu violão na cabeça dele, quem sabe eu iria presa por assassinato e ficaria mais tranqüila, na cadeia acho que eu apanharia bem menos.

–Eu te encontro até no inferno.

–Tenho certeza que sim por que é pra lá que o senhor vai algum dia, pode escrever o que estou dizendo.

Ele veio pra cima de mim com mais raiva, pegou um dos porta-retratos com a foto da minha mãe e atirou na minha direção, eu me abaixei, se não tivesse abaixado o vidro provavelmente teria cortado meu rosto inteiro.

–Você está ficando igual à vaca da sua mãe.

–Minha mãe não era vaca, ela só foi muito burra para ter casado com você!

Desabafo errado na hora errada vocês podem estar pensando, mas eu não estava ligando, eu não me importava mais com o que ele ia fazer comigo, eu estava decidida que não ia suportar mais tudo aquilo, eu já tinha tomado uma decisão e ninguém ia conseguir me impedir.

–Sua garota imbecil! – ele gritou e veio para cima de mim com mais raiva do que de costume.

Apanhei mais do que nunca, ele só parou de me bater quando viu que eu estava desacordada caída ao chão, ele não queria me matar, matar o levaria para a cadeia e ele não queria ser preso, a vontade dele era só me torturar e ele estava conseguindo isso, mas pelo menos dessa vez eu apanhei com motivos.

Quando acordei ainda estava jogada no chão da sala, meus olhos doíam assim como o resto do meu corpo, é aquela tinha sido uma surra e tanto, fiquei de pé cambaleando sem força nas pernas e subi para o banheiro, quando fiquei de frente ao espelho me deu uma crise de riso, eu estava horrível, havia sangue espalhado pelo meu rosto inteiro, eu quase que não conseguia me reconhecer, aquilo precisava acabar e acabaria hoje. Saí do banheiro e fui direto para a janela do meu quarto, subi pela cerca que havia ao lado e fui parar no telhado, olhei para baixo, eu estava no telhado do segundo andar, era uma queda e tanto, será que dessa vez eu conseguiria completar pelo menos uma coisa na minha vida inútil?

Pulei, sem pensar duas vezes pulei de cara, as pessoas dizem que você vê um filme na cabeça quando está morrendo, mentira pura, nem me deu tempo de ver o chão que se aproximava, só olhei o céu, pulei e depois apenas a escuridão.



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Notas finais do capítulo

espero que gostem XD



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