POV Nicolas di Ângelo

Duas semanas.

Se passaram duas semanas e Thalia não apresentava melhoras.

Eu estava sempre ali, tentando ajudar no que podia, tocava para ela, conversava com ela, continuei o álbum de fotos e explicava as fotos para ela, onde tinha tirado, quem estava na foto, os pequenos detalhes; ouvia músicas com ela fazendo-a lembrar de momentos que foram marcados pelas letras de cada música. Mas havia dias em que nenhuma palavra saia de minha boca, eu apenas sentava ao seu lado e acariciava seu cabelo, lembrando de todas as vezes que ela pegou no sono dessa forma. Apenas segurava sua mão pequena esperando ganhar um aperto, ficava ao seu lado esperando uma respiração mais profunda, uma pequena movimentação... Qualquer coisa que me dissesse que levantaria e faria piadas, que sairia daquela cama desaprovando o tempo que ficou desacordada, mas nada me levava a isso. Nenhum sinal, um aperto, uma respiração forte, uma movimentação. Nada. Eu apenas sabia que ela estava viva pelo lento e contínuo bater de seu coração, uma melodia que eu aprendi a amar. Mas nesses dias, o suave toque de seu coração parecia pouco, ainda mais quando eu sabia que ele só estava batendo por causa dos aparelhos ligados a ela. Tudo podia acabar num instante, e isso tirava as palavras da minha boca. O silêncio era mais apropriado, mas sufocante.

Em todos os dias eu levantava cedo, me arrumava e levava Josh para a escola antes de ir para a faculdade. As garotas insistiam que eu não precisava levá-lo, mas era algo mais pessoal, alguns momentos nossos, mesmo que a maioria do tempo fosse preenchida com o silêncio, nós tínhamos um ao outro, e isso já bastava. O garoto estava sofrendo demais, e mesmo que eu não me encontrasse em uma situação melhor tentava animá-lo ao máximo, saíamos juntos e ele passava algumas noites comigo. O levamos para ver Thalia apenas duas vezes, era doloroso para todos nós vê-lo chamando por ela com lágrimas nos olhos, geralmente eu que levava notícias para ele, sempre tentava dizer que ocorreram melhoras, que ela podia acordar a qualquer momento, mas as informações eram vagas e rápidas, não queria vê-lo sofrer ainda mais.

Sua companhia nas noites era incrivelmente reconfortante, mas ao mesmo tempo doloroso. Ele adquirira algumas manias de Thalia, parecia não perceber, mas se assemelhava muito a ela. Nós víamos filmes, comíamos pipoca e contávamos histórias. Quando conseguíamos dormir o sono era profundo demais até para os pesadelos conseguirem nos incomodar. Isso era ótimo, para as duas partes.

Finalmente cheguei, tendo os pensamentos interrompidos. Estacionei o carro e desci, subindo as escadas até o apartamento das meninas. Levaria Josh para meu apartamento hoje, como os garotos não estavam, aproveitaria para mostrar algo a ele. Tinha conseguido uma noite de "folga" dos constantes trabalhos da faculdade, então aproveitei. Bati na porta e logo Silena me atendeu com um abraço apertado e um sorriso no rosto, Josh estava ao seu lado. Todos aprendemos a pensar positivo, a prosseguir com a vida. Percy, Annie; Charles e Silena, todos tinham uns aos outros nos momentos de saudade. Eu tinha um álbum.

-Oi garotão, como você está? -Perguntei sorrindo e me abaixando para alcançar seus olhos, Josh se aproximou de mim sem uma palavra e me abraçou, começando a soluçar em minhas costas. Olhei inquisitivo para Silena que segurava a mochila do pequeno e ela com as feições tristes apenas formou uma palavra com os lábios:

"Pesadelos"

O abracei com força e levantei, o mantendo comigo, peguei a mochila desajeitado beijando Silena no rosto, seguindo pelo corredor até as escadas. Desci lentamente, sem pressa nenhuma de chegar ao carro, onde o coloquei delicadamente no banco traseiro, lhe envolvendo com o cinto de segurança. Sentei-me, começando a dirigir, de vez em quando o observando pelo retrovisor, Josh estava quieto e parado. O caminho foi rápido e silêncioso, eu não queria tentar conversar com ele desse jeito, tão longe, por um espelho.

Ao chegarmos, peguei tudo o que precisava e Josh andou ao meu lado, segurando o choro, ou tentando pelo menos. Entramos em casa e enquanto deixava minhas chaves no balcão da sala o observei encarar um retrato na parede ali próximo, no retrato estávamos eu, Thalia e os gêmeos, comendo numa praça de alimentação há alguns meses atrás. Mais algumas lágrimas insistiram em pular de seus olhos, fui até ele e o peguei no colo. Apesar de já ser grande para sua idade e tudo o mais, Josh ainda era apenas uma criança. Uma criança que já tinha passado por mais coisas que um adulto seria capaz de suportar. O coloquei sentado na pia da cozinha, lentamente seus braços soltaram meu pescoço, e ele os cruzou, uma típica posição de Thalia. Esperei alguns segundos, mas ele não falou, não mudou de posição, não fez nenhum ruído enquanto chorava. Decidi que estava na hora.

-Me espere aqui, eu já volto. -Falei e saí a procura do álbum. Acabei o encontrando em uma de minhas gavetas, levei até o garoto que me olhava curioso. Sentei ao seu lado e coloquei o grande caderno em seu colo. -Dê uma olhada, é de Thalia. Nosso agora. -Pedi e ele começou a virar as páginas, agora entretido. Ao acabar as páginas, numa única folha em branco em que eu ainda não achara uma foto suficientemente digna de fechar o álbum, Josh me olhou, parara de chorar e seus olhos adquiriram um brilho novo.

-Era mesmo dela? -Perguntou alguns momentos depois.

-É dela, nós apenas continuamos para ela. Sabe o que todas essas fotos significam? -Perguntei e ele acenou negativamente. -Elas têm um significado muito especial. Elas significam que apesar de tudo Thalia sempre estará conosco, nos protegendo com seu lado "mãezona". Elas nos mostram tudo de bom que aconteceu quando ela estava acordada, nos mostram alguns pedacinhos dela. Nos mostram que não precisamos temer nada, porque mesmo que seja no mais simples detalhe, Thalia estará lá. Para nos guiar, nos mostrar o melhor. Ela nunca vai nos abandonar, porque ela está aqui. -Falei colocando minha mão em seu coração, ele repetiu o gesto, colocando sua pequena mão em meu peito. -Você não precisa ter medo de nada Josh, nós sempre estaremos com você. -Ele concordou com a cabeça e se aproximou mais de mim, me dando um abraço. Este que eu aceitei com gratidão, retribuindo o aperto.

-Obrigado... Papai. -Sussurrou e eu pude sentir meus olhos arderem instantaneamente.

-De nada pequeno.

Depois de nossa conversa jantamos um delicioso miojo feito em conjunto. Apesar de parecer estranho, o que eu falei, que no início era apenas para confortar Josh se mostrou verdade quando inconscientemente eu via Thalia em pequenos pedaços de minha casa, de meu modo de agir, de tudo. Eu a via em tudo, eu a sentia em tudo. Mas não era dor o que eu sentia, eu podia sentir a Thalia alegre de sempre, eu podia sentir ela mesma, e isso me fez um bem inexplicável. Vimos apenas uma parte de um filme, Josh já dormia na metade do mesmo, e eu não fiquei muito atrás, pegando no sono antes mesmo que percebesse.

Mas ao contrário do que eu esperara, minha noite não foi boa. Fui bombardeado por pesadelos terríveis. Borrões em minha mente, feições distorcidas e embaralhadas, gritos angustiantes e risadas vazias. Um único rosto era distinguível. O de Thalia. Os pesadelos não tinham nenhuma ligação entre eles, apenas tinham o mesmo alvo, me atormentar. E apesar de acreditar piamente nisso, quando despertei atordoado 08h00min, corri em direção as chaves de meu carro, não aguentando o ímpeto de ir vê-la. Mesmo que fosse apenas para encontrá-la dormindo ainda, eu apenas precisava vê-la. Deixei um bilhete para Josh e disparei em direção a porta.

Dirigia tão rápido quanto podia, um sentimento ruim se apossara de meu ser, transformando minha mente já atormentada em um caos. Ao encontrar o trânsito do centro de Londres liguei o rádio, procurando distração. Péssima idéia.

(http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=MTPNhNZSWFs)

Why Does It Always Rain On Me

Por Que Sempre Chove Em Mim?

I can't sleep tonight

Não consigo dormir esta noite

Everybody saying everything's alright

Todo mundo está dizendo que está tudo bem

Still I can't close my eyes

Mas não consigo fechar os meus olhos

I'm seeing a tunnel at the end of all these lights

Eu vejo um túnel no final de todas essas luzes...

Sunny days

Dias de sol,

Where have you gone?

para onde vocês foram?

I get the strangest feeling you belong

Eu tenho a estranha sensação de que vocês não voltam

Why does it always rain on me?

Por que sempre chove em mim?

Is it because I lied when I was seventeen?

Será que é por que eu menti quando tinha 17 anos?

Why does it always rain on me?

Por que sempre chove em mim?

Even when the sun is shining

Mesmo quando o sol brilha,

I can't avoid the lightning

não posso evitar os raios

I can't stand myself

Não posso me suportar

I'm being held up by an invisible man

Estou sendo segurado por homens invísiveis

Still life on a shelf when

Deixo minha vida numa concha

I got my mind on something else

Quando penso em outras coisas

Sunny days

Dias de sol,

Where have you gone?

para onde vocês foram?

I get the strangest feeling you belong

Eu tenho a estranha sensação de que vocês não voltam

Why does it always rain on me?

Por que sempre chove em mim?

Is it because I lied when I was seventeen?

Será que é por que eu menti quando tinha 17 anos?

Why does it always rain on me?

Por que sempre chove em mim?

Even when the sun is shining

Mesmo quando o sol brilha,

I can't avoid the lightning

não posso evitar os raios

Oh, where did the blue skies go?

Oh, onde estão os céus azuis?

And why is it raining so?

E por que chove tanto?

It's so cold

Está tão frio

I can't sleep tonight

Não consigo dormir esta noite

Everybody's saying everything's all right

Todo mundo está dizendo que está tudo bem

Still I can't close my eyes

Mas não consigo fechar os meus olhos

I'm seeing a tunnel at the end of the lights

Eu vejo um túnel no final de todas essas luzes...

Sunny days

Dias de sol,

Where have you gone?

para onde vocês foram?

I get the strangest feeling you belong

Eu tenho a estranha sensação de que vocês não voltam

Why does it always rain on me?

Por que sempre chove em mim?

Is it because I lied when I was seventeen?

Será que é por que eu menti quando tinha 17 anos?

Even when the sun is shining

Por que sempre chove em mim?

I can't avoid the lightning

Mesmo quando o sol brilha,

Oh, where did the blue skies go?

não posso evitar os raios

And why is it raining so?

E por que está chovendo, então?

It's so cold

Está tão frio...

Why does it always rain on me?

Por que sempre chove em mim?

Why does it always rain on....

Por que sempre chove em...

Ao findar da música, eu chegara no St. Mary. Estacionei com pressa e corri adoidado pela escadaria quase fazendo a moça da recepção ter um infarto.

-Quero ver Thalia Grace. -Pedi falando rapidamente, nem eu entendia o que estava fazendo.

-Oh... A mãe dela subiu agora pouco. Você terá que esperar ela descer. -Me informou de cara feia pelo susto, fazendo com que toda a confusão em minha mente fizesse sentido, um medo profundo me deixou plantado no chão.

-A mãe dela está aqui? Não! Vocês não... Não podem! -Falei esganiçado, ela me olhava brava, mas eu não tinha tempo de tentar explicar algo, apenas saí correndo escada acima, só pude ouvir os guardas sendo chamados. Pulava de três em três degraus, o desespero crescente, o tempo se esvaindo, o peso de meu corpo aumentando. Ao chegar em seu corredor pude ver a maligna mulher entrando no elevador. Meu tempo se esgotara. Corri com minhas últimas forças, ouvindo os guardas próximos de mim. Escancarei sua porta para detectar o problema. Os aparelhos estavam desligados.

-NÃO! -Gritei e corri até seu corpo inerte na cama, minha Thalia, minha pequena, meu tesouro, minha vida. Antes mesmo que eu chegasse até ela os guardas me prenderam com braços fortes. -NÃO, ME SOLTEM! NÃO! POR FAVOR, EU NÃO... -Gritava desconexamente, quando eles viram o que havia acontecido, me largaram, chocados demais para fazerem qualquer coisa. Ao me sentir liberto rastejei até ela e lhe puxei a mão, a trazendo de encontro ao meu peito. As lágrimas borravam minha visão, e tudo o que eu via eram sombras. -Não me deixe, por favor. Volta pra mim. -Pedi sussurrando para ela enquanto a embalava em meus braços.

X _ X _ X

POV Thalia Grace

"Vazio. Não dor. Vazio.

Era tudo um grande vazio a minha volta, desde o começo de tudo.

Eu não ouvia nada, não sentia nada, não podia me mecher. Era como estar parada no tempo.

Tudo o que eu podia fazer era esperar que a próxima lembrança me arrebatasse. Era como assistir a televisão, só que no caso, a programação era minha vida. Meus medos, meus sonhos, meus planos, meus pesadelos, minhas ânsias, mas principalmente meu passado. Às vezes eram apenas flashes do passado, às vezes eram semanas inteiras me observando. Observando cada momento de dor, de abandono. Depois que começavam as sessões de observação eu só podia me encolher em meu ser e esperar que tudo acabasse. Reviver tudo o que me fez mal era doloroso demais, as vezes até excruciante.

Eu não tinha consciência das coisas, do tempo, das pessoas e dos acontecimentos. Não conseguia acordar. Estava presa. Presa em tudo o que um dia me fez mal. Presa em lembranças que eu havia acorrentado no fundo da alma. Presa em mim mesma.

Certas vezes, alguma coisa fazia as lembranças pararem, não sei como, não sei por que, mas era bom. Nessas ocasiões, as lembranças dolorosas se transformavam em momentos bons que me davam paz por alguns instantes. Eu via as garotas, os rapazes, Josh. Nico. Nico sempre estava pronto para me tirar de uma lembrança ruim, seu rosto vinha com frequencia em minha mente.

Quando as lembranças começavam eu repetia mentalmente "Vazio. Não dor. Vazio", para me convencer de que realmente não doía relembrar tudo o que eu passei.

Vazio. Não dor. Vazio.

"O homem cobria o corpo da menina com o seu próprio, a garota estava assustada. Ele estava apertando seu corpo. Porque? Ela estava confusa, o que tinha feito de errado? Porque aquilo estava acontecendo? Porque sua roupa estava sendo rasgada? Porque aquilo doía tanto?

Vazio. Não dor. Vazio.

Fecha a boca garota. -Porque ele era tão rude? Porque estava tirando a própria roupa? Porque a segurava com tanta força? Porque não deixava ela sair? Por quê?

NÃO! PARA, POR FAVOR, PARA, PARA. MÃE! -Porque sua mãe não fazia nada? Porque apenas ria olhando tudo? Era para ser algo bom? Porque doía tanto então? Porque aquilo estava acontecendo?

Vazio. Não dor. Vazio.

Cala a boca! o homem desferiu um tapa contra o rosto da pequena garota que chorava encolhida. Porque ela apanhou? Porque doía tanto? Porque aquilo estava acontecendo?

Não, não... Por favor! Não! Para!-Porque ninguém ouvia seus gritos? Porque ninguém ligava para as lágrimas em seu rosto? Porque ele estava puxando suas pernas? Porque doía tanto? Porque aquilo estava acontecendo?

Vazio. Não d...

De repente fui puxada de minhas lembranças. Um repuxo forte, eu senti algo. Eu senti um puxão. Foi um puxão dolorido, foi com força. Foi com tanta força que me senti tonta. Eu realmente me senti tonta. A próxima coisa de que me lembro antes de finalmente poder abrir os olhos são apenas três palavras."

...Volta pra mim...

X_X_X