Minha cabeça afundava no travesseiro, eu me revirava na cama e nada do sono chegar. Isso que dá tomar dois copos de café antes de ir dormir.

Dividia o quarto com Malfoy e Zabini, e não sei qual era a melhor parte disso. Se era olhar para os dois dormindo e acabar lembrando de que eles tiveram de vir praticamente pelados para o prédio 6, onde ficam os dormitórios do nosso ano, ou se alguém havia os visto e tirado uma foto. Ri com esse pensamento e notei que minha garganta estava seca. Sentia um pouco de sede.

Levantei da cama e fui até o nosso saguão. Abri a porta do pequeno frigobar e tirei uma garrafa de água de lá de dentro. Tudo no mais perfeito silêncio, afinal, eram duas da manhã. Tomei um gole e me dirigi até a janela. Do nosso prédio dava para se ver o campo de futebol, e eu até achei que estava vendo coisas ao notar que havia alguém ali. Isso era no mínimo estranho, mas um dos meus maiores defeitos é ser curioso demais. Seja lá quem estivesse fora da cama há essa hora devia estar desrespeitando no mínimo uma dúzia de regras da escola. Minha curiosidade falou mais alto e eu voltei ao quarto, coloquei uma regata branca (não iria lá fora só de calça de moletom né) e calcei o primeiro tênis que eu coloquei os olhos no meio da escuridão.

Saí o mais silenciosamente possível pelos corredores, desci as escadas e encarei a mudança de temperatura ao sair do prédio. Estava frio, e eu me arrependi de não ter colocado um casaco.

Meus passos ecoavam como tiros pelo campus vazio. Fui me aproximando do campo de futebol e vi uma garota dando alguns chutes a gol. Tinha o cabelo preso em um rabo de cavalo frouxo e usava chuteiras. Não consegui ver seu rosto, ela estava de costas para mim.

– Hey, o que você está fazendo? – perguntei e ela se assustou. Obviamente não havia notado minha presença. Se virou para me olhar e foi como se eu levasse um choque e não entendesse mais nada. Gina Weasley jogando futebol no meio da noite, provavelmente escondida. Isso não fazia sentido algum, mas não pude deixar de reparar em seu corpo. Não era do tipo escultural, mas era bonito. Estava com um short soltinho das cores da Grifinória, uma regata vermelha coladinha que destacava seus seios não tão grandes, mas bem desenhados e devido ao frio da noite, os pelinhos dos seus braços estavam arrepiados.

– O que você quer aqui, Nott? – ela pegou a bola do chão e ficou me olhando.

– Calma aí ruiva, eu vim em paz – levantei os braços, mostrando rendição.

– Sei. Fala logo o quer e some – disse ela chutando a bola e acertando na trave. Bufou.

– Seus chutes não são nada mal, Weasley – observei.

– Ótimo – ela falou sem entusiasmo - Agora você já pode ir embora?

– Nossa, para que tanta irritação? Muitas no seu lugar iriam adorar estar ao meu lado à uma hora dessas.

– E que bom que eu não faço parte dessas muitas.

– Eu não falaria assim com uma pessoa que pode me dedurar ao diretor – disse sínico e ela fixou seu olhar no meu.

– Você não faria isso – ela se aproximou de mim, ficando só alguns passos à minha frente.

– Ah, faria sim – sorri de lado – Não vai me contar por que está aqui?

Ela pareceu analisar os fatos. Não havia muito que se fazer, ela estava em minhas mãos.

– O diretor cortou nosso time – respondeu.

– Tem time feminino de futebol? – fiz uma cara confusa.

– É claro que tem imbecil – ela jogou a bola na minha barriga, mas eu a segurei.

– Calma, eu só perguntei – como era invocada essa ruiva – Mas isso não responde o porquê de você estar treinando à uma hora dessas.

– Pense um pouco Nott, eu não iria ficar sem treinar. No final do ano vou tentar uma vaga em um time estadual, e não posso perder tempo. Se não me deixam treinar durante o dia, posso fazer isso há noite, quando não tem ninguém vendo.

– Quase ninguém. Eu vi – sorri marotamente.

– É – ela concordou.

– Você sabe que tem um preço para eu ficar calado, não é?

– E o que você quer? – ela estava entendendo meu jogo.

– Você é uma garota...

– Não, eu sou um travesti. É claro que eu sou uma garota, Nott.

– Será que você podia se controlar? – a segurei pelos pulsos quando ela avançou para cima de mim, pronta para me dar uns belos tapas – Eu só quero que você me ajude em uma coisa.

– Em que coisa? – ela parou com sua histeria e me olhou, tentando entender.

– Você é uma garota, então deve entender as demais – comecei – E pelo o que vejo, também é daquelas que fica esperando um príncipe encantado.

Ela ia me interromper, mas eu a impedi, colocando o dedo indicador sobre sua boca.

– Deixe-me terminar – pedi – Eu quero que você me ajude a conquistar uma garota.

– Para você quebrar o coração dela depois de conseguir o que quer? – perguntou tirando meu dedo de seus lábios.

Fiquei sem resposta para isso. Se eu respondesse sim, ela provavelmente não me ajudaria.

– Não – disse por fim – Eu gosto dela de verdade – menti.

– Por que você precisa da minha ajuda? Não é você que sempre sabe como fazer uma garota ficar na sua só com uma troca de olhares?

– Mas com ela é diferente. Não é o bastante só um papinho trouxa ou qualquer coisa assim.

– E que escolha eu tenho? – ela cruzou os braços.

– Ou você me ajuda ou eu conto o que você anda fazendo durante a madrugada – fiz chantagem e ela me olhou feio.

– Ok – ela disse por fim, mesmo que por dentro eu soubesse que essa não era a vontade dela.

– Ótimo – sorri.

– Agora será que você podia me largar? - a ruiva se mexeu inquieta e só agora que notei que eu ainda a agarrava por um pulso e a prendia pela cintura com a outra mão.

– Certo – a soltei calmamente e ela se afastou um pouco – Começamos amanhã. Me encontre no armário do pessoal da limpeza na hora do café da manhã.

– Lá não é meio apertado demais para nós dois? – perguntou desconfiada.

– Com medo de ficar colada comigo, Weasley? – desafiei.

– N-Não, é claro que não – ela respondeu firme, embora houvesse gaguejado.

– Então não vejo problema – a encarei e ela desviou o olhar para o alto, onde uma estrela cadente acabara de riscar o céu. Fechou os olhos demoradamente e depois os abriu, me olhou e assentiu com a cabeça.

Fiquei pensando se ela não havia feito um pedido à estrela. Será que ela acreditava nisso?

– Nos vemos amanhã. Não se esqueça, na hora do café, armário de limpeza – apontei e ela bufou. Sorri e pisquei para ela. Gina revirou os olhos e foi em busca da bola.

Saí do campo e fui andando até o prédio novamente, mas antes que pudesse entrar, vi Lilá Brown, uma garota da minha classe e editora do um jornal de fofocas de Hogwarts High School colocando panfletos em árvores e postes. Deixei que ela se afastasse um pouco e fui até ver do que se tratavam os panfletos.

Quase enfartei ao tentar conter uma gargalhada. Malfoy e Zabini usavam sacos plásticos pretos em volta da cintura para esconder suas partes e andavam envergonhados pelo meio do campus.

Olhei para o prédio 4, onde ficavam os dormitórios femininos e vi Gina parada, olhando para um panfleto de Lilá. Ela riu abertamente e balançou a cabeça, como se não acreditasse no que havia acabado de ver. Pareceu sentir meu olhar sobre si e me encontrou, a encarando. O sorriso sumiu de sua boca e eu não entendi o porquê. Tudo bem, eu estava a chantageando, mas não era uma coisa de outro mundo. Ela só teria de me ajudar com uma coisinha e depois eu poderia lhe agradecer de alguma forma.

– Armário de limpeza – sussurrei e ela leu meus lábios. Assentiu e fez um sinal positivo com a mão, enquanto eu sorria e acenava com a cabeça para ela. Entrou no seu prédio e eu fiz o mesmo. A imagem de Malfoy e Zabini me veio a cabeça e eu ri involuntariamente.

Pelo menos vou poder tirar uma com a cara deles amanhã – pensei.

E o Malfoy que me aguardasse. Não iria tirar aquele título de mim tão fácil. Ainda mais agora, tendo Gina como parceira. Tomara que a ruiva saiba o que fazer. O armário de limpeza nos espera, e eu estou louco para começar de uma vez com isso.