Piloto De Fuga escrita por Blue Butterfly


Capítulo 6
Capítulo 6




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Erick estava deitado na grama, olhando de boca aberta o céu azul. Eu me aproximei rindo e joguei pétalas de flores sobre sua cabeça branca e loura, ele me olhou e esticou os bracinhos na minha direção. Quando o peguei no colo, ele me beijou a bochecha e sorriu, cândido. Outra mão pequenina puxou minha blusa e quando eu olhei para baixo, Embry nos observava, os olhos azuis e rasos brilhando na sua face enquanto ele esticava os braços também. Sentei no chão e coloquei os dois de cada lado, abraçando-os com força e beijando suas testas. Erick tinha cinco anos e Embry estava fazendo sete e meio naquele dia. Nós ficamos sentados olhando para o céu por um bom tempo, até que as nuvens foram ficando vermelhas e o sol começou a sumir do céu para dar espaço às estrelas e a lua. Mamãe apareceu na porta e nos chamou, os cabelos cacheados caindo no seu rosto bondoso enquanto ela sorria para nós. Atrás dela, papai nos observava, sorrindo também, as mãos na cintura de minha mãe como sempre costumavam ficar. Nós nos levantamos e entramos em casa, meus irmãos segurando minhas mãos com carinho enquanto as pétalas de flores rodopiavam pelo jardim fazendo a dança do vento trazido pela noite

Eu acordei, estava escuro de mais. Onde eu estava? Por que eu não ouvia os passinhos de Erick e Embry pelo corredor, ou a risada de papai logo cedo? Minha cabeça girava, zonza, havia algo de errado comigo, meu estômago embrulhado dava voltas e mais voltas e eu pensei que vomitaria, minha testa suava e eu tremia de frio. Virei o rosto debilmente, mas voltei as trevas antes que pudesse ver qualquer coisa.

Jacob estava sentado no banco ao meu lado, a cabeça baixa e o rosto vermelho. Ele segurava uma pequena flor nas mãos, vez ou outra torcendo a pobrezinha. Eu aguardava em silêncio até que ele dissesse alguma coisa, minha curiosidade muito bem domada. Mamãe sempre me dizia que uma verdadeira dama jamais deixava transparecer ansiedade ou o que ela sentia, nós sempre devíamos estar calmas, serenas e bondosas.

-Isabella– ele começou ficando cada vez mais vermelho.

Eu me preocupei, se ele continuasse tão vermelho chamaria papai para dar uma olhada nele, antes que ele tivesse um ataque. Vai ver ele estava engasgado com alguma coisa e, numa situação como essa, nada melhor do que chamar um bom médico como meu pai. Mas ele se contorceu um pouco e soltou de uma vez o que o engasgava.

-Isabella, você gostaria de ser minha namorada?

Eu senti meu queixo cair com a pergunta dele. Como assim? Eu e Jacob? Juntos? Virei o rosto enquanto esperava o turbilhão de sentimentos passar pela minha expressão até que eu estivesse novamente calma. Quando voltei o rosto para sua direção, ele me encarava, perturbado.

-Adoraria – eu respondi sorrindo.

Eu sabia que aquela era a resposta que meus pais queriam que eu desse, mamãe sempre deixou claro sua preferência por Jacob e papai, mesmo que não discutisse esse assunto comigo, era muito amigo do pai de Jacob. Já era meio certo que nós ficaríamos juntos. O garoto a minha frente sorriu para mim e beijou minha testa com delicadeza, como se beijasse uma flor. Ele ia me dar o primeiro beijo na boca quando ouvi alguém ofegar perto de nós. Olhamos e vimos Edward perto do banco, olhando para nós surpreso. Edward ficou vermelho quando me encarou e gaguejou um pedido de desculpas para mim, antes de sair correndo.

-Edward – eu chamei, ficando de pé.

Mas ele não voltou, continuou correndo para longe da minha casa. Jacob segurou minha mão, a expressão confusa refletindo minha própria expressão. A flor que ele segurava antes estava caída e no chão e ele a pisoteou sem querer quando deu um passo para ficar mais perto de mim, colocando a mão no meu ombro e me guiando para dentro da casa para que nós contássemos a novidade aos meus pais.

Abri os olhos, mas algo ainda continuava errado. Onde estava a luz? Porque no quarto dos Black havia muita luz, eu ainda tinha dificuldade para me acostumar com ela quando acordava. Meu corpo também estranhou a cama estreita e o colchão fino, reclamando da dor em minhas costas. Meus pais estavam mortos, Erick e Embry também, meus dois pequeninos anjos não estavam mais comigo, eu não teria mais os cachinho loiros de Erick, ou os olhos azuis de Embry. Tudo tinha acabado, e talvez aquele fosse meu fim também. Eu não me importei, pelo contrário, aceitei de bom grado o fim, não tinha medo do que ia acontecer comigo. Só queria desvendar aquele mistério do quarto. Por que não havia luz? Minha mente foi ficando cada vez mais sonolenta e lenta, até que a idéia da luz também se apagou dentro de mim.

-Bella, sua vez de jogar.

Eu olhei para a bola a alguns passos de distância e para meus irmãos. Os dois estavam sentado no banco esperando sua vez de chutar para o gol improvisado que montamos no jardim. O goleiro riu da minha excitação e me provocou:

-Você não vai quebrar o pé se chutar essa bolinha, Bella. Vamos lá garota, mostre que aprendeu alguma coisa comigo.

Eu o fitei, fazendo uma cara de má e avancei para a bola com rapidez, chutando-a com toda minha força. Mas apesar de meu esforço ele pegou a bola com facilidade, sorrindo para mim.

-Quase Bella, agora você Embry.

Eu fui para o lado de Erick enquanto Edward me seguia com seus olhos profundos e misteriosos. Meu irmãozinho me abraçou e deitou a cabeça no meu ombro, sonolento. Já fazia mais de duas horas que estávamos naquela brincadeira, nos intercalando para chutar para o gol enquanto Edward, com sua intocável paciência, bancava nosso goleiro particular.

-Hora de dormir Erick? – eu perguntei fazendo cócegas em sua barriga.

Ele riu e concordou, bocejando. Embry voltava depois de ter marcado um gol e parecia igualmente exausto. É claro que Edward permitia que os dois fizessem quantos gols eles quisessem, e pegassem no meu pé por eu não conseguir fazer o mesmo.

-Os dois para o banheiro e depois para a cama – eu mandei sorrindo e bagunçando o cabelo de Embry.

-Ah Isabella… – reclamou Embry.

Mas ele já estava rumando para casa com os ombros caídos e escondendo um bocejo. Edward se aproximou de mim e olhou para Erick, o pequeno estava com tanto sono que nem seus olhos conseguiam ficar abertos. Edward se abaixou até mim e pegou meu irmão em seus braços fortes, pronto para levá-lo para dentro.

-Esse não agüentou até o fim.

-Eles brincaram o dia todo, eu fiquei surpresa por eles terem agüentado até agora.

-Vou levá-lo para dentro, você pode me esperar aqui que eu ainda tenho que te ensinar a chutar bola direito.

-Desculpe aí senhor técnico da seleção nacional – eu provoquei.

Ele riu e levou meu irmão para dentro. Eu fiquei vendo como ele tinha facilidade em carregar meu irmão, como seu peso parecia nada em seus braços fortes, e me perguntei como seria ser embalada naqueles braços. Eu ainda estava entorpecida com aquele pensamento quando Edward voltou, a camisa grudada de suor em seu peito largo e forte, os cabelos vermelhos bagunçados como flamas de uma fogueira.

-Vamos lá Bella, quero que você jogue direito dessa vez, chega de facilitar as coisas para mim.

-Não quero jogar – eu disse me fazendo de difícil.

-Ah Bella, não faz isso comigo – ele reclamou – Eu preciso treinar e seus irmãos não são exatamente invencíveis. Vem comigo?

Ele sempre me fazia aquela pergunta quando queria que eu concordasse com algo.

-Até o inferno – eu respondi como era o nosso costume.

Ele me entregou a bola e foi para o gol, as flores formando uma parede a suas costas, um sorriso brincando no seu rosto quadrado enquanto eu me concentrava para chutar direito e marcar um gol.

Quando eu acordei não houve desorientação, eu sabia onde eu estava, eu sabia o que tinha acontecido com meus pais, eu sabia por que não estava mais na casa dos Black. Eu sabia que era uma traidora e estava no covil dos anarquistas. E que Edward me batera. Toquei meu rosto ferido, sentindo um inchaço na minha bochecha que deixava minha pele sensível e dolorida, alguém ao meu lado respirava com dificuldade, mas além de sua respiração não havia mais nenhum som.

-Edward? – eu arrisquei num sussurro.

-Não, para sua sorte não – respondeu uma voz brava e feminina que me assustou.

Ela me odiava, eu podia ouvir isso na sua voz, tremi, com muito medo, e tentei ficar sentada. Ela não me impediu, pelo menos isso, eu me sentei e esperei minha cabeça parar de rodar.

-Ainda está zonza? Eu disse que ele não devia te dar tanto analgésico, mas ele teimou que você não precisava sentir dor antes do prazo, o que na verdade é uma droga já que ele vai terminar com você de qualquer jeito.

Eu não respondi, não pensei em nada que pudesse me livrar daquela situação. E não sabia se queria me livrar daquela situação. O que teria para mim além do fim? Eu não conseguiria trair Edward, não de novo, e Jacob jamais me perdoaria por isso. Então, qual poderia ser meu futuro sem meus pais, sem meu noivo e sem meu melhor amigo assassino? Eu não via nenhum.

-Ele vai acabar com você – ela tagarelou com maldade e felicidade.

Novamente eu não respondi, não tinha nada a responder, e agradeci a minha mãe por todas as aulas que tive de etiqueta. Damas eram impassíveis e controladas e eu nunca precisei tanto disso como naquele momento. Nós ficamos em silêncio até que pudemos ouvir o som de alguém vindo na nossa direção. Pelo barulho era mais de uma pessoa e eu estremeci, sem saber o que aguardar.

-É, eles chegaram.

A menina saiu do meu lado e caminhou nas trevas, pelo som eu imaginei que havia uma porta a minha esquerda. Não que aquilo fosse adiantar alguma coisa, eu duvidava que pudesse fugir dali. Eles entraram e uma lâmpada foi acesa, me cegando no início. Eu pisquei, tentando focalizar alguma coisa ao meu redor, percebi que estava numa espécie de quarto, havia a cama dura com colchão fino no qual eu estava sentada, uma cadeira, um tipo de armário e um espelho pequeno e embaçado. Reconheci um dos homens, e duvidei que precisasse de luz para reconhecê-lo, aqueles cabelos vermelhos e aquele corpo forte só podiam ser dele. O outro era um pouco mais baixo, taciturno, segurando uma automática nas mãos que apontava para o chão, embora eu soubesse que não seria difícil ele apontá-la para mim.

-Bella – Edward falou.

Sua voz era fria demais para mim, feriu como se fossem facas, eu não estava acostumada com ele assim, me encolhi sem saber o que fazer.

-Fique do lado de fora, Peter – ele pediu para o homem taciturno – Eu cuido disso.

-Não acho uma boa idéia Edward. Ela não é confiável.

-Eu cuido dela. Consigo cuidar da situação, sempre consegui.

-Estou do lado de fora – ele avisou mais para mim do que para Edward.

Quando ficamos sozinhos, Edward sentou na cadeira e me olhou, seu olhar vazio misturado com ódio. Ele ergueu a mão, pronto para desferir um tapa em meu rosto, mas parou a centímetros de mim, tremendo.

-Eu devia ter te deixado com eles – ele iniciou furioso – Eu não acredito que você fez… Por quê? Só me diga por quê?

-Você matou meus pais. Você matou Erick e Embry. O Erick! – estava tão furiosa e decepcionada com ele que minha voz subiu uma oitava enquanto minhas mãos fechavam em punhos – Você pegou aquele menino nos braços, você o ninou, o Erick sempre te adorou, você era o herói dele. Como pôde fazer isso com ele? Como pôde fazer isso comigo?

As lágrimas voltaram para o meu rosto, era a primeira vez que eu punha em palavras o que estava me asfixiando por dentro. Eu não conseguia entender como ele conseguira matar, ou consentir com a morte de Erick, não com a de Erick, ele sempre mostrou amar aquele menino. Que tipo de monstro enganava tão bem, fingia amar tão bem quem ele estava prestes a matar?

Ele estava como se eu tivesse lhe dado um tapa na cara, sua mão, que antes estava prestes a me bater, abaixou e caiu ao seu lado, os olhos fixos em mim enquanto uma porção de sentimentos surgiam na superfície profunda.

-Você acredita que matamos sua família – ele percebeu com tristeza – Você acredita que eu seria capaz de permitir que isso acontecesse, acredita que nós somos assassinos. E pelo visto, nada do que eu te diga vai mudar o que você pensa.

Eu não concordei, mas também não neguei. Ele era o mentiroso e eu estava mais do que cansada de suas mentiras. Afundei a cabeça nas mãos e não me importei com meus tremores, ou em manter minha respiração estável, estava cansada de fingir e de encenar. Ele já sabia a verdade, não tinha mais por que eu fingir qualquer coisa.

-Bella, eu jamais… Bella, eu amava o Erick, amava seus irmãos mais novos, eu nunca os machucaria. Eu nunca faria alguma coisa que te machucasse. Nós não somos assassinos, Bella, não matamos pessoas, nós lutamos contra os assassinos, e não a favor deles.

-E quem são os assassinos? Nós? – eu perguntei acusadoramente – Por que caso você não tenha percebido, só há dois lado agora: o meu e o seu, e um deles é o lado dos assassinos. Perdi minha família, então acho que a probabilidade do assassino ser eu é bem pequena.

-Está errada, não são só dois lados, são três: o meu, o seu e o de Jacob…

-Não ponha meu noivo no meio disso! – eu briguei me pondo de pé – Você não tem direito de dizer nada sobre ele.

Minha mão se ergueu e eu coloquei um dedo na frente de seu rosto, furiosa. Ele segurou minha mão com força e a levou um pouco para a esquerda, seus olhos fixos no meu rosto.

-Eu ponho o Jacob no meio porque ele é o assassino dessa história, ele faz parte dos assassinos Bella, as pessoas que enganam gente decente como você, e cabe a mim acabar com eles, tirá-los do poder.

-Ele não é um assassino, você é – eu berrei sem pensar.

Ele não me respondeu, ficamos ali, arquejando, perdidos em meio ao ódio e a dor. Eu nunca tive problema com a escolha dele, nunca o julguei por causa disso, embora não concordasse com ela. Mas agora eu via que estávamos de lado contrários, fora burrice acreditar que podíamos ser amigos quando o mundo todo estava dividido. Eu pensei que éramos a ponte que ligaria os dois mundos, como se fosse a Suíça na Segunda Guerra Mundial.

Mas não havia Suíça naquela guerra.

-Eu acreditei que você me conhecesse, e que de todo o resto do mundo você saberia que eu não sou mau – ele sussurrou.

-E eu achei que podíamos ser amigos…

-Nós nunca pudemos ser amigos.

Ele soltou meu braço. Havia algo estranho na sua voz, como se ele sentisse dor, instintivamente eu segurei seu rosto em minhas mãos, olhando para seu machucado. Tinha aprendido muito com minha mãe, mas se tinha uma coisa que meu pai me ensinara e que eu sempre levara comigo é que quando alguém estava ferido, independente da situação, eu tinha que cuidar desse alguém. Meu pai era médico e me ensinou que quando uma vida estava em jogo, não havia raça, língua ou preferência política, somente uma vida que deveria ser protegida. O machucado de Edward estava pior, ele não limpara mais o lugar e agora o pus voltara a escorrer, amarelo meio esverdeado.

-Seu rosto está ferido, eu preciso limpar – eu disse sem emoção.

-Como? – Edward me encarava, um misto de surpresa e descrença no seu rosto.

-Seu rosto. Eu preciso limpar de novo seu ferimento antes que piore.

-Vai limpar o rosto de um assassino? – ele me perguntou, a dor de novo em sua voz.

-Não, vou limpar o rosto de um ser humano.

-Eu posso cuidar de mim mesmo.

Ele estava saindo quando eu puxei sua mão, não queria que aquele fosse nosso fim, não daquele jeito.

-Edward, espere, pelo menos me deixe limpar seu machucado, por favor.

Ele não respondeu, me olhou, o rosto vazio, então abaixou a cabeça e saiu do quarto.

Voltei para a cama, sentando na beirada e tentando achar meu rosto no espelho embaçado. Não soube quanto tempo eu fiquei ali, teve um momento em que eu senti fome, mas não me mexi nem procurei nada para comer, ao invés disso apenas me encolhi mais ainda, também senti um pouco de sono, mas ele passou também. Eu sabia que o homem taciturno ainda estava na porta, a automática na mão, e isso era um bom motivo para que eu não saísse do lugar.

A apatia daquela situação terminou quando alguém entrou no quarto trazendo uma tigela de sopa. O homem taciturno entrou com a moça e observou atentamente cada respiração que eu dava enquanto ela colocava a tigela a minha frente e ficava o mais longe possível de mim. Eu percebi que suas mãos tremiam, mas não eram de medo, olhei para seu rosto e vi marcas de suor em sua testa.

-Você está bem? – eu perguntei.

O homem taciturno grunhiu, mas eu fingi não ouvir. A moça me olhava espantada e deu de ombros.

-Você está doente – eu deduzi olhando mais atentamente para seu rosto – Provavelmente com febre. Precisa de um remédio para regular sua temperatura e outro contra infecção.

Eu tinha certeza do primeiro, mas o segundo foi apenas uma dedução, imaginei que, pelo machucado de Edward, ela também pudesse estar ferida e esse ferimento estar causando a febre da garota. A menina me olhou, um tanto surpresa, o homem taciturno me olhava com desconfiança, nenhum deles parecia acreditar que eu estava tentando ajudar.

-Ela é filha de um médico – Edward explicou em meio ao silêncio – Por isso ela entende sobre ferimentos.

Eu não ouvira ele se aproximar, mas lá estava ele parado na porta, me encarando com raiva. Voltei a me encolher, presa aos meus medos. A menina saiu do quarto e, pelo que pude ouvir, Edward mandou o homem embora também. Seus passos ecoaram pelo quarto, eu podia ouvi-los uma vez que agora eu estava prestando atenção neles, até que ele parou na minha frente e sentou na cadeira. Uma pequenina brisa passou por mim quando ele se virou para pegar o prato de sopa rala, eu senti o cheiro da comida e meu estômago protestou, esfomeado, me fazendo corar. Uma dama jamais deveria passar por uma situação daquelas.

-Está com fome? – ele me perguntou, a voz fria e raivosa que me machucava.

-Eu estou bem – menti da melhor maneira que consegui.

-Você está mentindo – ele acusou com ódio – Você continua mentindo, eu não devia confiar em você.

-Não, não devia – eu concordei com medo, mas também irritada – Eu sou uma ótima mentirosa, eu engano todo mundo. Já te contei qual foi minha melhor mentira? Eu menti para uma pessoa, fingi que era sua amiga, sua melhor amiga, e depois não fiz nada quando mataram sua família. Você não devia confiar em mim, eu sou um monstro…

Ele não deixou que eu continuasse, sua mão encontrou minha face com fúria e ele me bateu, uma marca vermelha surgindo no outro lado do meu rosto. O prato de sopa caiu no chão e girou, o líquido raso se espalhando no chão imundo.

-Nós não matamos sua família – ele berrou me empurrando.

Eu cai de costas na cama, meus músculos estralando com o baque, a figura dele ficou maior quando ele se aproximou, os olhos lotados de ódio e violência. E então eu me preocupei.

O que de pior poderia acontecer comigo? Eu tinha me feito essa pergunta assim que me dei conta de onde estava, mas agora via que a resposta que eu encontrara era a errada. Me matar com uma arma estava longe de ser a pior coisa que poderia me acontecer, que poderiam me fazer. Meu cérebro entrou em pane, meu corpo enrijeceu de pavor e uma única palavra assomou minha mente: TORTURA. Aquilo sim era o pior que poderiam me fazer, me torturar psicologicamente, fisicamente e todas as outras formas possíveis.

Senti o sangue fugir de meu rosto e a vontade de vomitar voltou com força total. Era como se ela fosse guiada pelos meus medos: quanto mais medo, mais ânsia. A mão de Edward estava bem perto do meu rosto agora e seu olhar continuava hediondo. Sem perceber como, meu corpo se contraiu e eu sentei de novo, a boca liberando com fúria um jato de vômito sobre meu agressor. De inicio ele ficou parado, meio aturdido, mas logo deu um salto para trás, sacudindo os braços com nojo, irritação e…

Pavor?

Mesmo vomitando e mal conseguindo manter os olhos abertos, o pavor no rosto de Edward se destacou de tudo o mais e me perturbou. Desde quando assassinos tinham pavor de vômito?

Foi só quando o jorro terminou e eu pendi a cabeça para baixo, exausta, que eu entendi por que ele estava apavorada. Eu vomitara uma quantidade enorme de líquido, comida em decomposição e… algo vermelho parecendo sangue. Olhei incrédula para minhas mãos vermelhas e brilhantes enquanto o líquido quente escorria pelos meus braços. Havia uma voz estranha na minha cabeça e eu sentia um tremor muito grande pelo meu corpo como se alguém me sacudisse, mas não pude ter certeza. Minhas mãos começaram a sair de foco e a luz ficou mais fraca, fechei os olhos, já começando a me acostumar com a inconsciência do desmaio.


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Notas finais do capítulo

Comentem!!!! :)