Nem Todo Mundo Odeia O Chris - 1ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 4
Todo Mundo Odeia Linguiça


Notas iniciais do capítulo

Lizzy: Leiam e comentem!
Chris: Leiam e comentem!
Lizzy: Q droga! vc só sabe me imitar!
Chris: É a minha história, sabia?
Lizzy: Sabia, mas eu tenho POV aqui também, tá ligado?
Chris: Ah! Então assim, sim.



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POV. CHRIS (Brooklin – 1982)

                Dias depois que o Caruzo me deu uma surra, eu notei que tava todo mundo olhando pra mim. Meu lado insano me disse que era por que eu era fascinante, mas meu lado racional dizia que tinha alguma coisa errada.

                “Vocês sabem porque tá todo mundo olhando pra mim?” Perguntei mais pra Lizzy do que pro Greg. Ela, com certeza, iria saber por que.

                “Sua briga com o Caruzo. Tá todo mundo com medo de você.”

                “Mas eu apanhei.”

                “É, mas estão dizendo que você bateu nele.” O Greg explicou.

                “Quem acreditaria nisso? Ninguém consegue bater no Caruzo.” A Lizzy riu, mas eu não soube porque.

                “Olha, Chris, você é negro. E todo mundo pensa que os negros são bons de briga. Por isso acreditaram.”

                “Mas tinha um monte gente lá. Por que ninguém falou nada?” Perguntei por perguntar. Essa eu já sabia.

                “Caruzo!” Dissemos juntos.

                No dia seguinte eu tive uma recepção maravilhosa: o Caruzo me enfiou dentro do armário. Aí eu soube que a conversa tinha chegado nele.

                “Soube que andou dizendo por aí que bateu em mim.” O Greg correu mais rápido que o vento.

                “Eu não disse nada!”

                “Vai embora, Caruzo!” Quem me defendeu foi a Lizzy.

                Depois disso eu só escutei a voz do diretor Raymond.

                “Vocês três na minha sala, já!”

                O Caruzo saiu e a Lizzy abriu o armário.

                “Valeu.” Eu disse, saindo.

                “Por nada. O que deu no Greg? Por que ele saiu correndo?”

                “Ele morre de medo do Caruzo.” Ela revirou os olhos e nós fomos.

                O Dr. Raymond nunca estava de bom humor, então eu acho que não podíamos esperar nada de bom daquela conversa. Mas eu nem imaginava o que iria acontecer. Me deu vontade de MATAR o Caruzo.

                “Por que pegar no meu pé! Você não ouviu? Ele bateu em mim.” Aquele marginalzinho se aproveitou da situação. “E ele me chamou de banguela.” Cara de pau!

                “Eu não bati e nem te chamei de nada!” Eu tava indignado.

                “Mentiroso! Eu tava lá e vi você batendo nele, Caruzo!” Ele se encolheu quando a Lizzy falou, mas eu tava encrencado demais pra dar atenção a isso.

                “Não acredita nela. Ela é amiga dele. Ela tá mentindo.”

                “Não to mentindo nada!” Ela tava quase gritando.

                “Sem gritos na minha sala!” ELE tava gritando também! “Você tem razão, Sr. Caruzo.” Ele olhou pra mim e pra Lizzy. “Vocês dois, aprontem mais uma e vão ficar no fim da aula.”

                Eu não tava acreditando. O Caruzo fez eu me ferrar de novo! E ainda colocou a Lizzy no meio. E por falar nela, eu tava vendo a hora ela pular no pescoço do diretor e no do Caruzo.

                Meu pai tava cansado de não ter carne em casa e acabou comprando uma caixa de linguiça. Minha mãe achou um exagero, mas achou melhor não discutir com ele.

                “Então a gente vai comer linguiça em toda refeição?”

                “Se não tivesse se demitido não teríamos que comer linguiça todo dia.” Ele falou isso baixinho.

                “O que você disse?” Ela realmente não tinha escutado.

                “Depois compramos o que você queria.” Ele era cara de pau mesmo , fez até uma rima.

                No intervalo o Greg não tava acreditando na sacanagem que o Caruzo tinha aprontado comigo e com a Lizzy.

                “Ele disse que você bateu nele?”

                “Disse.”

                “E nem em mim ele acreditou.” Ela ainda tava revoltada.

                “É. Todo mundo me viu correr pro ônibus e me viu apanhar pra caramba e agora estão com medo de mim. Se ele me batia quando eu podia revidar, agora é que ele vai me bater mesmo já que não posso me defender.”

                “Já sei!” A Lizzy tava com um sorriso de orelha a orelha. Eu gostei disso. “Já sei o que eu posso fazer. O Caruzo vai se arrepender de brincar com a gente.” Ela deu um sorriso que eu tive até medo.

                Na cozinha da minha casa o cheiro que predominava era o de linguiça. Eu nunca imaginei que linguiça pudesse ser preparada de tantas formas diferentes. Risoto de linguiça, polenta com linguiça, linguiça assada, cozinha, ao molho rosê, no espeto. Nunca vi tanta linguiça junta na minha vida. Mas a Tonya não ia muito com a cara de linguiça.

                “Eu não quero linguiça. Eu não gosto.”

                “Mas você nem experimentou, minha filha.” Essa era minha mãe paciente.

                “É porque eu detesto.” Sabia que ia dar problema. Minha mãe aguentava muita coisa, mas não uma criança que não queria comer. “Vai ficar sentada até comer a linguiça.” A birra da Tonya durou até quase duas da manhã.

                Na escola, eu estranhei que a Lizzy não tinha aparecido, mas logo me esqueci disso quando recebi uma pilha no meu braço. O Caruzo um dia me paga! Eu ia embora com o Greg quando vi a Lizzy vindo.

                “O que ele jogou em você?” Mostrei a pilha pra ela.

                “Aquele animal irracional!” Eu não entendia porque ela ficava tão irritada. “Ele me paga!”

                “Mas nem foi com você.”

                “Mexeu com amigo meu, mexeu comigo!” Fiquei bem surpreso. Nem minha família me defendia assim.

                Ela pegou a pilha da minha mão e jogou na direção do Caruzo. Se existisse o esporte ‘arremesso de pilha’, ela ganhava. A pilha foi bater no meio da testa do Caruzo. Ele nem viu chegando. Eu sabia que ia me encrencar depois e ela também ia, mas naquele momento eu só me preocupava em rir. Pra azar nosso, o diretor tava passando na hora que o Caruzo caiu, quase desmaiado. O Greg correu. Eu e a Lizzy íamos sair de fininho quando todo mundo que tava do lado de fora da escola apontou pra gente. Bando de X-9s malditos! Ficamos depois da aula, mas pelo menos estávamos juntos.

                Logo descobri que as normas da detenção eram fáceis. Se você fizesse qualquer coisa além de sentar e calar a boca, ficava mais 10 minutos. Eu sendo novato, inspirava todo mundo a me encrencar. Me passaram um papel com umas palavras esquisitas. Quando eu ia virar pra perguntar o que era aquilo, a Lizzy tapou minha boca. Ela tirou o papel da minha mão e colocou outro. Quando eu li o dela, descobri que os outros só queriam me sacanear. Se passaram 10 minutos e eu escutei um grito. A professora levantou a cabeça do que estava escrevendo e disse pro cara que gritou: ‘Mais 10 minutos!’ Era o mesmo cara que tinha me passado o papel. Eu via a Lizzy rindo e entendi que ela tinha beliscado ele pra ele gritar. Foi a detenção mais legal que eu já tive.

                Quando desci do ônibus eu decidi que não ia falar pra minha mãe da detenção pra ela não ir na Corleone armar um barraco. Mas ela tava me esperando.

                “Eu disse que queria você cedo em casa pra eu poder pegar meu pagamento.”

                Dei a desculpa mais convincente que pude encontrar. “Perdi o ônibus.”

                Mas depois de eu passar horas sentado numa sala sem fazer nada, minha mãe resolveu me ocupar. Me deu um balde e um esfregão e mandou eu lavar o banheiro e a escada.

                “Isso é pra se lembrar de chegar na hora.”

                Enquanto isso, a Tonya ainda tava com a birra da linguiça. Mas depois de dois dias, ela não era a única a detestar linguiça. Tivemos bolo na sobremesa e aí eu notei que minha mãe tava em uma briga particular com a Tonya.

                “Posso comer bolo?”

                “Pode comer linguiça.”

                Quando eu ia sair pra escola, recebi uma intimação da minha mãe: tinha que chegar cedo, porque ela tinha que pegar o pagamento dela. Ou seja, chega na hora ou ‘eu te mato, garoto’.

                Na detenção, eu tava esperando na porta até tocar. Quando tocou, eu entrei, mas a professora disse que eu tava atrasado. Tentei argumentar, mas peguei mais 20 minutos. A Lizzy já estava lá, então sentei perto dela.

                Cheguei atrasado de novo em casa e minha mãe já estava me esperando com aquele olhar de ‘entra logo ou arranco seu couro e virou pelo avesso’.

                E continuava a briga da mamãe com a Tonya e a da Tonya com a linguiça. Meu pai até que tentou ajudar, mas não deu muito certo. Ele chamou minha mãe pra uma conversa. Nessa conversa, minha mãe acabou descobrindo que ele tinha dado comida pra Tonya na noite do início da briga. Ela ficou meio estressada e botou a culpa nele dizendo que era ele que tinha comprado uma caixa de linguiças.

                O diretor resolveu conversar comigo e com a Lizzy por que achou que assim não arranjaríamos mais problemas. Ele falou que eu ser viciado em drogas não era desculpa pra eu arranjar problemas na escola. Ele disse também que era pra eu me comportar e que se eu jogasse outra pilha em alguém, seria suspenso.

                “Não foi ele que jogou a pilha, fui eu.” Ela assumiu? É sério?

                “E porque jogou a pilha, mocinha?”

                “Eu vi o Caruzo jogar a pilha no Chris primeiro, então eu só devolvi a pilha gentilmente pra ele.” Ela falou de um jeito que eu quase acreditei.

                “Diretor, a verdade é que desde que eu cheguei aqui, o Caruzo me xinga, me bate e me tranca no armário sempre que pode. Eu nunca falei nada com ele. E só briguei com ele naquele dia porque ele tinha roubado meu passe livre.”

                “Isso é verdade?”

                “É sim, senhor. Eu vi tudo. A briga, os xingamentos e o Caruzo correndo atrás do Chris até o ônibus.”

“Tudo bem, então.” Aí ele deu 10 dólares pra mim e 10 pra Lizzy.

Saímos da sala dele e o Greg esperava pela gente.

“E aí, o que houve?”

“O diretor liberou a gente, mas ele acha que eu nasci viciado.”

“É porque você é negro, Chris.”

Olhei confuso pra ela. “Como assim?”

“Negros tem um histórico de usar drogas, e os brancos acham, por puro preconceito – ECA! – que todos são assim.”

“Isso é ridículo. Minha mãe diz que se eu vender ou usar drogas ela arranca minhas amídalas e meu nariz.” Ela encolheu os ombros.

Quando viramos no corredor, o Caruzo tava com o bando dele esperando a gente.

“Olha, é o tostado e o ligeirinho.” Ele não falou nada da Lizzy e eu estranhei de novo. “porque não ficaram depois da aula?”

“Ué, Caruzo. Não vai falar nada de mim? Ainda tá doendo a surra que eu te dei ano passado?” A Lizzy tinha batido no Caruzo? Quando? Onde? Como? A Lizzy?

Ela deu um passo pra frente e ele recuou. Uau!

“Olha, Caruzo. Porque não me deixa em paz?” Aqui, o Greg saiu de fininho. Medroso!

Então a Lizzy sussurrou no meu ouvido: “Tive uma ideia.” Apesar da situação, aquilo me arrepiou todinho. Aí ela gritou: “Corre, Chris!” E saiu correndo. Não perdi tempo, corri atrás dela. A gente entrou em um corredor e ela deu um chute em uma porta lá, então paramos. O corredor não tinha saída.

“E agora? Qual era o seu plano?” A gente tava cercado: parede atrás, bando do Caruzo na frente. Foi quando eu entendi o plano dela. Ela tinha chutado a porta da diretoria e o Dr. Raymond tava saindo agora pra ver quem tinha chutado. O Caruzo não viu, pois a porta tava atrás deles e do lado esquerdo. Eles pegaram pilhas e começaram a jogar na gente, na verdade, foi só em mim e a Lizzy ficou quase ilesa.

“Vocês todos! Para a minha sala, agora!” Era o diretor. E eles foram.

Eu e a Lizzy nos levantamos - É, a gente tinha caído no chão. – e começamos a comemorar. O Greg perdeu a dancinha que a gente fez. Foi muito hilário. Depois eu fui perguntar pra ela que história era aquela dela ter batido no Caruzo.

“Ah. Foi no ano passado. Ele vivia me enchendo e eu revidei. No final da briga ele tava dentro da lata de lixo com uma casca de banana na cabeça.” Nós rimos.

“Nossa! Você luta o quê?” Aquela garota me surpreendia.

“Karatê e boxe. Mas não conta pra ninguém ou vou ter que dar um jeito em você.” Ela falou séria. Fiquei com medo. Só depois me toquei que ela tava brincando e ela passou meia hora rindo da minha cara de idiota. Foi divertido.

Cheguei em casa na hora, minha mãe pegou o pagamento, mas a Tonya ainda não queria comer a linguiça. Eu sabia que minha mãe tava no limite, então fiquei só de alerta. Ela até tentou convencer a Tonya, uma última vez, a comer. Mas depois perdeu a paciência e tentou enfiar a linguiça goela a baixo na Tonya. Foram precisos eu, meu pai e o Drew pra separar ela da Tonya. Ô, sufoco!

POV. LIZZY

                Eu tava planejando uma coisa bem maligna pro Caruzo, mas eu nem precisei. O improviso deu conta do recado. E a dancinha do final! To rindo até agora! O Chris é muito engraçado. Eu nunca ri tanto na minha vida. Eu sei que mal começou, mas eu acho que vai ser meu melhor ano na Corleone. To adorando ser amiga dele... quer dizer, deles.            Nem contei nada pra eles, mas eu vou me mudar hoje. To tão feliz! Tava arrumando minhas coisas desde anteontem.

                Chegando em casa, peguei minhas coisas e coloquei no porta-malas do carro. Eu não tinha muita coisa, então foi fácil. Meus pais já estavam me esperando, a contragosto é óbvio. A gente foi pra Bed-Stuy, como eu já disse. Era um bairro negro, mas meu pai conhecia um tal Sr. Lavigne lá. Ele era branco, então não seríamos só nós.

Quando chegamos, era quase noite. Apesar da pouca luz, deu pra ver que a casa era bonita e com os adornos certos iria ficar ótima. Descobri, para minha alegria, que ia ter um quarto só pra mim. Que ótimo! Ia poder decorá-lo como eu quisesse. Eles não iriam reparar mesmo. Arrumei um pouco das minhas coisas nas prateleiras, mas deixei o resto pra amanhã. Coloquei só o que eu ia precisar mesmo, depois me deitei na cama e peguei a coisa mais importante das minhas coisas: meu diário. Eu sei! É totalmente clichê ter um diário, mas eu gosto. Como não tenho ninguém pra conversar em casa, eu escrevo. Então eu escrevi todas as minhas impressões sobre a casa nova e da minha esperança de começar de novo. De ser feliz. E de um sonho que já tinha se realizado: ter amigos. Eu já tinha escrito muito sobre o Chris e o Greg no meu diário. Nossas brincadeiras, nossos problemas, nossas risadas. Quase tudo. E eu tava gostando muito de tudo isso.

Olhei as páginas anteriores e vi as duas cartas que a Cibele já tinha me mandado. Ela estava bem e vinha em visitar nas férias. Ela ficou triste porque a gente teve que se mudar, mas eu escreveria pra ela dizendo que estava tudo bem. Na verdade, nunca esteve melhor.

...

Por: LivyBennet


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Notas finais do capítulo

Caruzo: Reviews! Reviews! Reviews!
Chris: Caruzo? O que tá fazendo aki?
Caruzo: Cala a boca, pão queimado!
Chris: Cala a boca vc! Pelo menos eu não apanhei de uma garota!
Caruzo: Agora eu te pego!
Chris: SOCOOOOOOOOORROOOOOOOO!!!!!!!!!!