Nem Todo Mundo Odeia O Chris - 1ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 1
Todo Mundo Odeia O Chris


Notas iniciais do capítulo

Se você entrou até aqui, não vai deixar de ler, né?



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POV. CHRIS (Brooklin - 1982)

 Chegando a Bed-Stuy. Só o lema do bairro já me deu arrepios na espinha: ‘Bed-Stuy, só doido vai.’ Mas minha mãe, Rochelle, convenceu meu pai, Jullius, a se mudar do conjunto habitacional, então era Bed-Stuy ou morar na rua.

Apesar da casa nova eu já sabia que ia ser tudo como antes. Meu irmão mais novo, Drew, era melhor do que eu em tudo, até no tamanho. Eu sou um ano mais velho e ele é maior do que eu. Minha irmã caçula, Tonya, é o capeta da casa, mas só eu via isso. Eu nunca vi ela se dar mal em nada, assim como o Drew; sempre sou eu que pago o pato. Eles fazem o que querem e eu, como irmão mais velho, tenho que dar conta de absolutamente tudo. Não importa o que eles façam de errado, a culpa é sempre minha. A Tonya era a favorita do meu pai, o Drew era o favorito da minha mãe. Sério? De vez em quando eu me sentia abandonado.

Outra coisa que me irritou quando a gente se mudou foi que o Drew e a Tonya iam para uma escola no bairro e a minha seria lá em Brooklin Beach. Esse era o nome de um bairro italiano quase falido. Era como Bed-Stuy, mas em vez gangues, lá era a máfia. Minha mãe tinha me matriculado numa escola de brancos chamada Corleone, como no filme ‘O Poderoso Chefão’. Só pra constar: eu adoro esse filme. Mas voltando a escola, como eu ia sobreviver em uma escola só de brancos? Eu não sabia.


Depois de uma semana, eu já estava sonhando em ir para a escola com a coisa mais descolada que eu tinha: um par de tênis branco. Mas para cortar totalmente meu fiapo de felicidade, minha mãe me mandou ir com o sapato social do Drew. Eu sabia que iam tirar sarro de mim no colégio, mas eu não podia fazer nada.

“O que? Tá pensando o quê, moleque? Você não vai pra escola de tênis. Calça o sapato do Drew.”

“Mãe, todos vão tirar sarro de mim. Por que eu não posso ir de tênis?”

“Não, você não vai de tênis. Não quero achem que meu filho não se veste direito.” Sabia que essa batalha eu não ia vencer. Me conformei e troquei o tênis.


Minha mãe, quando saia pra trabalhar, deixava tudo por minha conta. Naquele dia ela disse pra eu chegar cedo para abrir a porta pro Drew e pra Tonya, só acordar meu pai às cinco e esquentar o prato dele que tava na geladeira. Às vezes eu me sinto um pai de treze anos.

A coisa que mais ou menos alegrou meu dia foi a Keisha. Eu tenho uma quedinha nada discreta por ela. Ela morava na casa ao lado. Sempre quis falar com ela, mas nunca tive coragem. Então ficava só babando de longe. Aos treze anos, eu não sabia muita coisa sobre sexo, mas sabia que ela tinha alguma coisa a ver. Ela falava com o Drew, mas nunca comigo. Aparentemente eu era invisível pra ela.

“Desde quando você fala com ela?” perguntei, mesmo já sabendo a resposta.

“Eu não sei. Ela falou comigo.” Ok. A última parte eu errei.


Eu tinha que pegar dois ônibus pra escola todo dia. Era um saco! Se eu perdesse o primeiro, consequentemente perderia o segundo e chegaria atrasado. Meu primeiro ônibus era o 26, era o meu ônibus do jornal. Sem nada pra fazer eu acabava lendo. Sinceramente, aprendia mais coisas com o jornal que na escola. O segundo ônibus parecia uma parte portátil da minha escola: só tinha gente branca. Por mais que eu desejasse ser educado, ninguém nunca sentava do meu lado. Ninguém mesmo. Nem os deficientes.

Estudar numa escola de brancos era a ideia que minha mãe tinha de educação de qualidade. Naquele dia eu descobri que ela estava errada, por que eu conheci o Joey Caruzo. Ele era o pesadelo de todo aluno da Corleone. Mandava em praticamente todo mundo. Eu tinha até passado despercebido, mas hoje, com aquele sapato, não tinha como eu escapar. Ele pisou no meu sapato, derrubou meus livros e me chamou de ‘pixaim’. Eu nunca tinha sido muito bom em lutas, mas meu pai me ensinou a nunca deixar ninguém pisar em mim. Nem figuradamente, nem literalmente. E se eu deixasse passar, ia virar saco de pancadas. Decidi que ia enfrentar ele. Acabei xingando a mãe dele. Pra quem viu de fora, acho que foi um bate boca irado, mas eu, que estava vendo de dentro, tava morrendo de medo. Ainda sim, eu segurei a onda e falei um monte. Ele era mais forte que eu, mas achei que dava pra encarar na moral. No final das contas ele me empurrou e eu cai nos pés do diretor. Ele deu a maior bronca em nós dois e saiu fora. Mas antes, elogiou meus sapatos e tirou onda com o Caruzo. Quando o diretor saiu, deu pra ver que o Caruzo tava possesso. Disse que ia me pegar na saída.

Quando eu fui juntar meus livros, um garoto branco veio falar comigo. Ele tinha uma cara de nerd inconfundível, então achei que não tinha nada a temer. O nome dele era Greg Wulliger e, aparentemente, ele era um rejeitado como eu. Ser o saco de pancada de todos uniu a gente.

“Você é mesmo é de ‘Bed-Stuy: só doido vai’?”

“Sou.”

“Meu nome é Greg.”

“Eu sou Chris.”


No intervalo, pensei em ir com o Greg comprar uma pizza. Mas o Caruzo me parou no meio do caminho, me derrubou, pegou meu dinheiro e meu passe livre, e disse que só me devolvia depois da aula. Droga! Minha mãe ia me matar se eu perdesse esse passe. Ela disse isso hoje de manhã. “Se você perder esse passe livre, vai pra escola a pé até o final do semestre.” O jeito era brigar com o Caruzo depois da aula.

Quando cheguei ao local da briga, tinha muita gente. Além do Caruzo, a única pessoa que me chamou atenção foi uma garota rockeira que estava perto da saída. O Greg tava com mais medo que eu, mas eu disse a ele que briga de estudante não dura muito, logo vem alguém e separa.

O primeiro soco foi meu, mas depois eu apanhei feio. Quanto mais o tempo passava, mais eu me arrependia de ter ido nessa onda. Ninguém vinha para separar a porcaria da briga. Depois de meia hora eu não sabia nem mais onde eu estava. Um guarda passou e fingiu que nem tinha visto. Aproveitei a distração, pisei no pé do Caruzo, peguei meu passe do bolso dele, arrastei o Greg e saí correndo. Corri com toda a vontade que eu tinha e com a força que ainda me restava. Peguei o ônibus bem na hora que ele ia saindo. Ufa! Essa foi por muito pouco.


Cheguei em casa quase desfalecendo de fome. Aí eu notei que tinha outra pessoa além do Caruzo tentando me matar. A Tonya. A maluca tava gritando pelo meu pai do lado de fora e o Drew, como um perfeito idiota, não fazia nada. Eu senti como se minha vida passasse pelos meus olhos: minha mãe dizendo que ia me matar se eu acordasse meu pai antes da hora. Corri e tapei a boca da Tonya, abri a porta e subimos. Meu pai ainda tava dormindo, mas eu não podia descansar. Tinha uma parada séria pra resolver.

Quando o Caruzo pisou no meu sapato, ele ficou imundo. Eu não podia deixar minha mãe ver o sapato daquele jeito ou EU não veria mais nada. Limpei, engraxei o sapato e joguei as toalhas sujas no fundo do balde de roupa suja. Depois, fui à geladeira e, por milagre, tinha um prato feito com um pedaço enorme de frango. No momento da primeira mordida eu achei que tinha alguma coisa errada, mas eu tava com tanta fome que ignorei. Pela primeira vez, tava tudo tranquilo. Eu só tinha que segurar todo mundo quieto até as cinco.

Às cinco eu acordei meu pai. Sério, ele tem dois empregos. Não sei como ele aguenta, mas ele tem. Minha mãe ligou pra saber se eu tinha acordado ele e eu disse que sim. Ela me mandou colocar o prato que estava feito no forno. Tive um mal pressentimento.

“Que prato?” perguntei.

“O que tem um pedaço grande de frango.”

Mentira, não tive um mal pressentimento, tive uma péssima certeza. Eu sabia que tava muito, muito encrencado mesmo. Minha mãe chegou me dando o maior sermão.

“Você sabe que o seu pai sempre come o maior pedaço de frango. Por que você comeu?”

“Desculpa, mãe. É que eu tava com muita fome.”

Eu sabia que ela não tava me dando o sermão porque tava com raiva, ela tava preocupada. Minha mãe achava que se meu pai não comesse bem ele ficava nervoso, nervoso ele podia chamar o patrão de drogado, se ele chamasse o patrão de drogado ele seria despedido, aí a gente voltava para o conjunto habitacional. No fundo, ela só tava defendendo ele.

“Pelo menos não estragou o sapato.”

Isso é por que ela não sabe onde eu me meti hoje. Ainda bem que ela não descobriu.


Meu pai sempre visitava a gente entre empregos. Às vezes eu via e fingia que dormia, mas hoje eu não ia fingir.

“Pai!”

“Oh, moleque. Fala aí.”

“Desculpa se eu comi o seu jantar hoje. É que eu tava com fome.”

“Não comeu direito na escola comeu? Toma.” Ele me deu cinco dólares. Testemunhei um fato histórico! “Como foi a escola hoje?”

Eu não ia falar da briga pra ele. Meu pai estudou na época dos cães e cassetetes. Comparado a isso, Joey Caruzo não era nada.

“Foi bem. Boa noite, pai.”

“Boa noite, filho. Ah, sua mãe perguntou se não tem alguma roupa suja que você tenha esquecido.”

“Não.” Tive outro mal pressentimento.

“O QUE É QUE HOUVE COM AS MINHAS TOALHAS?”

Agora sim eu to ferrado!


Depois de levar uma boa surra da minha mãe, eu passei meia hora tentando achar um jeito confortável de dormir. Quando enfim eu encontrei a tal posição confortável, a imagem da menina rockeira me veio à mente. Não sei por que pensei nela, normalmente eu tenho pensado na Keisha quando vou dormir. Pela lembrança eu notei que ela era descolada, mas era diferente dos outros descolados. Ela não tinha aquele ar esnobe da maioria das meninas descoladas. Na verdade, ela mal parecia uma menina. E parecia ter olhado pra mim. Talvez tenha olhado com pena por saber que eu ia apanhar do Caruzo. É, provavelmente foi isso.

***

POV. LIZZY

                “Vou senti sua falta, Cibele.” Já sentia a falta dela, na verdade.

                “Também vou sentir a sua, Liz. Se cuida, tá?”

                Ela estava indo embora. Minha irmã. Minha única amiga naquela casa estava indo embora e eu não sabia quando a veria de novo. Mas eu não vou chorar. Eu sou uma Rodrigues e uma Rodrigues não chora.

                “Quando chegar lá, me escreve dizendo como é a faculdade.” É, ela tinha sido aprovada em Harvard, pelo menos não é tão longe.

                “Escrevo sim.” Ela estava preocupada, dava pra ver. “Liz, me promete que não vai mais arranjar confusões nem fora nem dentro de casa?”

                “Ok, eu prometo.”

                “Liz...”

                “To falando sério. Toma cuidado.”

                “Eu vou. Tchau.”

                “Tchau.” 6:00h. O trem dela era à noite então estava na hora. Nossos pais iam levá-la até lá. Ótimo! Me dava algum tempo sozinha pra pensar.

                Nossos pais sempre preferiram a Cibele a mim. Ela sempre foi a preferida, mas ao contrário, isso não me fazia ter inveja dela, me fazia amá-la ainda mais. Posso até estar sendo dramática, mas é assim que é. Quero só saber quanto tempo eu vou aguentar sem a Cibele aqui. Pelo menos não levei uma surra como aquele garoto negro na Corleone. Nem sei o nome dele e também não sei por que ele me chamou atenção.

Ao contrário da maioria esmagadora dos americanos, eu não sou racista. Talvez seja porque meu avô paterno é brasileiro, mas eu acredito que os negros têm tanto direito quanto os brancos. A surra que aquele garoto levou hoje não foi justa. Eu poderia ter acabado com aquilo num instante, mas não quis me intrometer. Só ia chamar atenção para mim e isso eu não quero. Eu sei que quase todo mundo na Corleone me considera descolada ou esquisita. Sinceramente, eu não me importo. No auge dos meus treze anos, quase nunca me importo com alguma coisa. Mas eu me importei com aquele garoto hoje, só não sei o porquê. Por via das dúvidas, vou pregar uma peça no Caruzo amanhã. Talvez seja porque eu não suporte injustiças. É, provavelmente é isso.

...

POR: LivyBennet



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Notas finais do capítulo

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