Sinfonia De Treze Rosas Tristes. escrita por Sunshine


Capítulo 1
A primavera sempre traz uns traços de loucura.




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Por Heitor Henrique.

"Talvez a primavera chegue logo. Eu acho linda a primavera. Porque é quando os colibris viajam de um jardim ao outro e é quando as borboletas silenciosas despertam charmosas e encantadoras dos seus longos sonos secretos.

Mamãe partiu na tarde ensolarada de uma primavera. Um primo distante, que aparecia nos finais de ano para beber champagne e falar coisas engraçadas, morreu numa primavera também. Alguns amigos do papai disseram que ele precisaria de uma nova mulher. Eu não entendi o que é uma nova mulher. Eu sou uma menina, um dia serei mulher. E acho que uma mulher é aquela que a gente guarda naquela lágrima de tristeza, ou de alegria, para sempre.

Papai me diz para eu não pensar nessas coisas. Porque mamãe virou estrelinha, e como estrelinha que é, só aparece quando o céu e o coração estão limpos. Eu devo dizer que sou teimosa, e devo dizer que não concordo com tudo o que papai diz.

Mamãe é mulher, não é?

Já foi mulher, agora é estrelinha. - Papai responde enquanto tira um cigarro da caixinha branca. Seus olhos dão vida a um brilho dourado e esquisito, que sempre aparece quando o assunto surge na sala de estar.

Eu vou virar estrelinha um dia também?

Sim.

E o senhor?

Eu o que?

A mamãe era mulher e virou estrelinha, eu sou menina e vou ser mulher, depois estrelinha também, mas e o senhor, vai ser o que, papai?

Eu… - Respondeu papai, dando vida à labareda de papel que algum dia o tiraria desse mundo – Eu quero ser anjo, Milena. Porque os anjos cuidam da gente quando tudo fica escuro. Quando ficar grande vai entender. Agora vê se brinca um pouco lá fora. Ainda está claro e hoje o céu vai ser bonito. Está com o coração puro?

Sim, papai.

Então vai brincar lá fora, que depois vamos ver mamãe.

Houve lágrima nos seus olhos, uma pequenina lágrima, que teimosa como eu, quis saber mais sobre a saudade. Papai disfarçou e continuou com o cigarro aceso, botou-o nos lábios e depois baforou uma fumaça triste e de total silêncio.

Sempre era assim que ele falava. Primeiro uma frase seca para afirmar as incertezas das coisas da vida. Depois um porquê, para se convencer que a vida tinha, deveras, uma explicação plausível.

Está com o coração puro, Milena? - Papai me perguntava sempre antes de falar sobre as estrelas.

Sim, papai, eu estou.

E nas últimas vezes, senti que estava ficando cada vez mais difícil para que papai tocasse no assunto das estrelas, porque o seu coração era grande demais, ou grandioso era o mistério das próprias estrelas, que jamais nasciam para ser interpretadas, e sim, admiradas em silêncio profundo, como algumas pessoas.

Um olhar tão triste ganhou vida no rosto barbudo do papai, que ele tossiu de tristeza. E eu prometi nunca mais falar sobre as estrelas com ele.

Por isso venho dizer que a primavera é a mais linda das estações. Porque é quando os colibris saem e as borboletas saem, e as estrelas parecem ser amigas do meu coração e brilham todas em cima dos meus olhos.

Eu vou à casa de mamãe. Levo flores e umas coisinhas pra contar. Sinto que às vezes dou risada sozinha num cemitério e a irmã Carmem, da igreja, acha que eu estou maluca. Mas eu tenho pena da irmã Carmem. Não sei se ela, que agora é mulher, vai virar estrelinha igual mamãe virou. Irmã Carmem colocou veneno na ração do cachorro do Zequinha, meu amigo de colégio. Zequinha chorou tanto, que se cachorro voltasse por causa de lágrima, o do Zequinha já estaria de volta e ainda traria um bando de filhotes.

Mas não tenho pena do Zeca. Tenho pena é mesmo da irmã Carmem. Porque a primavera vai chegar logo e ela nem vai perceber.

Tira a tua menina do túmulo, Manoel! - ela diz ao papai, e ele sorri mansamente.

Ela tem o coração puro, irmã. Tem o coração igual ao da mãe.

Talvez, se o papai ler isto algum dia, poderá ficar zangado comigo e me por de castigo no quarto sem bonecas e sem televisão, nem computador, nem celular. Mas quando a primavera levar embora a irmã Carmem, e que Deus tenha piedade da tua alma, ela não vai ser estrelinha não. Acho que ela vai ser aqueles meteoros que a gente quer ver, mas que a pureza do coração não deixa, porque é o que sempre me dizem – que você só consegue ver estrelas se o teu coração estiver puro – então a irmã Carmem, que não tem o coração e nem a alma pura, vai ser um meteoro perdido no espaço, a tentar encontrar outro meteoro de igual característica, mas estará num universo inteiramente só.

São assim as pessoas que não sabem sobre a primavera. Pra mim, são meteoros solitários que vagam flutuantes pelo universo à toa.

Quando a primavera chegar, mamãe vai aparecer de novo no céu infestado de estrelas. E brilhará para mim, enquanto o papai fuma o cigarro dele na varanda de casa.

olha, a mamãe está ali!

Sim, é ela, aquela ali, a maior.

É a maior ou a que brilha mais, papai?

Da última vez, ele deixou cair em mim uma gotícula de lágrima triste. Depois me disse que eu estava virando mocinha grande e me pediu para ter o coração puro.

Ter o coração puro sempre me pareceu misterioso demais para explicar. Algumas explicações são inevitáveis, outras, no entanto, são inexplicáveis. Papai deixou cair uma lágrima triste e acho que nos lembramos ao mesmo tempo de mamãe. Mas ele sempre disse que quando a gente vira estrelinha, a vida é só felicidade.

Dei um último abraço no papai, sem saber que aquele seria o último abraço. Dei boa noite ao papai, sem saber que aquela seria a última noite. Papai baforou mais uma vez o cigarro, fumar à noite era o seu horário predileto para pensar na vida e dar umas tragadas, mas acredito que ele soubesse que aquela seria a sua última noite.

Na manhã seguinte, ouvi dizer que eu era órfã. E órfã no mundo, e na vida, meu caminho seria triste, como o caminho dos órfãos é triste, e eu pensei em qual anjo papai seria. Um nome. Manoel. Manoel está bom, eu pensei. É um nome para anjo, o meu anjo secreto, que vai aparecer e me ajudar quando tudo estiver escuro.

Era primavera quando papai partiu também. Fui logo contar à mamãe, em seu túmulo bonito de mármore, localizado bem no centro do cemitério, que papai em breve ficaria junto dela. Não chorei nenhuma vez. Engoli toda a tristeza, porque eu já era menininha grande. E chorar quando se é grande, perto dos outros, meu pai dizia, é feio demais."

São Paulo, 11 de março de 2012.


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Notas finais do capítulo

Não é meu. Eu apenas li em um tumblr e gostei. Espero que gostem xx



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