Os Clichês de Rosemary escrita por Gabriel Campos


Capítulo 17
Síndrome do ninho vazio


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é meio dramático, pq Solange é Solange. Então, vamos.



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(por Solange Maldonado)

Sinto saudades dos meus bebês. Muitas saudades. Gostaria muito de ir até a casa de Zeferino e conversar com Rosemary, saber o que eu fiz de tão errado para que ela me tratasse do jeito que ela está me tratando.

Eu sou mais ignorada do que lápis de cor branco. É assim que eu me sinto.

Minha intenção nunca foi a de fazer mal aos meus pequenos. Eu só não queria que eles se decepcionassem com o que há no mundo. O mundo é podre, o ser humano é ruim. E eu descobri isso pouco antes de Zeferino me deixar.

O ano de 2003 foi bastante difícil para nós: Rosemary só tinha dois anos de idade, enquanto Rubem, aos seis anos, já mostrava que seria um garoto meio rebelde. Eu tinha medo quando meu marido, Zeferino, saía de casa para trabalhar com aquela onda de assaltos, sequestros e outros crimes que se sucediam.

As pessoas estavam confiantes de que tudo mudaria, que com a posse dos novos políticos após o ano de 2002, que foi tão conturbado devido as eleições, toda aquela onda de crimes iria acabar.

No entanto, mal sabia eu que tudo só tenderia a piorar.

Eu agradecia aos céus quando meu marido voltava são e salvo do seu pequeno negócio. Sua mercearia (que depois de alguns anos tornar-se-ia aquela grande rede de supermercados que o faria rico) era mantida firme e forte com o seu trabalho árduo.

Eu sabia que era perigoso manter um negócio como um comércio naqueles tempos difíceis. Os bandidos pareciam saber a hora certa de atacar. As notícias nos jornais e programas de cunho policial me deixavam aflita. Eu ficava uma pilha de nervos ao ligar a televisão e ver quantas pessoas por dia perdiam suas vidas por tomar suas coisas de outras pessoas ou ter suas coisas tomadas. Sequestros, roubos, guerras, dentre outras coisas que, estampadas nas linhas de um jornal ou sendo temas das manchetes de programas sensacionalistas, me faziam tremer nas bases.

Eu surtei no ano de 2003 ao assistir um plantão que interrompera a novela da tarde.

Rubem brigava com Rosemary no tapete da sala, tentando pegar a boneca dela. A garota chorava, balbuciando suas pequenas frases de repreensão. Muitas vezes eu era obrigada a parar o que estava fazendo para separar aqueles dois, mas a música do plantão, na TV, me chamou mais atenção do que nunca naquele dia.

A televisão mostrava o que parecia ser a entrada de um hospital; uma mulher chorava, desesperada. Ela tinha sangue em suas mãos. Algumas pessoas tentavam acalmá-la, mas o desespero era muito grande. Ela se debatia e era impossível fazer com que ela se estabilizasse emocionalmente.

Meu filho! Meu filho! Tomaram a vida do meu filho! — berrava ela, inconformada. Lágrimas desciam dos seus olhos.

Um repórter se posicionou na frente dela, as câmeras já não mais focavam a mulher e sim a ele. Ele começou a falar, um microfone com o logotipo da emissora em suas mãos:

Infelizmente, faleceu agora a pouco Caio Igor Batista Moraes, o garoto de dezesseis anos que foi vítima de uma bala perdida no centro da cidade esta manhã.

Eu fiquei parada em frente à televisão, já não ouvia mais os berros dos meus filhos, gritando no tapete da sala, disputando aquela boneca, mas sim o desespero daquela mãe, que com certeza estava inconformada com tudo aquilo. As câmeras mostravam a amargura e o desespero dela, sem pudor, sem nem sequer ter o mínimo de respeito por aquela família. Eles queriam a audiência às custas do sofrimento dela.

O rapaz foi atingido pela bala quando voltava da escola. A população está inconformada com o que aconteceu. Não se sabe ao certo de onde veio o tiro, no entanto alguns pedestres afirmam que houve uma perseguição policial perto do lugar onde o garoto foi atingido. A perícia está trabalhando para saber quem é o verdadeiro culpado pela morte do rapaz.

Eu desliguei a televisão. Saber quem havia disparado aquela arma não amenizaria o sofrimento daquela mulher, tampouco traria seu filho de volta. Fiquei imaginando como seria perder um filho, um pedaço seu. Olhei para os meus dois garotos e tomei Rosemary nos braços. Sentei Rubem no sofá e os abracei, apertei-os forte. Eu não queria que eles vissem como era o mundo. O mundo era frio, podre, nojento. Perigoso.

Acima de tudo, eu não queria perde-los. Eu não queria sentir na pele o que aquela mãe sentiu.

Eu chorei quando exibiram na TV, na mesma emissora, as cenas do velório do rapaz. Mostravam imagens da mãe do garoto, sob um luto que jamais seria apagado, assim como os outros integrantes de sua família. Tocava ao fundo a música Mother, do John Lennon. O funeral, o cortejo fúnebre... Era a primeira vez em séculos que eu havia visto a mídia dar tanto enfoque a morte de uma pessoa que não era rico ou famosa. E eu sabia o porquê:

Era por que aquele rapaz deixara uma vida toda pela frente, cheia de sonhos.

Era por que ele havia deixado uma mãe com um coração despedaçado.

E, acima de tudo, era por que, por mais que o tempo passasse, as feridas no coração daquela mãe nunca cicatrizariam totalmente.

Eu estava com medo, atordoada. Decidi reforçar a segurança da casa com o pouco dinheiro que eu tinha, fosse mudando os cadeados, aumentando a segurança das trancas, colocando cercas, grades por toda a extensão do jardim. Além disso, ligava de cinco em cinco minutos para Zeferino, para saber se estava tudo bem.

Eu saía de casa para deixar Rubem na escola atordoada. Fiquei muito mal quando Rosemary começou a estudar também.

Meus filhos começaram a crescer, eu mal podia perceber que minha superproteção estava os afetando psicologicamente. Eles mal podiam entender os meus motivos, eles mal podiam entender que os queria bem. Zeferino me abandonou quando não aguentou mais, quando jogou na minha cara que eu estava ficando maluca.

Eu não estava maluca. Só estava tentando proteger o meu bem mais precioso: minha família.

Quando o pai dos garotos foi embora, me senti sozinha. No entanto, eu ainda não estava impotente o suficiente. Consegui um emprego de costureira e, com a pensão que Zeferino depositava na minha conta todos os meses, aos poucos a vida começou a melhorar.

Eu estava, agora, tendo a mesma sensação de abandono que tive quando meu ex-marido me deixara. Rosemary, minha doce e amada Rosemary não estava mais aqui, presente. Eu não podia cuidar dela como cuidava antigamente. Rubem passava o dia fora e eu tinha poucos momentos com o meu bebê antes de sua rotina recomeçar.

Aquela casa nunca foi tão fria. Monstruosamente fria. Talvez a solidão batera na minha porta, acompanhada da idade.

👯♡ 👯♡ 👯

Rubem chegou em casa, batendo a porta. Eu estava na cozinha e ele me surpreendeu com um abraço. Ultimamente, nossos laços estavam mais apertados como nunca estivera.

— Tem notícias da Rosemary? — perguntei.

Rubem me fitou, os olhos esbanjando indiferença.

— Ah, ela tá bem, mamãe. — respondeu, pegando um pacote de bolachas recheadas na despensa. — Mas a senhora, hein, Dona Solange?

Parei de lavar as louças e enxuguei minhas mãos no avental.

— O que tem eu, Rubem? — indaguei.

— A senhora só quer saber da Rosemary. Ela tá bem, na casa do papai, riquíssimo. Mas a senhora não enxerga que eu estou cheio de problemas e preciso desabafar.

Rubem encostou a testa na mesa e começou a chorar. Não era como quando ele chorava quando ele queria algo só de birra. Era sério. Não parecia ser um problema digno de ser curado com cachaça ou historinhas de dormir.

— O que foi? Meu filho, calma! — puxei uma cadeira e sentei ao seu lado.

— Acho que eu fiz a maior besteira da minha vida e só agora me dei conta. — desabafou. Seus olhos estavam encharcados.

— Calma, quem sabe eu não possa te ajudar, meu amor?

— Não, mamãe. Isso envolve dinheiro, muito dinheiro. — ele me fitou nos olhos — Talvez eu seja preso.

Será que ele havia roubado? Deus me perdoe por pensar algo assim do meu filho. Deixei que ele continuasse a falar.

— Roubaram de mim um dinheiro que não era meu. Estava sob minha responsabilidade. — Ele me abraçou e eu deixei que meus ombros lhe servissem como um bom lugar para chorar. Ele desabafou, disse tudo sobre o rapaz que lhe parecia boa pinta e que estava com problemas. Ele só queria lhe ajudar.

— Nós vamos dar um jeito. — acalmei-o — Eu sei que você só quis fazer o bem.

— Eu vou acabar me ferrando caso descubram, mãe.

Então eu entendi que, depois que os filhos crescem, ser mãe tem outro significado. Significa ser um ombro para chorar, ou significa perdoar, apoiar.

Tudo daria certo.

— Mãe, posso te contar uma coisa?

— O que você quiser, meu filho.

— A Rosemary... ela perdeu o BV. — contou Rubem.


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Notas finais do capítulo

(Pessoal, a história tá legal? Percebi que muita gente sumiu, eu sinto falta de contato humano, não me abandonem e comentem pq eu amo vocês. Bj)