Os Jogos De Annie Cresta escrita por Annie Azeite


Capítulo 8
VII — De Um a Doze


Notas iniciais do capítulo

“Ela foi me cercando aos poucos.” – A Esperança, capítulo 12, página 191.



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Volto ao meu andar no centro de treinamento, caminhando devagar para evitar possíveis escorregões. A água em meus sapatos faz um barulho engraçado toda vez que os encosto no piso, mas insisto em manter a seriedade. Finnick e os demais me aguardam no hall de entrada.

— Oh! O que você fez? — pergunta Ocella surpresa. Não sei dizer se ela está mais preocupada com o meu desempenho na avaliação ou com o estado da roupa que confeccionou.

— Vocês me instruíram a fazer o que eu sei de melhor. — Dirijo-me a Finnick agora. — Eu sou uma boa nadadora, então foi isso que eu fiz.

Ele sorri.

— Qual a lógica de... — Noah começa a falar, porém acaba desistindo de entender ou argumentar. Nadar não a ajudaria a sobreviver ou a matar alguém nos jogos, é o que deve pensar. Entretanto, eu não queria provar nada ou exibir algum talento quando mergulhei na piscina. Eu só me deixei levar pelo instinto.

— Venha aqui, peixinho! — Finnick me estende uma toalha. — Você precisa tomar um banho quente.

Enrolo-me no tecido de algodão e caminho até o quarto, deixando um rastro molhado por onde piso. Ainda posso ouvir as palavras de indignação de minha estilista do corredor.

— Sei que deve estar decepcionado, mas eu não fiz as coisas sem pensar — tento explicar atrapalhada. — Realizei os nós que você falou e os idealizadores...

— Annie — ele me interrompe suavemente —, não se preocupe com isso. Habilidades de combate não são o mais importante e mesmo que não tire uma nota alta na avaliação, ainda terá mais patrocinadores do que vai precisar. Isso eu posso garantir.

— Como você pretende fazer isso?

— Apenas confie em mim...

Eu agradeço e encosto nossos lábios de leve. Ele me puxa para mais perto, não parecendo se importar com toque gelado de minha roupa úmida.

— Você está tremendo — ele observa —, precisa se trocar logo.

Meu mentor deixa o quarto e eu tomo um banho rápido. Visto roupas confortáveis para me reunir ao resto das pessoas na sala de estar e assistir às notas das avaliações que serão exibidas após o jantar. Todos estão ansiosos, portanto, a mesa se torna vazia em minutos e nos esprememos no sofá de couro em frente à TV.

Os rostos dos participantes aparecem ao lado de números de um a doze, representando o desempenho em suas avaliações individuais. Começa com o primeiro distrito — sempre o tributo masculino depois o feminino —, seguindo ordem crescente. Todos os carreiristas dos dois primeiros distritos recebem pontuações altas. O garoto musculoso do dois detém a maior delas — um dez provavelmente merecido —, seu nome Taurus me é vagamente familiar...

— Ele é filho de algum vitorioso, não é? — pergunto, revirando a informação perdida em minha memória.

— Sim — responde Finnick imediatamente. — Seu mentor é o próprio pai.

Os participantes e notas continuam a ser anunciados e a média dos próximos tributos declina consideravelmente. A mais baixa — um dois — pertence a um jovem garotinho do distrito Nove, seguida por um quatro da garota do Três. Fico muito satisfeita quando anunciam o meu sete. Eu poderia me contentar, facilmente, com um quatro ou cinco. Sete é realmente uma nota muito alta para mim e, apesar de a minha ser a menor pontuação dentre os carreiristas, consegue ser mais alta do que a da maioria dos outros tributos. A nota de Noah, inclusive, é apenas um ponto maior do que a minha.

— Muito bem! — exclama Ocella. — Estou orgulhosa!

Recebo alguns afagos no ombro e parabenizações da minha equipe após a divulgação.

— Acredito que vocês não terão problemas para fazer parte do bando de carreiristas este ano — alega Mags satisfeita. — Posso conversar com os mentores do um e do dois amanhã.

— Não! — Finnick protesta. — Eles são carniceiros indignos de confiança. Não suporto a ideia de ter Annie entre eles.

Eu e Noah não nos intrometemos. Mags pousa a mão no ombro de Finnick que se encontra visivelmente alterado: com os dentes serrados e o semblante enraivecido. Em seus jogos, ele não quis ou precisou se juntar a ninguém para sobreviver. Suas únicas aliadas eram as redes que tecia para capturar os oponentes e, posteriormente, o tridente que recebeu como dádiva. Eu, por outro lado, não poderia me dar o luxo de sobreviver sozinha, ainda que a ideia me agrade. Qualquer um com um pouco de bom senso prefere não conviver com Taurus e companhia.

— Finnick, meu querido — Mags continua —, você sabe que as chances de Annie e Noah serão maiores com a aliança. Não podemos ser levados pela emoção. Você pode decidir por Annie, porém, se Noah optar pela aliança, terá o meu apoio.

— Você não pode me proteger na arena — intervenho, envolvendo o braço do contrariado Finnick. — Você sabe disso... Eu não desejo me aliar a nenhum deles, mas como posso sobreviver sozinha?

Ele relaxa os ombros e gira a cabeça em minha direção, as sobrancelhas franzidas pelo arrependimento.

— Tudo bem, me desculpe. Acredito que a decisão caiba a você e eu desejo, mais do que ninguém, a sua sobrevivência.

— Tenho certeza que sim, Finn.

Ele se desvencilha do meu aperto e se dirige, abatido, para o quarto. Imediatamente, eu o sigo.

— Está tudo bem? — pergunto no caminho.

— Não é sua culpa, Annie. Eu queria poder me controlar melhor...

Ele está estranho, no entanto, sei que esse comportamento tem a ver com a sua passagem pela arena, a recordação mais terrível que ele possui na vida e que, agora, eu compartilharei. Ele não pode me salvar de lá e sua impotência o aflige.

— Não se preocupe comigo, eu não estou com medo — minto a fim de confortá-lo.

— O medo não é o pior dos problemas... — Ele suspira antes de prosseguir: — É o remorso que me rouba as noites de sono.

Finnick se senta na beirada da cama e desliza os dedos no próprio cabelo, me dando a impressão de que arranca alguns fios sem querer. Em seguida, inspira profundamente e continua o discurso:

— Eu fiz coisas horríveis, Annie. Todas as vidas que eu tirei... — Algumas lágrimas tímidas escorrem em seu rosto. — É preciso se corromper para vencer os jogos e você é boa demais, eu não posso sequer imaginar...

Ele se perde nos próprios pensamentos. Linhas vermelhas e tortuosas ocupam quase todo o branco dos olhos e eu enxugo suas lágrimas com o dorso da mão. Penso em tranquilizá-lo, prometer meu retorno, porém sou incapaz. Mais do que ele, eu sei que as minhas chances são reduzidas demais para qualquer promessa.

— Quando a morte é iminente, todos os nossos arrependimentos parecem maiores — ele continua —, desejar vê-la uma última vez foi o que me deu forças para resistir em meio a aquele caos. Imaginava-a chorar após minha morte sem que eu nunca tivesse a chance de dizer o que eu sentia, dizer que eu a amava.

— Oh! — eu o fito confusa. — E por que você nunca me contou?

— Ah! Como poderia ter certeza ? Eu tinha quatorze anos, era jovem demais para conhecer o amor e, quando alcancei um pouco de maturidade, já não era dono dos meus sentimentos. Escravo de todos os desejos que não fossem os meus, eu não poderia me apaixonar nem fazê-la feliz. Repelia qualquer sentimento que eu pudesse nutrir, ignorava completamente a existência deles, até que eu não pude mais me enganar. Você me cercou aos poucos, Annie, me privou da opção de não amá-la.

Um momento de silêncio se segue e — quase de forma involuntária — nossos lábios se encontram.

Não tenha medo de amar, pescador — sussurro o verso do poema que ele recitava como uma canção de ninar, sentindo-me idiota por ter demorado esse tempo todo para compreender. — Eu não tenho mais medo...

Espremo-me entre seus joelhos para envolvê-lo pela cintura. Por eu ser leve, meu companheiro consegue facilmente contornar meu corpo e apoiá-lo na cama, repousando minhas costas sobre o colchão.

— E está errado... — acrescento, prensada sob seu abdome. — Nós dois nos cercamos, não me culpe por isso.

Finnick abre um sorriso autêntico e encantador... Ainda curvado sobre mim e, com o rosto tão próximo que nossos narizes se tocam, ele franze o cenho e alega pensativo:

— Você tem uma pinta bem aqui. — Encosta o indicador no canto superior do meu lábio.

— Sério? — Não contenho um riso tímido. — É isso o que tem a dizer?

Por termos sido amigos desde sempre, é estranho agirmos como... O que somos, afinal? Namorados? Companheiros? Não chegamos a definir. Ele me beija novamente e ampara a palma sob minha nuca, pressionando mais forte seus lábios contra os meus. Desliza a mão para as minhas costas e comprime a pele por baixo da camisa, mas de súbito suas feições se enrijecem e ele se afasta abruptamente. Parece ter medo de me tocar, como se fosse algo errado. Por que ele hesita dessa forma?

— O que houve? — Elevo seu queixo com o dorso da mão.

— Desculpe, Annie. Eu não quis... Oh! Eu não tive a intenção... — As palavras se embaraçam em sua boca. — Você é pura e...

— Finn? — Interrompo-o gentilmente e o espero se acalmar. — Posso pedir uma coisa?

Ele me fita curioso.

— É claro que pode, Peixinho.

Desvio meus olhos dos seus por um momento. Talvez seja uma ideia idiota, mas a arena não é um lugar para arrependimentos ou histórias incompletas. Por que esperar por um amanhã que pode não acontecer? Não me permito confiar na existência de um futuro quando as chances de eu sobreviver aos jogos são tão reduzidas. Não conseguiria partir tranquila, não quando dezenas — ou talvez centenas — de mulheres conheceram mais do meu Finnick do que eu jamais tive a oportunidade. Parece uma preocupação fútil, mimada, mas completamente justificável. Quem negaria o pedido de um moribundo?

— Finnick Odair — recito cordialmente, limpando a garganta antes de prosseguir —, desejo sua companhia esta noite.

Sinto minhas bochechas corarem. Finnick me avalia confuso, mesclando no rosto algo entre anseio e hesitação. Eu não reconheço, ao certo, se ele desentende meu pedido ou se o ignora.

— Desejo sua companhia — repito embaraçada. — Como recebem as damas da Capital.

Ele compreende o que eu digo e se diverte com o meu constrangimento, abrindo um sorriso tão familiar que eu me sinto à vontade novamente. Aquele é o Finnick que eu conheço, o Finnick que eu amo e admiro. O meu Finnick.

— Jamais se compare a outra, Annie Cresta. Você é e sempre será o meu único amor — diz suavemente. Então, não hesita mais e se inclina para mim...

“Não tenha medo do mar, pescador, não tenha medo”

Seus dedos gentis percorrem minha pele e, entrelaçados no colchão macio, nos perdemos em beijos e carícias.

“O mar o assusta porque é belo, o mar o assusta porque é incerto”

Nossos corpos com o mesmo tom dourado de sol são uma extensão mútua um do outro, sem distinção ou limite. Finnick me pertence e eu a ele.

“Não tenha medo de amar, pescador, não tenha medo”

Somos apenas um.


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Notas finais do capítulo

Taurus possui origem greco-romana. Derivado do animal "touro", referencia sua força.

"Quando recebeu um paraquedas prateado contendo um tridente — que talvez seja a dádiva mais cara que já vi na arena —, tudo acabou. (...) Em alguns dias a coroa era dele " Katniss sobre Finnick Odair, em "Em chamas". Pagina 223

Espero que tenham compreendido a hesitação de Finnick. Ele já teve mais mulheres do que pode se lembrar, mas aquela não é uma dama qualquer da Capital, é Annie, o seu único amor. Então, é claro que ele hesita em ter qualquer coisa a mais com ela, ainda mais porque não sabe se está cruzando algum limite. Finnick não está acostumado com limites.

Sobre a nota da Annie, foi razoavelmente alta porque ela consegue tecer malhas de complexidade elevada (tarrafa), montar armadilhas e ainda demonstrou um pouco de agilidade nos percursos que realizou. O fato de ter mergulhado na piscina foi uma impulsividade da personagem que acabou nao tendo muita influencia na sua nota. E ela sabia que não influenciaria. "Por que não?" Annie só queria mergulhar uma última vez, antes da morte iminente. Justo.
— Azeite.



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