Improváveis Vestígios escrita por Jaque de Marco


Capítulo 1
Capítulo 1 - O maior sofrimento de todos




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Um jorro de luz verde relou em sua orelha esquerda, por pouco não estava morta. Apertou o passo e abraçou o bebê mais fortemente. A escuridão era tão intensa que por vezes seus olhos lhe pregavam peças, com vultos dançando em seu caminho. Alguns gritos eram emitidos às suas costas. Não queria olhar para trás, sabia que cairia, a matariam e, então, estaria tudo acabado.

Tentava com todas as forças afastar a lembrança do que acontecera há alguns minutos... Ela lhe tirava a força de viver. Ele estava lá, caído, morto. Os cabelos vermelhos misturados à poça de sangue no chão.

A Ordem estava dizimada. Tudo por que lutara, tudo o que achava certo... Todo o sangue e tempo perdido. “Corre, Hermione, corre!”. Aquela frase pulsava em sua mente. Jamais deixaria Rony lutando contra dois Comensais sozinho, mas sabia que precisava salvar Rose. Rony protegeu sua fuga... Protegeu com sua própria vida. Ela viu, do topo da escada, Rony caído, ensangüentado. Hermione procurava não fechar os olhos enquanto fugia, mas as lágrimas escorriam por vontade própria.

O mal estava vencendo o bem. Estaria tudo acabado? O bebê em seus braços se retorceu. Não! Precisava correr. Precisava se concentrar.

Um galho de árvore caído a sua frente. Ela tropeçou, mas logo levantou novamente. Estavam no seu encalço, não podia perder tempo. Mais uma vez o jato de luz verde queimou parte de seu cabelo. Tentou correr mais rápido para sair da mira daqueles Comensais.

Hermione saíra do esconderijo da Resistência há alguns minutos e jamais recordaria como foi parar naquele bosque. Árvores muito altas se enlaçavam como labirintos desconexos a sua frente. Pássaros noturnos sobrevoavam sua cabeça.

De repente, percebeu que não ouvia mais os passos e os gritos atrás de si. Cobriu desajeitadamente a cabeça de sua filha recém nascida. Parecia um anjinho... Nem fazia idéia do que estava acontecendo. Hermione diminuiu os passos e voltou a segurar a varinha com mais firmeza. Precisava encontrar um jeito de sair dali, precisava de ajuda.

Pisava devagar no chão, um simples galho sendo quebrado poderia entregar a sua posição. Sentiu um vento gelado nos rasgos de sua capa. Uma fina chuva começou a cair naquele exato momento. Estava difícil de respirar, então percebeu que estava exausta. Encostou-se a uma árvore segundos antes de lembrar que precisava continuar fugindo. Os dois Comensais não teriam desistido ou se quer ficado para trás.

Caminhou mais dois passos, então sentiu ser puxada bruscamente pelo braço. Por instinto, tentou se desvencilhar se contorcendo. Podia sentir o bafo quente do Comensal às suas costas.

- Estupefaça! – Hermione conseguiu proferir antes que o Comensal pudesse lhe lançar qualquer feitiço.

Saiu correndo deixando o Comensal caído. A escuridão parecia ainda mais intensa, o suor escorria sobre seus olhos... Agora sim não enxergava nada. Sentiu um calor quase fervente quando um jorro de luz vermelha passou rente a sua cintura. Neste momento, Hermione se desequilibrou e só teve tempo de proteger sua filha com os braços, caindo com um baque forte no chão.

- Expelliarmus!

Hermione nada podia fazer, estava desarmada. Sentia uma dor dilacerante, provavelmente estava com algumas costelas quebradas. Mover-se era doloroso demais, mas ainda assim tentou virar o corpo em uma última tentativa de proteger Rose.

O Comensal, o que ainda estava mascarado, a virou de frente para ele, provocando uma nova onda de dor.

- Sua maldita sangue-ruim! – Hermione ainda tentou relutar, mas o Comensal conseguiu tirar Rose dos seus braços, empurrando-a para o lado como uma trouxa de pano qualquer e provocando uma crise de choro muito alto do bebê.

- Minha filha. Por favor, minha filha!

- Cale a boca! – Hermione recebeu um tapa estalado no rosto. Sentiu a pele arder, misturando com a temperatura quente de seu corpo cansado – Cale a boca! Você, um verme, só pode ter dado a luz a outro vermezinho.

O Comensal parecia ter percebido que Hermione estava com as costelas quebradas, pois apertava propositalmente naquela região. Rose não parava de chorar. Hermione tentava, em vão, alcançá-la.

- Você acha que pode ir contra o Lorde das Trevas e sair impune? – o Comensal agora brincava com a varinha no rosto de Hermione – Você, sua sangue-ruim maldita, vai pagar por tudo. Vai pagar como todos os seus amiguinhos pagaram. CRUCIO!

E foi então que Hermione parou de ouvir o choro de Rose; o único som que entrava por seus tímpanos era o da sua própria voz. Seus gritos traduziam a dor que estava sentindo. Era como se todos os seus ossos estivessem sendo quebrados, como se todos os seus músculos estivessem sendo cortados. Sentia, aos poucos, sua sanidade deixar sua mente. A dor era insuportável e só aumentava com os gritos loucos do Comensal.

Após alguns minutos, que mais pareceram horas, a dor foi passando e então Hermione voltou a ouvir os gritos desesperados de Rose e a risada maquiavélica do Comensal sobre ela.

Abrir os olhos era uma tarefa extremamente difícil. O ar lhe faltava aos pulmões, pois qualquer movimento exigia muito de suas costelas quebradas.

- Yaxley! Venha até aqui, eu peguei a sangue-ruim!

O Comensal caminhou para longe de Hermione, indo ao encontro do segundo bruxo das trevas. Ele sabia que ela não duraria muito, ela também sabia disso. Morrer seria o melhor caminho, se não fosse por sua filha. Rose ainda chorava e Hermione não conseguia sequer se mover para alcançá-la. Ia morrer ali e sua filha logo depois, abandonada naquele bosque, a mercê de qualquer criatura, mágica ou não.

- O que fizeram com você, menina?

Hermione demorou alguns segundos para entender que era uma senhora idosa, saída do nada, que estava agachada a sua frente. Ela falava em sussurros rápidos.

- Preciso te tirar daqui.

A senhora de cabelos muito grisalhos ainda tentou passar os braços de Hermione por seu ombro, mas só o simples movimento fez todo o corpo da bruxa explodir em dor. Não conseguiria manter-se de pé, estava morrendo.

- A minha filha.

- O quê? O que está falando? Não consigo ouvi-la, menina.

- A minha filha. – Hermione tentava falar o mais alto possível, mas por mais que forçasse, sua voz saía em um leve sussurro – Pega minha filha e foge. Salva... Salva meu bebê.

Hermione começou a ouvir os passos apressados dos Comensais retornando. Precisavam se apressar ou não haveria chance para Rose. A senhora pegou Rose com muito cuidado, mas ainda receosa... Rose chorava muito.

- Cuida dela. Cuida dela. Agora vá. Vá!

Por um último segundo Hermione conseguiu olhar seu bebezinho de ralos cabelos ruivos aparatando com a estranha para longe. Talvez para a segurança, mas com certeza para longe dos Comensais que se aproximavam. A sua dor só pareceu aumentar quando Rose sumiu. Algo tinha sido arrancado dela. Era uma dor forte demais, quase física.

- Onde está a criança? – Yaxley e o outro Comensal voltaram a se aproximar de Hermione.

- Não entendo. Estava aqui agora mesmo... – o Comensal que ainda estava com a máscara parecia preocupado.

- O que você fez, sangue-ruim? – Yaxley levantou brutamente Hermione do chão – Onde escondeu a criança?

- Os... Os lobisomens comeram. Vocês che-chegaram tarde demais – Hermione, apesar da dor que sentia, ainda conseguiu ser sarcástica. Não sabia de onde surgia seu deboche. Talvez da esperança de pensar que Rose estava bem melhor do que ela.

- Idiota! Sua sangue-ruim idiota! – Yaxley deu um soco no rosto de Hermione que a fez cair. Aos poucos a dor que a estava enlouquecendo voltou. Sentia os dois Comensais chutando seu estômago enquanto ela se contorcia no chão. Hermione fechou os olhos. Ia morrer. Então, tudo se apagou.


Primeiro um breu, aos poucos um ponto de luz e, então, o forte clarão. Suas pálpebras estavam pesadas demais, mal conseguia manter os olhos abertos, muito menos enxergar através da claridade. Tentou se mover, mas sentiu um incômodo na área das costelas que a fez gemer. Alguém que estava à sua esquerda, parecendo perceber o lamento de Hermione se aproximou. Conforme a pessoa se aproximava, sua visão ia voltanto ao normal, recobrando quase total exatidão.

- Mione, estava tão preocupado! – Rony passou levemente as mãos na lateral de seu rosto.

- Achei... Achei que tinha morrido. Eu o vi caído, sangrando.

- Aquele maldito Mulciber lançou sectusempra em mim. Quase morri, Hermione. Se não fosse papai e os meninos, eu teria morrido naquele porão.

- Onde estou?

- Em um local seguro, não se preocupe. Gui, Jorge e Kingsley foram atrás de você assim que saiu do esconderijo da Ordem fugindo daqueles Comensais e conseguiram te salvar dos braços deles. Eles mataram Yaxley, mas o outro fugiu.

As imagens passeavam por sua mente vagarosamente, não conseguia se recordar de tudo. Pequenas lembranças simplesmente voltavam a sua memória. Lembrou-se de uma senhora de cabelos brancos. O que ela queria mesmo? Parecia ser uma boa pessoa... Hermione pediu um favor a ela. E então se lembrou de Rose. Onde estaria seu bebê?

- Rony, e Rose? – na agitação, Hermione fez um movimento que fez novamente seu abdômen doer.

Ele sentou-se lentamente na beira da cama onde ela estava deitava e encarou o chão.

- Gui falou que não encontrou Rose. O outro Comensal deve tê-la levado. Temo que... Que a nossa bebezinha esteja... – e então virou o rosto para onde Hermione não pudesse ver.

- Não, não. Eu a entreguei a uma mulher antes. – apesar da dor, Hermione sentou-se com dificuldade na cama – Achei que seria a única chance de salvar a nossa filha!

- O que está falando, Hermione?

- Que Rose não está com os Comensais. Uma senhora que assistia à minha captura naquele bosque queria me ajudar e eu pedi para que salvasse Rose. No momento, era o melhor a ser feito. Não pensei que...

- Espera, Mione, uma mulher aparece do nada e você entrega a nossa filha recém nascida a ela? – Rony estava ligeiramente alterado.

- Mas eu não sabia...

- Quem era essa mulher?

- Eu não sei, não sei. Ela apareceu do nada.

- Pelos céus, Hermione! Como pôde?

- O que queria que fizesse? Que assistisse àqueles Comensais torturando e depois matando minha filha diante dos meus olhos? Porque era isso que eles iam fazer!

Rony levantou-se e começou a caminhar pelo minúsculo quarto com as mãos sobre a cabeça. Hermione sentia o desespero tomar conta rapidamente de sua mente. Só neste momento percebia que talvez nunca mais voltasse a ver sua filha.

- E se ela estiver morta agora?

- Não fale isso, Rony! Precisamos procurá-la.

- Mas onde? Não sabemos para quem você entregou a Rose. Nem ao menos sabemos se ela é uma boa bruxa ou se segue as Artes das Trevas!

- Ela me pareceu ser boa pessoa – Hermione falava como se tentasse convencer a si mesma, mas as palavras de Rony faziam sentido, apesar de tudo. E se Rose agora estivesse correndo perigo? Jamais se perdoaria se algo acontecesse com o bebê por uma decisão errada sua.

- Estamos em tempos de guerra, ela deve estar morta – Rony estava entrando em desespero. Começou a chorar, falando palavras desconexas em meio a soluços - Por que ela? Eu devia ter te protegido, Mione. Devia ter protegido Rose.

Hermione levantou-se da cama com esforço e abraçou fortemente Rony, suas lágrimas molhando o casaco do bruxo. Não sabia o que dizer ao marido. Sentia uma dor como se estivessem partindo ao meio o seu coração, tão forte que a fazia esquecer da dor nas costelas. A voz não saía. Só apertou bem forte o abraço e chorou juntamente com Rony durante muito tempo. Precisavam procurar pistas, levantar o que conseguissem sobre aquela senhora, manter a fé... Mas tudo ficaria para daqui a pouco. Agora eles estavam sofrendo a maior dor da face da Terra.


Helen Atkinson aparatou numa ruazinha estreita. Estava tudo muito escuro. Costumava sair a essa hora escondida, já que durante o dia não tinha permissão, mas hoje o cuidado a cada esquina estava redobrado. Afinal, Helen não estava só. Uma criança. O que faria com a criança? Se entregasse para Aquele-que-não-deve-ser-nomeado, atual poder sobre o mundo mágico, seria morta.

Há alguns anos ela se perguntaria por que alguém tentaria matar um recém nascido, mas hoje ela sabia que não era preciso motivos para isso. No início da guerra somente os bruxos que não possuíam sangue puro realmente corriam perigo, o que não podia ser afirmado na atual situação da Inglaterra.

Atkinson era o que se podia chamar de “sangue puro”, vinha de uma família tradicional bruxa. Seu filho único, Sacha, se envolveu com Artes das Trevas desde o início da guerra, mas após descobrir uma traição, Aquele-que-não-deve-ser-nomeado o matou brutalmente e tomou conta de todos os seus bens, mas não sem antes assinar um contrato mágico que impossibilitava o desvinculo. Helen estava entre os “bens” de Sacha. Hoje ela era uma propriedade, assim como muitas outras mulheres na mesma situação. A única família que restou a Helen era sua irmã Keira, refugiada de Guerra, a quem tinha acabado de encontrar em um bosque em Wiltshire, no sudoeste da Inglaterra. Para isso Helen saíra escondido de sua prisão refinada: ajudar sua irmã a fugir. Agora, estava só de novo.

Então, Helen lembrou que não estava realmente sozinha. O bebê dormia agora tranqüilamente em seus braços, nem parecia ter sofrido tanto há pouco. Nem parecia estar órfão. Atkinson passou as mãos no ralo cabelo ruivo que a criança tinha e por um breve momento sentiu saudade de Sacha.

Não podia ficar com a criança, não era mais jovem. Mas também sabia que não tinha com quem deixá-la. Não havia outra saída, a não ser cuidar do bebê.

Helen cobriu novamente a cabeça de Rose com o manto e caminhou mais rapidamente em direção a um portão de ferro trabalhado. Do lado de fora, dava para ver o caminho coberto de seixos, o longo jardim, uma fonte imponente e pavões alvíssimos vagando pelo gramado.

Mansão Malfoy. Esta era a sua luxuosa prisão e a partir de agora seria também a da criança. Que os céus tivessem piedade de suas almas.


Cenas do próximo capítulo:

"Assim que Astoria saiu, as crianças correram também pela porta entreaberta para ver o que estava acontecendo. Três bruxos mascarados carregavam um corpo visivelmente machucado. Não conseguiram ver o seu rosto, mas um caminho de sangue ficou marcado no chão depois que os bruxos passaram."

"No centro, havia um círculo com um grande número de pessoas. Hermione aproximou-se devagar. Tentou com cuidado entrar no centro do círculo, desviando-se de diversos bruxos que olhavam atônitos a cena que se passava. A primeira coisa que Hermione conseguiu enxergar quando chegou onde tudo estava acontecendo foram os vastos cabelos ruivos, caídos no chão."


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