Acordei com uma dor de cabeça terrível. Me sentei na cama e olhei em volta vendo que não estava no meu quarto. Aos poucos minha memória foi clareando e eu me lembrei da noite passada. Suspirei e coloquei as minhas pernas para fora da cama jogando as cobertas de lado. Me levantei e ao tocar o chão frio com os meus pés quentes me arrepiei. Andei ainda sonolenta em direção a porta do quarto a qual abri e andei lentamente até a cozinha onde encontrei o Justin sentado na mesa tomando o café da manhã sozinho.

– Justin... – Resmunguei esfregando a minha testa.

– Bom dia, pequena. – Falou sorrindo. Me sentei ao seu lado e peguei uma xícara de café quente.

– São que horas? – Perguntei levando a xícara a minha boca tomando um gole.

– Dez e alguma coisa. – Respondeu não muito interessado.

– Ai meu deus! A gente tinha escola hoje. – Resmunguei colocando a xícara em cima da mesa.

– Relaxa... Quase ninguém vai hoje mesmo. – Disse se levantando e colocando o seu prato e copo na pia.

Terminei de tomar o café e voltei para o quarto me jogando na cama. Ouvi o barulho do chuveiro sendo ligado, provavelmente o Justin estava tomando banho. Suspirei e me deitei com a barriga virada para cima. Fiquei encarando o teto por um bom tempo até ouvir o barulho da porta do banheiro sendo aberta e o Justin sair de lá apenas com uma toalha enrolada na cintura. Mordi o lábio inferior e desviei o meu olhar voltando a encarar o teto. Ouvi a sua risada e revirei os olhos. Ele entrou no closet e depois saiu já vestido.

– Acho que já vou indo. – Murmurei me levantando.

– Você não vai sair por aí assim né? – Perguntou rindo fraco se referindo ao pijama que eu usava.

– Ah... São só algumas portas de distância e... – Bufei. – Ta... Me empresta um casaco?

– Pega algum ai dentro. – Falou se olhando no espelho começando a arrumar o seu cabelo.

Entrei no seu closet e a primeira coisa que chamou atenção foi a quantidade de bonés e tênis que aquele garoto tinha. Peguei um boné azul que eu gostei e coloquei na minha cabeça me olhando no espelho.

– Ficou legal. – Ouvi o Justin dizer.

– Eu sei... – Falei virando o boné de lado e fazendo uma pose engraçada, fazendo ele rir.

– Obrigada. – Agradeci vestindo o casaco.

– Vamos logo. – Falou saindo do closet.

– Ta me expulsando é? – Perguntei pegando as minhas coisas.

– Não... Só que nós temos um dia cheio hoje. – Disse saindo do quarto

– Nós? Ãm? – Perguntei confusa o seguindo.

– É... Nós, Melly. Eu e você igual a nós, entendeu agora? – Falou irônico abrindo a porta do apartamento me fazendo revirar os olhos.

Sai andando rápido na frente torcendo para ninguém me ver. Desci de escada mesmo indo para o meu andar. Peguei a chave dentro da minha bolsa e destranquei o apartamento entrando e o deixando aberto para que o Justin entrasse depois, o que não demorou muito.

Fui para o meu quarto e coloquei a roupa que usei ontem a noite no cesto de roupa suja. Tirei o meu celular e o dinheiro da bolsa colocando em cima da escrivaninha. Fui para o banheiro fiz minha higiene matinal e vesti um short, uma blusa e o meu all star, já que hoje estava calor. Coloquei o boné azul do Justin, peguei o meu celular o colocando no bolso do meu short e sai do quarto encontrando o Justin vendo televisão com os pés em cima do meu sofá.

– Você não está na sua casa não. – Falei o fazendo revirar os olhos.

– Vamos? – Perguntou se levantando e tirando o boné da minha cabeça colocando na dele.

– Aaah, Justin! Me devolve o boné. – Resmunguei tentando pegar de volta.

– É meu. – Falou como se fosse obvio, o que de fato era.

– Arg, seu chato! Por favor. – Pedi com uma voz fofa.

– Você me chama de chato e ainda quer o meu boné? – Disse balançando a cabeça negativamente me fazendo bufar.

– Ta que seja! – Falei irritada.

– Você fica fofa irritada. – Disse apertando as minhas bochechas.

– Justin! Para com isso. – Reclamei batendo na mão dele.

– Menina como tu é chata. Meu Deus. – Falou colocando o boné novamente na minha cabeça.

– Afinal, nós vamos aonde? – Perguntei mudando de assunto enquanto ele abria a porta do apartamento e saia.

– Hoje eu vou passar o dia com a Jazmyn e o Jaxon. – Falou sorrindo. – E você vai comigo.

– Quem disse que eu vou? – Questionei trancando a porta e ajeitando o boné na minha cabeça

– Eu. – Disse simplesmente.

– Eu só vou porque a Jazmyn é uma fofa. – Falei o fazendo rir.

[...]

– Toma Mellanie. – Falou o Justin me entregando um comprimido enquanto esperávamos os irmãos dele descerem.

– Pra que é isso? – Perguntei.

– Dor de cabeça. – Disse me dando um copo com água.

– Ata, obrigado. – Agradeci tomando o comprimido.

– Vamos? – Ouvi a fofa da Jazzy perguntar.

– Claro. – Falou o Justin colocando o meu copo na pia.

Levantei da bancada a cozinha e dei a mão a Jazmyn, já que o Justin segurava o Jaxon no colo. Nos despedimos dos seus avós e saímos da casa indo a pé mesmo até a pracinha que tinha ali perto.

– Justin, nós podemos brincar ali? – Pediu a Jazzy soltando a minha mão.

– Claro. – Falou colocando o Jaxon no chão. Rapidamente os dois correram para perto das outras crianças que brincavam nos brinquedos.

Olhei na direção deles e ri fraco após ver a Jazmyn tentando empurrar o Jaxon no balanço. Me aproximei a ajudando a empurrá-lo e logo depois o Justin também se juntou a nós e colocou a Jazzy no outro balanço a empurrando.

– Ei, Justin! Eu quero sorvete. – Pediu a Jazmyn com uma voz fofa nos fazendo parar de empurrá-los.

– Tudo bem. – Falou parando o balanço

– Quer sorvete de que? – Perguntou ele a ajudando a sair do balanço.

Peguei o Jaxon no colo e sai andando atrás do Justin que conversava animadamente com a Jazmyn que de vez em quando ria. Me sentei em um banco perto da barraquinha de sorvete e coloquei o Jaxon sentado no meu colo começando a brincar com as suas mãozinhas fofas e gordinhas. Fiquei brincando com o Jaxon enquanto a Jazmyn corria que nem louca pelo parque obrigando o Justin a correr atrás.

Ri diante da cena. Mesmo com todos esses problemas eles são uma família tão feliz. Eu me sinto meio deslocada no meio deles. Eu sinto que esse não é o meu lugar. Eu não pertenço a aquele mundo de pessoas felizes que sorriem para tudo e para todos. Eu realmente não faço parte nem um pouquinho da vida delas. Sei que desde que eu cheguei aqui conheci muita gente nova e fiz novos amigos que às vezes me fazem esquecer de quem eu realmente sou. Pena que é só por algum tempo, porque logo depois quando fico sozinha eu me lembro de tudo e percebo o quanto estou me iludindo novamente pensando que um dia poderei ser feliz, quando no fundo até eu mesma sei que isso não é verdade. Não tem como eu ser feliz. Eu já desisti faz tempo. Felicidade é coisa para pessoas que não carregam lembranças como as minhas na memória que apenas esperam o momento certo para assombrá-la e acabar com cada gota de sua felicidade. A minha vida é feita disso. Fantasmas do passado que me assombram e me impedem de ser feliz. E é por isso que eu me afasto de todos e finjo ser alguém que não sou. Para poupar todas essas pessoas de passarem a fazer parte do meu mundo. Um mundo carregado de tristeza, dor, tragédia, sofrimento e ilusão. Aquele mundo do qual ninguém quer fazer parte, mas que se eles se aproximarem de mim serão arrastados para o buraco junto de mim, que já fui arrastada várias e várias vezes e já me reergui diversas. Mas eu sei que vai ter uma hora que eu irei cansar de fingir um sorriso e dar a impressão de que tudo está bem e serei arrastada de vez para esse buraco e nunca mais me levantarei. E espero que nesse dia ninguém esteja perto, pois assim tenho certeza de que será mais fácil. Para mim e para eles.

– Ei, Melly, dormiu ai foi? – Ouvi o Justin perguntar me tirando do meu transe.

Percebi que Jaxon já não estava mais no meu colo e que estava correndo com a Jazmyn e outras crianças ali perto. Sorri amarelo e voltei a olhar para as crianças correndo e se divertindo.

– Eu estava apenas... Pensando... – Murmurei vendo pelo canto do olho ele se sentar ao meu lado. Coloquei o meu cotovelo no meu joelho e apoiei a minha cabeça na minha mão.

– Hum... Pensando em que? – Perguntou curioso.

– Ah... Na minha infeliz vida... – Respondi ainda sem o olhar.

– Você não é tão infeliz assim. – Comentou me fazendo olhá-lo. – Você tem a Caitlin, o Ry, o Chaz, o Chris, a Jazmyn, o Jaxon e... a mim...

– Vocês são as únicas pessoas na minha vida que me trazem um pouco de felicidade e me fazem esquecer por alguns minutos quem eu realmente sou, e eu realmente sou muito agradecida por isso. Vocês são pessoas maravilhosas que não merecem alguém como eu nas suas vidas, mas isso não importa, porque depois eu vou chegar em casa e estarei novamente sozinha sem ninguém. – Falei tudo de uma vez. – A única coisa que eu queria nesse mundo era a minha família de volta. Sem eles eu sinto um vazio no peito que só é possível ser preenchido com a presença deles. Algo que é impossível...

– Eu sinto muito... – Falou ele depois de alguns minutos em silêncio.

– Não quero que sinta pena de mim. – Murmurei um pouco fria.

– Eu não sinto pena de você, apenas sinto muito por tudo que te aconteceu. – Disse ele segurando levemente o meu queixo me fazendo olhá-lo. – Mas isso tudo apenas te tornou mais forte do que você já era. E você deveria sentir orgulho de si mesma por ter aguentado tudo e ter chegado até aqui. - Não disse nada, apenas virei a cabeça voltando a olhar as crianças. – Mas agora não é momento para você ficar pensando nisso, Melly. Hoje eu quero que você esqueça tudo e finja que é uma menina comum. – Pediu me fazendo sorrir fraco. Bom, fingir é o que eu sei de melhor. – Agora vamos.

Ele se levantou e estendeu a mão para mim. Peguei em sua mão e me levantei o acompanhando até a Jazmyn que estava no alto do escorrega mais estava com medo de descer. Ri junto de Justin que soltou a minha mão se aproximando mais deles. Também me aproximei e fiquei em frente ao escorrega.

– Não, Justin, eu to com medo. – Falou com uma voz manhosa.

– Vai Jazmyn a Mellanie te pega lá me baixo. – Falou o Justin me fazendo sorrir a encorajando.

– Promete? – Perguntou fofamente.

– Prometo minha linda. – Falei sorrindo e me abaixando um pouco. – Não se preocupe, eu vou te pegar, ok? -Ela apenas assentiu e fechou os olhinhos pegando impulso e descendo rapidamente pelo escorregador. A peguei no colo antes que chegasse ao chão. – Viu, não foi tão ruim, ou foi?

– Não... – Falou balançando as perninhas pedindo para descer do meu colo. A coloquei no chão e ela logo subiu novamente a escadinha. – Eu quero ir de novo! – Exclamou nos fazendo rir.

– Ta, mas daqui a pouco nós vamos embora. – Falou o Justin fazendo ela fazer beiçinho.

– Por quê? – Ela perguntou.

– Porque nós ainda vamos ao McDonald’s e tenho que te deixar em casa. – Disse.

– É só a gente dormir na sua casa hoje... – Resmungou.

– Jazzy, hoje não pode. Amanhã tenho aula e já faltei hoje. – Falou a fazendo aumentar o bico. – No sábado ou na sexta eu levo vocês pra lá, que tal?

– Ótimo! – Comemorou sorrindo e finalmente descendo o escorrega.

[...]

Logo começou a escurecer e nós fomos embora. Passamos na casa dos avós do Justin, pegamos casacos para as crianças e fomos no carro do Justin para o McDonald’s.

– Vão querer o quê? – Perguntou o Justin assim que entramos.

– Eu vou com você! – Falou a Jazmyn soltando a minha mão ficando ao lado do Justin.

– E você Melly? – Perguntou me olhando.

– Um Big Tasty. – Respondi soltando a mão do Jaxon rapidamente e fazendo um coque frouxo no meu cabelo.

– Ok, escolhe ai uma mesa que eu vou com a Jazmyn fazer os pedidos. – Falou e foi para a fila junto da Jazzy.

Nos sentamos em uma mesa ao lado da enorme janela dando uma clara visão para a rua que estava iluminada apenas por alguns postes e os faróis de um ou outro carro que passava. Suspirei passando as minhas mãos nos meu braços sentindo um pouco de frio.

Depois de algum tempo o Justin e Jazmyn voltaram com os lanches. Eles se sentaram de frente para mim e para o Jaxon e logo pegaram os seus lanches começando a comer. Peguei uma batata frita e tomei um gole da coca-cola vendo o Jaxon se lambuzar todo de molho nos fazendo rir. Abri o meu hambúrguer e comecei a come-lo enquanto dava um ou outro gole na coca-cola. Logo o Justin acabou e ficou roubando as minhas batatinhas.

– As batatinhas são minhas! Você já comeu as suas. – Falei o fazendo me encarar.

– Deixa de ser malvada! É só uma. – Disse pegando outra batata.

– Uma, sei. – Murmurei revirando os olhos.

– Você é muito chata. – Falou tomando um gole da coca dele.

– Não sou nada! – Me defendi. – Eu sou chata, Jazzy?

– Não! – Respondeu rapidamente me fazendo sorrir falsamente em direção ao Justin.

– Ela não conta! Ela gosta de todo mundo. – Disse.

– Mentira! Eu não gostei daquela loira oxigenada que você levou uma vez lá em casa! – Se defendeu fazendo o Justin a encarar raivosamente.

Logo eles já estavam discutindo novamente, me fazendo rir e revirar os olhos às vezes.