Broken Thoughts escrita por Nancy Boy


Capítulo 1
Único.




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Ele estava sentado no meio da igreja lotada, os olhos fixos no homem lá na frente, mas as palavras que lhe chegavam aos ouvidos estavam, pela primeira vez, lhe soando diferentes.

Desde que se lembrava, Daniel ia a igreja. Com cinco anos, ia de mãos dadas com sua mãe e passava a maior parte do tempo brincando com sua camisa, já que não conseguia ver o padre. Com oito, esticava o pescoço, ouvindo atentamente. Com doze estava completamente imerso no discurso religioso, as mãos juntas formalmente sobre as pernas.

Mas agora, com dezenove anos já vividos, as coisas começaram a mudar. Agora algo novo estava em seu coração.

Fazia pouco mais de dois meses que ele aparecera. Cabelos longos, roupas largadas e algumas tatuagens, seu completo oposto. Conheceram-se no curso de idiomas em que Daniel ingressara, e sua amizade começou estranhamente. Certo dia ficaram ambos do lado de fora da sala, fazendo anotações extras, e Daniel tentou começar uma conversa cordial.

— Não deu para pegar tudo na aula, né?

O outro fez algo parecido com um resmungo, sem olhar para ele.

— Aliás, meu nome é Daniel.

Então o outro o olhou. Fitou-o de cima a baixo, o que o deixou um pouco desconfortável.

— Prazer, pequeno Flanders. Meu nome é Breno.

Daniel tentou ignorar a comparação com o personagem dos Simpsons, mas se sentiu magoado. Sabia que tinha uma aparência realmente sem-graça que deixava óbvia sua religiosidade.

Nos dias seguintes, Breno se animou com a possibilidade de provocar o “pequeno Flanders”, e diálogos curtos e grossos começaram a ocorrer frequentemente. Aos poucos, Daniel foi se acostumando com o apelido e passou a corresponder nas conversas, descobrindo assim que eles, na verdade, tinham algumas coisas em comum.

Música era um assunto que os uniu bastante, porque por mais que não agradasse a todos na família e na igreja, Daniel nunca conseguiu abandonar o rock, o que deixou Breno admirado. O jovem, de vinte anos, também se viu fascinado pela aceitação de Daniel com todo o conjunto de sua aparência e personalidade, alegando que nunca conhecera um frequentador de qualquer igreja que o aceitasse tão bem assim.

Em duas semanas, passaram a se encontrar fora do curso, e pouco depois, em suas próprias casas. Todo o tipo de conversa os deixava mais próximos. E tudo ia perfeitamente bem, até Breno fazer uma pergunta; uma simples pergunta.

— Dani, você já se apaixonou?

— Não, não de verdade. E você?

— Não sei... Estava dependendo da sua resposta.

— Por quê?

— Porque queria saber se o que estou sentindo é isso mesmo.

— E o que você está sentindo?

Breno o olhou nos olhos, intensamente, antes de voltar a falar.

— Sinto calor, ansiedade, medo... Desejo. Sinto meu coração acelerado, e algo estranho no estômago. Nunca fiquei assim antes, suando de nervoso, e falando sem parar.

Breno completou a última frase com uma pequena risada e Daniel entendeu tudo. Corou violentamente e se despediu, inventando um compromisso qualquer, deixando Breno sozinho e desapontado.

Mas Daniel não esqueceu aquele olhar por muito tempo. Tentou manter as coisas como estavam, mas seus sentimentos foram se remexendo cada vez mais.

No seu lugar no comprido banco, naquele local sagrado que ele tanto prezava, o padre listava os pensamentos de Daniel como impuros, e os atos que ele imaginava como pecados. A cada ida à igreja, ele se sentia terrivelmente sujo, mal e indigno, e saía decidido a se afastar da tentação; mas cada conversa com Breno fazia exatamente o contrário. Ele era o tipo de pessoa que quebrava qualquer senso de moralidade já existente, fazia toda regra parecer sem sentido. Ele fazia Daniel sorrir e simplesmente se esquecer do mundo.

E Daniel sentia a dor e confusão em seu peito crescerem insuportavelmente, até que Breno, por fim, calou suas dúvidas.

Estavam em sua casa e, depois que o assunto terminou e de momentos incômodos de silêncio, Breno tomou coragem e avançou para um beijo. Daniel conseguiu se afastar antes que o ato realmente ocorresse.

— Não, Breno. Não podemos.

Os olhos de Breno brilharam com lágrimas súbitas e violentas.

— Por favor, Dani. Deixe-me só... por favor.

— Breno...

— Só uma vez... Que droga, não quero passar a noite chorando de novo. Só uma vez, Dani, e eu prometo que assumo toda a culpa. Deus pode me jogar no inferno, você vai estar absolvido.

— Não é assim que funciona...

Mas Breno não era do tipo que se segura. Ele se jogou para frente e grudou seus lábios nos de Daniel, timidamente a princípio, mas logo suas mãos seguravam os cabelos do outro e sua boca se abria, tornando o beijo completo.

E foi aquele beijo que mudou tudo. Daniel sentiu, em meio ao barulho de seu coração palpitante e o hálito quente de Breno, uma certeza que nunca sentira antes: aquilo era certo. Não havia como ser errado. Era simplesmente... amor.

Agora, novamente no tão conhecido banco, Daniel se perguntava como algo tão lindo como o amor poderia ser tão abominável quanto o padre falava. Ele franzia o cenho enquanto escutava, pela primeira vez pensando que nem todas as palavras que ecoavam nos vitrais faziam sentido.

Daniel se levantou, fazendo o padre, que já o conhecia há anos, se calar por um momento.

— Gostaria de dizer algo, meu jovem?

Daniel sorriu.

— Desculpe interrompê-lo, padre, mas... acho que sim. Gostaria de dizer que, ontem a noite mesmo, conheci o maior milagre de Deus.

— E o que seria?

— O amor.

O padre sorriu também. Daniel começou a caminhar, sentindo todos os olhares sobre ele, admirados e confusos.

— Onde você vai, jovem?

Daniel se virou, parado no meio do corredor.

— Vou para um lugar onde Deus esteja mais presente.

Isso causou uma onda palpável de choque e indignação.

— Como assim, Daniel? — o padre perguntou, perdendo a postura. — Estamos na casa do Senhor.

Daniel olhou ao seu redor por um instante.

— Não, senhor. Estamos em um lugar camuflado. Um belo lugar, com certeza, cheio de bons corações e muita fé. Mas eu só sinto Deus verdadeiramente no amor.

— Eu entendo seu ponto, mas aqui você também pode senti-Lo verdadeiramente, se deixar-se entregar...

— Não, não. Ele não está em palavras, faladas ou escritas, ou em imagens bonitas, ou em adoração coletiva. Está no calor de um abraço, de um beijo. Está em um olhar, em um sorriso. Deus está no sentimento. E, perdoe-me se eu estiver errado, mas não acho que eu poderia beijar livremente meu namorado aqui.

Daniel sorriu ao silêncio profundo que se seguiu.

— Obrigado, padre, por tudo. Meus olhos estão bem abertos, assim como minha alma. Seu trabalho foi cumprido perfeitamente. Deixarei essa igreja com Deus ao meu lado.

Virou-se e caminhou para a saída com lágrimas nos olhos e uma paz indescritível no coração. Do lado de fora, Breno o aguardava.

— Está pronto, pequeno Flanders?

Daniel lhe deu um selinho e apertou sua mão fortemente.

— Mais do que nunca.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acham? É o primeiro original que eu posto. Comentários, por favor ;-;
E obrigado por lerem ♥