Serviteur Tentation escrita por Willian Picorelli


Capítulo 11
Capítulo 11 - Ruínas Eternas




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– Eu sempre tive tudo que quis, com meus 10 anos, eu já não desejava mais nada, a vida havia se tornado monótona, chata, apenas vivia por obrigação. Ao contrário do que muitos pensam, ter tudo não significa ser feliz, quando você consegue as coisas sem ao menos ter feito um mínimo de esforço, do que isso valeu a pena? Quando você já se vê no topo, não tem mais porquê continuar escalando, e a verdade é que na minha vida eu nunca subi um degrau se quer sozinha, queria pelo menos uma vez ter feito algo por conta própria, eu não tinha sonhos ou esperanças...na verdade, apenas um. Podia ser bobagem, muitas pessoas achariam que eu estaria sendo uma pessoa ingrata ou irracional, mesmo tendo várias riquezas, pessoas que faziam tudo por mim, eu não tinha ninguém para me aconchegar em seus braços e dizer palavras sinceras de amor, pode ser estranho, mas eu trocaria tudo que tenho por uma mãe e um pai que ficassem sempre comigo, que se importassem em me dar carinho e afeto ao invés de presentes e luxo. Era melancólica em meu colégio, não tinha nenhum amigo que realmente falava comigo porque gostava de mim, apenas por interesse, era convidada para sair com algum garoto todos os dias, mas sempre recusava. As pessoas tinham inveja de mim, por mais que não houvesse motivo, pois a verdade é que eu sentia inveja delas. Todos os dias ao ver seus pais lhes buscando na saída, meu coração sentia uma enorme dor, para mim, apenas um mordomo com uma limusine e o frio que tomava conta da minha amarga vida. Aos 13 anos, algo aconteceu em minha vida, um fato que iria mudar o rumo pacato que meus dias possuíam, mas agora, olhando para trás, eu vejo que esse foi o começo do desabamento de todas as ruínas que eram seguradas por um fio de lã. Meus pais sempre brigavam, era rotina discussões e conversas sobre desconfiança por parte de ambos, meu pai levava várias mulheres para casa, já minha mãe, era uma alcóolatra sem volta, todos os dias se embebedava com vinho no cair da noite e sempre aprontava escândalos desnecessários, isso só fazia nossa distância aumentar gradativamente, eu não consegui alcança-los, tendo um pai cafetão que mal olhava em meus olhos, e uma mãe freneticamente insana e bêbada, o que eu poderia esperar do meu futuro? Os empregados me tratavam com frieza, não tentava ficar íntimos de minha pessoa por ordem dos meus pais, até que eu conheci ele. Certa vez na escola, enquanto eu comia meu almoço sozinha, sentada no terraço, eu senti uma presença atrás de mim, e logo já imaginei que se tratava do mesmo de sempre, garotas vindo me xingar por eu ser fria e rude, era maltratada constantemente, e já estava totalmente acostumada que conseguia dirigir a comida naturalmente. Mas dessa vez, apenas sentia que alguém ali estava me observando. O silêncio predominou por alguns segundos, senti medo, afinal, não sabia o que essas garotas eram capazes, mas ao olhar para trás, algo que jamais esperava, aconteceu. Shitaro Kohaku, garoto do primeiro ano, popular no colégio, estava paralisado feito uma pedra enquanto olhava para mim. Não tinha idéia do que ele estava fazendo parado estaticamente em cima do terraço, sempre era abortada naturalmente pelos garotos que a queriam, todos a tratavam com vulgaridade, mas a atitude do rapaz ali não parecia ser igual a dos demais. Ele finalmente respirou fundo e tomou coragem para dizer suas primeiras palavras, mas ao invés de me chamar para sair ou falar algo profano, ele apenas pediu se poderia sentar ao meu lado para almoçarmos juntos. Foi a partir daí, que eu via meus dias de colegial valerem a pena, era um acontecimento raro, já estava a quase 5 anos no colégio, ninguém havia se importado, ninguém se quer ia em casa, mas o olhar reprimido e tímido do garoto me fez imaginar que nem tudo estava perdido. Mas claro que tudo sempre foi e sempre será uma banal ilusão. Durante um mês inteiro começamos a ficar cada vez mais amigos, as pessoas já começavam a olhar torto, mas mesmo assim ele não se importava, afinal, dizia que se parecia comigo, sempre incompreendido, um lobo solitário, buscava em mim apenas um sorriso amigável, palavras de motivação para conseguir criar seus próprias degraus. Juntos, nos completamos, eu precisava dele, e ele de mim, os outros eram apenas telespectadores sem importância. Começamos a almoçar todos os dias juntos, ele me contava seus segredos, seus medos e sonhos...Sonhos, algo que antes eu pensava que era apenas utopia barata retirada de histórias de fantasia, mas ao ter ele ao meu lado, sentia que não era assim tão difícil crer em um futuro melhor, mas o meu erro, aconteceu depois de dois meses, quando o chamei para ir até minha casa. Ele não negou, apesar de ficar um tanto inseguro, nunca havia estado na casa de uma garota antes, mas era o mesmo para mim, jamais tinha a companhia de um amigo se quer em minha casa, seria o maior acontecimento da minha vida, era o que eu esperava. Mas as ruínas aos poucos começaram a cair, lentamente, atingindo meu corpo sem eu mesma perceber, quando meu pai viu Shitaro em minha casa, ele o pegou pelo braço e o levou para um quarto, lá, o torturou psicologicamente dizendo coisas horríveis, para nunca mais se aproximar de sua adorável filha, eu apenas ouvia o choro compulsivo do garoto e naquele momento eu não podia almejar mais nada, meus sonhos quebravam em mil pedaços e se iam com o vento frio que sempre chegava, por mais tarde que seja. Depois daquele dia, ele nunca mais falou comigo, mesmo eu tentando me aproximar, ele me tratava com temor, desprezo, e ainda pior, as pessoas começaram a me evitar depois que os boatos se espalharam, antes, de garota maltratada, para garota rejeitada, era o fim dos meus dias de colegial. Sem ter mais nada em jogo, não podia dizer que nenhum desejo predominava em meu coração, havia apenas um. Vingança. Por causa de meus pais, eu nunca fui feliz, por causa deles, eu me contentava com presentes e luxuria instantânea, com uma vida solitária caminhando em passos largos no fundo da escuridão, mas agora, eu iria mostrar a eles um pouco dessa escuridão que sempre presenciei. Quando vi, meu pai estava encostado na parede do quarto, com uma faca encravada em seu pescoço, seus olhos esbugalhados e a língua de fora, ao contrário de me deixarem em pânico, me deixavam eufórica e feliz. Ele estava morto, e eu comemorava minha vitória, havia limpado a sujeira que eu sempre deixei embaixo o tapete, finalmente. Sem querer levar a culpa, poupei a velha louca, afinal, ela iria morrer daqui alguns anos com a bebida mesmo, e sem dinheiro nem nada, apenas parti, parti em busca de sabe-se lá o que eu procurava, apenas aliviada, lembrava dos gemidos baixos antes daquele verme morrer e meu corpo se enxia de excitação, queria mais, bem mais. Sentada nos trilhos de um trem, esperava para ser esmagada e conhecer o inferno, quem sabe lá, eu poderia encontrar meu pai novamente e mata-lo mais uma vez. Estava abandonando a pequena raíz de sanidade que existia dentro de mim, mas uma pessoa conseguia regá-la, mais uma vez, incrivelmente, e me tirar antes que o ferro abatesse meu corpo. Ela, a mesma mulher que salvou Anna, 3 anos antes, havia também me salvado. Desde então, ela conseguiu curar todas as minhas feridas, no Complexo das Empregadas, consegui me tornar uma maid excepcional, aos meus 16 anos, já era considerada uma das melhores candidatas, várias famílias já me desejavam, mas eu estava esperando por alguém em especial, alguém que quisesse me ter por ver em mim um diferencial a mais, na verdade, queria ficar ao lado dela pra sempre, não queria mais sair de lá, estava feliz em treinar empregadas, até que ela chegou e me mostrou as velhas ruínas que eu já tinha esquecido. Agradeço, desde já, Anna, por ter me jogado de volta à realidade, já tinha esquecido a adorável sensação ao ver o sangue se espalhando. Tomando tudo que eu tinha, ela foi conquistando o carinho de minha ‘mãe’, e quando eu vi, as duas já eram uma só, e eu, fui deixada de lado, apesar dela sempre se importar com as duas, não aceitava essa merda toda. Quando vi que já tinha perdido tudo novamente, me tornei a líder em treinamento especial das maids classe S, era hora de ser a melhor e acabar com tudo e todos que se impuseram à mim nesse mundo. Nunca mais falei com minha mãe, e...mãe? Era apenas uma vagabunda que manipulava garotinhas para irem ao complexo, comecei a me empenhar em ser a melhor, era a melhor, aos 19 anos treinava várias assassinas profissionais, e Anna, era uma delas. Apesar do ódio que sentia pela garota, eu ainda assim me fazia ser a melhor amiga dela, menti durante o tempo que passamos juntas por lá, sempre fui simpática e demonstrei palavras falsas, dei amor e tudo que ela quis na ausência da nossa mãe, pois eu tinha um motivo maior, assim como meu pai, acabaria aos poucos com os sonhos, ao ver no início, Anna sentada no jardim do complexo com aquele garoto, ouvindo a promessa dos dois, eu já sabia o que tinha que fazer. E agora estou aqui, em posição que desejei, aos 20 anos me tornei parte dos Koshikawa, rivais diretos dos Otanawa, iria sem piedade quebrar todos os sonhos dessa ruiva vadia, matar seu querido mestre em frente a seus olhos.

Mas já era tarde demais. Quando eu percebi...era tarde.

– Você não precisava disso, Maria... – Anna segurava a empregada encostada na parede, toda ensanguentada, com a Terese enfiada em sua barriga. Gritava agonizando, não querendo morrer, mas os olhos frios de Anna não ouviam nada a não ser sua mente dizendo para tortura-la. As duas haviam se confrontado, Anna, sem poder usar suas mãos, apenas usando a coleira em seu pescoço e suas pernas conseguia vencer Maria. Keiichi estava bem, desmaiado com um corte em seu peito, mas ainda respirava. Maria tinha a oportunidade de poder mata-lo enquanto Anna se aproximava, mas não fez. Algo a impediu, prestes a morrer, ela havia finalmente entendido.

– Anna... agora eu sei porque eu sempre perdi pra você. Enquanto eu desistia de lutar, você sempre construía seus degraus, eu tive a chance de ser feliz, mas por puro egoísmo, joguei tudo fora, a nossa diferença foi clara, por sempre ter tudo, por nunca ter passado fome ou frio, eu me tornei fraca e acabei assim, eu realmente... não te odeio Anna, eu te admiro no fundo, você pode ser insana como eu, mas faz tudo por seu mestre, ao contrário de mim, que servia esse presunto aí apenas por obrigação e pra chegar até vocês, eu nunca tive alguém pra amar, nunca... – Maria se lembrava do garoto do colegial, era mentira que nunca tinha amado ninguém, pois ele ainda permanecia em seu coração gelado, queria saber se ele ainda se lembrava dela, mas para ela, o tempo tinha acabado. A ruiva, estabilizando sua consciência, aos poucos soltava o pescoço de Maria, seus olhos eram cobertos por pena, ainda estava nervosa pelo que ela havia feito com Keiichi, mas ao ouvir as palavras da mulher, Anna sabia que no fundo era uma pessoa boa, não queria mais matar, não podia mais matar ninguém, ela se arrependia profundamente por tudo que fez, mesmo sendo pessoas ruins, bandidos ou mafiosos, eram todos seres humanos, e não havia mais como voltar. Maria, vendo essa oportunidade de lamentação de Anna, possuía em seu peito forças para alcançar o último respingo de sonhos que ainda permanecia acesso, ela retirava a faca de sua barriga, se levantava, pegava Anna pelos braços e a puxava contra si.

– Me desculpe Anna, mas eu também tenho alguém que quero proteger. – Indefesa, Anna se desesperava, estava desarmada e sentindo a morte soprar em seu ouvido, havia se descuidado ao pensar no passado, agora estava ali, prestes a deixar seu amado, até que da janela, um helicóptero aparece, e nele, Lenon com uma metralhadora, dispara contra o corpo de Maria. A loira caía no chão, toda perfurada e espalhando sangue por vários lugares, cospia uma enorme quantidade de sangue e dava seus últimos suspiros enquanto olhava para Anna.

– Seja uma boa maid como eu te ensinei, tá bom Anna? Keiichi é um bom garoto e merece ser feliz, não seja como eu, você sempre conseguiu superar as ruínas que caíam em cima de você, cresça mais e tenha uma vida boa... – Seus olhos se fechavam enquanto o vento das aelices levantavam a poeira do quarto. Anna cobria seu corpo com a jaqueta de Keiichi, colocava sua calcinha e indo em direção ao garoto, se ajoelhava diante do mesmo e o abraçava fortemente.

– Por favor Keiichi... por favor...me perdoe por ter demorado tanto a te encontrar, agora eu sei que você é tudo que eu sempre quis, tudo que me motivou a chegar até aqui, se não fosse por isso, eu teria me tornado como ela, você... – O garoto, abrindo seus olhos e sorrindo, levava uma das mãos até o rosto de Anna e a agradecia:

– Obrigado por ter sido forte, eu prometo que lhe recompensarei por tudo.

A guerra havia chegado ao fim, com dois caças particulares, Otanawa havia aniquilado todos os membros dos Koshikawa. A polícia e até mesmo os federais já estavam a caminho, com o poder que possuía, Otanawa não se preocupava com esses fatores, apenas queria saber se seu filho estava bem.

Ao lado de Anna, Keiichi fitava seus olhos, e a mulher, pronta para beijá-lo, era interrompida por Sasami que abria a porta do quarto rapidamente gritando por seu irmão:

– Keiichi! – Ao ver a empregada em seus braços, seus olhos se enchiam de raiva, não ligando para esse fato, se aproximava do garoto e o abraçava, ignorando a ruiva ao seu lado.

– Estava tão preocupada... seu idiota, porque saiu assim sem me dizer nada? Lenon me contou tudo e... – Antes que Anna pudesse repreender a garota, Keiichi se levantava, e sorrindo para as duas, apenas dizia:

– Vamos para casa, parece que tudo já terminou. – Ele via o momento inoportuno que se encontrava, e tentava quebrar esse gelo com essas palavras, mas as duas mulheres se encaravam diretamente, as duas com olhares psicóticos. Enquanto isso, na casa de Haruna, ela fuçava em uma das gavetas e pegava uma das fotos antigas que havia tirado com Keiichi. Os dois estavam de mãos dadas, com expressões tímidas, Haruna a apertava contra seu peito, respirava fundo e parecia determinada.

– Agora, é que as coisas vão começar.



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