O dia seguinte não estava muito melhor do que o anteior. O tempo continuava nublado, o céu coberto por nuvens pesadas que teimavam em trovejar de cinco em cinco minutos, ameaçando chover a qualquer instante, e indicando que a chegada do inverno era iminente. E o atual Valete não parecia muito melhor do que esse clima catrastófico à vista. Uma vez que terminara de cumprir suas tarefas especiais daquela semana, agora sentia um enorme peso no coração pelo que fizera na tarde anterior. Verdade que, depois de sair do Chara Change, Tadase não falou nada sobre o incidente com o chocolate, mas Nagihiko temia que o loiro tocasse no assunto quando ele menos esperasse.

No Royal Garden, os Guardiões corriam com suas tarefas, tentando terminar o trabalho daquela tarde o mais depressa possível para que pudessem chegar em casa antes da chuva desabar sobre suas cabeças. Claro que seria tudo muito mais fácil se todos realmente estivessem ajudando...

– Ahh já chega!! Estou cansada de carimbar esse monte de papéis todo santo dia! Yaya quer pular, correr, brincar, e não carimbar papéis chatos!! Waaahh!!! - Yaya repentinamente se jogou no chão, esperneando e sacudindo um enorme chocalho, ativando seu Chara Change do nada
– Ahh cara, de novo não... você sabe que terminaremos mais rápido se você também ajudar, não é Yaya?! - argumentou Amu - Além do mais, só te demos os documentos pra você carimbar porque você mesma disse que não queria ter que ler tudo isso pra poder assinar depois!
– E vá se preparando, porque tem outra pilha de documentos lá dentro pra assinarmos - lembrou Rima como se não fosse nada
– O queee?! Ainda tem maaaais?! Como você é cruel Rima-tan!!! - gritou Yaya fazendo cara de choro
– Ahh mas dessa vez sou obrigada a concordar com a Yaya - admitiu Amu cabisbaixa - Parece que tem mais papéis do que de costume aqui! Desse jeito não chegaremos em casa antes da chuva
– É, já vi que vou pegar chuva hoje de novo - resmungou Nagihiko mais para si mesmo do que para a amiga
– Por favor não falem assim, se todos colaborarem, tenho certeza de que vamos conseguir à tempo! Vocês vão me ajudar, não é, Hinamori-san, Fujisaki-kun? - perguntou Tadase com aquela carinha terrivelmente fofa que conquista qualquer um. Estranhamente uma aura dourada com estrelinhas piscando pareceram se formar ao redor dele
– Ahahaha aí está! O "ataque brilhante" do Tadase está de volta! - exclamou Yaya, agora um pouco mais motivada diante daquela cena
– H-Hai... claro que ajudaremos, Tadase-kun... - Amu derreteu-se instantaneamente diante do "ataque brilhante" do Rei, tanto que parecia que ia começar a babar a qualquer momento. Ela voltou a assinar os documentos sem nem ao menos ler o que estava escrito neles
– J-Já disse que essa coisa não funciona em mim! Pare de brincadeiras, Hotori-kun! - respondeu Nagihiko com a cara mais séria que conseguiu fazer.

Era mentira. O "ataque brilhante" do Rei sempre o pegava de jeito, era completamente impossível para ele resistir àquela carinha terrivelmente fofa. Sempre que Tadase usava o seu "golpe especial", Nagihiko sentia seu rosto esquentar numa velocidade perigosamente alta, seu corpo inteiro tremia, e ele sentia como se um bando de borboletas tivessem invadido seu estômago, e ele pudesse voar até o paraíso. No entanto, como era um garoto, era obrigado a disfarçar esse turbulhão de emoções que invadiam seu coração sempre que se via diante do "ataque brilhante" de Tadase.

– Hahahaha se deu mal Tadase, você não pode hipnotizar o Nagi com isso! - riu-se a Às - Mas é entranho, também deveria funcionar com ele...
– Acho que isso não funciona em garotos, Yaya - observou Rima
– Ahh mas mesmo assim... o "ataque brilhante" sempre funcionava na Naddy, então deveria funcionar com o Nagi também! Afinal, eles são gêmeos! - argumentou Yaya
– D-Duvido que uma coisa dessas funcionasse com a minha irmã! Deve ter sido só impressão sua, Yaya-chan - apressou-se a dizer Nagihiko - Estou cansado disso, vou pegar mais chá.

Nagihiko foi até a dispensa o mais depressa que pôde, sem correr. Sim, era verdade... ele tinha se esquecido completamente disso. De que, quando era Nadeshiko, era "tecnicamente" uma garota, então não se dava ao trabalho de disfarçar os efeitos que o "ataque brilhante" de Tadase lhe causavam. Como desculpa, ele dizia a si mesmo que, por Nadeshiko "ser uma garota", seria até estranho ela não ser afetada por esse ataque, e alguém poderia desconfiar da verdade. Ele viveu muito bem repetindo essa desculpa esfarrapada para si mesmo, ainda que estivesse ciente de que, Yaya por exemplo, mesmo sendo realmente uma menina, não parecia ser afetada por esse "ataque brilhante". Mas agora ele não era mais Nadeshiko, então perdera seu álibi. Tadase nunca lhe perguntou o motivo dele ser afetado, então o Valete supunha que ele apenas pensava que o amigo fingia que era afetado pelo seu ataque brilhante para não levantar suspeitas. Agradeceu mais uma vez naquele dia pelo tamanho anormalmente grande da inocência do Rei.

Nagihiko voltou alguns minutos depois, com uma bandeja onde trazia um bule de chá, cinco xícaras e um açucareiro, e os depositou na mesa.

– Yaaay finalmente vamos fazer uma pausa! - exclamou Yaya feliz, jogando o carimbo que segurava pro alto
– Mas não podemos demorar muito Yuiki-san, ou vamos realmente pegar chuva quando sairmos daqui - lembrou Tadase, se servindo de uma xícara de chá
– Tá, tá, eu já sei, seu Rei chato - resmungou Yaya, também bebendo chá - Nossa, você até que sabe fazer um chá bem gostoso, hein Nagi?! Parece até que estou bebendo o chá da Naddy, que delícia!
– S-Sério? Bom, eu... aprendi com ela hahahaha... - Nagihiko riu nervoso, logo se arrependendo por ter feito chá. Ele pegou a primeira xícara que viu em cima da mesa bebeu, tentando disfarçar o nervosismo
– Ahh Nagihiko, espera! Essa xícara é do Tadase-kun! - exclamou Amu de repente
– Ah... desculpa, eu não tinha visto - respodneu o Valete, afastando a xícara
– Tudo bem, eu pego outra - sorriu Tadase, como sempre sem se zangar com nada
– Humm... nee Tadase... você já tinha bebido aquele chá, não é? - perguntou a Às com uma voz estranha
– Hein? Já sim, por que?
– Como eu suspeitava... então isso significa... que foi um beijo indireto! Nyahahaha!!! - Yaya concluiu suas suspeitas, caindo na gargalhada em seguida.

A reação foi imediata: Amu soltou uma exclamação entre zangada e apavorada, Tadase corou furiosamente, não conseguindo proferir uma única palavra, até mesmo Rima soltou uma exclamação de surpresa e largou seu precioso chá, e Nagihiko teve um ataque de tosse, se engasgou com o chá, e largou a xícara instantaneamente, que caiu no chão, se partindo em vários pedaços.

– Y-Yaya, mas o que você está dizendo menina?! É claro que não foi um um b-b-be-beijo!!! – gritou Amu indignada
– Mas Amu-chi, pense assim: O Tadase bebeu aquele chá primeiro, e depois o Nagi encostou a boca no mesmo lugar onde o Tadase tinha encostado antes... é claro que foi um beijo indireto! - explicou a Às como se entendesse do assunto - E ainda por cima entre dois garotos... kyaaa que emocionante!!!
– Emocionante uma ova! Não foi beijo coisa nenhuma, pára com isso!! - gritou a Coringa, sua raiva crescendo
– Mas Amu, olhando por esse ângulo que a Yaya explicou, até que faz sentindo - observou a Rainha como se não fosse nada
– Ahh qual é Rima, até você?! - desesperou-se Amu

– Rima-tan tem razão, foi um beijo indireto sim! - insistiu a Às com os olhos brilhando - Kyaaa finalmente as coisas começaram a ficar interessantes por aqui!!
– V-Vamos, parem com isso, meninas... não existe essa coisa de beijo indireto, parem de brincadeiras - pediu Tadase ainda um tanto corado
– Exatamente! Não existe! - Amu se agarrou ao primeiro argumento a seu favor que encontrou - Então parem com essas insinuações bestas!!
– Humm... mas a Yaya continua achando que foi um beijo indireto sim... - teimou a Às - Nee Nagi, o que você acha??
– Eu acho... acho melhor limpar esse chão e voltarmos logo ao trabalho se não quisermos pegar chuva - desconversou o Valete sem encará-los
– Ahh droga! Você é tão chato Nagi!! - bufou a Às mal-humorada
– Sou mesmo. E essa é a sua pilha de documentos, Yaya-chan - Nagi depositou uma pilha de papéis particularmente grande de frente para a amiga, numa tentativa indireta de se vingar pelo comentário maldoso da menina, fazendo ela soltar um muxoxo de raiva.

Depois de recolher a bandeja de chá, limpar os cacos da xícara que havia quebrado, e terminar sua parte com os documentos daquele dia, Nagihiko pegou suas coisas e foi o primeiro a sair, mal se despedindo dos colegas. Sua cabeça dava voltas e mais voltas, aquele dia pareceu particularmente torturador para o garoto. Depois de andar meio sem rumo, passou por uma ponte, embaixo da qual corria um rio, e ao lado dele, havia uma área gramada com algumas poucas flores remanescentes, fora da estação. Resolveu se sentar lá para pôr os pensamentos em ordem. Se continuasse andando do jeito que estava, corria o risco de acabar atravessando a rua sem atenção e acabar sendo atropelado.

Nagihiko mexia distraidamente nas poucas flores que ainda restavam, tentando organizar os pensamentos embaralhados em sua mente. Ele decidira guardar seus sentimentos só para si e se fechar numa concha, acreditando que, apenas admitir para si mesmo os verdadeiros sentimentos que nutria pelo Rei e esconder isso do resto do mundo bastaria, mas estava ficando cada vez mais difícil carregar esses sentimentos sozinho. Era como se esse amor secreto que ele nutria pelo seu amigo de infância estivesse se fragmentando aos poucos, e gradualmente, pequenos pedaços dele vazassem para fora da concha impenetrável que era seu coração. Tudo era tão incerto que só fazia aumentar a preocupação do Valete. Ele só tinha certeza de uma coisa: Que precisava esconder esse sentimento proibido de tudo e de todos, principalmente de Tadase. Assim como sabia muito bem que, por mais que tentasse, jamais poderia se livrar das emoções que reinavam em seu coração.

Mas essa era uma tarefa difícil, ah, se era! E as dificuldades pareciam aumentar a cada dia que passava. Tantas coisas aconteceram em tão pouco tempo... primeiro aquele maldito "ataque brilhante" que não falhava nunca. Era como um tiro fulminante em seu peito, só que, ao invés de causar-lhe um ferimento fatal, causava-lhe diversas sensações indiscritíveis, boas e angustiantes ao mesmo tempo. Seu corpo todo esquentava e tremia ao mesmo tempo, suas pernas ficavam bambas, e ele sentia como se tivesse ganhado asas e pudesse voar até o lugar mais belo e puro da Terra. Nagi não podia evitar de ser atingido pelo ataque brilhante do "amigo", o máximo que conseguia fazer era disfarçar e fingir que não era afetado, embora isso estivesse ficando cada vez mais difícil. Se Tadase percebesse... se ele notasse que seu "ataque brilhante" era capaz de afetar Nagihiko de tal forma... seria a mesma coisa que ele declarar seu amor secreto pelo Rei, e isso ele não poderia permitir! E pra completar, aquela maldita frase dita por Yaya... por que ela tinha que dizer que o simples fato deles beberem da mesma xícara foi um beijo indireto?! Verdade que no fundo essa possibilidade deixava o Valete bem feliz, mas... a reação de Tadase fora bem preocupante. Se ficou zangado com essa hipótese, ele não demonstrou. Claro, afinal, estavam diante de outras pessoas. Mas mesmo assim, ele não pareceu gostar disso... claro que não gostou, por que ele iria gostar de beijar outro garoto afinal?! Isso lhe lembrava o incidente com o chocolate do dia anterior. Tadase não falara nada sobre isso, embora ele com certeza se lembrasse do que aconteceu. Será que simplesmente não dera importância? Ou estava envergonhado e incomodado demais com a situação pra falar alguma coisa? Era difícil dizer, não dava pra saber o que se passava na mente inocente daquele menino fofo.

"- Droga, Hotori-kun... por que você tem que ser tão encantadoramente fofo?!" – Nagihiko perguntava para si mesmo - "Se você não fosse tão frágil, tão delicado, tão perfeito... talvez... talvez eu não... não, o que estou pensando? Mesmo assim, acho que meus sentimentos... seriam os mesmos. Droga, e essa inocência dele então?! Ele é tão puro e bondoso, que chega a me irritar às vezes! Será que ele não vê que assim alguém pode facilmente se aproveitar dele?! Aquele Rei tampinha e ingênuo... por que ele... por que e tem que... ser tão perfeito?!"

– O que está fazendo aqui sozinho Fujisaki-kun?

Uma voz conhecida o solbressaltou, fazendo o Valete soltar um grito e se afastar quase um metro do que quer que o tenha assustado. Ah, não era "o que", e sim "quem". O próprio Hotori Tadase, estava ali parado de diante dele, agora parecendo preocupado por ter assustado o amigo.

– H-H-Ho-Hoto... o que está fazendo aqui Hotori-kun?! - gaguejou Nagihiko ainda assustado - "Droga, como ele consegue aparecer assim do nada, e justo quando estou pensando nele?" – pensou o Valete - "Será que esse cara tem o dom de ler mentes?? Espero que não, seria um perigo pra mim"
– Eu estava indo pra casa, quando o vi aqui - explicou Tadase, sentando ao lado do amigo - O que houve? Sua casa não é por aqui
– Ah, não é nada... só estava... colocando os pensamentos em ordem, sabe? - respondeu Nagi, agora mais calmo, recomeçando a mexer nas flores que colhera anteriormente
– Entendo... nee, o que vai fazer com essas flores?
– Estava tentando fazer uma coroa de flores. Quando estava no primário e ainda era Nadeshiko, algumas meninas da minha classe me ensinaram como fazer... queria ver se ainda me lembro como se faz - respondeu o mais alto, tentando encaixar as flores corretamente - Eu gosto daqui, as flores desse lugar parece que não seguem as estações do ano, mesmo com esse clima horrível, elas conseguem florescer. Bom, na verdade quem gostava era a Nadeshiko, mas... acho que "herdei" isso dela - Nagihiko riu sem graça ao admitir isso - É tranquilo e quieto aqui, dá pra gente organizar os pensamentos com calma
– E quais pensamentos você estaria tentando organizar? - perguntou Tadase curioso
– Ahh... isso... s-só umas coisas sem importância, não precisa se preocupar com isso - respondeu o Valete, desviando os olhos do loiro
– Humm que misterioso - comentou Tadase - Ano nee Fujisaki-kun... sobre ontem... eu queria te falar uma coisa.

Nagihiko deixou a tiara inacabada cair com o susto. Então não havia escapatória, eles teriam mesmo que falar sobre isso. Claro, Tadase devia estar no mínimo ofendido pelo que Nagihiko fez, ao invés de dar-lhe o chocolate obedientemente, ele tentou comê-lo como um pretexto para beijá-lo, é lógico que o menino devia estar zangado!
Nagihiko recolheu a tiara de flores inacabada e, fingindo numa tranquilidade que não sentia, perguntou:

– Ontem? O que aconteceu ontem?
– Você sabe... aquilo depois da reunião. Eu entrei no Chara Change de novo e... eu... digo, nós... m-me desculpe! - exclamou Tadase, fazendo Nagi arregalar os olhos e encará-lo abrupdamente - E-Eu quero dizer... eu te obriguei a fazer aquelas coisas humilhantes de novo... não é justo você ter que obedecer aquele tipo de ordens só porque sou o Rei dos Guardiões, então... err... e-eu quero dizer... eu não queria abusar da sua boa vontade nem nada, mas quando faço o Chara Change, fico daquele jeito, você sabe... então... bem... e-eu sinto muito!!

Tadase inclinou um pouco a cabeça, esperando uma resposta. Ele estava um pouco corado, talvez por causa do nervosismo, o que o deixava ainda mais adorável do que de costume. Nagihiko custou a absorver a informação. Então ele não estava zangado? Nem com o caso do chocolate, e nem pelo que aconteceu hoje? Mas como isso era possível?! Isso vai além da inocência absurda de Tadase, era um caso grave, sério!! Será que um médico resolveria isso?

Antes de dar uma resposta, Nagihiko depositou a coroa de flores, finalmente terminada, na cabeça do Rei. Curiosamente estava do tamanho perfeito para ele.

– Etto... Fujisaki-kun...?
– Combina com você - respondeu Nagihiko simplesmente, encarando o rosto confuso e um tanto corado do loiro - Ano nee Hotori-kun... eu vim até aqui para organizar meus pensamentos porque estava tentando achar a melhor forma de me desculpar com você. Nunca pensei que você se sentisse culpado por alguma coisa... porque você não tem culpa de nada. Eu faço aquelas tarefas porque é minha responsabilidade como Valete cuidar do meu Rei. Não faço mais do que minha obrigação, então você não tem motivos para pedir desculpas
– Eh? M-Mas... mas eu sempre fico abusando da sua bondade, fazendo pedidos absurdos daquele jeito...
– Hotori-kun - Nagi interrompeu - Quando o Souma-kun e o Sanjou-kun ocupavam a posição de Valete, você também se desculpava com eles depois de sair do Chara Change?
– Err... b-bom, às vezes... Sanjou-kun ficou pouco tempo no posto, e o Souma-kun realmente parecia não ligar, então eu quase nunca...
– Então porque você sempre se desculpa comigo? - Nagihiko o interrompeu novamente - Meus antescessores faziam as mesmas tarefas que eu faço, mas você raramente se desculpava com eles depois, não é? Por que você me pede desculpas todas as vezes em que cumpro minhas obrigações?
– Porque... bem... p-porque com você é diferente - Tadase respondeu sem graça, desviando os olhos do mais alto - E-Eu quero dizer... acho que minha relação com você é diferente da que eu tinha com o Sanjou-kun ou o Souma-kun. Conheço você há mais tempo do que qualquer um deles, e... bom, antes você era a Fujisaki-san, então... acho que não me acostumei ainda
– Entendo... você faz isso por causa da Nadeshiko né? - murmurou Nagi um tanto incomodado com a resposta - Mas você não precisa fazer isso. Eu não sou mais a Nadeshiko. Sou um garoto, e sempre fui. Você deveria saber disso melhor do que ninguém. Aliás, eu quero aproveitar... e me desculpar com você também. Ontem eu... passei dos limites quando tentei comer aquele chocolate... a-aquilo poderia ter terminado mal, você sabe... então, eu... quero dizer... eu realmente lamento, aquilo não vai se repetir. Minhas sinceras desculpas, Majestade - Nagihiko se ajoelhou diante do loiro, inclinando a cabeça, como costumava fazer quando Tadase estava no Chara Change.

E assim como ele fizera anteriormente, Tadase retirou a coroa de flores que agora estava em sua cabeça, e a depositou no topo da cabeça do Valete.

– Acho que ela combina muito mais com você. Sabe, você tem cabelos longos, então... fica melhor em você - respondeu Tadase com aquele sorriso meigo que só ele sabia dar, incoscientemente tocando nas mechas de cabelo de Nagihiko que caíram para frente quando ele se curvou. Nagihiko estremeceu ao ver a mão do Rei tocar em seus cabelos daquele jeito, e fechou os olhos para apreciar melhor aquele toque - E, não se preocupe com aquilo. Realmente fico muito mimado e egoísta quando entro no Chara Change, eu merecia uma lição. Preciso aprender a dividir minha comida
– Mas Hotori-kun... eu poderia ter... v-você sabe... além do mais, tem aquilo que a Yaya-chan falou quando eu acidentalmente bebi da mesma xícara que você... a-aquilo foi...
– Ah, isso? Não precisa se preocupar com isso, não existe essa coisa de beijo indireto - Tadase respondeu tranquilamente, embora estivesse um pouco corado
– M-Mas mesmo assim! - teimou Nagihiko nervoso. Claro que era ótimo o fato de Tadase pensar que simplesmente aquilo "não valeu", ainda que o próprio Nagihiko pensasse o contrário - Ontem eu... e-eu poderia ter te...
– Olha, vamos fazer assim - Tadase interrompeu - Tanto o incidente de ontem com o chocolate quanto a história da xícara ficam por eu ter te ordenado fazer aquelas coisas egoístas. Estamos quites, que tal?
– Você... não existe mesmo, Hotori-kun... obrigado - Nagihiko teve vontade de chorar diante daquela bondade absurdamente grande do Rei. Ele deixou escapar um sorriso, enquanto sentia uma enorme felicidade preencher seu peito agora que estava livre da culpa. A sensação de que poderia sair voando a qualquer momento voltara - Ah, mas isto continua sendo seu - Nagihiko devolveu a coroa de flores para Tadase, depositando-a sob seus cabelos dourados
– Ehh? Mas já disse que isso fica melhor em você...
– Não, não. Você é o Rei aqui. Ainda que seja uma simples coroa de flores, o que é um Rei sem sua coroa? Além do mais, eu a fiz para você, Heika*
– Hahahaha... acho que você está confundindo as histórias... - riu-se Tadase, mas acabou aceitando a coroa de flores. Em seguida, eles ouviram outro relâmpago, dessa vez mais alto - Ahh droga, parece que vai chover mesmo! Melhor irmos pra casa logo ou vamos pegar chuva outra vez!
– Vamos correr Hotori-kun!

Os dois desataram a correr para escapar da chuva iminente, ambos sentindo o coração bem mais leve, livres da culpa e da incerteza.

* Referência ao Rei Yuuri do anime Kyou Kara Maou. Heika significa Majestade em japonês