"Flashes deixados em minha mente,

Voltando no tempo.

Jogando jogos na rua (...)

Conforme eu sinto eu mesmo caindo,

Faça uma piada de tudo isso."

Moments - One Direction

Por ela.

Abro meus olhos, quando as lágrimas finalmente deixam de controlá-los.

Então meus movimentos passam a ser mecânicos. Robóticos. Não tenho a menor ciência de como os faço acontecer, mas eles fazem o que é preciso. Termino efetivamente meu banho, me seco, visto uma roupa de gente e me sento em minha cama, aguardando a escolta que com certeza irá me acompanhar ao estúdio. Apenas Haymitch aparece. Devo estar tão perigoso, que eles não arriscam nem mesmo treinados guardas na minha companhia. Caesar então vai estar envolvido por um campo de força três mil vezes mais forte do que o que envolvia a arena.

Rio comigo mesmo. Haymitch nem ao mesmo olha para mim ou ao nosso redor para saber o motivo do som. Ele já deve estar conformado com o quão louco estou, nada mais o surpreende. Seguimos juntos na carruagem em um silencio que só é interrompido com meus ocasionais risinhos, quando penso algumas loucuras.

O olhar da ultima enfermeira que me atendeu se multiplica, à medida que mais e mais pessoas me encaram no estúdio. Elas estão com medo de mim! De mim! Tenho então um ataque de riso. Haymitch finalmente olha para mim, seus olhos revirando.

– Eu disse para não colocarem nada em você. - ele vocifera. Começo a rir ainda mais. Haymitch dá-me um duro olhar de repreensão, que cala imediatamente a minha risada.

– Que? - eu pergunto, rouco - Não era para eu viver? Tem coisa mais viva que o riso?

Haymitch suspira. - Essa vai ser a mais instável entrevista de todos os tempos.

– O Capitol vai adorar então. - eu replico. Haymitch olha ao redor e não me responde. Entendo. Nada de falar mal na cara do inimigo, só pelas costas.

Para minha surpresa, Caesar não está envolto por um campo de força. Ao contrário de todos os outros que encontrei - exceto, talvez, por Haymitch - Caesar caminha até mim tranquilamente e com o mesmo sorriso simpático de sempre no rosto. Tenho que admitir: o cara é bom. Somente ele mesmo para conseguir conduzir entrevistas leves e igualmente emocionantes com os malucos que sobrevivem aos Jogos Vorazes por anos a fio.

Cumprimentamos-nos com um forte aperto de mão e até sorrio para ele. Mas não podemos iniciar uma conversa, porque imediatamente a voz do diretor do programa ecoa por todo o estúdio, anunciando que faltam apenas três minutos para o inicio da transmissão.

Um hesitante assistente de câmera me guia até onde devo sentar - o mesmo sofazinho vermelho que compartilhei com Katniss há pouco mais de um ano atrás. Apoio as duas mãos sobre o móvel e espero que o meu filme pessoal de horror inicie uma sessão prive em minha cabeça. Mas nada acontece. Sinto apenas um aperto que começa no coração e se espalha por todo o meu corpo, produzindo um tremor frio. E só. As imagens não vêm. Estou realmente controlado pelas drogas do Capitol.

Então me sento e poucos segundos depois começa a musiquinha de abertura, a vinheta e Caesar saúda gloriosamente a população de Panem, anunciando que eu, o vencedor dos dois últimos Jogos Vorazes, estou no programa.

Cumprimentamos-nos de novo, desta vez para as câmeras, mas a conversa não segue como nas anteriores. Estamos mais frios - nada de piadinhas. Posso dizer que Caesar também sente a morte de Katniss e talvez até esteja respeitando a minha dor, porque a sua primeira pergunta não é sobre ela.

– Juro que tentei imaginar, Peeta - Caesar entoa, em seu costumeiro e tão casual tom de conversa - Mas não consegui. Como foi para você voltar para a arena dos Jogos Vorazes?

Solto um suspiro, ganhando tempo para responder à pergunta. Relances dos meus últimos momentos lá, na arena, começam a piscar na minha mente. Mas paro e me concentro. Ele perguntou como foi voltar para a arena, não sobre como foi sair de lá.

– Da mesma maneira que você não conseguiu imaginar, Caesar, eu não consigo descrever. - eu paro, tentando aliviar um pouco o tom rude em minha voz - Eu não sei... É como se tivesse sigo sugado por um dos meus quadros, se lembra deles? - o apresentador assente, assim como a plateia a minha frente, que surgira não sei da onde. - Só que não estou envolto apenas pelas imagens, há também toda a ação dos meus piores pesadelos e o medo volta... O medo de morrer, não, um medo maior ainda - interrompo minha fala. Continuar significa perder o controle.

Mas Caesar coloca em voz alta meus pensamentos.

– O medo de perder quem você ama.

Assinto. Havíamos chegado ao assunto mais doloroso e esperado da noite. A plateia silencia-se completamente, assim como os movimentos dos meus pulmões. Paro de respirar por um instante.

– Mal consigo suportar pensar o que você está sentido, Peeta - Caesar diz, olhando fixamente para mim.

Dou outro sorriso fora de hora, que transforma meu rosto numa careta de puro amargor.

– Nem tente. - respondo um sussurro sufocado.

Outro longo instante de silêncio se segue. Caesar não consegue, ou não encontra outra maneira de seguir com a entrevista, então adianta a exibição do vídeo de três horas que mostra a minha ultima aventura na arena dos Jogos Vorazes.

Olho para minhas mãos e sinto a ausência de Katniss queimá-las. Na minha primeira entrevista do vitorioso, ela estava aqui comigo, aninhada em meus braços. Para enganar o vazio que me cerca de fora para dentro, ergo minhas pernas sobre o sofá vermelho e abraço meus joelhos, enquanto assisto Katniss por outros ângulos, que não os meus olhos.