Ticket To Ride escrita por Jojo Almeida


Capítulo 5
Flowerly


Notas iniciais do capítulo

Hey gente!
Surpresa! Eu estou postando!
Hahaha, acho que este foi um dos capítulos mais rápidos dessa fic.
Antes de tudo, quero deixar um obrigada especial para todos que deixaram reviews no ultimo capitulo. Vocês são demais galera!
Bom, aí vai o quinto capitulo. Acho que esse vai ser bem... Han, diferente.
Me desculpem pelo tamanho. Acabei me animando um pouco demais com a ideia.
Espero que gostem :)
(fiquem atentos às margaridas! hahaha)



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Travis entrou em seu quarto, jogando a chave do carro e a jaqueta em cima da escrivaninha bagunçada antes de andar até sua cama.

– Argh. resmungou com um suspiro cansado, se sentando na bagunça de lençóis e enterrando a cabeça nas mãos. Estava começando a ter sérias suspeitas daquela tequila que Juliet lhe dera. A sensação de estar bêbado evaporara durante o telefonema de Katie, sendo substituída por uma dor de cabeça do inferno.

Piscou fortemente, se dando conta do tanto que estava escuro. Não havia ligado a luz, e o quarto mergulhara em uma penumbra. Já era tarde da noite. Era? Impossível saber. Travis estava realmente muito cansado, mas sua cabeça ainda funcionava a mil, como se fosse onze da manhã.

Esfregou os olhos, esperando eles se adaptarem a falta de claridade e sem vontade de alcançar o interruptor do outro lado quarto. Quando olhou pra cima, seus olhos se pousaram em sua janela. No mesmo instante, desejou que não tivesse.

Na pequena e velha jardineira que ficava suspensa sobre a escada de incêndio enferrujada, brilhando fantasmagoricamente pelas luzes dos carros que passavam na rua, sete andares abaixo, haviam margaridas. Pequenas, brancas, surpreendentemente bem cuidadas, simples, margaridas. Se enrolavam umas nas outras, ameaçando subir pelas paredes ou invadir o quarto. Uma quantidade bem grande de margaridas.

Eram as margaridas de Katie.

O Stoll se levantou calmamente da cama, como se estivesse em transe, e andou cuidadosamente até as janelas. Seus dedos percorreram a superfície macia das pétalas brancas, quase que com vida própria. Franziu o cenho.

“ - É só que... Bem, você já realmente parou pra pensar nas margaridas? Elas são pequenas, brancas e aparentemente sem nenhuma atração imediata. Como... flores esquecidas, ofuscadas pela beleza de outras mais raras. Mas é justamente isso que as torna incríveis. Sua simplicidade não admirada.”

A voz de Katie voltou em sua memória, com tanta força e vivacidade que ele poderia jurar que ela estava bem ali, ao seu lado, recitando aquelas palavras novamente. Palavras que, agora que ele parava para pensar, ficaram marcadas em sua memória para sempre desde que foram faladas, no primeiro encontro deles.

As pétalas pareciam queimar a ponta de seus dedos, mas o encanto em que se encontrava era forte demais para ser quebrado. Travis deu um sorriso minúsculo, quase imperceptível, num estado pateticamente catatônico. Ele certamente não tocara naquelas flores desde a briga. Não as molhara, sequer olhara para elas. E, do mesmo jeito, pareciam em perfeito estado.

No fundo, ele sempre achou isso meio engraçado. Ter tantas memórias ligadas a uma simples flor talvez fizesse parte do pacote namorar uma filha de Demeter, mas não deixava de ser estranho.

Margaridas começaram a saltar em sua memória, colorindo todas as lembranças de Katie. As margaridas que ela havia plantado na janela do chalé de Demeter no dia dos coelhinhos de chocolate. O buquê de margaridas que ela ganhou no dia dos namorados de um filho de Apolo, o que fez Travis desejar poder dar margaridas a ela no próximo dia dos namorados. Katie falando sobre como seu pai costumava plantar margaridas em baixo de sua janela em Anthens quando ela era pequena. Katie explicando que sempre que ela via margaridas algo bom acontecia. As margaridas do chalé de Demeter que uma vez ele e Connor pintaram de rosa por brincadeira. O excesso de água nas margaridas que ele havia colocado no seu criado-mudo no chalé de Hermes. Katie plantando aquelas margaridas em sua janela, justificando que era pra dar sorte.

Katie, Katie, Katie.

“ - Margaridas. Você lembrou.”

Travis coçou a cabeça, bagunçando ainda mais seu cabelo loiro e encarando as pequenas flores como se elas fossem uma difícil equação matemática. Se Katie estivesse ali, ela riria, daria um beijo em sua bochecha e o chamaria de bobo. Ela ralharia com ele, diria que seu quarto parecia um cenário pós-guerra e sorriria daquele jeito tão Katie. Se Kay estivesse ali, as luzes estariam ligadas e seu perfume de morango e flores silvestres preencheria todos os cantos do apartamento. Mas Katie se fora.

Então, porque ela continuava ali?




Sobrevoando a atlântico a 30 mil pés de altura em direção ao Reino Unido, Katie estava sonhando que mundo caia.

Pelo menos, ela tinha certeza que era sonho. Afinal, no seu sonho não estava mais dentro de um avião. No seu sonho, Katie estava no túnel Hugh L. Carey, em Mahatan. Era o fim da Batalha dos Titãs. E, infelizmente, Katie estava revivendo tudo em todos os detalhes. Era horrível ter sonhos como aquele, em que fica-se aprisionado em memórias e já se sabe exatamente como tudo vai acabar. A maior vontade é fechar os olhos, cerrar os punhos e esperar tudo passar. Mas todos os sonhos de semideuses tem um motivo. Por menor que seja. Mesmo antes de se dar conta de onde estava, Katie já sabia que tudo aquilo tinha um motivo. Um dos bons.

Também não era exatamente o mundo que estava caindo. Era apenas o teto do túnel Hugh L. Carey, devido as malditas explosões de fogo grego que estavam deixando-a praticamente cega.

– Juliet? Kay chamava desesperada olhando para os lados. - A sua volta, seus meio irmãos lutavam bravamente contra o exército de monstros, auxiliados por uma pequena parcela das caçadoras. - Juliet!

Ela cambaleou, limpando o sangue que escorria de uma ferida na boca com as costas da mão. Com a visão turva, localizou Rob a dois metros de si, lutando com duas fúrias que se revezavam dando rasantes horríveis. Deu dois passos para o outro lado, apertando com mais força o cabo de seu punhal. Agarrou a primeira pessoa que passou ao seu lado, torcendo para que não fosse um monstro. Era Caroline. Sua meia irmã mais velha.

– Ah, Kay.- Ela disse aliviada, abaixando a guarda. Katie poderia começar a chorar ali mesmo, se não estivesse apenas revivendo o que já acontecera. Caroline morreu naquele mesmo dia, algumas horas mais tarde, tentando salvar um garotinho filho de Athena de um prédio antigo que pegara fogo. Era doloroso olhar de novo para aqueles olhos castanhos e o cabelo cor-de-terra curto.

– Você viu a Juliet? - perguntou com a voz tão rouca que era quase irreconhecível. Caroline a encarou de uma forma estranhas, antes de balançar lentamente a cabeça em negativa.

– Achei que vocês estavam juntas. Vi ela indo naquela direção. - respondeu apontando com a espada para uma das ramificações do túnel mais deserta e escura. Katie engoliu a seco. - Quer que eu vá com você?

Katie podia bem ter dito sim. Podia ter pedido ajuda e, assim, talvez Caroline não iria parar naquele incêndio. Quem sabe se Katie tivesse dito sim Caroline iria para Yale exatamente como estava planejando a anos, se formar em publicidade (afinal, sua carta de admissão chegaria ao acampamento na semana seguinte).

Aquelas foram as ultimas palavras que Katie ouviu dela.

– Não. Eu me viro. afirmou ao invés disso. - Caroline concordou sem dizer nada, girando a espada na mão esquerda, concentrada, e partindo para o ataque.

Kay começou a mancar pateticamente na direção que a irmã havia apontado. Alguma coisa havia golpeado sua perna direita, e havia golpeado bem. Estava doendo tanto que Katie morria de medo de olhar de desmaiar com visão de seja lá qual fosse o tamanho e a profundidade daquilo. Era melhor se concentrar em achar Juliet.

Ah, Juliet. Era o primeiro verão dela no acampamento. E, assim de cara, lá estava ela na guerra. Juliet tinha apenas 13 anos. Katie tinha que cuidar dela. Simplesmente... Tinha.

Ela se esgueirou tentando ficar fora do alcance das pontiagudas espadas e punhais que se cruzavam a sua volta, ou das fagulhas da explosões que fermentavam o ar. Andou alguns metros dentro do túnel largo, sentido os sons estridentes da batalha ficarem cada vez mais e mais distantes. Um vento frio fez seu corpo se arrepiar e, percebendo que talvez Juliet não estaria ali de qualquer jeito, Katie se preparou para voltar.

Passos pesados atrás dela fez com que congelasse imediatamente no lugar. Um grunhido animalesco gelou seus ossos e secou sua boca. Antes que ela sequer tivesse tempo de pensar, um golpe forte arremessou-a três metros a frente, fazendo com que caísse pesadamente no asfalto frio.

– Urgh.- Katie resmungou apoiando-se sobre os cotovelos para alcançar seu punhal, ouvindo outro daqueles horríveis rugidos as suas costas. Rodou sobre si mesma, se pondo de pé e virando-se para encarar seu oponente, lutando contra uma careta pela dor na perna e a recém adquirida dor na altura das costelas.

Um minotauro a encarava com os olhos brilhantes de fúria. Seu chifre esquerdo havia sido parcialmente arrancado, e o sangue escorria pelo rosto peludo. Ele carregava, na mão esquerda, uma estranha espécie de espada meio curva parecida com a lâmina de uma foice unida a um cabo curto, que pingava um liquido prateado que brilhava na penumbra. - Di immortales... - Katie resmungou olhando horrorizada para a espada. Aquilo não era bom. Não era nada bom. Sem uma segunda olhada, ela podia afirmar que o liquido prateado era veneno de Dracne. Do tipo extremamente mortal. Kay começou a se xingar mentalmente por não estar usando uma armadura de bronze celestial completa, mas sim apenas os pedaços mais essenciais de uma sobre sua roupa normal atualmente rasgada e queimada em alguns pontos.

Talvez Katie tivesse passado tempo demais encarando o veneno horrorizada e imaginando como sua morte seria dolorosa, pois ela mal viu quando o minotauro se jogou na sua direção e por pouco errou um golpe que certamente arrancaria sua cabeça fora.

A filha de Demeter desviou agilmente para a esquerda, pensando em um jeito de dar a volta no minotauro e voltar pelo caminho que havia chegado ali. A adrenalina enchia suas veias e pulsava em seus ouvidos, quase fazendo com que esquecesse a dor que sentia. Ela foi para a esquerda, um plano rapidamente se formando na sua mente. Girou o punhal na mão direita, acertado a parte de trás do braço do minotauro. Ele rugiu, arqueando as costa e rodando violentamente para a direção dela, que se abaixou para evitar ser arremessada de novo.

Katie praguejou qualquer coisa em Grego Antigo, dobrando mais os joelhos, tentando acertar as pernas do monstro, e ao mesmo pedindo aos deuses por ajuda. Um dos golpes entrou por entre as peças descombinadas de armadura puída que ele usava, abrindo uma ferida que sujou o asfalto e o punhal de Katie com sangue. O minotauro urrou de dor, balançando sua espada empanada de veneno na direção dela.

– AAAHH! - Kay gritou fino quando algumas gotas prateadas pingaram em seu braço esquerdo, olhando horrorizada pra a vermelhidão que apenas uma minúscula quantidade do veneno de Dracne causara no seu braço esquerdo. Aquela coisa doía. Parecia que toda sua pele estava em chamas. Katie cerrou os dentes, sua visão já questionável ficando ainda mais turva pelos olhos marejados. Encarou seu oponente, transformando toda sua dor em raiva e partindo para o ataque, ignorando aquela parte da sua mente que mandava ela apenas admitir sua derrota, deitar no chão e morrer, ou começar a fazer aquelas preces para os deuses.

Tentou acertar um golpe no chifre já machucado dele dessa vez. O minotauro rugiu, usando a mão/pata direita para acertar sua cabeça como se ela não passasse de um mosquito implicante. Katie cambaleou para trás, o túnel parecendo ter subitamente dado uma guinada para a esquerda e começado a girar sob os seus pés.

Apertou ainda mais o cabo de seu punhal, sentindo os nós de seus dedos ficarem brancos. Voltou a atacar, dessa vez dando prioridade as mãos e braços. O minotauro resmungou alto quando um dos golpes acertou seu antebraço, a fúria parecendo se acumular ao seu redor como uma áurea negra. Ele levantou a espada venenosa na direção de Kay, que se desviou por pouco, usando as costas de seu punhal para ricochetear a arma. O monstro gritou quando uma boa quantidade de veneno tocou seu pelo, recuando levemente cambaleante.

Katie aproveitou a deixa. Rodou o punhal na mão, atacando o braço esquerdo, que não segurava a espada. Seu oponente foi recuando cada vez mais, quase chegando a aonde Katie queria o tempo todo: o acostamento esquerdo do túnel.

O minotauro parou subitamente, fincando as patas no asfalto e urrando ameaçadoramente. Katie se encolheu levemente, sem se deixar abater, em quanto ele voltava ao contra-ataque, balançando aquela maldita espada curva cheia de veneno cegamente.

Ela olhou para o veneno no asfalto ao seu redor, tentando ao máximo possível manter uma boa defesa e não ter a cabeça arrancada.

– Katie! - uma voz gritou. Kay procurou pelo dono dela, achando um certo Stoll a alguns metros dos dois, na direção em que o resto da guerra se desenrolava. Travis estava lá, parado, com a espada de bronze celestial na mão direita, as roupas rasgadas e o rosto pálido paralisado numa expressão de terror. Ele abriu a boca novamente, num aviso mudo, antes da espada do minotauro se chocar contra o lado direito de corpo de Katie e arremessa-la cinco lados a frente, do outro lado do túnel. Havia abaixado a guarda por tempo de mais.

– Urghrl - Katie gemeu se encolhendo no asfalto frio. Ela podia sentir que a espada cortara seu abdômen da lateral esquerda até quase a metade, mas era impossível dizer se fora apenas isso. Poderia ser bem pior. Travis gritou seu nome mais uma vez. A dor estava fazendo com que sua cabeça rodasse. Era como se cada veia de seu corpo gritasse por misericórdia no meio de um incêndio. Cerrou os dentes. A alguns metros de si, podia ver Travis e o minotauro em algo que parecia uma luta voraz, mas sua visão estava embaçada demais para dizer.

Desesperada, Katie percebeu que estava chorando. As lagrimas de dor e medo corriam pela laterais de seu rosto, parecendo gelo contra sua pele febril. Parte de si inconscientemente começara a rezar pedindo a Hades por uma morte rápida. Era patético. Ali estava ela, Katie Gardner, filha de Demeter, jogada no asfalto de um túnel escuro como uma boneca de pano rasgada, sem forçar para continuar lutando. Sem forças até mesmo para continuar viva.

O minotauro urrou uma ultima vez, dessa vez tão alto que Katie simplesmente teve que virar sua cabeça para ver o que estava acontecendo, sofrendo uma onda de espasmos de dor logo em seguida. Fechou os olhos fortemente, abrindo-os a tempo de ver o monstro desaparecer num monte de pó dourado, deixando sua espada abandonada no chão.

– Katie... - Travis murmurou não mais alto que um sussurro, mas a ela pareceu que ele estava gritando por um megafone. O Stoll correu até onde ela estava, se ajoelhando ao seu lado. Em quanto via o rosto dele atingir um nível de palidez praticamente cômico, Katie fantasiou sobre como devia estar parecendo naquele momento. Mais morta do que viva. - Ah, Gardner. Você não devia ter saído sozinha.

Katie gemeu em resposta. Ia dizer alguma coisa, mas a dor não deixou a palavras saírem.

– Merda, merda, merda. - Stoll praguejou irritado, virando os bolsos em busca de algo que certamente não estava lá. Ele se virou para ela, alguma coisa identificável em seus olhos azuis. Talvez preocupação. Ou medo. - Katie, presta atenção. Você vai ter que aguentar firme. Vai dar tudo certo. Eu estou sem néctar. Vou buscar ajuda. Aguenta firme. Eu já volto. Travis começou a se levantar, mas Katie usou todas as forças que ainda tinha em seu corpo para segurar seu pulso.

– Travis... Não vai. Por favor. Não vai. - ela disse desesperada, quasee num sussurro, finalmente achando sua voz e se assustando com o quanto ela estava rouca e entrecortada. As lagrimas voltaram a se formar em seus olhos em quanto, estranhamente, ela percebia que a ideia de morrer absolutamente sozinha a assustava mais que a própria morte.

– Katie, eu tenho que pedir ajuda. Não posso-

– Não vai. Por favor. – Katie repetiu em voz ainda mais baixa, sendo sacudida por um soluço. Travis parou de falar imediatamente, sentando-se ao seu lado no asfalto e segurando sua mão como se tivesse medo que o menor dos toques pudesse quebra-la. Ele fez uma cara estranha para as lágrimas de Kay, quase desconfortável.

– Não chora, Katie. Vai ficar tudo bem. Eu vou te tirar daqui e pedir ajuda. – tentou tranquiliza-la com voz calma, apesar de parecer ele mesmo não acredita muito naquilo. – Vai ficar tudo bem. – repetiu, como se testasse o som das palavras em sua boca.

– Você não devia estar aqui. – Katie resmungou em resposta, procurando qualquer assunto que não fosse sua morte. – Você devia estar na ponte do Broonklyn. Com o chalé de Hermes.

– Eles conseguem se virar sem mim. – mas você não, Katie pode praticamente ouvi-lo completar mentalmente, mas as palavras não foram ditas em voz alta.

– Porque você está aqui? – Kay murmurou, as palavras se embolando. – Você me odeia.

– Eu nunca disse isso. – ele respondeu. Ela virou a cabeça para a esquerda, fungindo descaradamente daqueles malditos olhos azuis.

Piscou, confirmando se não estava vendo coisas.

– Hey, Travis. Olha. – ela chamou, baixinho, interrompendo as coisas que ele dizia para conforta-la. Travis seguiu seu olhar até a minúscula margarida que crescia no meio do asfalto rachado, a uns sessenta centímetros dos dois. Um fantasminha branco na escuridão, meio amassado, que estendia seu caule na direção de Katie como se quisesse pegar o restinho de vida que ainda existia nela. – Uma margarida.

– É, Katie. É uma margarida. - o Stoll concordou parecendo achar um bom sinal ela ter voltado a falar, e ao mesmo tempo querendo sair dali correndo o mais rápido que conseguia.

– Eu gosto de margaridas. – Kay comentou bobamente, a dor voltando a deixa-la zonza.

– Gosta. Você plantou margaridas no jardim do chalé de Demeter semana passada, lembra? E depois me culpou quando seu regador sumiu. Eu não tinha pegado. – Travis devolveu, apertando a mão dela. Katie tinha que continuar falando... Simplesmente, tinha.

– O que você acha que essa está fazendo aqui? – perguntou.

– Vai ver ela está perdida. – Stoll deu de ombros, sem saber o que mais poderia falar.

– Margaridas me dão sorte. – ela disse estupidamente, sorrindo de um jeito que em qualquer outro momento seria ao menos engraçado.

– Nós estamos realmente precisando de um pouco de sorte.

Os dois ficaram em silêncio, imaginando o quanto um pouco de sorte viria a calhar naquele momento.

– Hey, Travis. – Katie chamou de novo, sentindo sua cabeça rodar quando uma onda de espasmos percorreu todos seu corpo, da raiz dos cabelos até os dedos dos pés. Ela apertou a mão dele. - Você acha que existe margaridas no Elíseos?

– Claro. Montes delas. Para todos os lados. Bem branquinhas e bonitas. Você vai ver as margaridas do Elíseos, Kay. –ele disse, fazendo com que ela sorrisse fracamente. – Só que eu não vou deixar isso acontecer hoje.

– Elas são bonitas. Sabe... As Margaridas. – Katie devolveu com a voz arrastada, sentindo seus olhos pesarem e seu corpo ficar leve, como se ela estivesse flutuando no espaço. Travis apertou sua mão, quase que trazendo-a de volta para o asfalto frio do chão.

– Não mais do que você. – Travis respondeu. Ou pelo menos foi isso que ela acha que ele disse. Em seguida, seus olhos se fecharam de vez e Katie perdeu a consciência. Quando acordasse de novo, estaria na enfermaria improvisada no Empire State Building, com Travis ainda segurando sua mão e Apolo tratando de seus ferimentos.

O sonho se dissolveu, tudo ficando repentinamente escuro. Katie piscou, e quando abriu os olhos novamente estava na cozinha de seu apartamento em Whasington, equilibrando um livro de receitas na bancada e jogando os ingredientes do molho em uma panela em quanto alguma musica qualquer dos Rolling Stonne tocava as alturas pelo pequeno som que ela arrumara na mesa de jantar.

Kay identificou a cena imediatamente. Era 27 de novembro. Seu aniversário de 18 anos. Ela estava preparando um jantar para o pessoal do acampamento que comprara passagens de avião só para a data.

– Yummy. – Travis comentou, colocando as mãos em sua cintura e mordendo levemente seu pescoço. Katie gritou com o susto, levantando a colher de pau e fazendo uma grande bagunça de molho no fogão. Não era de se surpreender que aquele ali fosse um ladrão. Era silencioso como uma pedra.

– Stoll! – ela ralhou segurando o riso.

– Então, qual é a grande delícia com nome chique que tem cheiro tão bom? – ele perguntou, tentando olhar o livro de receitas, Katie se virou, ficando de frente para ele e deixando a colher suja na panela.

– É o molho para o risoto de camarão. – ela explicou sorrindo bobamente.

– Bom, não sei o que isso é. Mas se você está fazendo, deve ser bom. – Devolveu, dando de ombros. Katie riu, jogando a cabeça levemente pra trás.

– Animado para hoje à noite?

– Claro. – sorriu abertamente para ela. – Só acho que você não devia estar trabalhando tanto. É seu aniversário, florzinha.

– Ah, que nada. – Katie fez pouco caso, limpando as mãos no avental . Travis sorriu daquele jeito eu-sei-mais-que-você que ela tanto amava.

– Tenho uma surpresa para você. – disse, quase que vitorioso. Levantou Kay pela cintura como se ela não pesasse mais que uma grama, colocando-a na bancada bagunçada e procurando alguma coisa em seus bolsos. Katie sorriu, se inclinando levemente para a frente. - Feliz aniversário, Gardner – ele desejou colocando uma caixinha comprida azul escura em suas mãos e dando um beijo em sua bochecha.

Katie virou a caixinha nas mãos afobada, abrindo-a e se deparando com uma pulseirinha com uma correntinha de ouro branco bem fina, onde estava um pequeno pingente de brilhantes brancos e amarelos.

– Uma margarida! –ela exclamou surpresa, olhando para o pingente em forma de flor. – É linda, Stoll.

– Deixa que eu coloco. – Travis ofereceu, pegando a pulseira dentro da caixa e atarraxando-a no seu pulso esquerdo. Katie sorriu, gostado da forma que ela ficava ali.

– Não vou nem perguntar onde você arranjou isso. – comentou em voz severa, balançando a cabeça e pensando pela primeira vez em quão caro a joia devia ter custado. Travis fez uma careta.

– Você é muito chata quando fala assim. – resmungou. Katie riu, entrelaçando suas pernas na cintura dele e puxando-o para um beijo demorado.

– Eu sei. – disse, finalmente, quando os dois se separaram.

A cena mudou novamente. A cozinha bagunçada parcialmente iluminada pelo sol da tarde que entrava da janela desapareceu, dando lugar para um lugar aberto onde uma frisa fresca balançava as margaridas num campo de flores que ficava a margem de um lago calmo. Katie estava sentada em baixo de um grande carvalho, com Travis deitado em seu colo.

Ela usava um vestido branco, e ele falava qualquer bobagem que fazia os dois rirem. Kay estava fazendo uma coroa de margaridas recém colhidas, parecendo mais feliz do que jamais estivera. Seus cabelos cor de terra pareciam mais bonitos, e os olhos azuis dele ainda mais brilhantes. Aquele brilho sagaz e divertido que era só seu. Não havia mais ninguém por perto.

Katie percebeu, estranhamente, que não reconhecia aquele lugar. Que aquilo, certamente, não mais uma de suas memórias. Ela olhou para os campos de margarida a sua volta e a coroa quase pronta em suas mãos. Nunca havia estado ali antes. Mas o lugar parecia ter alguma coisa que dava vontade de ficar ali pra sempre. De jogar tudo pro alto e viver ali pelo resto de sua eternidade.

Vai ver esse é o meu Eliseos, Katie pensou antes do sonho começar a leva-la daquele lugar, Tem margaridas aqui.

Ela piscou, tonta. Não estava mais no campo de flores quando abriu os olhos novamente. Estava e outra cena de guerra, aparentemente também em Manhatan. Inexplicavelmente, ela tinha um arco em mãos. Tudo parecia se desenrolar lentamente, em câmera lenta. Ela estava parada, incapaz de se mover. Um machucado enorme em sua perna.

Se virou, olhando para a trás. Vultos de moviam na fumaça, provavelmente seus inimigos, batendo em retirada exatamente como ela. Na calçada rachada, a alguns metros dela, Katie identificou Travis correndo na sua direção. Ele abriu a boca, e Katie pode ver seus lábios formularem seu nome uma ultima vez. Antes de tudo explodir em um clarão branco e ela mergulhar na escuridão novamente.

– Katie. Katie... Kay. – uma voz desconhecida chamava distante, delicadamente, como se estivesse no fundo de um poço. – Katie, acorde.

– Nhãumhn – Katie resmungou abrindo os olhos e piscando algumas vezes. Ah, é. Ela estava em um avião. Indo para Londres. E aquele... Aquele era Harry. Era ele que estava lhe chamando. Certo.

Harry riu. Kay se ajeitou na cadeira dura e desconfortável, percebendo tarde demais que devia ter passado as ultimas muitas horas dormindo praticamente em cima de Harry. Levantou o pulso esquerdo, puxando a manga da jaqueta. A margarida de Travis continuava lá.

Fechou os olhos, com uma dor de cabeça insuportável. Queria poder voltar a dormir. Ela tinha que saber o que acontecia depois da explosão. Tinha que saber por que estava em outra guerra. Tristemente, Katie percebeu que aquilo era uma espécie de aviso. Ela havia visto algo que ainda não aconteceu.

– Vamos, Kay. Se anima. – Harry disse sorrindo gentilmente para ela. Katie o encarou confusa. – Nós acabamos de pousar em Londres.



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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam?
Qual foi a melhor margarida que apareceu?
Travis não é tão ruim assim... É?
Não se esqueçam dos reviews e deixem essa autora daqui ainda mais feliz e ainda mais motivada!
Beijos,
Jojo