Bleed For Me escrita por Joker Joji


Capítulo 4
IV - Eucalipto.


Notas iniciais do capítulo

Obrigada aos que chegaram até aqui *-*~ e às reviews, obviamente.



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Primeiro dia – consciente e andando – naquela hospedaria, sem nome aparente ou clientes visíveis. Frank circulava ao meu lado, hiperativo, encantado com cada pingo de vida ao nosso redor. Aos poucos, o garoto reassumia parte de sua felicidade. Mas eu ainda sentia meus músculos contraídos, os cortes frios e o coração fechado a qualquer tipo de alegria.

 

Como isso foi acontecer? A noção de vampirismo não passava dos limites de minha imaginação infantil; o termo não me aludia a qualquer realidade. Seria mesmo possível que eu fosse vampiro? Eu não podia simplesmente gostar de sangue?

 

...

 

Não, não podia. Entre canibal, psicopata e vampiro, eu preferia a definição mais fantasiosa, pelo menos eu não ficaria com peso na consciência.

 

O que exatamente eu era? Um monstro com sede, uma criatura sanguinolenta que vive apenas de acordo com seus instintos? Não, impossível. Frank pulava a dois metros de mim e eu estava quieto no meu canto, obcecado demais por meus próprios pensamentos. Além do mais, a sede de sangue só me dominou quando o vi estilhaçado nas pedras frias e embaçado naquela noite fria. Fora isso, fui plenamente capaz de manter uma conversa linear sem sentir seu cheiro agridoce.

 

E o médico gay? Garanto que não almejei, em momento algum, ver o vermelho perolado escorrendo por sua pele morena. Ficaria um contraste e tanto, sem dúvida, mas naquela hora eu era Gerard Way, e somente ele. Nenhum desejo absurdo se escondia por trás de meu olhar humano. Como fui, então, descobrir aquele brilho ácido em seus olhos, denunciando sua real natureza?

 

Ele não era exatamente igual a mim, mas tínhamos semelhanças em excesso para eu não notar nosso vínculo. Sequer ouvi seu nome, porém, pude entrever parte de seu sofrimento passado, boas doses de escuridão, e também seus desejos imundos. Senti que meu futuro não seria muito diferente e nessa hora soube que ele me compreendeu.

 

Você deveria falar com o dono da pousada, sr. Ville Valo. Ele é a pessoa mais indicada para saciar sua curiosidade.

 

Lembro-me de ter arrepiado à menção desse homem. Jamais o vira e não fazia ideia de como seria sua pessoa, mas era óbvio; quem mais poderia tirar minhas dúvidas que não alguém experiente? Com certeza esse gerente não era um psicólogo. Tampouco alguém que agiria conforme uma etiqueta médica. Se bem que ele poderia medir minha pulsação, mas em momento algum preocupado com minha saúde...

 

Olhei para Frank mais uma vez e o vi sorrindo, apontando para uma videira adiante. Era um canto muito bem cuidado e, quem diria, romântico; em meio a toda aquela névoa, o banquinho envernizado debaixo dos cachos de uva parecia até aconchegante. Uma raridade, levando-se em consideração o conjunto da hospedaria.

 

A construção fora feita basicamente com madeira e, por não ser de uma qualidade qualquer, o cheiro amazônico infestava toda a atmosfera. O verniz claro só enfatizava a frieza do local, em completa harmonia com o clima regional, e dava ares requintados à enorme pousada. Erguida no meio do nada (era essa a impressão, pois o céu constantemente nublado nos jogava num vácuo absurdo), apenas uma estradinha de terra amarelada e pedras de cascalho a ligava ao mundo externo; ao redor, uma vasta floresta, composta por eucaliptos, coníferas e outras poucas espécies que sobrevivem ao frio constante. Não era uma visão heterogênea, o cenário parecia sempre o mesmo, por mais que se vagasse pela região.

 

O sentimento de aprisionamento era constante e inegável. Não entendia como Frank conseguia sorrir, será que não percebia?

 

Enfim. Havia na pousada várias construções separadas: a dos quartos, que se encostava no muro externo e era a mais afastada do centro, dirigia-se ao sul; a recepção e a casa central, que abrigava a cozinha, um singelo hall, uma sala de jantar (que mais parecia um salão, depois fui descobrir que alguns eventos comemorativos se realizavam ali) e outros cômodos dos quais eu ainda não ouvira falar, localizados no segundo andar; um restaurante acoplado a uma sauna à direita da casa central, onde se organizavam outros eventos (o jantar, como já disse, era normalmente servido no salão); e a lavanderia e os quartos de empregados, rentes ao estacionamento oeste, de menor tamanho mas construídos com materiais de tão boa qualidade como o resto da pousada.

 

Nos hospedávamos no quarto número três – Lírio-da-pedra –, o último do primeiro andar e um dos maiores para duas pessoas. O cheiro de eucalipto era notório e agradável em todo o ambiente, até nas duas camas de solteiro que se dispunham nos cantos do cômodo. Havia também uma lareira, esculpida em formato angelical com mármore branco, cujo contraste com a madeira envernizada ao redor nos passava uma impressão muitíssimo imponente. O banheiro tinha ares mais modernos, com um incrível porcelanato branco a prolongar a sensação de frio. O pequeno basculante abria-se para uma parte da enorme floresta, permitindo que alguns galhos adentrassem o banheiro sofisticado.

 

Do lado de fora, uma enorme jabuticabeira assumia toda a beleza que podia. Era enorme, forte e, descobriria mais tarde, muito fértil. Ficava cheia de frutos a maior parte do ano. Por algum motivo, minha maior diversão nos dias de hóspede seria deitar-me na rede presa à árvore e passar horas observando-a, enquanto pensava na vida. Sua serenidade seria a chave para alguns de meus maiores dilemas interiores. Aliviava-me.

 

No momento, andávamos por um enorme jardim, com um estreito caminho de pedrinhas a cruzá-lo. Aquele lugar era o único que quebrava a monotonia da paisagem: inúmeras espécies, desde copos de leite até pequenas florzinhas vermelhas e roxas. Um ipê amarelo destacava-se no meio do pelo de urso, algumas palmeiras reais apareciam ao longe entre os arbustos. O incrível bom gosto daquele ser que se denominava Ville Valo era impressionante, frio, singelo e delicado ao mesmo tempo.

 

- Gerard, você quer falar logo com o dono da pensão? – Frank interrompeu minhas avaliações, captando minha atenção novamente.

 

- Por que diz isso?

 

- Você está mudo, olhando para as plantas com tanto interesse que parecem obras primas. Você nunca gostou dessas coisas paradas, lembra? E também já foi mais hiperativo... O que houve, ainda tá cansado por causa do acidente? – O pequeno colocou sua mão em meu ombro, parando a caminhada para olhar-me nos olhos. Assim, repousou sua cabeça em mim, deixando que seus cabelos se bagunçassem em minha roupa amarfanhada. Senti toda a preocupação que o ameaçava. Aquele acidente não somente havia mostrado minha verdadeira face, como traumatizado seriamente o meu pequeno.

 

É por isso que eu iria me esforçar para fazer daquela semana a melhor que passaríamos juntos.

 

- Não é nada, eu tô quieto por causa do frio. – Não era de todo mentira. A temperatura estava realmente baixa e eu sentia meu sangue contraído. Estava com sede. Se de água ou de Frank, eu não sabia diferenciar. Que isso, Gerard, esqueça essa imbecilidade. É, eu jamais me conformaria com a ideia de gostar de sangue. Frank não era saboroso.

 

Eu queria acreditar nisso, mas seus passos sensatos, os ombros relaxados e as ideias infantis não me permitiam. Cada momento em que o encarava sentia como se meu coração bombeasse meu sangue com uma pressão absurda, talvez um mecanismo de autocontrole; meu corpo é humano.

 

“Gerard Way, humano”. Isso deveria vir escrito na certidão de nascimento. Me faria um pouquinho mais convencido.

 

- É, a gente devia ter trazido casacos mais grossos. Só falta nevar nesse fim de mundo. – Frank aconchegou suas mãos dentro dos bolsos do casaco. – Vamos entrar? A gente pode procurar pelo tal Valo agora, não temos mais nada a fazer mesmo.

 

Concordei com a cabeça, sentindo meu corpo formigar. Talvez fosse apenas uma reação do organismo ao frio excessivo; eu, porém, duvidava muito. Ville Valo. Ele seria o homem da vez, o detentor das respostas. Podia ser um guru, um daqueles velhinhos sábios enrolados em panos e mais panos. Na verdade, podia ser várias coisas. Mas meus pensamentos escorriam sempre para um lado, escoavam para uma mesma direção: vampiro.

 

“Tudo bem, ele pode ser igual ao médico. Pelo menos, o cara me deu uma ajuda e pareceu realmente satisfeito que eu estivesse vivo”. Eu pensei assim. Momentaneamente, surtiu efeito: meu estômago parou com aqueles barulhos estranhos e o frio diminuiu um pouco. Coragem, talvez.

 

- Com licença, como poderíamos encontrar o sr. Ville Valo?

 

Olhei para a pessoa a quem Frank se dirigia. A recepcionista o encarava com um olhar ríspido, de pé atrás de um balcão de madeira de cerejeira, avermelhado e com cara de antigo. Uma relíquia e tanto, pensei. Já da mulher eu não era capaz de dizer o mesmo. Não que ela fosse assombrosa; pelo contrário, era nova e exibia seus lindos cabelos acastanhados em belas ondas. Talvez fosse meramente a expressão que guardava no ébano de seus olhos. Era incrível como a garota condizia inteiramente com o hotel no qual trabalhava: a aparência melódica, o porte polido, o interior conflituoso. O mesmo frio que emanava daquelas paredes de eucalipto também era insinuado por seus olhos pretos. Fui incapaz de manter o contato visual e resolvi analisar qualquer outra coisa.

 

É realmente uma pena que o pescoço fique logo abaixo dos olhos. Mais um ponto para comprovar que nem pelo Criador somos abençoados.

 

Tudo bem, isso não era lá grandes problemas. Afinal, a única pele que me arrepiava era a de meu pequeno; além disso, uma grossa gola alta envolvia seu pescoço até chegar ao queixo. Sua blusa era de um puro branco, com várias terminações em rendas graciosas, excluindo-se as mangas longas. Por cima, um casaco – estava mais para uma jaqueta – carmim, delicado e feminino, de um tecido singelo que eu não sabia distinguir. Tanto faz.

 

- O sr. Ville ficaria encantado de conhecê-los, srs. Way e Iero. Por favor, acompanhem-me.

 

Sem nem podermos protestar, a moça deixou o balcão para trás e cruzou o hall do hotel, para então subir as escadas de pedra cinza (garanto que, se fossem de madeira, elas iriam ranger). Ah, o inexplorado segundo andar. O corredor inicial era escuro como a noite, sem uma lua qualquer para agraciá-lo. Só sentíamos o cheiro de madeira, cada vez mais intenso, e também uma leve fumaça. Tabaco. Frank esbarrou em mim, meu sangue pulsou mais rápido. Cheio de vitalidade.

 

A porta se abriu.

 

Lá estava um homem de suéter preto, pele alva e olhos congelados.

 

E cada pingo da minha vitalidade esvaiu-se e misturou-se à fumaça do ambiente, adormecendo cada um de meus órgãos.

 

Quem era ele?

 

Ou melhor, o que era ele?


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Notas finais do capítulo

Eu realmente não gostei desse capítulo ¬¬ deu para perceber que não sou boa de descrições? Enfim, foi necessário.

Desculpem-me também por colocar nomes de capítulos que não ajudam em nada... É que eu gosto tanto de eucalipto e, sem dúvida, foi a marca registrada dessa pousada xD~

Finalmente, Ville Valo. No próximo capítulo, prometo encaixar a definição dos vampiros. Estou meio confusa porque mudei completamente o rumo da fanfic, espero que para melhor >