Um Pardal Que Tinha Medo De Voar... escrita por Sweet Mia


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Desculpem sei que ando a demorar séculos para postar. Queria agradecer muito todos os reviews e comentários são eles que me incentivam a escrever. Um obrigado especial à Litera Tua pela recomendação (acho que ainda não tinha agradecido aqui, mas foi por distracção), à minha querida JotaBe e a todos os leitores novos. Mas vamos ao que interessa espero que gostem deste capítulo...



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O chão de cimento é frio. A minha boca sabe a sangue porque mordi a língua para não gritar. Todo o meu peito arde e oiço um estalido oco demasiado familiar. Parti outra costela e sinto a pressão nos pulmões...O meu coração acelera, os nervos e o medo misturados, o desejo de que tudo acabe depressa. Respirar é tão difícil, cada fôlego é uma luta que não quero ter de travar. Então deixo de tentar e mergulho nas trevas.

Acordo a tremer. Ainda estou no chão mas a casa está silenciosa à excepção dos roncos "dela" no quarto. Devem ter passado horas...Estou com tanto frio. Quase me arrasto até ao meu colchão...Cada movimento do meu corpo é uma tortura... E sei que amanhã, no banho de água fria a que tenho direito todas as manhãs, o meu tronco terá novas manchas negras, vermelhas e roxas para completar a sua pintura permanentemente inacabada...De cada vez que os verdes e amarelos começam a aparecer demasiado "ela" faz questão de lhe dar uma demão de pretos, vermelhos, roxos e azuis...Porque é isso que eu sou, porque é para isso que eu sirvo...

A janela está perra e deixa entrar uma corrente de ar constante, ar frio, que é uma benção no meu corpo escaldante apenas por um breve segundo antes de me fazer tremer ainda mais...O céu estrelado sem nuvens e a Lua Cheia parecem gozar com o meu sofrimento. A sua beleza pura e intocada relembra-me a cada momento que eu não devia ter direito a desfrutá-las por um segundo sequer. Porque eu sou um ser asqueroso que pertence às Trevas, uma aberração da natureza, a mais vil das criaturas...Eu sou aquela que matou a sua progenitora para poder existir...

E sei que por muito que tente escapar, por muito que eu deseje, o Oliver Twist é apenas uma história e a esperança de que alguém cuide de mim é inútil. Se a vida for minimamente bondosa para mim, vai deixar-me mergulhar nas trevas de onde nunca devia ter saído depois de pagar pelo crime que cometi. Quero adormecer e não acordar nunca mais...mas a morte é demasiado doce para "ela". Eu sei que ainda vou ter de sofrer muito...mas não quero. Não quero sofrer mais...É por isso que as lágrimas que nunca ninguém vai testemunhar correm silenciosamente pela minha cara. Porque sei que não tenho direito a não querer sofrer mais...

Mas não me posso queixar do mundo e apesar de não saber quanto mais sofrimento consigo aguentar, confesso que tenho medo de o deixar. Porque o mundo tem livros, mundos dentro do mundo, vidas que posso imaginar como sendo minhas, lugares, personagens e sentimentos desconhecidos que me inundam e enchem a minha vida de cor. Nunca teria sobrevivido sem livros...E agora há algo mais que invade o meu mundo...Uns olhos castanhos, doces como o chocolate que só comi uma vez, e que insistem em ver-me, uns braços que me aquecem, uma voz que não dirige palavras maldosas...Lucas. Porque é que me vês?

Acordo com os primeiros raios de sol nos olhos...Levanto-me silenciosamente e vou para o banho. Tal como tinha previsto, o meu tronco é um quadro pintado de fresco...A água escorre por ele emprestando-lhe um colorido mais vívido. Despacho-me a vestir-me, cada movimento um momento de tortura silenciosa...Deixo o pequeno-almoço "dela" pronto e preparo-me para ir para a escola.

Na entrada do prédio permito-me finalmente a soltar um ataque de tosse que quase me deita ao chão...Os meus pulmões ardem como se estivessem cheios de pequenos estilhaços de vidro. Cada passo é um tortura, sinto-me tão tonta que mal consigo fixar o chão e caminhar a direito exige um esforço enorme. Mas o auto-controlo e o treino de anos a fio permitem-me saber que consigo fazê-lo...mas é difícil...cada vez mais. A minha cabeça quer explodir...Encosto-me ligeiramente mais a um prédio e deixo que a chuva miudinha que entretanto e começou a cair me escorra pela testa abaixo, aliviando as dores...

Chego à escola bastante mais molhada do que queria e em vez de me dirigir logo para a sala como de costume, vou para junto do edifício da biblioteca...Hoje pela primeira vez não sei se vou conseguir aguentar as aulas. Nunca me senti tão mal...O esforço da caminhada acelarou ainda mais o meu coração e as dores que já me habituei a ignorar ameaçam submergir-me em ondas...Fecho os olhos, uma tentativa vã de me concentrar e de as tentar conter...

Sinto algo a entre mim e a chuva e uma mão que me agarra suavemente pelo pulso. Abro os olhos, assustada, e vejo um enorme guarda-chuva azul que agora também me protege a mim. Mas não lhe dedico mais do que um breve olhar, é-me impossível não fitar aqueles olhos doces, profundos e preocupados, que conseguem ver-me mesmo quando estou invisível...Sinto-me exposta. Mas até é agradável que alguém olhe para mim de uma maneira...gentil. Esqueço-me de respirar por um instante e sinto o meu coração explodir de dor...

–Nora? Sentes-te bem?

Quem me dera conseguir responder-lhe mas não consigo, as dores são demasiado fortes e toldam-me o pensamento...quase inconscientemente levo a mão ao peito como se isso conseguisse pará-las. Ele, delicadamente, puxa-me para si, passando o braço que segura o guarda-chuva em volta das minhas costas.

–Dói-te o coração, não é?

Apenas consigo um leve aceno afirmativo. Ele segura-me melhor junto a si e com cuidado, retira a minha mão do meu peito para lá colocar a dele e faz pressão...dói um pouco mas consigo perceber que me ajuda a respirar e que o meu coração acalma aos poucos. Sem me aperceber encosto a minha cabeça ao ombro dele.

–Respira fundo, com calma...Isto já passa.

O simples facto de estar nos braços dele já me acalma tanto...Os meus olhos encontram os dele. Tenho medo, as dores no coração estão a melhorar um pouco e eu...eu não quero que ele vá embora. Porquê? Porque é que tenho medo que ele fique mas não suporto que vá, que me torne invisível como sou para todos os outros... É então que uma palavra que estava presa na minha garganta desde que as dores começaram, com todas as minhas dúvidas, medos, preocupações misturados com gratidão saiu da minha boca, sem eu saber bem como.

–Lucas...



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Notas finais do capítulo

Então gostaram? Mereço reviews?



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