A Sombra Do Príncipe 1 escrita por Peamaps


Capítulo 2
Capítulo 2




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Peamaps 250112

Capítulo 2

*

Haldir se moveu e então tudo em seu corpo parecia doer. Ele grunhiu e tentou se mover. Seu rosto se contorceu. O que parecia impossível se tornou real, ele sentia ainda mais dor. Mas estava acostumado a ela. Era um grande guerreiro e já teve sua glória, mas isso foi há muito tempo atrás e ele gostava do que fazia.

Ele se ergueu e algo no fundo de sua mente o incomodava. Geralmente se sentia assim quando tinha algum afazer. Então olhando em volta ele percebeu que caíra da cadeira quando adormecera. Estivera esperando por Legolas nos aposentos do príncipe e ele não retornara.

Sua respiração ficou descompassada e ele segurou-a. Sabia como acalmar a mente e a última coisa que se devia fazer era perder o fôlego. Ele respirou fundo e devagar, andando para cá e para lá, verificando lá fora, olhando pelas duas janelas viradas para o leste.

Mesmo sua boa visão élfica não permitia que enxergasse certa árvore, então era melhor ir lá. Enquanto corria para fora do palácio ele podia jurar que vira um montinho redondo na árvore de Legolas. Deveria ser grave, por que de outra forma ele estaria lá?

Legolas sofria demais, ele pensou. Thranduil conseguiu novamente estragar a diversão dele, e como o faz à séculos encontrou uma forma de humilhar Legolas na frente de pessoas próximos à sua idade, guerreiros que ele admirava tanto como Elladan e Elrohir, e uma donzela que muitos achavam que seria uma boa esposa para o príncipe de Mirkwood, e quem sabe estreitar o laço entre as duas terras. Havia ainda o homem e então Haldir o afastou de sua mente.

Seus olhos não lhe enganaram. No topo da árvore, Legolas estava encolhido e envolto por sua capa.

-Legolas! - Ele gritou.

Haldir enxergou os olhinhos amedrontados virando-se para ele.

-Você está bem? - Ele indagou sem fôlego.

-Eu... eu falo com você depois, está bem? - Legolas se endireitou, sumindo do campo de visão do guarda.

-Legolas, deixe-me ajudar.

-Você não vai ajudar, por favor, vai embora. Tire o dia de folga, fique mais tempo na cama.

-Você sabe que eu esperei no seu quarto, por isso está aqui. Agora desça já e deixe eu ver o que o desgraçado fez dessa vez.

-Haldir por favor...

*

Legolas ouviu o minuto de silêncio e respirou aliviado. Um olho seu nem abria direito e doera ter de forçá-lo aberto para Haldir achar que estava tudo bem. Agora ele estava inchado, seu olho fechado e manchado de preto.

Qual não foi o seu susto quando ele ouviu o farfalhar de pano bem ao seu lado. Ele se virou depressa, sem pensar e viu o olhar de horror de Haldir.

-Haldir, vá embora!

Delicadamente mas com firmeza, Haldir, que era a única coisa próxima de um irmão mais velho, tomou seu rosto na mão e virou-o. Legolas o viu analisar o resultado da ira de Thranduil. As lágrimas faziam seus gigantescos olhos azuis brilharem, e Legolas sentiu o próprio peito apertar. Ele não gostava que sentissem pena dele, por isso escondia o abuso de seu pai a todo custo, para não ver todo mundo olhando-o assim, mas mais do que isso, detestava causar dor à Haldir.

-Eu estou bem. Estou falando sério.

Haldir agachou-se na sua frente, equilibrando-se no galho de uma forma que só um elfo mesmo conseguiria.

Não houve tempo para impedir o guarda. Haldir abrira sua capa e soltara um gemido estrangulado.

Legolas se livrara de sua camisa quando ela se enchera de sangue, por isso pegara a primeira capa que encontrara. Ao abri-la, Haldir vira as manchas em seu tronco, e em um ponto, uma costela se quebrara para fora e o ferimento pingara por algumas horas antes de parar. Mas o sangue ainda estava ali, seco mas piorando todo o quadro.

-Eu mato ele. Eu vou matar ele!

Haldir fez menção em descer mas Legolas o segurava pela manga, pela gola, desesperado:

-Por favor Haldir não! Ele vai prendê-lo no calabouço e eu só vou encontrar seu punho novamente!

O guarda olhava para longe, para o horizonte e Legolas seguiu seu olhar, achando mesmo que Haldir tinha visto alguma coisa.

-Você tem razão Las. Vamos fugir. Não importa para onde vamos, mas você precisa sair daqui.

-Eu estou pensando em como fazer isso, não se preocupe.

-Precisamos ir logo. Ele jamais...abriu você antes.

O príncipe consentiu tristemente. Ele nunca imaginava que seu pai o odiaria ainda mais. Imaginou se tinha algo à ver com o namorico do pai com uma elfa. Desde que Legolas... matara sua mãe, Thranduil se manteve fiel e solitário. Mas ultimamente uma nobre da corte vinha sendo vista ao lado do rei.

-No que você está pensando? - Haldir perguntou.

-Nada.

-Las...

-Eu pensei que ele estaria mais feliz se encontrasse alguém. Estava enganado.

-Thranduil é um monstro. Ele jamais será feliz.

-Mas você não pode culpá-lo. Se eu fui o culpado...

-Sua mãe morreu porque ela era fraca. Eu estava lá, eu vi!

Legolas até recuou ao grito feroz de Haldir. Ele sabia que não era direcionado a ele, que o guarda estava revoltado, mas mesmo assim, Haldir era sempre tão calmo.

-Desculpa Las. - Haldir pôs a mão por sobre a pequena cabeça. - Me perdoe.

Legolas aceitou o conforto por algum tempo. Então olhou para o outro:

-Como ela era?

O olhar do guarda mudou. Ele se tornou distante e saudoso. Um leve sorriso dançou em seus lábios quando disse:

-Linda... Las, sua mãe era linda... E eu não falo sobre sua beleza no corpo físico que tomou em Arda, falo do que ela realmente é. Claro, ela era linda fisicamente também, ou Thranduil talvez jamais a tivesse visto. Mas ela era puro amor, pura caridade. Ela se importava com todos, até com os pássaros que passavam por ser jardim. Ela amava as flores que plantava e não esquecia de regar suas plantas por um dia sequer.

Ela estava tão feliz quando descobriu que estava grávida. Todos nós ficamos mas ela estava exultante. Seu... pai também estava. Eu não sei o que aconteceu.

-Eu a … Ele me culpa por tê-la... você sabe.

-Seu pai ficou louco quando ela morreu, isso sim. O que começou como um casamento de interesse – sua mãe era a melhor candidata para ser rainha. Todos já a amavam. - acabou se tornando amor de verdade. Thranduil nunca foi um bom homem mas ele a venerava.

Eu podia vê-los sabe, da janela de meu quarto. Ela estava no banco em seu jardim, conversando com as árvores ou ouvindo o canto que era trazido pelo vento e ele se ajoelhava perante a ela. Você acredita nisso? Thranduil, se ajoelhar. E como eu quis contar isso à outros guardas, aqueles que eu trabalhei junto antes de ser guarda de sua mãe. Eu sabia que eles dariam boas risadas se soubessem o bobo que ele vira quando estava com sua mãe.

Thranduil não foi sempre assim. Ele realmente mudou com sua morte. Passou à odiar todo mundo, eu sempre lhe digo Las, não pense que é só com você. É que com você ele acha-se no direito de descontar sua raiva. Se por exemplo ele descontasse em mim ou em um outro guarda, acabaríamos duelando na espada.

-Você diz coisas Haldir... mas sei que o faz pelo meu bem. Eu sei que ele jamais me amou.

-Ele não é mais capaz de amar ninguém. Até com sua mãe, tudo foi além do amor. Por anos ele a amou, desejou ter você, mas com o tempo ele se tornou possessivo. Ele a tratava bem, e não a maltratava quando sentia ciúmes porque Las... muitos olhavam para ela. Mas ele se voltava constantemente para ela, obsessivo, e não queria mais que ela saísse sozinha. Por isso que ela ficava no jardim. Ela estava presa sabe, no fundo ela estava mas amava seu pai e aceitava seu destino com alegria. Ela só pediu que Thranduil não a isolasse do povo. Ela sabia da luz que era para eles. Muitos até acreditavam que poderia ser curado caso tocassem nela.

Legolas sorriu, maravilhado com o relato. Seu olhinho azul brilhava.

-Você se parece tanto com ela. - Haldir murmurou.

-É mesmo? Muitos falam isso. Eu queria tê-la conhecido melhor.

-Talvez você possa. Um dia.

-Eu rezo para ela, busco por ela em meus sonhos. Até hoje, nada.

-Vamos. Você precisa tratar de seus ferimentos.

-Não, eu não posso andar por aí assim, todos vão ver!

-Use minha manta que tem um capuz. Ninguém o verá assim, você irá parecer um Nâzgul.

Eles desceram da árvore e Legolas precisou de ajuda. E seguiram para o palácio com Legolas querendo saber o que eram esses Nâzgul. Haldir explicou que Legolas tinha sorte em nunca ter visto um, o príncipe achava que o guarda sim é quem tinha sorte de ter encontrado.

No quarto, Haldir ajudou Legolas à se livrar das roupas. O príncipe então se encaminhou para a banheira.

Se Legolas tivesse a chance de montar guarda nas fronteiras, estaria mais acostumado com a dor, mas não e ele era frágil. Haldir se contorcia a cada careta que Legolas fazia. A água devia queimar o ferimento pois ela estava quente e o príncipe jamais se machucara daquela forma. Se eles não partissem logo, em breve, Thranduil iria matar o filho.

Haldir já pedira para Legolas reagir. Ao menos tentar se proteger mas ele era doce como a mãe. Ele poderia ter uma lâmina afiada em seu pescoço e se fosse seu pai empunhando a bainha, ele não reagiria. E é assim que ele achava que um dia, pai acabaria por matar filho.

Com a mão, o guarda tentou lavar o sangue coagulado o melhor que pode. A visão era revoltando. Nas costas, nas laterais, no peito e barriga, Legolas possuía inúmeras marcas negras. Ele sentiu o sangue ferver ao ver pela primeira vez que Thranduil usara seus pés e não o punho, como sempre fizera.

-Se você não reagir, ele vai acabar com você Las.

-Ele é meu pai. - Legolas respondeu como se isso explicasse tudo.

-Eu nunca conheci meu pai, e mesmo assim sinto-me afortunado. Eu não sei como o Valar permite que isso aconteça a você Las.

-Você sabe como se diz. Tudo tem um motivo.

Haldir não conseguia entender o motivo para tanta fúria. Então repassou o jantar em sua mente:

-Foi por causa de Elladan não foi?

Legolas consentiu e então tremeu, sentindo dor em algum lugar.

-Você precisa conversar com os gêmeos. Isso não pode continuar acontecendo todas as vezes que ele vem aqui.

-Eles vems a cada mil anos! - Legolas brincou.

-Se você pedir segredo, Elladan e Elrohir não mostrarão que sabem. Eles são mais próximos de ser sua família do que seu pai. Confie neles.

O olhar de Legolas pareceu distante.

-Rivendell...

-Você poderia finalmente conhecê-la. Ela é linda.

-E Lothlórien!

-Também. - Haldir observou Legolas esperançoso. - Eu tenho certeza que não precisaríamos morar na natureza. Elrond nos concederia abrigo de bom grado. - Ele aproveitou.

*

Naquela noite, Thranduil se desculpou pelo filho que não estava se sentindo bem. A aventura teria de ser adiada, disse ele. Elrond o observava com atenção por cima da mesa, assim como Elladan.

-E o que ele tem? Eu posso dar uma olhada. - Elrond bebericou o miruvor, notando que ele era muito melhor em Mirkwood.

-Não é preciso. Apenas um leve mal estar. Ele e seu guardinha pessoal estiveram treinando com espadas hoje, e como sabe, nós elfos de Mirkwood só sabemos lidar com o arco e a flecha. - Thranduil tentou uma imitação de um sorriso.

Elrond sabia que o rei era a arrogância personificada e que quando dizia algo assim sobre seu reino só podia significar que ele tentava desviar sua atenção.

-Mesmo assim eu gostaria de dar uma checada. - Ele insistiu.

Thranduil o fuzilou com o olhar e Elrond levantou uma sobrancelha, como era típico dele. Elladan sentiu a tensão entre os dois senhores, sabendo que ambos tinham um temperamento ruim, embora seu pai fosse somente severo e não mal como o rei de Mirkwood. Então ele resolveu canalizar a raiva do elfo para si:

-Pensando bem, termine de comer meu pai. Eu irei verificar o estado de Las e quem sabe dar-lhe alguma erva para dor, ou mesmo para dormir.

-Você fique exatamente onde está, menino. - Thranduil falou com desprezo.

Elladan se curvou e se sentou. Em seus olhos cinzentos, dançava um brilho divertido. Novamente ele viu o rei desviar o olhar.

O jantar acabou calmo. Os gêmeos trocavam olhares por cima da mesa. Eles haviam se separado pois Elrohir quis ficar o mais distante possível do anfitrião e então se juntara à Arwen.

Os dois belos elfos morenos saíram do salão e logo a escuridão os cobriu. Eles ficaram esperando todos saírem, e ninguém enxergava dois elfos pálidos escondido nas sombras.

-Eu gosto muito de aventuras, especialmente pelo mundo afora, mas prefiro não enfrentar a fúria de Thranduil Dan. - Elrohir sussurrou no ouvido pontudo do irmão.

Elladan virou-se e ergueu uma sobrancelha, idêntico à como seu pai faz:

-Eu não acredito nisso.

-Digo isso também por Ada. Você não viu como Thranduil anda nervoso? Eu nunca o vi assim antes. E se as relações entre Mirkwood e Rivendell forem interferidas?

-Nunca deixaríamos chegar à isso. Só se nosso pai o fizesse. Agora, quando eu for o Senhor de Rivendell, se Thranduil ainda for rei eu cortarei relações.

-E Las?

-Quando Las herdasse o poder então eu reabriria as relações.

Os dois riram por debaixo da respiração. Então ficaram quietos ao ver que ainda havia gente andando no corredor.

-Bem já que você morre de pavor de Thranduil, eu irei sozinho Ro.

Elrohir abriu a boca para retrucar. Mas ele realmente tinha pavor do homem.

Elladan sempre soube que havia algo de errado, mas nunca teve certeza do que era. Nesta vinda, ele tinha uma missão.

Sempre fingiu-se perdido quando no palácio de Thranduil, mas a verdade é que sua memória era fotográfica e ele sabia exatamente onde ficava os aposentos do príncipe. Ele caminhou à passos firmes de quem sabe para onde vai. Ele virou corredores, percorreu-os e desviou do que era preciso, mesmo em meio à escuridão. Thranduil não colocava tochas ali de propósito, ele pensou. Quem mais se arriscaria à xeretar o lugar se sequer conseguia saber para onde ia.

Mas ele se lembrava. Há séculos e séculos atrás, Legolas era ainda pequeno e ele lhe mostrara o palácio quando ainda era dia. Elladan observara o local, a arquitetura – pois gostava disso – mas sua atenção estava no adorável elfinho que falava engolindo palavras e ficando sem fôlego pois não pausava sua narrativa. Ele ficava tão empolgado quando ele e Elrohir vinham visitá-lo. Já naquele tempo, ele sentia que algo não ia bem.

Elladan mergulhara tão fundo em sua memória, de um belo dia de sol, que voltar à penumbra em que estava foi como um choque. Por um momento ele parou seus passos silenciosos, virou-se de um lado para o outro. Estivera andando a esmo e agora não tinha certeza de onde estava. Ele se aproximou das paredes do corredor e tocando, tentou enxergar, sob a pouca luz do luar, que corredor era aquele. Então ele começou à reconhecer que era onde ficavam os quartos de Estel, de um lado e Arwen de outro. Ele ouviu um clique, então continuou andando.

Belos vasos enfeitavam os cantos mas ninguém podia enxergá-los pois Thranduil não deixava. Aquele homem era mesmo odioso. Todos os rumores sobre o homem não só eram verdadeiros, mas também não faziam jus ao que ele realmente era. Quando ele achava que detestava o rei, alguns séculos se passavam e ele via que tudo poderia piorar.

Finalmente ele chegou à porta de Legolas. Eles se conheciam por toda a vida de Legolas, mas mesmo assim ele não entrava sem bater. E assim o fez. Uma, duas, três vezes, aguardando um pouco a cada batida. Nada.

Ele girou a maçaneta e enquanto abria a porta, batia nela de leve. Ele fechou a porta atrás de si, sem trancá-la. Os aposentos também estavam escuros e ele se perguntou se rei e príncipe deviam tatear o chão para encontrar a cama. Por que Thranduil não queria luz em seu lar?

Cansado, ele procurou uma lamparina. Demorou mas ele a localizou sobre a penteadeira de Legolas e a acendeu. Por um instante ele olhou os objetos pessoais do príncipe e passou o dedo neles. Havia uma grande escova, com alguns fios de cabelo loiro nela. Ele olhou de perto e sorriu. Seu coração ficou leve, e então ele viu alguns cremes e um frasco de perfume.

Segurando a lamparina, ele se moveu pelo quarto. A cama estava desfeita o que confirmava que Legolas não estava bem. Ele foi até o lavatório, tudo estava seco, sem vapor.

Realmente Legolas não estava ali. Apagando a luz novamente, ele saiu. Suspirou fundo para fazer todo o caminho de volta, e se foi. Falaria com o príncipe pela manhã. Ele o evitara o dia inteiro, mas amanhã seria diferente.

O caminho de volta foi demorado, ele estava um pouco atordoado por não ter encontrado Legolas. Por um momento preocupou-se de que não fosse mais vê-lo durante sua estadia, mas então se tranquilizou. Não havia nada que Elladan não quisesse que ele não conseguia.

Ele entrou em seu quarto e fechou a porta. Finalmente, foi só abrir a porta para ver luz.

-Thranduil é um esquisito, um maluco! - Elladan explodiu tirando sua túnica negra e arremessando-a ao chão.

-Só agora que você percebeu?

-Os corredores de Las estavam todos escuros.

-Ele não quer que nos locomovamos à noite. Deve estar escondendo alguma coisa.

Elrohir estava deitado na cama, sem camisa e com uma calça larga para dormir. Seus pernas estavam esticadas e cruzadas, e ele tinha alguma coisa em seus lábios na qual parecia chupar.

-Ainda está com fome? - Elladan perguntou.

-Estou comendo a sobremesa. - Elrohir lançou-lhe uma uva. - Eu não queria ficar mais um segundo naquela mesa.

-Paciência. Ada só vem aqui porque acha que precisamos sempre reforçar os laços com nossos aliados. E desde que Las nasceu... por causa de Las.

-O pai tenta se convidar várias vezes. Parece que Thranduil finge não ouvir.

-Eu sei, eu mesmo escrevi algumas das cartas. Onde já se viu nos convidar a cada quinhentos anos? É rude.

-Ele também não freqüênta Lothlórien ou convida vovô e vovó para virem aqui.

-Oh, ele não iria querer abrir sua mente para a senhora Galadriel, isso não. Ela me disse que não o vê à milênios. Desde que – dizem – ele ficou biruta.

Elrohir endireitou-se na cabeceira da cama:

-Ele é maluco, não é mesmo?

-Não sei. Mas dizem sim que ele enlouqueceu com a morte da mulher.

-Não é perigoso? Digo, para Las?

-Você quer dizer para você mesmo. - Elladan resmungou. - Nunca vi alguém ter tanto medo dele. Eu acabaria com ele se o colocassem em uma arena. Mas sim, é claro que é. Você sabe por que eu vim.

Nessa hora houve uma batida na porta e os dois se calaram depressa. Elrohir olhava para o irmão gêmeo, mais velho por alguns minutos, apavorado. Elladan e ele conversavam com os olhos e o mais velho lhe garantiu que se fosse Thranduil, ele não teria ouvido nada. A porta era grossa, ele sabia.

Ele mal destravou a fechadura e a porta abriu-se depressa. A visão que ele teve o fez abrir a boca, horrorizado. Mas atrás dele, Elrohir estrangulou um grito.

Pelo lado esquerdo era possível ver o belo olho azul, a face sem defeitos, perfeita de Legolas. O outro lado estava inchado, seu olho fechara-se por trás da pele negra.

-L... Las! - Elladan disse mas se calou ante o pânico de Legolas.

Legolas pedia para que ele ficasse em silêncio. O dedo indicador por cima dos lábios vermelhos.

Então fechou a porta atrás de si e respirou fundo.

Elladan se aproximou e pousou a mão sobre o ombro do príncipe.

-Las, você está tremendo.

O recém-chegado respirou fundo:

-Eu... eu estou bem. Mas queria falar com você...s, falar com vocês. - Ele ruborizou, olhando para Elrohir.

Elrohir também se aproximou.

Legolas olhou para os gêmeos. Tão idênticos mas ele jamais se confundiu. Eles eram tão diferentes em personalidade que para ele fora fácil distinguir. Além de ter um carinho especial por Elladan por toda sua vida.

-Legolas o que foi? - Elladan perguntou firmemente, ao ver que ele hesitava.

O príncipe olhava de um para o outro, e então para o chão. Parecia assustado como um animal acuado. Elladan pegou sua mão e o puxou até a cama, fazendo Legolas se sentar. Então sentou-se de um lado e Elrohir do outro. Agora Legolas podia olhar para a frente sem precisar encarar nenhum dos dois.

Ele observava o cesto de frutas sobre a penteadeira:

-Vocês ainda tem fome? Eu posso arranjar...

-Las, se você pudesse sair de seu quarto, não teria se escondido no jantar. O que aconteceu? - Elladan pressionou, embora, gentilmente.

Legolas juntou as mãos nervosamente. E ficou olhando para elas:

-Eu quero... eu preciso fugir daqui.

Os gêmeos se entreolharam.

-Foi... seu pai quem fez isso? - Os dedos de Elladan flutuaram por sobre o olho inchado.

Legolas arregalou o olhou bom para ele. Em sua ingenuidade, ele pensara que ninguém desconfiava.

-Las, há rumores lá fora. Eles falam sobre a sanidade mental de seu pai...

O príncipe desviou o olhar, seu rosto vermelho numa vergonha não contida.

-Dizem que Thranduil era outra pessoa antes. - Elrohir comentou. - Há quase dois mil anos atrás.

-Vocês prometem guardar segredo?

Elladan e Elrohir abraçaram Legolas, que endureceu o corpo por um momento e então relaxou nos braços deles:

-Qualquer coisa. Peça-nos qualquer coisa. - Elladan disse.

-Ele ficou assim porque eu a matei. - Legolas murmurou, derrotado.

Sua cabeça tombou e Elladan a apoiou em seu ombro.

-Las, não diga isso!

-Mas é verdade. Ela era fraca, Haldir me disse. Acho que insistiu em me ter mesmo assim. E acabou morrendo. Se eu não tivesse nascido, como meu pai diz...

-Você não tem culpa pela escolha de seus pais. E principalmente, um bebê não pode carregar o fardo sobre a decisão de um nascimento que foi escolhido por outros.

Legolas começou à chorar e Elladan afagou sua cabeça:

-Oh, querido Las.

Elrohir cobriu Legolas com seu corpo mas então o pobre príncipe gemeu e se debateu. Ele olhou para seu gêmeo. Instantaneamente uma mão de cada um deles foi até o fim da camisa de Legolas. E então a ergueram.

Legolas tentou se proteger mas já era tarde. Quando percebeu eles haviam erguido sua roupa até o peito.

Elrohir levou à mão à boca. Elladan ficou apenas olhando os machucados. Sua sobrancelha arqueada agora se franzia. Legolas olhou-o temeroso. Sabia do sangue quente dele.

-Eu não acredito nisso. Por que?

Legolas desviou aquele olhar que o fazia congelar onde estava.

Elladan agarrou seu queixo:

-Eu perguntou, por quê?

-Quando insistiu que saíssemos para a fronteira, ele achou que eu lhe contei alguma coisa.

Elladan respirava ofegante. Elrohir saiu do lado de Legolas para sentar-se ao lado do irmão:

-Dan, calma.

-Todo esse tempo Las? Ele faz isso...

Legolas consentiu.

Então Elladan se lembrou. Todas vezes que eles vinham à Mirkwood, no último dia ou talvez mais, Legolas parecia indisposto para vir encontrá-los. Ou uma vez eles chegaram ali e viam Legolas andando ereto demais, ou mancando.

Elladan arrancou a faca que trazia na bota e ela voou até a parede, parando ali, fincada nela. Legolas ficou boquiaberto. Elladan se levantou e começou à caminhar de um lado para o outro.

-Por favor, se você falar alguma coisa, será pior.

-E o que você pensa em fazer, hein Las? - Elladan voltou-se repentinamente e Legolas se retraiu.

-Eu não vou te machucar. - Elladan ainda tinha os olhos arregalados, assustadores.

-Mas você está deixando ele com medo, Dan. - Elrohir avisou.

-Eu... penso se não seria melhor... fugir. -Legolas hesitou.

Os ombros de Elladan relaxaram, ele nem percebera que os erguera.

-Muito bem. Pode contar conosco.

-Mas não agora. - Legolas disse baixinho.

-Você está brincando não é? - Elladan parecia segurar seu desespero. - Meu Pai irá lhe dar refúgio, um lugar para chamar de lar pelo resto de seu tempo aqui na Terra-Média, eu, Elrohir e nossa guarda o protegeria caso Thranduil viesse tomá-lo de volta, você teria finalmente uma vida, liberdade para começar à crescer e...

Legolas disse alguma coisa e Elladan parou. Com remorso, ele notou que o príncipe de Mirkwood estava quase para chorar e que ele mesmo estivera gritando.

-Perdão Legolas. O que disse?

-Eu disse que eu vou. Mas não com vocês.

-Se você for sozinho irá morrer.

-Eu vou com Haldir.

-Se você for com Haldir irá morrer. - Elrohir repetiu.

-O mundo está cheio de orcs, Las. - Elladan respirou fundo e sentou-se novamente. Abraçando o elfo loiro. - Dois elfos, não importa o quão bons eles sejam na luta, serão alvo fácil para eles.

-Mas eu não posso ir agora! Eu não irei causar problema algum entre Rivendell e Mirkwood. Eu fingirei que fugi, sem rumo. Se um dia ele descobrir que estou lá, então farei com que pense que eu acabei chegando lá depois, mas que vocês nunca me ajudaram.

-Você e Haldir não podem ir sozinhos. Isso é impossível.

-Nós podemos mandar a guarda escoltá-los depois da fronteira... - Elrohir disse.

-Ah eu sabia que não herdei a genialidade de nosso pai sozinho.

-Não. Claro que não. Eu sou mais esperto.

Elrohir recebeu um soco mas não forte, o que fez Legolas pular de susto.

Elladan olhou para ele, penalizado por tanta fragilidade.

-Obrigado por pensar nisso. Em nossos reinos. - Elladan sorriu gentilmente. Então acariciou o rosto do príncipe. Ele apenas piscou de volta.

Legolas se levantou e foi até a porta. Sendo observado pelos gêmeos. Então se virou:

-E aquele que seu pai adotou... Estel. Ele mora em Rivendell também?

-Ele raramente está lá Las. - Elladan respondeu. - Por que?

Legolas agitou a cabeça, recusando-se à responder. Então abrindo a porta, se foi.

Os gêmeos não sabiam porque ele chegara tão assustado ali. Mas antes de partir, Estel tinha feito uma visita à Legolas em seu quarto.  


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Notas finais do capítulo

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