Ali estávamos eu e Annabeth sentados em um banco de frente para praia apenas com a iluminação de um poste acima de nós. Não havia ninguém nas ruas, a lua estava tampada por uma grande massa de nuvens e não havia estrelas hoje. Eu estava encostado em Annabeth como uma criança indefesa enquanto ela me envolvia em seus braços silenciosamente.

Eu havia contado toda a minha dramática e podre história. Desde quando o inferno familiar começou, a separação dos meus pais, os meus colégios internos... Bom, praticamente toda a minha vida. No final eu já não tinha o que dizer e tudo o que nos restou foi um silêncio enorme e inquieto. Senti meus olhos queimarem, talvez porque eu poderia chorar de raiva a qualquer momento e dar um tiro na cabeça de cada um dos meus tios.

- Já passou. - Disse Annabeth, acariciando meus cabelos – Nada vai dar errado, prometo.

- Se não fossem pelas coisas que já estão indo pelos ares, realmente nada daria errado – murmurei.

- Olha, Percy, você não é o único que já passou por algo desastroso - ela disse me soltando e nós ficamos frente a frente – Quando eu tinha sete anos, minha mãe foi embora. Aquilo doeu em mim mais do que qualquer outra coisa. Eu quero dizer, ela optou por ir embora. Ela não queria nem a mim nem a meu pai. A sensação era, na verdade ainda é, de... abandono. Eu só tinha uma foto dela, mas a perdi quando era criança – Annabeth finalizou, com algumas lágrimas nos olhos.

E então ela foi me contando cada passo da vida dela. O pai dela casou-se novamente, teve mais dois filhos com a nova esposa e então Annabeth perdeu tudo que tinha. Teve que ceder o quarto – já que era maior – para os novos bebês que viriam. Ficou transtornada com tudo aquilo.

Aquilo era perturbador. Disse que ela se desconcentrou de tudo, que seu pai já não lhe dava tanta atenção como antes, que ia muito mal na escola... E sentia falta de sua mãe até hoje. E ela não era de ter muitos amigos, era a esquisita da escola e confessou que seus livros eram seus melhores amigos. Até conhecer Thalia.

- Quando eu conheci Thalia, eu pensei que ela ia me bater de primeira, pelo estilo punk e por ser da série dos mais velhos. – disse Annabeth dando um sorriso fraco e olhou para o céu como se estivesse tendo aqueles flashbacks de filmes – Mas ela não o fez, ela foi legal comigo. Com o tempo fomos ficando bem próximas, e ela acabou me contando que a mãe dela havia morrido há algum tempo. E foi ai que ficamos amigas.

- Thalia dá mesmo essa impressão. Apesar de tudo que ela já me fez medo quando éramos menores, ela realmente tem certa bondade – eu disse, encarando o banco e rindo fraco. Eu entendia Annabeth. Bom, em parte pelo menos eu entendia.

- Não conte isso á ninguém, Cabeça de Alga – ela me disse rindo fraco.

- Não contarei, prometo Sabidinha – eu disse, sorrindo, e agora olhando para Annabeth. Estava ventando forte o suficiente para que os fios soltos de sua trança voassem por seu rosto. Peguei-os com precisão e coloquei atrás de sua orelha, e acariciei sua bochecha involuntariamente em seguida.

- Percy, se você demorar muito para me beijar, eu vou... – ela disse, mas eu não deixei-a finalizar. Cheguei meu rosto mais perto e selei nossos lábios.

Annabeth retribuiu meu beijo delicadamente, e uma fusão de sensações queimou por meu corpo. Não ouvia mais o barulho das ondas, não sentia o vento mais brincar com o meu rosto. Eu não sentia mais o mundo ao meu redor. E também já não sentia as gotas da chuva que havia começado a cair escorrendo pelo meu rosto. Se eu pudesse congelar um único momento na minha vida e pudesse mantê-lo para sempre, seria esse. Envolvi seus cabelos em meus dedos, e ela abraçou meu pescoço.

Separamos nossos rostos  em busca de ar, mais eu ainda sentia a sensação forte dentro de mim. Annabeth deu um sorriso tímido e me deu um selinho.

- Vamos pegar uma gripe forte com essa chuva, Cabeça de Alga.

- Não vai ter problema se você estiver do meu lado mesmo doente. – Eu disse, sorrindo.

(...)

Sonhei com um par de olhos cinzentos a noite toda. Um sorriso tímido, um perfume leve, cabelos louros voando diante do sol. Eu ainda tinha minhas dúvidas sobre Annabeth ser um anjo ou algo do tipo.

Levantei-me com dificuldade, enquanto Luke entrava no quarto com uma toalha na cabeça e sem quase metade dos pontos que ele havia ganhado no rosto.

- Você está parecendo uma moça – eu disse, coçando os olhos.

- Quem pareceu uma moça foi você saindo correndo ontem, seu babaca – ele disse, jogando a toalha em mim. – E então, para onde você foi ontem? Aposto que foi pra um pub e bebeu todas, você parecia um bêbado falando coisas inúteis ontem quando chegou, e ainda estava molhado.

- Na verdade, foi bem melhor que isso – eu disse, rindo.

- Meu Deus, não vá me dizer que você foi pra um putei...

- Não, Castellan! Larga mão de ser estúpido. Eu... eu me encontrei com Annabeth. E a gente se beijou – falei, coçando a nuca e corando fortemente.

- Ah, amém senhor! Finalmente você tomou alguma atitude prestável. – Ele disse, rindo.

- Cale a boca – eu disse, jogando meu travesseiro nele e ri junto.

- Estou muito feliz por você, que vocês se casem e tenham lindos filhos – ele disse, ironicamente. Eu o ignorei, e fui comer qualquer coisa antes que eu começasse a devorar meu próprio travesseiro. Antes que eu pudesse comer algo, olhei as horas e notei que não iria adiantar nada eu tomar café da manhã, já que estava na hora do almoço. Martine estava meio ocupada e não tinha feito comida, o que significa que eu teria que caçar um restaurante por ai.

Acontece, que antes mesmo de eu ter notado, eu já estava discando o número de Annabeth prestes a convidá-la para almoçar. E, por mais incrível que pareça, ela havia aceitado, e íamos á um restaurante de comida japonesa ou algo assim.

Não estávamos saindo como um casal ou coisa parecida... Ou estávamos? Eu não sei ao certo, mas se era com Annabeth, tudo bem. Troquei de roupa rapidamente, fiz algumas necessidades fisiológicas no banheiro e avisei a Luke que iria sair, ignorando as perguntas que ele tinha feito, mas acho que ele entendeu que eu iria almoçar com Annabeth de alguma forma.

O dia estava bonito, para uma tempestade forte como a da noite passada. Ignorei o fato de eu ter um carro à disposição e fui andando, sem pelo menos prestar atenção nas pessoas ao redor ou até mesmo no hidrante. Mas eu posso considerar isso um grande erro, porque acabei esbarrando em uma pessoa que eu já havia esquecido há tempos.

- Percy! – disse ela, sorrindo abertamente.

- Oi, Calipso.