Tale As Old As Time. escrita por Jajabarnes


Capítulo 66
Do Not Regret.


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos! Chegamos ao penúltimo capítulo. Espero que gostem!



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—Caspian... - chamei, balançando-o, tocando seu rosto, mas ele já estava desacordado, o pânico tomando conta de mim. O desespero ardeu em meu peito fazendo lágrimas jorrarem. Seu sangue molhava minhas mãos trêmulas e ele não reagia. O grito surgiu do fundo de minha alma e explodiu em meus ouvidos.

— CASPIAN!

O som dos disparos ainda ecoava em meus ouvidos. O mundo inteiro parou de girar e minhas lágrimas pingaram no rosto desacordado de Caspian enquanto tentava chamá-lo. Da entrada, Harold e Digory olharam em volta chocados pelo tempo de uma batida de meu coração. Digory correu até mim, ao passo que Harold foi até Dash.

—Susana - chamou Digory, ao ajoelhar-se ao meu lado.

Ergui o rosto com lágrimas para ele. Havia pavor em seus olhos. Quis implorar, gritar, qualquer coisa, mas tudo o que consegui foi um soluço engasgado. Digory tocou o pescoço de Caspian.

—Chegamos tarde. - amaldiçoou Harold. - Dash se foi.

—Caspian ainda está vivo - arquejou Digory. - Ajude-me aqui!

Harold correu até nós e juntos tiraram Caspian de cima de minhas pernas. Arfei com a dor que isso provocou.

—Querida - chamou Harold, ao mesmo tempo que deitaram Caspian de lado no chão. - Está ferida?

—Minha perna - balbuciei, apontando a mancha de sangue no vestido com a mão trêmula, sem tirar os olhos de Caspian, de suas costas ensanguentadas. - Tem como ajudá-lo?

—Ele ainda está respirando, mas bem fraco. - avaliou Digory. - Se conseguirmos retirar as balas talvez possamos salvá-lo.

Limpei as lágrimas que escorriam por meu rosto com o dorso da mão.

—Qualquer coisa... - ofeguei. - Façam qualquer coisa para salvá-lo. - mas não sei dizer se me ouviram.

Harold e Digory levaram Caspian e eu precisei de mais alguns segundos para acompanhá-los, a racionalidade voltando à clareza. Havia uma chance, e tinha que ser essa. Puxei a saia do vestido para avaliar o estado do ferimento. Como suspeitei, fora de raspão, mas suficiente para abrir um corte comprido na coxa esquerda. Ainda sangrava, tingindo a pele de vermelho. Cobri a perna novamente e respirei fundo duas vezes, expulsando de minha visão as lágrimas que restavam.

Busquei apoio na coluna para levantar. A dor urgiu do ferimento e eu gemi, a respiração acelerando. Mantive a posição, apoiando-me com os braços e impulsionando com a perna direita. Respirei fundo mais uma vez para fazer o último movimento e um grito curto escapou quando fiquei de pé. A visão ficou turva e escorei-me na coluna fria. Devia ter perdido sangue o bastante para causar aquilo, e ainda podia senti-lo escorrer pela perna, mas permaneci. O sangue de Caspian que manchava minhas mãos ficou marcado no chão logo abaixo, e na coluna logo ao lado. Controlei a respiração, tomando fôlego para a dor que viria em cada movimento.

Olhei para a fonte, para Dash sem vida, de lado sobre o chão vermelho pelo sangue. Seus olhos estavam abertos e sem vida, voltados em minha direção, a mesma em que seu braço direito jazia esticado, com a arma pendendo de sua mão. Meu apertou em uma dor sufocante. Dor por vê-lo ali, dor por ele ter se perdido em si mesmo. Dor pelo que havia feito à Caspian. Dor porquê não havia mais volta.

Respirei fundo mais uma vez, desviando o olhar de Dash e começando meu trajeto. Mancando e caminhando, segui o mais rápido que meu corpo permitia para fora do jardim, para onde quer que tivessem levado Caspian, deixando o corpo de Dash para trás. Com o apoio das paredes no corredor, parei para respirar na esperança de acalmar a dor. Mesmo seguindo mancando, a dor pulsante do ferimento não era maior que a necessidade de ir até Caspian.

Escorei-me na parede mais uns metros adiante, ofegando, a dor tornava-se mais aguda a cada movimento. Podia ver vagamente o rastro fino de gotas de sangue que deixava para trás no corredor escuro. Tudo girtou a minha volta e fechei os olhos para me concentrar.

—Ah, Susana! - abri os olhos ao ouvir a voz de Harold, que acabara de entrar do corredor, provavelmente para voltar ao jardim. Ele correu até mim, pude notar o suor em seu rosto. Ele viu o sangue no chão. - Céus! Não se esforce mais!

Reuni meu fôlego.

—Onde ele está? - foi um sussurro embargado pela dor.

—Está com Digory. - respondeu. - Vou levá-la para lá, precisamos olhar essa perna. - Ele passou meu braço por seus ombros e pegou-me no colo. Gemi.

—Raphael - ofeguei. - Dash o encontrou primeiro, cono ele está?

—Dash não fez nada a ele. - respondeu, tranquilizando-me. - Felizmente está longe demais para ser acordado pelo barulho. Continua dormindo como um anjo.

Agradeci mentalmente, sentindo certo alívio, não suportaria se algo tivesse acontecido a ele. Tomei cuidado para fazer a pergunta certa sem desabar.

—Harold - engoli. - Caspian ficará bem, não é?

Ele levou alguns segundos para me responder, os olhos fixos no caminho à frente.

—Faremos tudo o que for possível para que isso aconteça. - garantiu, e eu sabia que dizia a verdade.

Harold levou-me para um quarto diferente. Como todos os cômodos daquele lugar, também era mobiliado como se esperasse ocupantes a qualquer momento. Pude ver que Caspian havia sido deitado na cama assim que passamos pela porta. Deitado de bruços, sua camisa fora rasgada revelando os ferimentos nas costas. Lamparinas e velas foram acesas e Digory estava ao lado da cama, aquecendo algo na chama de uma vela. Harold ajudou-me a sentar em uma poltrona próxima a lareira apagada.

—Não queria que assistisse a isto. - disse Digory. Gentil, porém sua voz estava diferente, rouca. - Mas não podemos perder um segundo sequer.

—E eu agradeço muito por isso... - fui interrompida por meu próprio gemido quando Harold tocou minha perna. Digory lançou um olhar em minha direção, o cenho franzido indicava a preocupação em seus olhos, mas não perdeu sua concentração em Caspian.

—Como conseguiu isto? - Harold ergueu o olhar do ferimento para mim, a preocupação contorcendo suas sobrancelhas, depois de tê-lo ajudado a erguer a saia do vestido até o ferimento estar exposto. Ele já havia puxado para perto de si água para a limpeza.

—Caspian tentou desarmá-lo. - contei devagar, vendo Harold rasgar uma camisa que reconheci como uma das que trouxemos na viagem. - Então a arma disparou.

—Por sorte não a acertou em cheio. - respondeu.

Harold limpou o excesso de sangue de minha perna, revelando a verdadeira extensão do ferimento. Não me mataria mas certamente doeria mais. Desviei a atenção para a cama. Digory tinha um pequeno instrumento na mão e limpava as costas de Caspian com uma bebida forte cujo cheiro chegou até mim. Então, com um controle surpreendente e um olhar minucioso, começou a trabalhar. Como sempre, nada parecia abalá-lo. Nem o sangue que correu mais intenso das costas de Caspian conforme tentava extrair o projétil.

Um som de líquido, o cheiro da bebida e minha perna estava em chamas. A dor repentina puxou um grito que contive, trazendo minha atenção de volta, ao passo que agarrei-me a cadeira, lutando contra o impulso de me contorcer.

—Desculpe, querida. - disse Harold. - Mas precisava limpar o ferimento.

Apenas assenti mordendo o lábio inferior, sentindo as lágrimas umedecerem meu rosto de novo pela dor diferente. Som de metal contra metal e olhei a tempo de ver Digory deixar o primeiro objeto prateado em um prato de metal sobre a mesa pequena perto de si. Na cama, o movimento do peito de Caspian era quase imperceptível. Lambi os lábios num gesto contido. Não poderia perdê-lo de jeito nenhum. Com muita dificuldade, tentei sufocar a angústia em meu peito.

Harold envolveu a parte ferida de minha perna com algum tipo de unguento e estava terminado. Por sorte, dissera ele, achava que não seria necessário suturar. Deixou-me sentada ali e saiu para buscar lenha para a lareira. Mantive minha atenção em Caspian. Dash acertara logo abaixo de seu ombro e também acima da cintura, pouco antes do fim das costelas do lado esquerdo. Em volta dos ferimentos, lançavam-se para o retso das costas linhas arroxeadas, finas, porém ficavam mais visíveis a cada minuto que passava.

—Seu corpo rejeita prata. - explicou Digory ao notar que eu observava, mas sem tirar sua atenção do que fazia, ainda com a voz rouca. - Por sorte, nenhum disparo fatal.

E aí estava a chance de salvá-lo, compreendi, ao retirar a prata.

—Se eu não o conhecesse, diria que tem experiência em fazer isso. - comentei, a voz mais fraca do que pretendia. Digory olhou-me rapidamente de esguelha.

—Esses dois contribuíram mais para isso do que eu gostaria. - disse. Se fosse em outro momento, outras circunstâncias, teria quase sido uma piada, mas não. Não era a primeira vez que que Dash tentara tirar a vida de Caspian, e da outra vez, fora Digory quem também cuidou do filho.

Antes, eu achava que sentia a dor de Digory, causada por aquela guerra entre seus filhos e todas as consequências disso. Agora, porém, com Raphael e com seu irmão ainda em meu ventre, eu via que sequer era capaz de imaginar a imensidão da dor que ele enfrentava. A que eu pensei saber, sequer chegava perto.

O som de metal mais uma vez e a segunda bala estava fora do corpo de Caspian. Digory limpava os ferimentos mais uma vez e os cobria com unguento. Harold retornou e acendeu a lareira, então, Digory saiu em silêncio. Voltou algum tempo depois e pela expressão de vazio e sofrimento em seu rosto, e a vermelhidão em seus olhos por mais que lutasse para esconder; soube exatamente para onde ele havia ido. Olhou Caspian ainda desacordado sobre a cama, engoliu e olhou para mim:

—O que aconteceu?

Contei tudo a eles. Em detalhes. Por mais que esses me revirassem a alma, não poupei nenhum detalhe, nenhum pormenor. Ao poucos as lágrimas retornavam e ficavam sem que eu fizesse qualquer esforço para conte-las. Ao fim, parecia que o fôlego me faltaria.

—Eu sinto muito. - disse para Digory. Minha voz soou alta demais para os segundos de silêncio que se fizeram antes. Em vão, pisquei para espantar a ardência em meus olhos.

Digory olhou-me com olhos que diziam tudo e estavam em silêncio ao mesmo tempo, caminhou até mim, ajoelhando-se a minha frente.

—Não sinta. - ele olhava profundamente em meus olhos e eu pude vislumbrar sua dor, ali, bem no fundo dos dele. Contudo, sua voz não falhou uma só vez ao continuar. - Eu lutei demais para proteger os dois, mas chegou ao ponto em que não pude mais me responsabilizar pelos caminhos que escolheram. Uma parte de mim foi arrancada hoje, e eu prometo que farei o que puder para que outra parte não seja. - lançou um olhar sugestivo à Caspian, logo voltando a mim. - Dash era meu filho, meu primogênito. Mas escolheu este caminho... deplorável.

Ele engoliu, pronunciando cada palavra a seguir com um peso que eu jamais queria carregar.

— Você está esperando um filho e ele a feriu. Podia tê-la matado. Por mais que a dor me consuma e parta minha alma dizer isto, Caspian fez exatamente o que eu teria feito em seu lugar. Por isso, Susana, não lamente.

Digory engoliu o nó que atara sua garganta, os olhos brilhando pelas lágrimas que segurou. Então ele saiu de novo, deixando-me a sós com Harold. Diferente de Digory, não consegui conter os soluços que irromperam de meu peito. Por mais que tenha desencandeado a dor de novo, levantei-me para ir até a cama. Harold ajudou-me a chegar lá e deitei-me com cuidado ao lado de Caspian, sem fazer um esforço sequer para segurar o choro desta vez.

Toquei seu cabelo, afastando-o de seu rosto, sua respiração estava fraca ainda e um fio de sangue manchava o canto de sua boca, assim como um hematoma começava a aparecer em volta do olho esquerdo, ambos frutos dos punhos de Dash. Em suas costas, as linhas que saíam dos ferimentos sob sua pele estavam mais escuras ainda, como marcas de um veneno.

—Você precisa reagir... - sussurrei, a voz embargada. - Por favor, Caspian, você precisa reagir...

Aquela noite inteira se passou, o dia seguinte também terminou e Caspian permaneceu desacordado. A febre se manifestou na manhã seguinte ao ocorrido e Digory e eu permanecemos ao seu lado com compressas. Harold cuidou de Raphael, distraindo-o de toda forma que podia. Não perguntei o que havia sido feito a Dash, mas notei quando Harold retornou com as botas e a barra da calça sujas de terra, horas depois de deixar-me na cama ao lado de Caspian. Sua expressão de exaustão física e emocional também disseram muita coisa.

As horas de silêncio e espera fizeram os acontecimentos terríveis daquela noite tornarem e tornarem à minha mente. Tanto tempo antes, eu jamais acreditaria que o mesmo Dash com o qual cheguei a cogitar uma vida junto, poderia descer ao nível tão baixo quanto aquele homem que morrera no jardim, um que eu mal reconhecia.

Morto. Dash estava morto.

Há algum tempo, Dash atentara contra nós, contra Caspian, sem se importar se me feriria ou não. Foi quando Caspian retornou, logo após o casamento de Lilliandil. Nos obrigou a fugir dele, para o castelo onde agora estamos. Para ele nunca, nunca havia sido sobre mim, sempre fora sobre Caspian. Dash jamais admitiu perder para o irmão.

Chegou tão baixo ao ponto de usar a morte de meus pais para me abalar, da mesma forma que sempre fez ao me revelar alguma coisa, no calor da emoção sem se incomodar em como me atingiria, só queria abalar minha confiança em Caspian. Por sorte, este já havia esclarecido tudo poucas semanas após chegarmos a Inverness.

Aconteceu que Caspian era o motivo de meus pais terem ido para Lantern Waste naquele dia. Ele havia acabado de retornar da França após sua transformação. Digory pediu apoio à irmã e ao cunhado. Caspian contou que naquela noite a transformação foi completa e ele se soltara das correntes.

Não se lembrava de nada além do que seu pai lhe contou. Transformado, ele escapara para o bosque e Digory o seguiu a cavalo, encontrando meus pais na estrada. Eles o ouviram por perto e, logo na curva, um cervo fugira do meio das árvores, espantado. Os cavalos se assustaram e não houve mais controle sobre a carruagem de meus pais.

Contou que seu pai não lhe dissera quem estava na carruagem, que só descobriu quando eu contei sobre o acidente. Caspian revelou-me também que tanto a carta quanto o colar e anel estavam sob seu poder, não com o chefe de polícia como me dissera a princípio.

Confesso que aquela revelação me abalou. Me horrorizou pensar que ele poderia ter algo a ver com a morte de meus pais e a semana seguinte a que me revelou, foi de uma convicência delicada. Eu precisava de espaço e tempo para pensar e Caspian compreendeu. Escrevi para Digory e Harold sem que ele soubesse e os dois me confirmaram a mesma história e circunstâncias. De fato, fora um acidente. Ainda assim, levei mais algum tempo para digerir toda a informação.

Naquela noite, Dash não contava que eu já tinha conhecimento sobre isso e mais uma vez tentara me manipular. Tudo o que eu conseguia sentir por ele era pena e, agora, mágoa. Mágoa por tentar fazer com que eu perdesse minha família mais uma vez.

Peguei no sono diversas vezes, mas nenhum longo ou tranquilo o bastante para me fazer descansar. A aflição fez o dia seguinte passar mais devagar e quando a noite caiu mais uma vez, a exaustão tomou conta de mim, e eu adormeci ali mesmo, ao lado de um Caspian que não dera sinais de que acordaria.


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Notas finais do capítulo

Logo, logo estarei publicando o último capítulo :-D
Espero que tenham gostado deste!
Até mais.
Beijos!



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