Susana

Chovia e o dia nublado mais uma vez parecia refletir meus sentimentos. Como no dia seguinte à morte de meus pais. Afundei na cama outra vez abraçando um dos travesseiros brancos, meus olhos tentavam encarar o vazio através das lágrimas. Elas me acompanham desde aquele dia naquela casa... Ah... Como ele pôde...? Por que ele fez isso comigo? Por que agiu daquela forma...?

Eu estava desnorteada, estava sozinha... Eu precisava dele... E ele faz isso... Mas porque? Por que Caspian agiu assim tão de repente...? Será por toda aquela história de eu estar prometida ao irmão dele? Mas ele já sabia há mais tempo e nem por isso me tratou tão maus assim...

Ah...

Ele me magoou muito. Muito. Nunca pensei que ele fosse capaz de cravar um punhal tão afiado em meu coração. Ainda dói muito e não sei se um dia conseguiria perdoá-lo. O pior é que eu ainda o amo, amo demais... E isso é o que mais dói...

-Susana? - a voz calma e baixa de Polly através da porta entreaberta. Sequei as lágrimas e sentei, mas os olhos vermelhos e a voz chorosa me entregaram. Sentei pousando o travesseiro sobre as pernas.

-Diga, Polly. - funguei.

-Chegou isto aqui para você. - ela se aproximou e ofereceu-me dois envelopes.

-Quem mandou? - perguntei.

-Um é da filha de Ramandú e o outro não possui remetente. - falou. Ergui as mãos pálidas e frágeis para pegar.

-Obrigada.

-Precisa de mais alguma coisa? - ela estava querendo ser gentil, mas eu continuava chateada com ela.

-Apenas ficar sozinha. - respondi calmamente. Ela assentiu e me deixou só. Suspirei. Primeiro abri o envelope quadrado de papel pardo, soltei o lacre e não pude deixar de sorrir. Era o convite de casamento de Lilliandil e Corin, após lê-lo, devolvi para dentro do envelope, peguei o envelope retangular de papel branco sem remetente. Hesitei e finalmente abri. Desdobrei o papel ali dentro e encontrei uma letra diferente.

“Susana,

Por favor, leia até o fim. Em primeiro lugar, queria me desculpar por todas as indiretas sobre casamento, eu achei que você sabia a respeito. Fui infantil e espero que aceite minhas sinceras desculpas. Entendo se não quiser cumprir a promessa de seu pai casando-se comigo, nem pretendo lhe obrigar a nada, em hipótese alguma. Meus sentimentos por você são sinceros, mas se eu não for correspondido – e tenho certeza que não sou – ofereço-lhe minha amizade junto com minhas desculpas por ter sido um idiota esse tempo todo. Sei que pode demorar para você acreditar que mudei, mas estou disposto a esperar. Imagino que você esteja abalada por tudo o que meu irmão fez... Eu tentei fazer alguma coisa, mas você já sentia algo por ele então não havia como impedir que se envolvesse e se machucasse. Lamento muito. Mas garanto que ele não vai mais importuná-la. Caspian saiu da cidade, foi para bem, bem longe. Espero que pense com carinho na minha proposta de amizade.

Até qualquer dia,

Rabadash.”

Não esperava receber um carta de Dash. Eu realmente estava indisposta para sequer sair desse quarto e acho mais improvável ainda pensar em uma segunda chance à Dash. Tudo bem, talvez ele esteja sendo sincero com o que diz na carta, mas ainda não estou em condições...

Mal toquei em comida nesses dias, minhas noites têm sido leves e cercadas de lembranças. Lembranças de beijos, carícias, afagos... As olheiras envolviam meus olhos inchados e vermelhos pelas lágrimas, a vida perdera o sentido para mim, nada mais tinha graça aos meus olhos...

Uma nova batida na porta fez-me enxugar as novas lágrimas rapidamente.

-Entre. - sentei na cama.

-Você tem visita, Susana. - disse Polly, pouco antes de Edmundo passar por ela.

-Ed! - sorri, um sorriso melancólico, o melhor que eu consegui fazer, mas um sorriso, ainda assim. Levantei e fui em sua direção, abraçando-o fortemente, nem dando importância ao fato de estar suando roupas de dormir. Ele retribuiu meu abraço e eu me senti acolhida num abraço de um amigo quando parecia que o mundo todo tinha me virado as costas.

-Não é certo um rapaz adentrar o quarto de uma moça assim. - falou Polly, da porta. Eu olhei para ela.

-Pode nos dar licença, Polly? - falei calmamente, ignorando-a. Ela assentiu e fechou a porta. Eu desabei no abraço de Edmundo outra vez, agora deixando as lágrimas virem. Ele, em silêncio, me abraçou, acalentando-me enquanto eu chorava.

-Eu soube de tudo, Su, lamento muito o que aconteceu. - disse ele, calmamente, escolhendo as palavras.

Desfiz o abraço suavemente.

-Lúcia nos contou que Caspian foi embora... E ele não vai voltar tão cedo... - tentou me consolar. Permaneci calada, encarando o chão. - Jill e Lillian estão preocupadas com você... Eu também.

-Diga a elas que não precisam se preocupar... - sorri levemente. Edmundo ergueu meu queixo calmamente, fazendo-me olhá-lo.

-Você sabe que estamos aqui para o que você precisar, sempre. - disse, olhando-me nos olhos.

-Eu sei, Ed, obrigada... - as lágrimas voltaram a jorrar e Edmundo me abraçou novamente.

Edmundo passou o resto da tarde comigo, ele me deu consolo até as lágrimas secarem e depois nós mudamos de assunto, começando a conversar sobre seu atual estado com Jill Pole. Edmundo corou quando eu disse que ele estava apaixonado e negou até não querer mais.

Nada substitui uma amizade, uma verdadeira, eu já sabia disso, mas foi naquele momento, um dos mais difíceis da minha vida, que pareci me dar conta disso de forma concreta e palpável.