O Dia Em Que A Terra Parou escrita por Jessie


Capítulo 1
Como tudo começou em Vila Feia...


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.
Boa leitura! ♥



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Aquela fora a sua primeira visita às Circunstâncias Especiais e parar ser sincera, não sabia como deveria se sentir. Seus pés doíam e a cabeça latejava incessantemente. Só em lembrar a Dr. Cable, era vítima de calafrios que iam dos pés até o último fio de cabelo. Havia algo naquela beleza perfeita que conseguia ser horripilante, fazendo com que até o mais doce dos sorrisos fosse envolvido por uma camada de escárnio e sarcasmo. Seus dentes afiados e a maneira cortante como pronunciava as palavras, amedrontariam até a mais corajosa das criaturas. O prédio das Circunstâncias Especiais e os perfeitos que lá viviam, todos, causavam tal sensação em quem os olhasse. Era inevitável sentir-se desconfortável e oprimido na presença de qualquer um dos Especiais.

A consciência chegava lenta, quase parando em meio a tropeços. A mente girava. Sentia que vomitaria a qualquer instante, tamanha era a perturbação em seu estômago. Primeiro a surpresa com o adiamento da operação tão desejada e então, do nada, Tally descobrira fazer parte de uma cadeia incessante de fugitivos e desordeiros, vigiados de perto pelos Especiais e sua perfeição assustadora. Não sabia qual seria a atitude certa a tomar, ou qual o modo certo de lidar com a situação, a única certeza que tinha era a de estar enrascada. Suas opções eram muito limitadas e qualquer que fosse sua decisão, sairia perdendo.

Tentou lembrar quando sua vida havia entrado nessa rede de pressões, cobranças e conspirações. O esforço fez com que seu cérebro parecesse girar. É claro que já ouvira falar a respeito de Fumaça e dos Fugitivos, mas nada se comparava a ter certeza dos fatos, e pior, saber que não era a única a sustentar tal certeza.

Pensou em Shay, e em tudo que a Dra. Cable lhe havia dito. E se estivesse mesmo em uma armadilha? E se Fumaça fosse apenas mais uma lenda e Shay tivesse mesmo sido roubada? As dúvidas rondavam seus pensamentos e não sabia exatamente onde a levariam. O dia havia sido longo demais para qualquer retrospectiva que pretendesse.

Tally se jogou sobre a cama macia e acomodou-se sobre ela. Havia algo reconfortante na sensação que os travesseiros provocavam em sua pele, e no modo como seu corpo parecera relaxar com o contato suave de seus membros tensos com a plumagem macia do travesseiro. Ali, pela primeira vez em tempos se sentiu realmente protegida.

O quarto, sem qualquer ordem dela, foi baixando a luz, deixando tudo escuro. Tally sentiu as pálpebras pesadas e o corpo afundando. Ela sabia que era uma questão de poucos minutos até que entrasse em sono profundo. Fechando os olhos, então, permitiu que todos os pensamentos se dissipassem, dando a ela apenas umas horas de descanso...



Tally acordou desnorteada. Não tinha noção da hora, do dia, e muito menos do porque de ter acordado. Revirou-se na cama um pouco, decidida a resgatar o sono, quando, refletido na parede, viu um clarão de cor vermelha iluminar seu quarto.

Em um salto pulou até a janela, que permanecia aberta, decidida a ver do que se tratava. O clarão cessou por alguns minutos, o suficiente para Tally perceber que seu cansaço a levara a dormir de roupas, inclusive de sapatos. Aproveitou o momento para tirá-los e desamarrar os cabelos cacheados. Resolveu voltar à cama, e quem sabe dormir mais algumas horas. O céu ainda estava escuro o que mostrava que ainda era noite, e não havia motivos para estar acordada. Revirou-se na cama umas cinco vezes, até ter a certeza de que estava completamente desperta e que dormir, naquele momento seria inviável.

Sentia os músculos retesados, e por menos que tivesse dormido, sentia-se um pouco menos cansada. Olhou para o pequeno relógio na cômoda, eram apenas três e meia. Três e meia, que droga de clarão tinha sido aquele a ponto de acordá-la em plena madrugada?

Ainda esperou alguns minutos antes de levantar da cama. Sentada, observava as luzes de Nova Perfeição, tão perto e ao mesmo tempo, tão distantes de si mesma. Pensou por um instante que era injusto ela ter de sacrificar se sonho em tornar-se perfeita e juntar-se a Peris e à toda festa e diversão para que Shay, uma garota que conhecera a poucas semanas, vivesse o seu. Poderia ser egoísmo, mas tinha fundamento.

Esse pensamento fez com que sua cabeça latejasse de leve, indicando o início de uma nova série de enxaquecas. Foi até a escrivaninha, do outro lado do quarto e pegou o anel de interface, e acessou as fotos, fotos dos momentos de antes. Fotos borradas, bastante difíceis de desvendar a quem olhasse de fora, mas que Tally conhecia como a palma da mão. Fotos dos tempos de feio de Peris, quando os dois ainda eram ‘melhores amigos para sempre’; o que não daria pelo abraço do amigo naquele momento...

Lembrar-se de Peris era como despertar uma série de mágoas adormecidas, envolvendo a saudade que sentia, a solidão que a consumia e a dor pelo amigo não ter cumprido a promessa que fizera. Dias antes de seu aniversário, Peris e ela conversaram sobre a operação, e a ansiedade que dominava a ambos para que chegasse logo. Na infância, três meses entre a data em que faziam aniversário não parecia nada, mas com os dezesseis anos de Peris a apenas alguns dias de distância, a pequena diferença entre as idades, tornava-se crucial, afinal seriam três meses sozinha, antes de poder juntar-se a Peris em Nova Perfeição. Entretanto, ele garantira que voltaria para vê-la, que ele aparecia, assim que pudesse...

Pensando agora, Tally percebia que ele nunca pudera. Ele jamais fora vê-la, ou tentara entrar em contato. Talvez a agitada vida em Nova Perfeição não lhe tivesse deixado tempo para ir até Vila Feia dar um ‘oi’. Ela sentia grande mágoa devido à quebra de promessa do amigo, mas sentia que entenderia tudo assim que fosse perfeita e se juntasse a ele do outro lado do rio, nas grandes mansões e festas, cuja duração jamais fora estipulada.

Entediada, e com quase 100% de certeza de que seria vítima de mais uma noite insone, ela resolveu levantar-se e ir até a janela do quarto. A visão que tinha dali, ela sabia que jamais teria em qualquer outra parte do mundo. Talvez nem quando fosse perfeita, conseguiria ver a cidade onde morava e o outro lado do rio de forma tão linda como ela enxergava agora, duvida que a cirurgia pudesse melhorar tal panorama.

Neste momento um clarão intenso subiu pelos céus, perdendo-se lá por cima, vermelho como fogo no inicio, ficando rosa em seu final. Como um rojão...

Era um sinalizador. Um sinalizador sendo disparado em meio à Nova Perfeição... Mas quem seria idiota o suficiente para tal feito? Tally debruçou-se um pouquinho na janela, olhando para baixo, e então para o alto novamente, confusa. Quem estaria disparando sinalizadores naquela área? Então lembrou, lembrou do dia em que ela e Shay haviam ido às Ruínas da Ferrugem, e de quando Shay disparara inúmeros sinalizadores esperando que David – quem quer que fosse – aparecesse. Mas Shay fugira, então quem poderia ser?

Perdida, olhando para frente, viu um ponto no escuro aproximar-se em alta velocidade. Parecia flutuar por entre as árvores e vir direto pra ela. O objeto continuava aproximando-se, e movida pela curiosidade Tally cada vez mais se inclinava pelo parapeito da janela, disposta a descobrir o que era. Sentia as mãos doerem e a barriga reclamar pela pressão que exercia. Inclinou-se um pouquinho mais, o objeto estava bem próximo. Já podia definir uma ponta arredondada no objeto, agora a poucos metros da janela. Esticou um dos braços disposto a tocá-lo, quando perdeu o equilíbrio. Caiu. A queda não era grande, mas as chances de ser fatal eram gigantes.

Não sabia mais onde estava o objeto, agora sua preocupação era manter-se alerta. De repente parou de cair. Era como se estivesse suspensa no ar. Permitiu-se olhar para baixo e foi quando viu a prancha. A prancha rosa, a prancha de Shay.

Desequilibrada devido à queda e confusa devido ao resgate, ela olhou ao redor. Uma outra prancha estava parada ao seu lado.

– Shay?


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Notas finais do capítulo

Gostaram? *-*



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