Clube Do Imaginário escrita por ShoutOut


Capítulo 16
16 – O buraco. A neve. E uma promessa quebrada.


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, porque esse cap demorou mesmo para sair foi bem difícil, mas espero que gostem Annyeong!!



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16 – O buraco. A neve. E uma promessa quebrada.

3ª relato de Maxmillian Rue

                Tem certas horas que tudo acaba quebrando, carros, vidro, plástico, almas. Os seres humanos não passam de coisas com carne, pouco pelos e gorduchas totalmente remendadas por dentro.

            Todo dia, você pode até não perceber, só o fardo de estar vivo lhe deixa um pequeno buraquinho em algum lugar. E depois é remendado, e furado de novo, e isso vira um ciclo vicioso que começa assim que nascemos.

            E também existe a mentira.

            Às vezes, talvez por altruísmo, ou por egoísmo, pode-se ir pelos dois extremos, uma pessoa mente.

            Uma mentira é um buraco que às vezes se remenda por causa do esquecimento, mas em alguns casos isso não acontece, é o típico buraco que a pessoa se prende a ele de um jeito tão forte que acaba por defini-lo.

            Isso que acontecia comigo, e que estava começando a se formar no clube.

            Hansel estava sumido tinha sete dias, e isso foi como uma espécie de murro no meio da fuça que todos nós levamos. Realidade não se renderia tão fácil, ainda tínhamos muitas contas a acertar com ela.

            A “rebelião” só seria possível quando nossos problemas, medos, aflições e tudo mais não conseguissem nos queimar facilmente como se fôssemos palitos de fósforo.

            Mal sabíamos quem éramos de verdade, como queríamos viver tudo aquilo idealizado naqueles meses?

            Tudo que eu conseguia pensar é como isso se ajustava a vida que eu levava antes da briga que acabou fazendo com que o clube se originasse.

            Popularidade. Uma das maldições da lista dos irmãos Rue.

            Tenho quase 100% de certeza que se Harley nunca tivesse entrado em um Kart eu seria o popular da família, e ela a valentona. Para mim, popularidade sempre seria uma consequência por causa dos esportes, como se eu tivesse nascido para mentir, para ela é um fardo.

            Resumindo, tinha me afundado num buraco pelo fato das pessoas saberem quem eu era, e agora estava me afundando de novo em outro buraco.

            Valentina estava tentando me animar um pouco, e eu realmente escutava o que ela falava, não era como as outras, ela tinha algo a falar, sempre tinha.

            - Pensa Max, se seu pai tivesse sumido com a Harley, e aparecesse anos depois do nada, você ficaria do mesmo jeito, perdido. –Era o que ela me repetia toda vida que eu me sentava sem saber o que pensar.

            - Você tem razão. –Era o que eu falava.

            Harley estava convencida que o Hansel tinha se metido em problema, dos grandes e estava se martirizando todo tempo. E só pelo que nós sabíamos do maluco, podia se esperar de tudo. Acho que deveria ter algo haver com ela ter sido a última pessoa do clube a vê-lo.

            Ramone estava com cara que o mataria se ele aparecesse.

            - Na boa, garotos só servem para nada além de dar showzinho, meus parabéns. – ela falava batendo palmas e olhando fixadamente para mim, Garrett e Rudy.

            Éramos sete pilares de algo, e se um dos pilares simplesmente some, é coisa demais para os outros. E tudo que nós queríamos saber era o porquê dele ter sumido.

            Só a verdade.

            - Devíamos procurar por ele. – Harley se repetia pensativa.

            - Pra que? – Garrett explodiu um dia. – Já pensaram que ele não quer ser achado?

            - A polícia disse que provavelmente ele se meteu na floresta, pode estar perdido. – eu não entendia porque ela se preocupava tanto com ele.

            - Espero que tenha sido comido por um urso. – Ramone falou cruzando os braços com força.

            - Eh... Não tem...

            - Não dê uma de super nerd pra cima de mim Gar. – ele só ia falar que não tinha ursos na floresta da nossa cidade, mas parecia que Ramone estava capaz de matar qualquer um que tivesse um pênis.

            - Só existe um lugar da floresta que ele iria. – Rudy soltou. – A cabana.

            - Vocês não acham que...

            Harley saiu correndo que nem uma maluca nessa hora. Consegui vê-la mexendo com o seu anel de aço, ela sempre fazia isso quando ficava muito ansiosa e nervosa ao mesmo tempo. Ramone correu atrás, Rudy olhou para mim e acho que entendeu o que eu pensava e saiu correndo atrás das duas. Corri na direção contrária, o primeiro pensamento que me veio foi que eu precisava achar Otto e pedir ajuda, minha irmã era doida bastante para bater nos porteiros e atrás do Hans, sem se importar com a aula. Isso daria problemas. Grandes problemas.

            - Otto. Harley. Hansel. Achar. – estava ofegando como se eu tivesse tido uma criança enquanto corria uma maratona.

            - Espera, respira Max. – os outros professores estavam começando a ficar alarmados também, isso não era bom.

            - Sabemos onde o Hansel está. – Consegui dizer. – Harley está indo atrás, ela vai fazer merda, você sabe disso.

            Todo mundo na escola sabia que Harley não estava bem com o sumiço do Hans, meu pai queria botá-la para fazer tratamento psiquiátrico. Imagina se os dois fossem namorados nessa no meio dessa história, o problema seria três vezes maior.

            Ambos corremos até a portaria, eu bem lá no fundo esperava que Rudy não tivesse corrido com a minha irmã para a cabana e a tivesse feito ela parar nesse meio tempo.

            - PUTAMERDA RUDY ME DEIXA PASSAR! – lindo, minha irmã estava uma fera já.

            - Me obriga. – Rudy era calmo como um leão prestes a atacar.

            Garrett estava discutindo algo com a Ramone sendo ajudado pela Tessa e por Ryuu que tinha aparecido sem motivo aparente, mas contanto que ele conseguisse distrair uma dessas malucas que são Ramone e Harley, para mim tudo bem.

            - Harley! – Otto gritou antes que eu pudesse ver

            Harley tinha tentado dar um cruzado de direita no Rudy. Eu disse “tentado”.

            Rudy segurou a mão dela no ar.

            - Nem. Pense. –pela voz dele, ele estava perdendo a paciência com ela. Por alguns segundos achei que ele iria bater nela, de verdade.

            - Rudy. – até minha irmã estava com medo. – Solta a minha mão. Por favor.

            Ele demorou uns dez segundos para soltá-la. O mais estranho era a cara de testemunha de assassinato que Otto estava fazendo.

            - Você tem certeza que sabe onde o Hansel está Harley? – perguntou Otto acabando com o clima estranho que tinha se instalado.

            - Absoluta. – minha irmã tremia. – Temos que ir atrás dele logo!

            Otto colocou o braço sobre os ombros dela, empurrou o Rudy de leve. Ele conseguiu convencer a Harley e a Ramone a esperar até o fim da aula, e todos poderíamos ir juntos achar o Porco.

            Harley saiu andando com raiva, resolvi ir atrás.

            - Dá pra você relaxar por dois segundos? – perguntei a ela. Estava puto por causa da merda que ela tinha feito – Sério? Bater no Rudy?

            - O que você faria se fosse a última pessoa que viu uma outra pessoa que desapareceu a sete dias?  -ela perguntou com raiva.

            - Primeira coisa: ficaria calmo. Mas isso é impossível para você.

            - Qual é o seu problema? – Eis a pergunta que ela devia ter feito anos atrás.

            Segurei-a pelos ombros obrigando a olhar para mim.

            - Você não quer saber. – foi tudo que eu soltei.

            Devia ter dito mais ali mesmo, ter terminado logo com toda a história de anos de mentiras. Mas como sempre, fiquei calado e me desliguei da realidade. Eu ainda conseguia aguentar por um tempo.

            Era hora do intervalo e a aula depois era de educação física. Ramone aproveitou pra ficar pulando de corrimão em corrimão com o seu skate. Acho que era a única coisa que realmente a acalmava.    

            As aulas nunca pareceram passar tão devagar, como se algo brincasse conosco, um torturador invisível que parecia saber que algo ruim estava para acontecer.

            Éramos ao todo sete pilares, pilares demais para uma construção, mas tudo estava bem.  Quando um de nós caiu, sustentar tudo se tornou difícil, só que mais estavam para cair, estávamos para desabar e não sabíamos.

            Quando a aula acabou Harley e Samara saíram juntas da sala de aula. De alguma maneira sobrenatural a “Garota do Chamado” tinha conseguido relaxar a minha irmã a ponto que ela não estava mexendo freneticamente com o anel de aço que sempre usava ou no indicador ou no polegar,

            Acho que o resto da Detenção inteira sabia que partiríamos atrás do Hansel. Ryuu saiu correndo da sua sala para me perguntar se podia ir junto, para tentar segurar a Ramone, porque a raiva que ela estava do Hans era totalmente homicida.

            Como se eu tivesse cara de organizador de resgate a Porco.

            Luna, Baco, Teddy e Marcus falaram que queria distância de todo drama que provavelmente aconteceria se nós o encontrássemos, Tessa disse que seu pai iria a escola por algum motivo que eu não lembro, mas todos pediram notícias. Samara pediu para Fantine ir no seu lugar, me surpreendi ao ver aquela garota desconfiada cuidar tão bem da minha irmã e Frank segurou Gar pelo braço, dizendo que ele não iria.

            Em resumo, fomos só eu, Rudy, Ryuu, Otto, Fantine, Harley e Ramone.

            Minha irmã e Ramone praticamente grudaram em Fantine e Ryuu depois que eles falaram alguma coisa e soltaram sorrisos compreensivos, e por todo o percurso até a cabana eu me perguntei que merda eu fazia ali.

            Assim que chegamos bem na frente da estrada de Terra que dava na cabana acho que uma sensação estranha percorreu todos os membros do clube, até mesmo Gar e Tessa, que não estavam conosco. Estávamos levando intrusos para o nosso lugar.

            - Fiquem aqui. – Rudy falou para Otto. – Só o clube pode entrar na mata.

            - Por quê? – perguntou Ryuu com cara de entediado. – Viemos para ajudar.

            - Aqui é mata fechada. – minha irmã falou séria. – Já termos que nos preocupar com nós mesmo.

            Rudy olhou para trás, o lugar exato onde minha irmã estava com um olhar questionador. Eles pareceram ter uma conversa silenciosa que não durou mais do que alguns milésimos de segundos.

            Adentramos na mata usando a trilha deixada pela Ranger do senhor Lewis que ainda não tinha se apagado. Era como se, de alguma forma, nosso mundo estivesse se sentido um pouco ameaçado por nós. Tentei chamar alguns bichinhos, ou só relaxar.

            Tudo parecia impossível, atmosfera pesada demais, tudo estava pesado demais.

            Acho que foi a primeira vez que eu só senti que estava me aventurando na mata indo ali, não parecia mais nada além disso.

            Encontramos Hansel dormindo na cabana, encostado na madeira.

            - VOCÊ É UM FILHO DA PUTA MESMO! –minha irmã era um doce acordando pessoas.

            - Bom dia pra você também Harley. – Hansel bocejou. – E ai, quem me achou?

            - Rudy. – foi tudo que eu consegui dizer o tempo inteiro.

            - Parabéns psicopata, eu achei até que demorou. – Hansel estava com o maior bafo de bebida, olhei em volta, latas de cerveja espalhadas por todo lado. – Alguém tem remédio pra dor de cabeça?

            - Ele bebeu esse tempo inteiro. – Ramone observou com uma cara estranha. – Foi aquele filho da mãe que te vende as drogas né?

            - Ele me deu cerveja o suficiente para eu sobreviver, e se quiserem tem mais. –ele apontou para os fundos da cabana, lá estava um isopor azul bem grande. – Mas eu acho que vou ter que ir lá amanhã de novo por causa do gelo.

            Rudy andou até o isopor, pegou uma cerveja e abriu. Ramone olhou surpresa para ele, mas minha irmã parecia já saber.

            - Por que você fugiu? – perguntou minha irmã abraçando o porco. – Deixou todo mundo preocupado.

            - Todo mundo se resume a seis pessoas. – ele riu. – Você viu o motivo em carne e osso.

            - Mas...

            PLAC! Galho contra corpo.

            - Você é um imbecil sabia? – Ramone chorava. – Pensava que conseguia te dar força, que se isso acontecesse você conseguiria enfrentar seu pai sem problemas, mas você...

            - Medo, sabe o que é isso? – Hansel estava meio débil quando falou isso. – É uma dor de cabeça dos infernos. Posso dizer que não chorei, ou coisa parecida, é só o medo de ver o que ele vai fazer aqui com a minha vida, medo de olhar pra cara dele e eu acabar me tornando como ele, enganando mulheres honestas como a minha mãe.

            - Só que ela...

            - Mais duas palavras sobre a minha mãe eu bato em você Ramona, eu juro. – Hansel estava falando sério. – Eu a amo entendeu? Ela só é fraca e não a culpo por isso, eu não posso mais precisar dela. Tudo não é culpa dela, a culpa é dele.

            - Hans. – Harley passou a mão pelo rosto, seus olhos estavam vermelhos. – Todo mundo precisa de uma mãe.

            Hansel puxou Ramone pelo braço e abraçou ela e a minha irmã forte  se jogando no chão com elas contra o peito. Estava chorando, muito, como se o que a Harley tinha dito tivesse acionado algo dentro dele.

            Nosso mundo pareceu acordar de novo, tudo parecia chorar com o Hansel.

            - Eu me perdi. – ele falou soluçando. – Eu me perdi nesse mundo no mesmo dia que aquele homem cruzou aquela porta, passei o resto dos anos à sombra dele, do que ele fez simplesmente, porque inegavelmente eu era o filho dele. E minha mãe ainda tinha que cuidar de mim, eu não a culpo por não ter conseguido, tudo que aconteceu depois a culpa é minha. Viver a sombra de uma pessoa às vezes dói tanto que você faz merda.

            Sentei no chão pensando, como pessoas em situações completamente diferentes conseguem se entender era um mistério para mim. Eu sabia o que era ser uma sombra, era uma desde o exato momento que nasci, mas a sombra de alguém que brilhava, sempre. Minha irmã, Harley.

            - Acho que concordo. – foi tudo que eu disse indo para onde estavam as cervejas. Nunca fui muito de beber, mas tudo que eu queria era algo capaz de me fazer esquecer de tudo, e álcool podia, pelo menos por um tempo.

            Eles me olharam um pouco surpresos, mas no final estávamos todos voltando em direção ao carro do Otto. Acho que só eu que percebi que Rudy estava com sua terceira e quarta cervejas na mão quando estávamos voltando.

            - O que? – Hansel ainda estava meio bêbado. – Trouxeram o Barbum aqui?

            - Não tivemos escolha. – Rudy respondeu. – Harley queria te achar logo.

            - Não sei o que me deu. – Harley confessou. – Acho que medo.

            - Não. – Rudy olhava para os galhos mais altos das arvores. – Culpa.

            E isso resumiu nossa conversa até voltarmos à escola.

            Tessa, como era de se esperar, deu um tapa no Hansel que ficou a marca dos cinco dedos na cara. Garrett só fez revirar os olhos.

            Resolvemos esconder Hansel o máximo de tempo possível porque (a) ele não queria ir para casa, muito menos do jeito que estava e (b) meio que precisávamos de um tempo.

            A escola não era lá uma das melhores opções, e de alguma maneira Otto conseguiu fazer com que naquele dia o clube fosse cancelado naquele dia, só naquele dia, e acabou que o Hans foi para a casa dele.

            - Hoje vai nevar. – Harley falou antes de sair andando para algum lugar, talvez fosse andando até a nossa antiga casa, onde ela ainda morava.

            Juro que nunca esqueci o que ela falou nessa hora, mesmo só vindo a entender o significado dias depois.

            Eu nem queria, de alguma maneira nem queria ir para casa, ir para o meu quarto e ficar lá sozinho. Pela primeira vez na vida, eu tive medo do escuro.

            - Eu vou levar o Hans para casa amanhã. – Otto tinha dito antes de escoltar o Porco até seu carro. – Dou notícias aos outros depois.

            Isso deveria nos acalmar não é? Otto também era da Detenção, mas não acalmou mesmo.

            Pelo menos não a mim. De alguma maneira eu estava ficando cada vez mais nervoso com tudo que acontecia. Eu devia ter feito algo. Só que eu não sabia o que sentia, se era preocupação com o Hansel, ou ciúmes.

            Eu estava no fundo de um buraco negro, sem saber para onde ir.

            - Ryuu. – o asiático estava pondo suas coisas na mochila em frente o seu armário. – Fantine. – ela estava do lado dele. – Eh... Obrigado por cuidar da minha irmã.

            Ryuu bateu continência e deu um daqueles sorrisos fofinhos que só asiáticos conseguem dar. Fantine que me surpreendeu.

            - De nada, mas Max, Harley não é sua filha, não precisa falar como se fossemos pais que cuidaram dela por um tempo.

            Ela tinha razão, tanta razão que me assustava.

            Fui para casa a pé, gostava de fazer isso, por mais que fosse perigoso e tudo mais.

            Tudo parecia frio e branco, totalmente branco.

            Senti os primeiro flocos de gelo caírem sobre meus cabelos e pareciam entrar pelo meu corpo me causando tremedeira.

            - Bem que a Harley disse. – me escondi atrás do casaco apressando o passo.

            Tudo parecia uma redoma de gelo. Fiz tudo que geralmente me alegrava: ver jogos de basquete e hóquei, tocar piano, jogar videogame, ver filmes. Mas nada, absolutamente nada tinha efeito sobre mim.

            A neve continuava a cair me aprisionando em casa.

            Meu quarto não aprecia seguro, nada parecia seguro.

            Mal consegui dormir, fiquei olhando para cima com minha bola de basquete nas mãos a maior parte da noite. Meu celular parecia pipoca na panela, provavelmente eram mensagens sobre o Hansel, mas eu tinha meus problemas e eles estavam me consumindo.

            Fui para escola meio irritado, acho que minha mãe me repreendeu algumas vezes, só me lembro de uma com clareza.

            - Max, pode ir pegar as coisas do Leo? – foi meu padrasto que pediu.

            - O pirralho tem pernas, ele pode pegar.

            - Maxmillian Rue! – minha mãe se irritava fácil, fácil.

            Acenei com a mão e bati a porta atrás de mim. Tudo que eu mais queria era andar, sem ter minha mãe, meu meio-irmão e meu padrasto por perto.

            Cheguei atrasado a escola, me deitei no primeiro batente que vi olhando para qualquer coisa.

“Porque tudo parece doer?” - Eu queria essa resposta.

            Vi Hansel indo vomitar no banheiro umas três vezes antes do intervalo. Provavelmente ainda estava de ressaca ou se alguma maneira sobrenatural tinha conseguido beber na sala de aula.

            Tentei me desligar da realidade e entrar na segunda aula, foi em vão, tentei na terceira, e então desisti. Pelo jeito era melhor ter me trancado em casa ou coisa parecida. Resolvi ficar lá no batente escutando música, era mais confortável.

            - Mano. – Harley tinha me achado, ela foi logo tirando um dos meus fones. – Max! O que aconteceu contigo?

            - Não é da sua conta.

            - A mamãe me ligou perguntando o que eu tinha feito com você. – lindo, adorei ouvir aquilo, para não dizer o contrário. – Qual é o pro...

            - Vai mesmo bancar a irmã preocupada agora, Harley? – e não deu mais.

            Tudo em mim parecia queimar de alguma forma. A verdade estava abrindo caminho a soco para a minha boca. Eu não aguentava mais.

            - Como assim?

            - Jura que se preocupa comigo? Ou só está assim porque a mãe te culpou por algo e a senhorita “Não quero machucar a mamãezinha” não pode ser culpada por nada.

            - Max escuta...

            - Eu já aguentei tempo demais. –me levantei. – Acha que eu sou o que? Indestrutível? Que eu aguento qualquer coisa? Pensei que não acreditasse em super-heróis.

            Ela abaixou a cabeça. De alguma forma eu acho que eu era a única figura ainda meio que mantida na inocência pela minha irmã. E eu estava destruindo isso.

            Só que era necessário. Eu sei que era.

            - Tudo que tem que ter você no meio, é impressionante, e você nunca pensou como era tudo isso para mim, não foi? Aposto que fiz mais sacrifícios por você do que os nossos pais e avôs juntos.

            - Max eu...

            - E você se preocupa mais com os outros do que comigo, com as meninas do clube é assim, com o Hansel é assim, com o Rudy é assim, se duvidar até que o resto da Detenção inteira. E eu, mal consigo por minha namorada em primeiro plano porque tem que vir você.

            - Porque você nunca disse nada? Eu pensava que não precisasse.

            - “Todo mundo precisa de uma mãe” –minha visão estava meio embaçada pela raiva que estava contida dentro de mim. – Mas quando os pais se perdem o que acontece, hã? Eu não precisava de uma mãe, Halls, eu precisava de você, a única coisa verdadeira na minha vida que irá durar até eu morrer. Precisava que você notasse uma coisa, que eu não sou de ferro. Não posso ser seu porto seguro para tudo. Que eu também existo. –cerrei os punhos tentando me controlar para que não fizesse besteira. – Mas de alguma maneira, você não podia. Você nunca percebeu, mas você é a luz da família, todo mundo nota você, todo mundo acha que tudo é sua culpa, tudo acontece com alguma relação a você.

            - Não é verdade maninho.

            - Jura que vai negar? Então me diz, como o fato de eu estar com raiva pode ser ligado automaticamente a você? –olhei no fundo dos seus olhos. – A mãe diz que você é má influência para mim, como se de alguma forma estivéssemos ligados todo tempo. Eu não posso ter uma vida sem que Harley Rue apareça nela. Maior prova disso é que tive que abrir mão do meu próprio pai por sua causa. Agora mal consigo falar com ele.

            - Se eu...

            - Sei que prometi a você que sempre seríamos unidos, sei que não é tão forte quando parece e sei que tem muito medo e muitos desejos. Só que eu também tenho Harley, medo, desejos, sonhos. Não quero ter que abandoná-los por sua causa. Não significa que eu tenho raiva de você ou qualquer outra coisa, eu só tenho raiva, muita raiva, porque tudo ao seu redor sempre pareceu ser tão... iluminado, e tudo que eu queria estar sobre a mesma luz. Mas é a lei da seleção natural, sempre vou ser só um utensílio para que você seja feliz, como uma sombra, é o meu destino.

            Harley segurou meu braço com toda a força que tinha, mesmo assim não conseguia mais me encarar.

            - Você não é um utensílio, ou uma sombra. –minha irmã tremia. –Eu nunca percebi tudo isso, maninho, se eu soubesse de tudo eu teria dito que ficaria com você, iria cuidar de você, não deixaria você ter feito aquela promessa.

            - Lembra que quando eu prometi isso você ficou calada? – eu conseguia ver aquela cena com detalhes na minha frente ainda. – Não disse se quer uma palavra, só voltou a chorar no meu colo. Porque de alguma maneira, lá dentro, você já sabia que só dependia de mim, do que eu poderia aguentar por você, e foi coisa demais. –ergui seu queixo para que olhasse nos meus olhos. – Me desculpa, mas não consigo mais manter minha promessa.

            Tudo pareceu desabar, toda a mentira fora revelada e tudo que eu conseguia pensar era se de alguma forma, ela podia ter sido evitada.

            Harley se distanciou de mim sem conseguir desfazer o olhar. Estava assustada, eu sabia disso. E pela primeira vez, eu tinha causado aquilo.

            Entretanto ela tinha que saber de uma vez por todas, que nós, éramos exatamente como o corvo e a águia.


Últimas palavras deste relato:

A neve é branca, serena, mas pode ser mortal.

Uma sombra é calada, negra, mas pode ter sentimentos.

Uma pessoa é uma supernova, poderosa, mas também pode desabar.

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